Introdução

A Teoria das Representações Sociais pode ser reconhecida como importante arcabouço teóricoconceitual para o estudo dos fenômenos sociais, uma vez que se dedica à compreensão do senso comum e de sua influência na conduta dos sujeitos. Lançada por Serge Moscovici, em 1961, a teoria proporciona o entendimento dos processos de elaboração coletiva sobre dado objeto social, que se viabiliza por meio da troca de informações e da produção coletiva de saberes pelos grupos sociais (Moscovici, 2012).

As representações sociais atribuem um sentido ao mundo, constituindo-se como uma forma de “saber prático”, produzido nas interações sociais e que confere sentido aos comportamentos adotados (Moscovici, 2012; Vala, 2004).

É reconhecida a função das imagens na formação e na manutenção das representações sociais (De Rosa & Farr, 2001). A relação entre imagens visuais e representações sociais se expressa pela própria estrutura da representação, que possui um componente imagético (Moscovici, 2012). Isso demonstra o papel das imagens na produção de sentidos pelos sujeitos, uma vez que a construção da realidade não é definida somente por palavras, mas por diversos meios, que incluem as imagens visuais (De Rosa & Farr, 2001; Medina Filho, 2013).

O termo imagem pode ser empregado com diferentes sentidos nas ciências sociais e humanas, podendo designar uma figura, uma “imagem mental”, ou, ainda, o conjunto de opiniões de determinado grupo social (Moscovici, 2012; Santaella & Noth, 2001). O entendimento do termo como a retratação visual de algo, parte da noção que a imagem corresponde à representação particular de um objeto em relação a outro (Joly, 2012). Nesse sentido, as imagens são apropriadas por indivíduos e coletividades para comunicações de diversas naturezas (Weller & Bassalo, 2011).

O estudo sistemático das imagens, com base em aspectos sociais, políticos e filosóficos de sua produção, surgiu no final do século XIX. A denominada iconologia demonstrou que o estudo de uma imagem requer esforço analítico, diferentemente do processo espontâneo, que é característico do ponto de vista de um observador informal (Gervereau, 2007; Joly, 2012).

Atualmente, diversos campos do conhecimento se dedicam à análise de imagens e a sua utilização em pesquisas sociais tem possibilitado descobertas e contribuições importantes para o estudo da vida social (Gervereau, 2007; Joly, 2012, Reavey & Johnson, 2008).

Há uma recente tendência de inclusão de dados visuais nas pesquisas em psicologia social, o que parece refletir a progressiva consideração da complexidade do processo comunicativo. A inclusão da análise de imagens em pesquisas de representações sociais, em especial, pode permitir o acesso aos conteúdos que não são expressos verbalmente e que se fazem presentes na estrutura da representação. Dentre os estudos que consideram os elementos imagéticos, na investigação das representações sociais, há um destaque para a análise de imagens publicitárias veiculadas na mídia, tendo em vista a sua importância na configuração dos significados socialmente elaborados (Medina Filho, 2013).

Neste trabalho, consideramos a possibilidade de que a análise semiótica de imagens, aliada ao tratamento dos dados textuais, seja uma ferramenta analítica promissora para a compreensão da rede de significados implicados na construção das representações sociais de determinado objeto social (Medina Filho, 2013). Esta perspectiva teórico-metodológica busca a apreensão de significados a partir de um sentido de base para um sentido projetado, propondo-se a ultrapassar os aspectos funcionais das imagens e alcançando as interpretações que podem advir do dado visual (Gervereau, 2007; Joly, 2009, 2012).

Assim, partimos do pressuposto de que a observação de uma imagem é produtora de sentidos, uma vez que mobiliza atividades intelectuais, decorrentes de um processo de aprendizado natural, mediado por aspectos históricos e culturais (Barthes, 1990; Joly, 2009, 2012). Dessa forma, a observação de uma imagem pode conduzir o observador de uma mensagem literal a uma mensagem simbólica, em outras palavras, parte-se de um nível de denotação para um nível de conotação (Barthes, 1990).

Segundo a teoria semiótica, a imagem é um signo, ou seja, uma estrutura que está no lugar de outra ausente, evocando-a. Dessa forma, é composta por um significante (parte perceptível do signo) e um significado (conceito), que diz respeito a um referente (objeto de origem) (Joly, 2009, 2012).

É tarefa da análise semiótica decifrar o percurso interpretativo, trilhado pelos sujeitos, e o impacto “naturalmente” causado pelas imagens, sem pretender elucidar as reais intenções de seus produtores ou fornecer uma interpretação única e definitiva, mas apresentar o direcionamento mais provável, a partir da utilização de procedimentos criteriosos (Joly, 2009, 2012).

Tendo em vista a potencial contribuição da análise semiótica para os estudos de imagens e representações sociais, este relato visa apresentar um método de análise semiótica de imagens para a pesquisa em representações sociais. Portanto, partimos da identificação da análise semiótica como aporte teórico pertinente para a proposição de um percurso metodológico que visa à compreensão da rede de significados implicados na construção das representações sociais.

Método

Para a apresentação deste percurso, utilizaremos um exemplo extraído da pesquisa documental e exploratória, realizada por Terr (2014), que procurou identificar as representações sociais do feminino em 16 cartazes de campanhas publicitárias, lançadas pelo Ministério da Saúde, no ano de 2012. Tais cartazes encontravam-se disponíveis em formato eletrônico na página oficial do Ministério da Saúde, na internet.

A análise semiótica de imagens foi empregada para a apreensão das representações sociais do feminino, presentes nos cartazes analisados. Assim, foram selecionados cartazes que apresentaram, ao menos, uma imagem de sujeito do sexo feminino. A escolha do “feminino” como objeto de análise considerou a relevância da trajetória social e dos papéis atribuídos às mulheres, assim como a emblemática ampliação do foco social no campo da saúde da mulher.

O tratamento das imagens exigiu a descrição dos elementos visualizados, transcritos para a linguagem verbal. Assim, foi possível abordar o conteúdo visual presente no material, tendo em vista a sua descrição literal (Joly, 2012; Penn, 2006). A fase descritiva desse tipo de análise deve ser composta por uma descrição objetiva, livre de interesses e com atenção aos diversos componentes do campo visual. Assim, é importante que sejam considerados os diversos tipos de mensagens presentes no material analisado. Dessa forma, torna-se possível alcançar uma compreensão geral das mensagens implícitas, tendo em vista que a interpretação realizada pelo espectador se efetiva por um trabalho de associações mediadas pelo saber sociocultural (Joly, 2012).

A análise das imagens contou, ainda, com as contribuições de Gervereau (2007), que sugeriu duas etapas posteriores à fase descritiva. Dessa forma, ressaltamos a importância de considerar o contexto histórico e social da produção das imagens, para evitar contradições e conclusões precipitadas. Em seguida, apresentamos a tarefa interpretativa, que deve se pautar na descrição e no contexto, para o levantamento de aspectos da imagem, que vão além do que está claramente expresso.

Sendo assim, a descrição no âmbito denotativo se constitui como insumo para elucidar inferências culturais e relações estabelecidas entre aspectos literais e elementos externos à imagem. A busca pelos significados que estão “ocultos” na imagem visual será viabilizada pelo alcance da mensagem conotativa (Penn, 2006).

A mensagem linguística, presente nos cartazes, também é aspecto relevante, uma vez que imagem e texto mantêm íntima relação na atribuição de sentidos (Joly, 2012). No entanto, tendo em vista a delimitação deste relato e o enfoque na análise semiótica de imagens, a análise textual não será apresentada.

Resultados

A análise de cada um dos 16 cartazes estudados teve início por meio da descrição literal das figuras presentes nas peças publicitárias. O percurso metodológico seguiu conforme detalhado a seguir, demonstrando a possível contribuição da análise semiótica para os estudos de representações sociais.

Figura 1.
Cartaz da Campanha de Aleitamento Materno, 2012. Copyright © 2012 Portal da Saúde – Ministério da Saúde – www.saude.gov.br.

A peça da campanha de incentivo ao aleitamento materno será utilizada para exemplificar esse processo, iniciado pela delimitação das figuras do cartaz (Figura 1). Foram identificados oito elementos, sendo um correspondente ao cenário (elemento 1) e sete personagens (elementos 2 a 7).

Em seguida, cada um dos oito elementos identificados gerou uma descrição literal dos aspectos visualizados, o que caracteriza a mensagem denotativa. A Tabela 1 apresenta a mensagem denotativa referente aos elementos 1, 2 e 3 do cartaz exemplificado.

Tabela 1.

Descrição das figuras presentes no cartaz 6 Descrição das figuras 1 a 3 presentes no cartaz da Campanha de Aleitamento Materno, 2012

Por sua vez, a cada aspecto denotativo identificado foram associados elementos conotativos, que, segundo as recomendações de Joly (2012), correspondem às convenções sociais sobre as imagens visualizadas. Dessa forma, a partir da denotação foi possível acessar significados de primeiro nível, resultantes da mensagem visual de cada uma das figuras delimitadas. O uso de um macacão em azulclaro pelo bebê, retratado em primeiro plano, por exemplo, sugere que se trata de uma criança do sexo masculino.

Apesar de fundamentais para a análise, os elementos conotativos de primeiro nível não esgotam os significados propostos pela imagem. O primeiro nível corresponde aos significados primeiramente acessados, por convenção social. O segundo nível de conotação, por sua vez, diz respeito ao que Barthes (1990) denomina como “mensagem simbólica”, derivada da interpretação dos signos e permeada pelo conjunto de valores mantidos pelas práticas sociais (Joly, 2012).

Para tal, previamente, foi descrito o contexto de produção do cartaz. Com base em aspectos referentes às políticas de incentivo ao aleitamento materno, identificamos que o aleitamento exclusivo ainda é uma prática de curta duração, uma vez que, até o quarto mês de vida, os índices são inferiores a cerca dede 51,8%, segundo dados da Pesquisa Nacional de Prevalência de Aleitamento Materno - 2008 (Ministério da Saúde, 2012). Segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde (2014), 67% das crianças brasileiras são iniciadas precocemente ao aleitamento e somente 41% permanecem em aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida.

Tabela 2.

Descrição das figuras presentes no cartaz 6 Sinopse interpretativa do cartaz da Campanha de Aleitamento Materno, 201

A partir de tais dados, partimos para a exploração da conotação de segundo nível. Procuramos identificar, nos elementos visuais de cada cartaz, elementos do sistema de conotação que circulam na sociedade brasileira em geral.

A reconstrução da produção de sentidos possibilitada pelas imagens fez-se possível por meio da elaboração de uma sinopse para cada cartaz, composta por elementos conotativos gerais, tendo em consideração o tema da peça publicitária e sua relação com o contexto de produção do cartaz (Tabela 2).

A partir da estruturação dos aspectos conotativos mais profundos, buscamos apreender as características predominantes no conjunto de cartazes e evidenciar as relações estabelecidas entre os mesmos. Para tal, foram estabelecidas categorias, denominadas “eixos de significação”.

A definição dos eixos de significação foi realizada com base em significados associados às personagens femininas e que permitissem a vinculação dos cartazes a partir de aspectos conotativos em comum. Nesse sentido, foram delimitados cinco eixos, a partir de significados culturais comumente associados aos sujeitos do sexo feminino, segundo um conjunto de características observáveis, que incluem aparência física, comportamento, atividades cotidianas e grupos de pertença. Dessa forma, cada cartaz foi associado ao menos a um dos seguintes eixos, de acordo com as personagens identificadas: Menina; Moça; Senhora; Mulher; Mãe.

O cartaz de aleitamento materno foi associado aos eixos “Menina” e “Mãe”, por compartilhar figuras de personagens do sexo feminino com correspondências socioculturais a estes eixos. Para cada eixo, procedemos à apresentação de uma síntese interpretativa do cartaz, com atenção aos significados centrais decorrentes da visualização das figuras (Tabela 3).

Tabela 3.

Descrição das figuras presentes no cartaz 6 Síntese interpretativa do cartaz de aleitamento materno por eixo de significação

A síntese interpretativa concretizou-se como a evidenciação dos significados em destaque no cartaz, tendo como enfoque as personagens femininas, nosso objeto de pesquisa. Os mesmos procedimentos descritos foram realizados nos demais cartazes do corpus, que por sua vez apresentaram perfis específicos de significação.

As características das personagens femininas, identificadas a partir da análise conotativa do conjunto de cartazes, são indicativas das facetas do feminino na nossa sociedade. O acesso aos significados possibilitou a identificação de dimensões das representações sociais do feminino, circulantes nas publicações analisadas, que expressam aspectos de modelos de feminilidade vigentes e historicamente determinados.

No corpus analisado destacamos a fragilidade, ou ainda, a vulnerabilidade das personagens femininas, como elemento importante dos conteúdos representacionais. Assim como retratado no cartaz de aleitamento materno, a fragilidade parece se associar à concepção do “sexo frágil”, que é popularmente partilhada.

Simultaneamente à fragilidade, as personagens femininas foram frequentemente vinculadas a um perfil benevolente e atencioso. Especialmente, o protagonismo nos cuidados às crianças reforça a primazia da maternidade no feminino e aproxima as mães apresentadas de um ideal casto, que pode ser relacionado à figura da “santa-mãezinha”, descrita por Del Priore (2009). Tal aspecto pode ser percebido pela semelhança de algumas personagens com a figura da Virgem Maria, o que parece vincular um estado de santificação e pureza frente ao cumprimento do papel socialmente esperado.

Figura 2.
Pintura em tela da madona amamentando. Batoni, Pompeo - autoria interrogada. A Virgem amamentando o Menino. Lucca, Itália, 1708 – 1787. Copyright © 2009 Museu de Arte de São Paulo Assis chateaubriand – MASP. Endereço eletrônico: http://www.masp.art.br/

Nesse sentido, a figura de Wanessa Camargo pode ser compreendida como análoga a algumas pinturas clássicas da Virgem Maria amamentando Jesus, como ilustra a Figura 2. O penteado da personagem atua como uma moldura para a face, contornada pela franja regular e pelos longos cabelos posicionados sobre os ombros, tal qual um manto que emoldura o rosto. As tonalidades rosa, azul e branco também se assemelham ao contraste de cores comumente utilizadas para retratar a Madona.

Os aspectos destacados no cartaz de aleitamento materno ilustram de maneira alegórica a associação do feminino a um modelo de mãe zelosa, educadora e responsável, que naturalizou a mulher como mãe ao longo dos séculos (Badinter, 1985). Esse aspecto se constitui como importante dimensão da representação social do feminino, identificada a partir das contribuições da análise semiótica de imagens.

Discussão

O conjunto de cartazes analisados possibilitou identificar as representações sociais do feminino e, dessa forma, acessar o saber social de determinado grupo sobre esse objeto de representação. Os cartazes analisados podem ser considerados um produto social que expressa o mundo a partir de uma realidade representada. Logo, observamos que todas as características vinculadas às personagens femininas estão em associação, conformando uma teoria informal articulada e coerente, uma forma de organização de saberes relacionados e que definem um conteúdo representacional, conforme definido por Moscovici (2012).

Inicialmente, é importante ressaltar que os significados identificados não esgotam todos os possíveis sentidos das imagens, uma vez que elementos adicionais podem ser percebidos com base em outras teorias analíticas, por outros analistas, ou ainda, em outros momentos históricos, conforme destaca Penn (2006). Como a mensagem simbólica é descontínua e delimitada a partir do código cultural, ela gera uma diversidade de leituras, de acordo com a variedade dos sujeitos. Dessa forma, a análise de conotação não é precisa, e nem mesmo possui uma linguagem particular que possa nomear seu significado, tratando-se de aproximações a partir da linguagem corrente (Barthes, 1990).

Ciente das possibilidades analíticas, a escolha e o emprego da análise semiótica de imagens possibilitaram a identificação das representações sociais, por meio de etapas subsequentes, adotadas segundo as contribuições de estudiosos do campo da semiótica. Cada passo metodológico teve como referência os fundamentos do signo visual, especialmente os aspectos denotativos e conotativos descritos por Barthes (1990).

A pesquisa do conteúdo de campanhas publicitárias favoreceu o delineamento do percurso metodológico, uma vez que, em geral, os anúncios publicitários propiciam análises ricas, por haver uma alocação intencional dos signos (Joly, 2012; Penn, 2006). O estudo das imagens fixas das campanhas do Ministério da Saúde foi pertinente aos interesses da nossa pesquisa, delimitados a partir da temática de saúde da mulher.

Ao partir do conjunto de figuras de cada cartaz, o processo analítico priorizou a identificação inicial da mensagem denotativa, para que a mesma possibilitasse o acesso à mensagem conotativa, conforme recomenda Joly (2012). Para tal, a descrição detalhada deve considerar todos os elementos icônicos observados, que incluem a postura de modelos e a disposição dos elementos, bem como dos elementos plásticos, que incluem cores predominantes, iluminação e texturas (Joly, 2012). A listagem de tais elementos é essencial, pois é o conjunto de elementos icônicos que propicia a associação a possíveis significados mediados pelo saber sociocultural.

Consideramos importante relatar características étnicas das personagens, suas vestimentas e caracterização, que revelam aspectos do perfil sociocultural. A interação retratada entre as mesmas também foi identificada como aspecto relevante, uma vez que pode sugerir ações, emoções e relações estabelecidas.

A constatação de características comuns ao conjunto de personagens dos cartazes e das relações sociais retratadas é indicativa de aspectos culturais vigentes. Dessa forma, a vasta presença de personagens alegres, que assumem posturas ativas e interativas, sugere correspondência ao perfil desejado para o cidadão, pois expressa uma vida saudável e reflete satisfação com o estado de saúde e, consequentemente, com as ações de saúde realizadas pelo governo.

A diversidade étnica e etária das personagens, assim como a exposição de ambientes frequentados ou acessíveis aos cidadãos, também sugere que grande parcela do público pode se identificar com as imagens e com as ações retratadas. No cartaz de aleitamento materno, cuja cena se passa em um espaço público, a presença de mulheres em idade fértil, de cor branca ou parda, sugere que o ato de amamentar, praticado pelas mesmas, corresponde a ações potenciais de diversas mulheres.

A presença de celebridades inseridas em cenas cotidianas, como pode ser observado pela presença da cantora Wanessa Camargo, parece ressaltar que as personalidades públicas, muitas vezes admiradas e imitadas, também desenvolvem as ações propostas pelas campanhas. A participação de artistas ou atletas famosos nas campanhas de saúde é comumente observada e se relaciona à credibilidade despertada pela personalidade pública, assim como à atenção que a mesma atrai para a campanha (Porto, 2005).

Ainda que o leitor não percorra o caminho interpretativo previsto no processo analítico sistematizado, a produção de significados, a partir de determinada imagem, pode se realizar de maneira implícita e casual para o mesmo. Sabemos que a interpretação depende do saber do espectador e, dessa forma, está relacionada a aspectos socialmente partilhados, que estão além das individualidades (Joly, 2012).

A consideração do contexto no estudo das imagens é fundamental para compreendermos a atribuição de sentidos pelos sujeitos, por desvendar aspectos socialmente difusos sobre o tema em análise. Logo, a etapa da contextualização reduz as possíveis ambiguidades e favorece a compreensão das imagens, considerando que as mesmas são polissêmicas e complexas iconicamente (Gervereau, 2007; Joly, 2009). A contextualização das imagens favorece a compreensão dos signos analisados, como pode ser observado no cartaz que serviu como exemplo. O conhecimento da idade preconizada para o aleitamento materno possibilita compreender a decisão sobre a faixa etária das crianças retratadas no cartaz de aleitamento materno. Da mesma forma, o conhecimento das estatísticas de desmame precoce oferece condições propícias para a compreensão dos aspectos reiterados no cartaz para estimular o aleitamento materno.

A responsabilização feminina, identificada como importante aspecto de reforço, relaciona-se com o percurso histórico do feminino no Brasil, marcado por modelos de feminilidade vinculados à disciplina, à devoção religiosa e à maternidade (Pinsky, 2012a).Ainda que o modelo tradicional de mulher tenha sido progressivamente ameaçado pela emancipação feminina, a “mãe moderna” continua a ser responsabilizada em relação ao cuidados domésticos e com os filhos, apesar da maior fluidez na negociação da divisão de tarefas (Pedro, 2012; Pinsky, 2012b).

Além da contextualização das imagens, Joly (2009) destaca que uma imagem pode provocar a evocação de imagens já vistas anteriormente, fazendo referência a elementos icônicos já reconhecidos. Dessa forma, a ligação estabelecida entre uma imagem nova e outra já observada promove a intertextualidade e influencia a interpretação, segundo a autora. Nesse sentido, a investigação de imagens prévias em analogia às imagens analisadas tende a enriquecer a análise. A vinculação da imagem de Wanessa à imagem de Virgem Maria, por exemplo, fortaleceu o reconhecimento da relação entre a santificação da maternidade e do ato de amamentar, que caracteriza uma associação evidenciada desde o período colonial, no Brasil (Del Priore, 2009).

Todo o conjunto de aspectos observados e relações estabelecidas com elementos “externos” às imagens refletem tópicos com potencial impacto na produção de sentidos. Dessa forma, considerar o contexto de produção, a existência de figuras análogas e os significados socialmente compartilhados sobre as figuras retratadas caracteriza passo imprescindível para a análise semiótica de imagens e sua utilização na pesquisa em representações sociais.

Considerações finais

Durante toda a vida temos contato com uma diversidade de imagens e sua interpretação se processa de maneira natural, socialmente aprendida. O reconhecimento do senso comum como forma de conhecimento legítimo e evidenciável por meio da Teoria das Representações Sociais permite explorar as imagens como uma significativa expressão do conhecimento compartilhado pelos grupos sociais.

Ao buscar trilhar o caminho interpretativo de imagens visuais, este relato procurou reconhecer algumas possíveis etapas da significação desses importantes signos da comunicação contemporânea. Atualmente, vivemos, segundo alguns autores, em um mundo “hipervisual”, no qual as imagens assumem lugar de destaque na produção e na socialização de significados (Weller & Bassalo, 2011).

A natureza transcultural e trans-histórica das imagens indica que as mesmas ultrapassam barreiras geográficas e culturais, e que sua interpretação é essencialmente social (De Rosa & Farr, 2001). Tal natureza não somente reforça a importância da delimitação de métodos eficientes para a análise de imagens como também explicita os desafios metodológicos existentes.

A fim de potencializar as condições de análise e compreensão dos signos icônicos, a semiótica configurou-se como aporte pertinente e de vasta contribuição, por partir do pressuposto de que a observação de uma imagem também pode ser produtora de sentidos (Barthes, 1990).

Ressaltamos, no entanto, que o desenvolvimento da investigação do conteúdo, expresso em imagens fixas nessa perspectiva, não tem a finalidade de especular sobre as repercussões da recepção desse mesmo conteúdo. A consideração aos sentidos socialmente elaborados está centrada na análise semiótica das imagens selecionadas. Logo, a sistematização das etapas analíticas, propostas por este estudo, sugere contribuições para a análise em representações sociais, destacando a relevância das imagens no processo de aprendizado natural, pautado em aspectos históricos e culturais (Joly, 2009, 2012).

Sem pretender esgotar possibilidades interpretativas, o percurso metodológico estabelecido mostrou-se uma potente ferramenta para a apreensão de conteúdos representacionais, abrindo-se para a perspectiva exploratória em diversos meios visuais de compartilhamento de imagens e distintos objetos de estudo.

Referências

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Notas

Autor notes