EDITORIAL

Aline Sanches
Universidade Estadual de Maringá , Brasil
Rosana Aparecida Albuquerque Bonadio
Universidade Estadual de Maringá, Brasil

EDITORIAL

Psicologia em Estudo, vol. 21, núm. 2, pp. 197-198, 2016

Universidade Estadual de Maringá

O auge do período do pensamento ocidental, conhecido como modernidade, é denominado de iluminismo, conceito que sintetiza o modo de pensar e de agir que dominou o séc. XVIII: iluminar, lançar as luzes da ciência e do conhecimento sobre o mundo para tornarmos este um mundo melhor. Esse período é marcado por um grande otimismo social: mediante o uso da razão, da ciência e do engajamento político-social, seria somente uma questão de tempo para que a ignorância e o irracionalismo desaparecessem. A ciência traria o progresso para a sociedade e a construção de um mundo melhor, sem guerras, sem fome, sem doenças, sem injustiças, sem o mal…

É por volta de 1930 e 1940 que filósofos, sociólogos e psicólogos de procedências distintas começam a questionar esses ideais iluministas. O contexto de ascensão do nazismo, as duas grandes guerras mundiais, a crise econômica de 1929, a revolução russa e toda a sua matança abalam nossa confiança no racionalismo como único guia em direção a uma sociedade mais justa e entende-se que mesmo a razão pode nos levar a caminhos obscuros; o conhecimento e a ciência também se colocam à serviço da morte e da crueldade e se compreende que “o nazismo não é um acidente de percurso em nossa história, ele é a realização de um ideal iluminista, ele é a face obscura da modernidade”. Civilização não é sinônimo imediato de progresso e percebe-se que os avanços culturais e tecnológicos não cumpriram suas promessas de bem-estar e justiça social. Em suma, a razão científica avançada não serve para lidar com as pulsões humanas mais elementares, aquelas ligadas à agressividade e à destrutividade. Neste sentido, as origens do mal estar social não estaria tanto em um conflito entre os desejos do indivíduo e as renúncias necessárias para se viver em sociedade, mas nessa destrutividade humana que resiste e persiste.

Desde Freud, o mal estar apresenta-se como um importante dispositivo analítico para compreendermos nossa civilização. Que mundo é esse onde vivemos e por que ele parece tão distante do mundo que queremos? Será que podemos inventar e reinventar o espaço social conforme nosso desejo e boas intenções? Ou já não seria o espaço social, com todas suas agruras e mazelas, o fiel retrato de nosso desejo humano, demasiadamente humano, com suas próprias armadilhas e sede de poder e dominação?

Estas questões se fazem cada vez mais pertinente quando pensamos que, em pleno século XXI, a globalização almejada como um “avanço” da humanidade tomou conta de nossos pensamentos e ações alterando não só as relações de produção como também as relações sociais. As contradições do capitalismo estão postas, quanto mais o gênero humano avança no desenvolvimento das produções materiais, menos se tem acesso a mediações ricas que favoreçam o desenvolvimento completo do homem.

Nesta lógica, para atender aos interesses neoliberais se instituem palavras de ordem como competência, flexibilidade, empregabilidade, inclusão e tolerância. Tem-se a falsa sensação do acesso igualitário de todos à tecnologia, às redes de informação e ao saber científico, entretanto, a grande maioria da população se encontra semi-incluída ou excluída desse processo. A possibilidade de ter educação, saúde e políticas públicas de qualidade está cada vez mais reduzida, revelando a distância entre o discurso democrático e a prática social.

Neste cenário, presenciamos o desenrolar da política, da economia e da educação... Escolas e universidades públicas cada vez mais sucateadas – serviços públicos em geral – deixados à deriva em um mar que se faz agitado e obscuro, sob a ameaça real de um naufrágio. A corrupção generalizada parece ser a outra faceta de um desinvestimento progressivo no público e no social, a ética naturalizase de modo perverso: é o enriquecimento individual que prevalece sobre o bem-estar social; são os recursos privados que se sobrepõem aos recursos coletivos.

Mas como fazer um enfrentamento daquilo que nos enfraquece e nos torna vulnerável? Mais do que nos deixar contaminar pelo medo e pelo pessimismo, pensamos que o momento é propício para questionamentos, para a criação de espaços que possibilitem o desenvolvimento do pensamento crítico, em prol de ações coletivas capazes de provocar mudanças em nossa práxis. Isso requer luta, coragem, requer assumirmos uma postura política, ativa frente a uma sociedade que ainda explora em grandes proporções seus cidadãos, que não se empenha em oferecer a maioria da população o mínimo acesso aos bens produzidos historicamente pela humanidade.

Esse movimento solicita à psicologia, em suas mais variadas abordagens, em uma leitura de mundo que supere a aparência e com ela as ingenuidades e abusos contidos na ideia de “ordem e progresso”; que valorize esse homem que está em sofrimento, adoecendo frente às relações de poder e de dominação, própria de uma sociedade que mantém a desigualdade para se retroalimentar. Este homem, a quem nos referimos, é produto e produtor de sua história, não um sujeito passivo abandonado à sorte...

Desta perspectiva, assumimos o compromisso em lutar por uma sociedade mais justa e igualitária, por meio do referencial teórico da psicologia. Para tanto, apresentamos aos leitores mais um número da revista Psicologia em Estudo que conta com a colaboração de pesquisadores de diversas universidades e instituições brasileiras. Os leitores poderão ter acesso a artigos oriundos de diversos tipos de pesquisas: conceituais, bibliográficas e empíricas, voltadas a vários temas, que contribuem para o cuidado com o ser humano e a promoção do bem-estar social. Uma boa leitura para aqueles que acreditam que esse é o caminho.

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