Resumo: O objetivo deste artigo é mapear as possíveis repercussões ou influências das redes sociais de internet na subjetividade de seus usuários. As concepções e sentidos subjacentes à vivência dos participantes, em termos da autoapresentação e interação nesse ambiente, constituíram-se no objeto de estudo desta investigação. A metodologia fundamentou-se na pesquisa qualitativa com base na observação participante e em entrevistas semiestruturadas com 16 participantes do facebook, de ambos os sexos, de diferentes idades, etnias e níveis socioeconômicos. A interpretação dos dados foi efetuada por meio de um diálogo entre a concepção de subjetividade prêt-à-porter e noções da psicanálise. Como fatores positivos, constatou-se o potencial de ampliação das formas de sociabilidade, de aprendizagem, de empoderamento e de elaboração psíquica. Por outro lado, evidenciaram-se o risco de inversão do tempo de produção e de socialização e a ocorrência do sentido de vigiar e ser vigiado. Os resultados ressaltam ainda outros elementos da subjetividade dos usuários que se tornaram visíveis e articuláveis por meio de textos e imagens, trazendo consigo novos desafios não somente para o dispositivo psicoanalítico e para aqueles que atuam com saúde mental, mas também para os demais profissionais de áreas afins à psicologia, educação e saúde.
Palavras-chave:Redes sociaisRedes sociais, saúde mental saúde mental, subjetividade subjetividade.
Abstract: The aim of this study is to map the potential repercussion or influences of online social networks on the subjectivity of its users. The conceptions and the underlying meanings from the experiences of the participants, in terms of self-presentation and interaction in this environment, constituted the object of study of this investigation. The methodology was based on a qualitative study with basis on semi -structured interviews with sixteen Facebook users, of both sexes, different ages, ethnicities, and socioeconomic levels. Data interpretation was performed through a dialogue between the conception of prêt-à-porter subjectivity and notions from psychoanalysis. As positive factors, the potential to expand the forms of sociability, learning, empowerment, and psychic elaboration was confirmed. On the other hand, the risk of investing production and socialization time, and the occurrence of the sense of watching and being watched. The results also highlighted the eruption elements of subjectivity of users which have become visible and articulated through texts and images, bringing with it new challenges not only for the psychoanalytic device and for those who work with mental health, but also for other professionals areas related to psychology, education and health.
Keywords: Social networks, mental health, subjectivity.
Resumen: El objetivo de este artículo es mapear las posibles repercusiones o influencias de las redes sociales de internet en la subjetividad de los usuarios. Las concepciones y significados simbólicos subyacentes a las experiencias de los participantes, en términos de auto-presentación e interacción en este medio, se constituyeron en el objeto de estudio de esta investigación. La metodología se fundamentó en la investigación cualitativa con base en la observación participante y en entrevistas semiestructuradas con dieciséis participantes de Facebook, de ambos sexos, de diferentes edades, etnias y niveles socioeconómicos. La interpretación de los datos se realizó por medio de un diálogo entre la concepción de la subjetividad prêt-à-porter y nociones del psicoanálisis. Como factores positivos, se constató el potencial de expansión de las formas de sociabilidad, de aprendizaje y de elaboración psíquica. Se evidenció el riesgo de invertir el tiempo de producción y la socialización, y la ocurrencia del sentido de vigilar y ser vigilado. Por otro lado, los resultados resaltaron aún otros elementos de la subjetividad de los usuarios que se han hecho visibles y articuladas por medio de textos e imágenes, trayendo con él nuevos desafíos no solamente para el dispositivo psicoanalítico y para aquellos que actúan con la salud mental, sino también para profesionales de áreas afines a la psicología, educación y salud.
Palabras clave: Redes sociales, salud mental, subjetividad.
UMA CARTOGRAFIA DAS REPERCUSSÕES DAS REDES SOCIAIS NA SUBJETIVIDADE
ONE CARTOGRAPHY OF SOCIAL NETWORKS EFFECTS ON THE SUBJECTIVITY
UNA CARTOGRAFÍA DE REPERCUSIONES DE LAS REDES SOCIALES EN LA SUBJETIVIDAD
Recepção: 29 Outubro 2015
Aprovação: 24 Junho 2016
As possíveis repercussões das redes sociais da internet na subjetividade de seus usuários têm se tornado um tema desafiador e, ao mesmo tempo, controverso para os estudiosos. Atualmente, a denominada Sociedade em Rede (Castells, 1999) tornou-se uma realidade inexorável em nossas vidas pelo fato de que grande parte da população mundial utiliza os sites de redes sociais em seu cotidiano. Por se tratar de um tema relativamente novo, as investigações avolumam-se e demonstram algumas influências dessa prática na sociedade e na subjetividade dos participantes; contudo, no que se refere à subjetividade, evidencia-se a necessidade de assinalar quais são essas supostas repercussões para que se possa avançar nesse profícuo campo de estudos.
As pesquisas sobre essa temática ressaltam diferentes tipos de repercussões, como é o caso do advento de uma subjetividade exteriorizada, solitária e sem tempo para a autorreflexão (Moreira, 2010). Por outro lado, os estudos também evidenciam o surgimento de uma subjetividade mais interativa e com mais possibilidades que a subjetividade prévia à interação propiciada por tais dispositivos da internet (Sakamoto & Fernandes, 2012). Ainda nesse contexto de exploração dos resultados obtidos pelos investigadores, destaca-se a divergência entre a concepção de que as relações interpessoais mediadas pelas redes sociais contribuem para o bem-estar subjetivo dos participantes (Cerrato, Pou, & Aznar, 2012) e a noção de que há tendências narcisistas expressas nesse ambiente, as quais tendem a prejudicar a autoestima dos usuários (Mehdizadeh, 2010).
Em virtude da polarização evidente nos resultados das pesquisas, surge a necessidade de elucidar melhor quais são as características dessas supostas repercussões e até que ponto elas se reúnem, contrapõem-se ou ocorrem de forma paralela. Portanto, diante desse panorama, o objetivo deste artigo é analisar os possíveis efeitos ou consequências das redes sociais da internet na subjetividade dos usuários a partir dos sentidos que eles atribuem às repercussões desse novo habitus mundial. Para tanto, realizou-se uma investigação na qual se analisou a opinião de 16 usuários de redes sociais, de ambos os sexos e de diferentes etnias/cor de pele, níveis socioeconômicos e idades. Os resultados foram mapeados por meio do método cartográfico com o objetivo de demonstrar algumas particularidades da subjetividade desses usuários, cujos efeitos do acesso à infinidade de recursos e dispositivos que as redes sociais oferecem ainda são um mistério.
No intuito de atender ao objetivo proposto, adotou-se um delineamento qualitativo (Creswell, 2014) e optou-se pelos seguintes instrumentos de coleta de dados: observação participante e entrevistas semiestruturadas (Groeben, 1990). O site facebook foi escolhido como base empírica para se observar as atividades dos participantes em virtude de sua representatividade em relação às demais redes sociais da internet. A princípio, a observação participante foi utilizada para se analisar os primeiros indícios do modus em que se estabelecem as interações nas redes sociais (autoapresentação e interação nesse ambiente). Após essa primeira etapa, os voluntários foram selecionados para participar da pesquisa por meio da entrevista semiestruturada.
Participaram da pesquisa 16 usuários do facebook, selecionados por conveniência e com base nos seguintes critérios de inclusão: sexo e etnia/cor de pele, nível socioeconômico e idade. Os participantes, após convite do pesquisador, voluntariaram-se e indicaram outros possíveis candidatos para participarem da pesquisa, seguindo o procedimento denominado "bola de neve" (Biernacki & Waldorf, 1981).
Com a finalidade de comparar os relatos, os participantes foram subdivididos em dois segmentos: oito homens e oito mulheres, entre os quais quatro se autodeclararam brancos e quatro, negros, quatro possuíam nível socioeconômico baixo e quatro, nível socioeconômico alto. Quanto ao nascimento, oito nasceram antes e oito, depois da década de 1990, que foi declarada como um marco histórico pelo surgimento do primeiro site de rede social, o Six Degrees (Lemos & Levy, 2010). Os participantes que nasceram antes do advento das redes sociais tinham entre 24 e 35 anos de idade e declararam as seguintes ocupações: servidor público, diarista, gerente administrativo, profissional autônomo, professora, desempregado, recepcionista e agente de viagem. Aqueles que nasceram após o surgimento das redes tinham entre oito e 20 anos de idade, e apenas um participante declarou não ser estudante.
A categorização dos níveis socioeconômicos ocorreu por meio do Critério Brasil de Classificação Econômica, sendo as classes A1, A2, B1 e B2 consideradas como nível socioeconômico alto, e as classes C1, C2, D e E, como baixo nível socioeconômico.
As entrevistas foram gravadas em áudio, transcritas e analisadas pelo primeiro autor. Todo o material foi encaminhado por e-mail aos participantes, com a finalidade de se obter feedback em relação às análises realizadas.
A análise e a interpretação dos dados ocorreram de forma interdisciplinar e por meio do mapeamento da opinião dos usuários do facebook, subdivididos por segmentos. A noção de cartografia dos sentidos atribuídos às repercussões das redes sociais na subjetividade foi inspirada nos pressupostos da Cartografia do Desejo, elaborados por Rolnik (1989). Seguindo essa perspectiva teórica, a cartografia realizada buscou ir além das propostas de entender e de revelar como ocorre esse fenômeno na prática social. Sob esse ponto de vista, buscou-se estabelecer “pontes de linguagem” que permitissem conjeturar a respeito das intensidades expressivas do processo de produção da realidade subjetiva. Desse modo, o presente mapa cartográfico pretende demonstrar a expressão das estratégias de formação do desejo no campo social, neste caso, na participação de usuários em atividades que se desenvolvem no ambiente das redes.
Todos os participantes assinaram o Consentimento Livre e Esclarecido. Os nomes utilizados para representar os participantes neste artigo são fictícios e a pesquisa que originou o presente trabalho foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Católica de Brasília, sob o número de protocolo: CEP/UCB: 13451013.9.000.00.029.
A ideia de que as redes sociais de internet constituem uma nova modalidade de comunicação e de interação esteve presente em todas as narrativas, constituindo um consenso entre todos os participantes. De forma unânime, os usuários entrevistados alegaram que vivenciam as redes sociais como nova forma ou como uma nova modalidade de se comunicar e de interagir, uma maneira diferente, eficaz, imediata e mais barata em relação aos outros meios de comunicação convencionais.
Embora não tenha havido discrepâncias significativas no que concerne às opiniões dos usuários dos diferentes segmentos analisados, as possíveis derivações dessa noção compartilhada por todos são as de que, ao utilizar as redes, “estamos mais em contato com os nossos amigos e parentes”, “estamos em contato com mais pessoas”, “podemos acompanhar a vida dos outros”, “reencontramos pessoas”, “estamos mais visíveis” e “temos mais facilidade para falar”.
Ao visualizar os sentidos que emanam da tensão entre o fluxo de intensidades e as representações que constituem esses novos territórios existenciais, é interessante ressaltar que esses sentidos, de certa forma, corroboram a concepção proveniente da literatura acadêmica que aponta uma tendência dos usuários em vivenciar os dispositivos oriundos da internet como um canal libertador, o qual suscita o desejo de estar conectado (Fortin & Araújo, 2013). Nesse suposto canal, segundo os entrevistados, é possível se expressar, pensar e até perceber o que ocorre no mundo de forma distinta. Assim, um dos aspectos que chamou a atenção durante a análise das entrevistas é que nem mesmo os membros do segmento composto por usuários que nasceram depois do surgimento da internet e das redes sociais divergem em relação a esse sentido compartilhado de que “as redes são uma nova modalidade de interação e de comunicação”. Um exemplo dessa concepção se revela por meio da opinião da entrevistada Valentina. Embora tenha apenas oito anos e utilize as redes sociais “há muito tempo”, ela responde que houve mudança na comunicação a partir do momento em que começou a utilizar as redes: “A comunicação, porque, quando a pessoa não tem Face, ela não pode se comunicar com as pessoas que passam tempo juntas porque elas querem conversar, compartilhar”.
À primeira vista, observou-se a intenção de manter contato com as pessoas. Entretanto percebe-se que essa nova modalidade de comunicação e de interação adquire, por conseguinte, um sentido subjacente de socialização. Socializar-se, desse modo, tem grande relevância para os participantes, pois, tal como considera Valentina, envolve poder ou não se comunicar e interagir. Torna-se, portanto, uma forma de se inserir no meio social e de se sentir parte dos contatos e dos grupos aos quais se pertence.
Ao ultrapassar as fronteiras de tempo e de espaço da comunicação presencial, tal como relataram Valentina e também a literatura (Rosa & Santos, 2013), essa nova modalidade de comunicação e interação constitui-se em uma ferramenta ou um dispositivo importante para os usuários no que se refere a estar em contato com os outros. Como resultado, o efeito derivado dessa prática social de interagir e de se comunicar por meio das redes é sentido de empoderamento.
Além da nova possibilidade de se comunicar, de interagir, de estar acessível aos demais, de se inserir no próprio meio social e de ver como as demais pessoas realizam essas mesmas atividades nas redes, o fato de utilizar as redes sociais proporciona aos participantes um sentido de poder. Este sentido pode ser definido, de forma geral, como poder ver, poder saber, poder achar, poder estar em contato, poder se expressar, poder influenciar e, consequentemente, poder realizar atividades variadas. Destarte, esse empoderamento, na esteira dos sentidos atribuídos pelos entrevistados, desdobra-se em poder fazer e, consequentemente, poder ser diferente daquilo que se é e se faz na chamada vida off-line ou fora das redes.
Em relação a esse sentido compartilhado de poder ser diferente do que se é na vida off-line, alguns participantes descreveram a possibilidade de conhecer mais sobre as pessoas e sobre si mesmos. Os entrevistados Rafaela e Rodrigo, respectivamente, expuseram as suas percepções sobre as outras pessoas: “ele parecia ser uma pessoa que não era” e “no fundo, a verdade dele é outra, ele é vulnerável, ele é fraco, ele não tem decisões, ele é o oposto”. Outros participantes revelaram que é possível saber mais sobre si mesmo, superar determinadas dificuldades pessoais e, além disso, aprender novas palavras ao utilizar as redes. Os entrevistados Gustavo e Verônica informaram, respectivamente, que: “Antes, eu era tímido e não falava muito. Agora eu falo mais” e “Você começa a falar melhor porque você aprende palavras novas. Eu leio as frases e vejo palavra que eu não conheço, procuro significado e treino a pronúncia”. Esses relatos demonstram que o sentido que designamos como empoderamento se refere à noção de poder ir além de algumas possibilidades corriqueiras da vida off-line por intermédio da utilização dos dispositivos e dos recursos que as redes oferecem.
É importante ressaltar que esse sentido de empoderamento foi evidenciado em maior expressão nas narrativas dos usuários de níveis socioeconômicos mais baixos (classes C1, C2), sobretudo entre aqueles que nasceram depois da internet e das redes sociais. Eles alegaram que o fato de poder interagir e se comunicar pelas redes sociais possibilitou-lhes aprender novas palavras, buscar o significado delas e treinar sua escrita e pronúncia. Em decorrência disso, eles puderam ampliar o vocabulário e adquirir segurança para falar e interagir com as outras pessoas. O efeito dessa prática, para esses participantes, foi o da ampliação do léxico e do seu conhecimento linguístico, bem como das habilidades sociais. Consequentemente, eles afirmaram que se sentiam menos tímidos e mais seguros no momento das interações face a face, fora das redes. Essa evidência sugere um efeito de generalização.
A concepção de empoderamento traz consigo um aspecto relevante e inovador, que é a inclusão da população menos favorecida financeira e socialmente em processos de aprendizado informal, inclusão social e suporte emocional, oferecidos por esse meio interativo. Diferenciando-se de um declínio no bemestar subjetivo em jovens adultos, que foi encontrado por Kross et al. (2013), o sentido de empoderamento, evidenciado aponta em direção a um processo de comunicação favorável à inclusão digital e se inscreve em um conjunto de sentidos derivados da noção de poder fazer e ser diferente, de aprender com isso e de poder participar do que ocorre nas redes e fora delas.
Na literatura acadêmica, o fenômeno do empoderamento em nível individual tem sido, de certa forma, estudado com base na noção de aprimoramento do capital social (Ellison, Steinfield, & Lampe, 2007). Os resultados deste estudo corroboram essa linha de raciocínio e destacam os usuários de baixo nível socioeconômico como possíveis beneficiários desse capital social. Além disso, uma vez que há, como alegaram os participantes, uma possibilidade de aprimoramento da fala e da escrita, pode-se concordar que essas redes podem constituir-se também em um ambiente de aprendizado.
Em síntese, o sentido de empoderamento, nessa linha de raciocínio, é um fator de aprimoramento das aptidões comunicativas e interacionais, bem como de suporte emocional e social, que pode contribuir não somente para a inserção social da classe menos favorecida economicamente, especialmente jovens e adolescentes, mas também para a superação de dificuldades pessoais, tais como a timidez. Sendo assim, além de propiciar certa inserção social, o fenômeno do empoderamento pode trazer benefícios a essas pessoas no que se refere ao enfrentamento de situações procedentes de sua condição socioeconômica e crises típicas de determinadas etapas do ciclo vital, como é o caso da adolescência (Erikson, 1972). O resultado dessa repercussão, considerada aqui como positiva, é que esses usuários podem se sentir mais seguros e mais incluídos em seus grupos de pertença e na sociedade como um todo. Todavia, indubitavelmente, eles tenderão a experimentar esse sentido do empoderamento de forma peculiar em sua dinâmica interacional e, por conseguinte, subjetiva.
Ainda no eixo de análise composto pelos núcleos de sentido já abordados neste estudo – nova modalidade de comunicação e de interação, aprendizagem e empoderamento –, surge outro núcleo de sentido relevante nessa malha de produção subjetiva dos usuários das redes virtuais. Presente nas narrativas dos participantes, ele demarca um novo manancial a ser explorado em nosso mapa cartográfico e converge com a concepção de empoderamento, o que se denominará de elaboração psíquica. Elaboração porque alguns participantes mencionaram que utilizam as redes não somente como uma via de livre autoexpressão ou até mesmo como uma válvula de escape, mas também como um recurso que lhes permite elaborar conflitos e dificuldades que possuem e que são reconhecidas por eles mesmos como próprias.
No seguinte relato da entrevistada Rafaela, percebe-se que, indo além do sentido de se expressar e de vivenciar um suposto sentido de empoderamento, sobrevém um sentido de enfrentamento de situações difíceis e dramas vitais, bem como de elaboração de conteúdos que geram conflitos internos:
Mas isso me ajudou a elaborar. Isso porque tenho dificuldade de sentir a idade que tenho, até porque eu não aparento ter essa idade, sempre aparentei ser mais nova. Bom, e postando essa contagem regressiva eu consegui elaborar e me senti preparada.
Nesse trecho, destaca-se a afirmação de que ela tem dificuldade de sentir a idade que possui e de preparar-se para enfrentar determinada situação. Rafaela, entre o que, supostamente, aparenta ter e o que sente, expressa a sua vivência de elaboração, como ela mesma a denominou. Elaboração, neste caso, é definida como reedição e, de certa forma, como tramitação de conteúdos internos ou, ainda, em outras palavras, psíquicos. Sob essa perspectiva, esses conteúdos podem resguardar uma carga afetiva elevada e gerar algum tipo de conflito psíquico para o sujeito. Conflito psíquico, seguindo os ensinamentos de Freud (1926/1976), lato sensu, o qual se refere à existência de exigências antagônicas que podem gerar inibições, sintomas e angústia. Assim, com base nos pressupostos da regra fundamental da psicanálise, para que o sujeito “resolva” sua problemática, é preciso reelaborar (Durcharbeiten) os conflitos psíquicos por meio da busca do nexo entre os conteúdos inconscientes e as defesas utilizadas por esse sujeito, com o objetivo de se defender deles.
O processo de reelaboração de conflitos psíquicos não é simples. Frequentemente, o sujeito não consegue recordar suas vivências, fantasias nem conteúdos inconscientes que foram recalcados. Consequentemente, o nexo entre esses conteúdos é bloqueado e o sujeito, ao invés de recordá-los e reelaborá-los, atua-os e repete compulsivamente essa ação sem perceber que o faz (Freud, 1914/2012). Essa compulsão à repetição acarreta dificuldades para a pessoa em termos de elaboração de seus conflitos psíquicos, porque não lhe permite recordar nem entrar em contato com o conteúdo recalcado. No caso da entrevistada Rafaela, ao poder trazer à tona esse conflito, dar-se conta do que ele implicava e interagir com os demais usuários da rede, ela menciona que foi capaz de elaborá-lo.
Outro caso similar, porém mais vinculado ao desencadeamento de um conflito como reação frente a situações adversas da vida, foi o da entrevistada Joana. Em sua entrevista, ela trouxe à baila que a utilização da rede a ajudou a elaborar o luto em duas situações diferentes:
Eu tive que fazer uma cirurgia e eu tinha que elaborar que eu tinha que ficar quieta vinte dias de cama, tendo um sol escaldante lá fora. Isso porque eu não podia nem me mexer, e as pessoas só postam no Facebook biquíni, praia e caipirinha. Então, me dava muita agonia entrar no Face. Eu tive que elaborar isso. Outra situação foi a da morte do meu irmão. Foi uma morte drástica, inesperada, ninguém imaginava. Tive que passar oito horas no I.M.L. para reconhecer o corpo dele e não podia sair porque senão eu perderia o serviço de funerária que tinha contratado. Daí, as pessoas, pelo Facebook, perguntavam se eu precisava de alguma coisa, manifestavam apoio, solidariedade. Depois, na missa de sétimo dia, eu fiz uma homenagem a ele. Fiz um levantamento fotográfico e subi um monte de foto no Face para mostrar para as pessoas que ele tinha filhos, que era um bom pai. Depois, a minha sobrinha me pediu para que eu postasse uma carta que ela tinha escrito para ele. Tudo isso foi muito bacana, me ajudou muito. Então, eu acho que é isso. Tem o lado do belo, do lúdico, mas também do drástico e do apoio, da solidariedade. Isso te faz sentir segura, ancorada.
Sentir-se segura e ancorada diante das situações de luto e nas quais se deve renunciar ao que se pretende fazer, tal como relata Joana, tem relação com o que se concebe como elaboração de conflitos psíquicos. Não menos importante, ela ressalta o apoio e a solidariedade de seus contatos nas redes sociais, bem como a utilidade de postar fotos e cartas em momentos de dificuldade. Nesse contexto, Bousso, Ramos, Frizzo, Santos e Bousso (2014) também detectaram essa repercussão e sublinharam a diversidade de sentimentos expressos por meio das redes sociais que, segundo os autores, permite aos seus usuários tratarem de conteúdos e tabus característicos do domínio privado e que dificilmente são tratados abertamente, como a morte e o processo de morrer.
Na narrativa de Joana, evidenciaram-se a elaboração de luto relacionado à perda de um ente querido e a de uma restrição em sua vida pessoal. Em ambos os casos, apesar da influência externa, essa elaboração precisou ser realizada por ela em seu mundo intrassubjetivo e, portanto, psíquico. Sendo assim, pode-se ratificar o núcleo de sentido que se concebe como elaboração psíquica. Porém, não obstante a constatação da existência dessa repercussão na subjetividade dos usuários, cabe ressaltar que, com base nas noções da psicanálise que foram elencadas, o processo de reelaboração de conflitos psíquicos é mais complexo e exige que ditos conflitos sejam reelaborados a partir da transferência no contexto do tratamento psicanalítico (Freud, 1914/2012). Portanto, pode-se inferir que a reelaboração, stricto sensu, não ocorre de maneira plena a partir do uso das redes sociais de internet; entretanto podese afirmar que há, tal como mencionaram as participantes do presente estudo, indícios de elaboração psíquica que começam a surgir a partir das interações no ambiente das redes.
A evidência desse núcleo de sentido traz consigo novos questionamentos para a concepção de subjetividade prêt-à-porter. Segundo Rolnik (1997), o resultado do surgimento dessa subjetividade é fenômeno do esvaziamento de sentido e da perda do caráter disruptivo do dispositivo psicanalítico, denominado por Freud de “a peste”, que consiste em abrir a subjetividade às irrupções do contemporâneo. Nessa perspectiva, se bem se pode constatar a ocorrência desse fenômeno, o sentido de elaboração psíquica revela uma nova possibilidade que precisa ser mais bem analisada a posteriori: o advento, a partir das interações entre os usuários das redes sociais, de certa elaboração psíquica de conflitos e de situações adversas.
Esse núcleo de sentido apresentou maior discrepância no que tange aos segmentos sexo, data de nascimento, nível socioeconômico e etnia/cor de pele. As mulheres autodeclaradas brancas, de maior renda e nascidas depois do surgimento da internet e das redes sociais foram as que mais manifestaram vivenciar o sentido de elaboração psíquica como uma repercussão das redes sociais na subjetividade.
A despeito da revelação de repercussões consideradas positivas, tais como os sentidos de empoderamento, de aprendizagem e de elaboração psíquica, não se poderia abster de demonstrar, neste mapeamento, as repercussões consideradas negativas pelos entrevistados. Nesse contexto, alguns participantes mencionaram que sentem que “perdem tempo” de seu dia quando estão conectados. Um exemplo ilustrativo dos efeitos dessa repercussão pode ser observado por meio do relato de Verônica, no qual ela enfatiza que se sente “agoniada” quando não pode ver as notificações nas redes, e isso lhe subtrai grande parte de seu tempo:
Quando meu celular está acabando a bateria, eu tenho que arrumar carregador. Não gosto. Fico agoniada. Nas festas, eu to com o celular no bolso e fico agoniada. Que eu tenho que esperar?! Eu tô lá, to com o meu namorado, tô com as minhas amigas. [Esperar o que?] Notificação, notícia, alguma coisa.
Nesse relato, destaca-se que, quando não está conectada e, sobretudo, ante a possibilidade de que acabe a bateria de seu celular, Verônica sente agonia. Para ela, isso ocorre pelo fato de que ela “espera” ver o que se comenta, bem como espera receber notificações e espera por “alguma coisa”. Nesse sentido, Serres (2003) argumenta que, nesse novo habitat virtual, nosso tempo bifurca-se, tornando-se um mundo sem distâncias e sem referências. Isso amedronta, assusta, inquieta e adensa a ansiedade, porque gera dependência dos outros, remove limites e fronteiras e impõe novas formas de interação.
Nessa perspectiva, a narrativa desta entrevistada reflete o que Fortin e Araújo (2013) ressaltaram como o desejo irresistível de usar a rede, tal como uma obsessão. Entretanto nem todos os usuários partilharam dessa concepção, como se observa no relato de Cláudio:
[Com que frequência você acessa o site? O que costuma fazer (postagens, fotos)?] Tem duas fases. A fase em que eu acessava bastante era para ver sobre filmes, cinema, bate-papo, atualização de amigos e coisas relacionadas à dança. E usava também por questão de trabalho, para estar “antenado” no que estava acontecendo. Hoje é mais para ver o que está acontecendo com os amigos, cinco minutos, dou uma passada geral e fecho. Não coloco mais nada.
Em oposição à opinião de Verônica, Cláudio menciona que, atualmente, ele acessa o facebook por aproximadamente 5 min, por dia. No entanto, ainda que essa forma de se sentir compelido a usar as redes não seja partilhada por todos, tal como explicita Cláudio, essa é a repercussão que chama a atenção de estudiosos e de pessoas que convivem com parentes que utilizam as redes dessa maneira.
Nesta pesquisa, apenas Verônica se autodeclarou “viciada”; porém, por vezes, surgiram, nas entrevistas, expressões como “perco muito tempo” e “deixo de fazer as outras coisas”. Por isso, no caso de pessoas que se autodeclaram viciadas, como Verônica, não somente a quantidade de tempo gasto chama a atenção, mas também o fato de que essas pessoas não conseguem permanecer longos períodos sem se conectar, tal como revela Mariana: “Eu viveria sem. Mas tem gente viciada, não consegue ficar nem uma hora sem entrar, isso é um vício”. Assim sendo, cabe ressaltar que esse fenômeno, relatado por alguns dos participantes, é alarmante e tem adquirido o status de patologia na atualidade.
Algumas pesquisas divulgadas na mídia e alguns autores destacam a possibilidade do isolamento social e do declínio das relações interpessoais como impactos causados pelas redes sociais e por outros dispositivos da internet. Nessa perspectiva, afirma-se que também se evidencia, nesta investigação, o paradoxo referente à aproximação de pessoas distantes geograficamente e ao distanciamento, de certa forma, de pessoas que estão presentes e mais próximas fisicamente (Turkle, 2011). Esse fenômeno se manifesta, segundo Ivo, da seguinte maneira:
Acho que você se aproxima mais das pessoas até certo ponto, mas também se distancia. ... É que, ao mesmo tempo em que você está se socializando na Internet, você está criando uma barreira na vida real, uma distância por causa do Facebook. E eu acho isso chato... meio desnecessário porque você está com a pessoa naquele momento, na vida real e esquece dela para checar Facebook, para fazer outra coisa.
Como bem explica Ivo, por vezes as pessoas “se esquecem” das outras para checar as redes, como o facebook, e isso acaba gerando uma espécie de “barreira virtual”, como ele mesmo especificou. Nesse contexto de análise, esse paradoxo se torna ainda mais evidente se se reforçar o relato de Ivo com a seguinte afirmação de Roseana: “Só que eu fico no celular e nem vejo as pessoas que passam na rua”. Entre a rede e a rua, no caso de Roseana, sua atenção privilegia o que ocorre na rede. Corroborando essas duas narrativas, esse mesmo contraste entre aproximação e distanciamento foi descrito por Eugênia:
Eu acho que o principal motivo [para utilizar o Facebook] é manter contato com os amigos. Como eu sou de outra região, minha família e meus amigos são todos de lá. Eu vim para cá, então, até para não perder o contato com o povo de lá. Acho que é um meio de comunicação mais fácil.
Para Eugênia, as redes sociais favorecem o contato com seus parentes que vivem em outra cidade. Do mesmo modo, Mariana destaca que vivencia a rede como um encontro de pessoas e isso, segundo ela, faz com que as pessoas se sintam felizes:
Eu vejo assim, é mais um encontro de pessoas que antes não estavam juntas. Então, elas se sentem felizes. Então, até pra alguma coisa, alguém tá precisando de alguma coisa, de ajuda, e é só postar no Face que as pessoas se manifestam... uma mensagem, um comentário. Pessoas que não se viam, você encontra no Face.
Diante dessas opiniões, revela-se a contradição ou o paradoxo existente entre estar distante geograficamente e, ao mesmo tempo, sentir-se próximo e, no entanto, estar próximo e sentir que existe “uma barreira virtual”, como mencionou Ivo. Com efeito, infere-se que, dependendo da forma como a pessoa utiliza as redes sociais, esse dispositivo pode vir a auxiliar na manutenção dos relacionamentos já existentes no mundo real e, quando não ocorre de maneira isolada, tende, inclusive, a intensificá-los (Nicolaci-da-Costa, 2005).
o
Por saberem que estão sendo observados pelos demais usuários das redes, todos os participantes desta pesquisa entendem que, de certa forma, estão expostos e que é possível vigiar-se mutuamente. Essa vigilância é mais abrangente e pode ser efetuada por empresas, por dispositivos que traçam o perfil de consumo (consumer profile) de usuários ou então por pessoas que perseguem outras pessoas pelas redes sociais. Isso é nítido também em relação aos casos policiais, nos quais o culpado é encontrado por meio do seu perfil ou pelas fotos postadas nas redes sociais.
O sentido derivado dessa noção geral de sentir-se vigiado foi relatado pelos participantes com uma conotação de poder saber da vida dos demais pelo perfil, pelo que se posta e também pelo que se omite nas redes virtuais. De tal modo, de forma representativa, os relatos das entrevistadas Magda – “Ás vezes, é uma pessoa que te conhece, usa um nome falso ou o nome de outra pessoa e vem querendo saber sobre a sua vida” – e Verônica – “Sabe aquela curiosidade, sabe?” – expressam alguns sentidos atribuídos a esse sentido de ser vigiado e, ao mesmo tempo, de poder vigiar.
Nesse contexto de análise, a literatura demonstra que as redes sociais criaram uma noção ambígua da antiga concepção de público e privado (West, Lewis, & Currie, 2009). Uma característica relevante dessa ambiguidade é a de que existe grande quantidade de informação pessoal publicada em sites como o facebook, e isso torna os usuários vulneráveis aos estigmas sociais (Nosko, Wood, & Molema, 2010). Consequentemente, os participantes sentem medo da violência pelo elevado nível de exposição (Rosa & Santos, 2014a) e eles próprios utilizam táticas para ter mais segurança e para se expor menos nesses ambientes (Livingstone, 2009). Apesar disso, poder vigiar os demais e ser vigiado pelos outros usuários é um comportamento tácito, alegado por vários entrevistados desta pesquisa. Essa evidência também foi constatada em uma entrevista-piloto, que foi realizada previamente à investigação que originou o presente trabalho. Nessa entrevista, Gisela explicou que as pessoas estão, o tempo inteiro, pensando no que pode ser reportado:
O Facebook muda a forma de relacionamento com o mundo e com as pessoas e, consequentemente, a sua forma de ser. Penso sempre no que pode ser publicado, estou ali, mas não estou, estou sempre pesando em reportar o presente ou em ser reportada. Parece uma vida mais superficial. Há coisas que são para serem vividas e não para serem reportadas. As pessoas estão o tempo todo pensando no que pode ser reportado... Todo esse desdobramento on-line talvez me influencie nas minhas escolhas, [no] como vou aparecer (grifo nosso).
Aparecer e ser reportado, em suas palavras, tornaram-se características que se podem analisar como a síntese e a antítese do que seria uma aparição espontânea, pensada e até proposital, por um lado, e uma aparição inusitada, desavisada e até forçada, por outro. Com efeito, os entrevistados relataram que se percebem vigiados e vigiadores em um ambiente onde, supostamente, é possível controlar o que será visto. Neste ponto, percebe-se uma sutil diferença entre esse modo de vigiar e o controle da denominada Sociedade de Controle (Deleuze & Parnet, 1977/2004), uma vez que a autonomia dos usuários lhes adjudica um sentido que vai além do mero vigiado ou controlado.
No ambiente das redes, os usuários têm maior autonomia para vigiar os outros usuários e para coibir supostos vigiadores por intermédio das opções de privacidade. Outra tática, para não evitar a exposição, é a de evitar postagens comprometedoras. No entanto, a qualquer momento, alguém pode realizar um comentário não desejado, e os usuários podem também, a despeito de suas vontades, figurar nas redes sociais alheias em fotografias, compartilhamentos e comentários. Por isso o sentido de ser vigiado e de poder vigiar os demais sobrevém da concepção de visibilidade constante de si mesmo, como menciona Claudio: “Com o Facebook, mesmo eu sendo um pouco mais regrado em questão de comentários e postagens... ele me deu mais visibilidade. Visibilidade das pessoas com relação a mim, sim. De mim em relação às pessoas também”.
Diante dessa constatação, foi possível observar que o sentido de vigiar e ser vigiado engendra uma noção de visibilidade ou de celebração do “eu”, que varia em função das características ou do perfil dos participantes, principalmente em relação ao segmento sexo. Como disse a entrevistada Verônica: “Curiar e saber da vida de todo mundo. ... Quando o namorado da gente trai, a gente descobre por lá”. Curiosidade (curiar) e estar ciente do que ocorre na vida alheia foram os sentidos atribuídos, preponderantemente, pelas entrevistadas do sexo feminino. Saber da vida de todo mundo, para alguns usuários, é interessante. Contudo nem sempre positivo para o bem-estar das pessoas, tal como notaram Chou e Edge (2012) ao destacar os sentimentos de ciúmes e de inveja entre usuários.
As mulheres, em geral, demonstraram maior interesse por saber da vida de amigos, familiares e desconhecidos pelas redes sociais. Os homens, por seu turno, apresentaram maior interesse por não expor suas vidas pessoais nas redes e, apenas, eventualmente, por saber mais a respeito da vida dos demais. Portanto, há maior prevalência do sentido de poder vigiar nos participantes do sexo feminino e de ser vigiado nos participantes do sexo masculino. Não obstante essa evidência, não se pode descartar a possibilidade de que haja variações entre homens e mulheres em virtude dos interesses e das finalidades pelas quais cada usuário, em particular, utiliza as redes sociais (Rosa & Santos, 2014b). Em que pese essa possibilidade de variação entre vigiados e vigiadores, o sentido de vigiar, compartilhado por todos, não é alterado em sua concepção mais ampla.
Após o traçado desta cartografia, retoma-se uma evidência proeminente que foi destacada pelos entrevistados: a visibilidade constante de si mesmo se autoapresentando e interagindo com os demais na continuidade do que ocorre dentro e fora dessas redes. Esse resultado ainda causa controvérsia no meio acadêmico e requer uma análise específica a respeito de suas propriedades e de seu potencial de repercussão na subjetividade.
Considerando-se a intensificação dos fluxos do processo de globalização e os rápidos avanços tecnológicos, percebe-se que as subjetividades tornam-se cada vez mais suscetíveis às influências dessa profusão de distintos universos conectados pelas redes: a intimidade dos usuários, o contexto social e o panorama atual da civilização humana em relação aos distintos progressos e retrocessos políticos, sociais, econômicos e culturais. Nesse contexto, a difusão de subjetividades prontas para levar (prêt-à-porter), segundo Rolnik (1997), engendra dois tipos de efeitos: o combate à referência identitária, para dar lugar aos processos de singularização, e a “síndrome do pânico”, cuja desestabilidade atual é levada a tal ponto de exacerbação que se ultrapassa o limiar do que é suportável.
Os resultados apresentados nesta cartografia conduzem a ressaltar os efeitos das redes sociais na subjetividade e a manifestação de elementos da subjetividade dos usuários que se tornaram visíveis e articuláveis por meio de textos e imagens. Essa perspectiva traz consigo novos desafios não somente ao dispositivo psicanalítico e àqueles que atuam com saúde mental, mas também para os demais profissionais de áreas afins à psicologia, educação e saúde, como lidar com os sujeitos que, a partir de suas peculiaridades, vivenciam os efeitos dessa ebulição em suas subjetividades.
Afortunadamente, os participantes da pesquisa que originou esta cartografia demonstraram efeitos positivos de suas múltiplas interações nas redes sociais como, por exemplo, os sentidos de aprendizagem, empoderamento e elaboração psíquica. Entretanto, para evitar generalizações, é necessário investigar acerca de como esses efeitos são vivenciados no que diz respeito aos diferentes tipos de estruturas subjetivas.