RESUMO.: A criatividade e a memória operacional são marcadores de sucesso acadêmico e profissional. Paradoxalmente, estudos correlacionais nem sempre encontram associações entre esses constructos, algumas pesquisas evidenciam associações positivas entre os mesmos, e outras, associações negativas. Provavelmente, os achados contraditórios decorrem de parâmetros distintos, sendo importante identificá-los para uma compreensão mais coerente de tais relações. Assim, esta revisão sistemática de literatura teve como objetivo responder às questões: “Qual a relação entre memória operacional e criatividade? Processos mnemônicos de atualização e de recordação serial interferem igualmente na produção de pensamento convergente ou divergente?” Para tanto, um levantamento com descritores específicos gerou 384 artigos encontrados nas bases de dados da Scopus, Web of Science e Pubmed, dos quais, foram selecionados 15 estudos. Apesar da variabilidade metodológica apresentada entre os estudos selecionados, os resultados encontrados sugerem associações entre memória operacional e criatividade, que se explicam pelos processos atencionais, inibitórios, analíticos e motivacionais envolvidos. A revisão sistemática desses estudos permitiu concluir que as características das tarefas experimentais para estudo da criatividade e de memória operacional utilizadas podem influenciar nos resultados obtidos de tal associação. Depreende-se, também, que a sobrecarga de memória operacional pode prejudicar o desempenho criativo.
Palavras-chave: Memória operacionalMemória operacional,criatividadecriatividade,pensamento divergentepensamento divergente.
RESUMEN.: La creatividad y la memoria operativa son marcadores académicos y profesionales de éxito. Paradójicamente, los estudios de correlación no siempre encuentran asociaciones entre estos constructos; algunos estudios muestran asociaciones positivas entre ellos y otros muestran asociaciones negativas. Probablemente los hallazgos contradictorios surgen de diferentes parámetros, por lo que es importante establecer una comprensión más coherente de tales relaciones. Por lo tanto, esta revisión sistemática de la literatura tiene como objetivo responder a las preguntas: "¿Cuál es la relación entre la memoria operativa y la creatividad? Los processos de actualización mnemónica y recuerdo serial afectan también la producción de pensamiento convergente o divergente?" Con este fin, una encuesta de descriptores específicos genera 384 artículos que se encuentran en las bases de datos Scopus, Web de Ciencia y Pubmed, de los cuales se seleccionaron 15 estudios. A pesar de la variabilidad metodológica presentada entre los estudios elegidos, los resultados sugieren una asociaciones entre la memoria operativa y la creatividad, de atención, inhibitorios, de análisis y de motivación en cuestión. La revisión sistemática de estos estudios concluyó que las características de las tareas experimentales para el estudio de la creatividad y la memoria operativa utilizadas pueden influir en los resultados de una asociación de este tipo. De ello se deduce, también, que la sobrecarga de memoria operativapuede dañar el rendimiento creativo.
Palabras-clave: Memoria operativa, la creatividad, pensamiento divergente.
Artigo Original
INTERAÇÕES ENTRE MEMÓRIA OPERACIONAL E CRIATIVIDADE: REVISÃO SISTEMÁTICA
LAS INTERACCIONES ENTRE LA MEMORIA OPERATIVA Y LA CREATIVIDAD: UNA REVISIÓN SISTEMÁTICA
Recepção: 02 Julho 2016
Aprovação: 13 Fevereiro 2017
A criatividade tem sido considerada importante para o sucesso profissional, especialmente nas áreas de conhecimento econômico e tecnologia (Yeh, Lai, Lin, Lin, & Sun, 2015), e é valorizada em diferentes campos do conhecimento como medicina, ciências, engenharia, artes e leis (Pfeiffer & Wechsler, 2013). Conforme estudos recentes, essa habilidade pode ser treinável e desenvolvida por meio do ensino e da prática, especialmente por programas e estratégias orientadas que visam ao favorecimento do pensamento criativo (Nakano, 2015). Esses aspectos aplicados parecem bem estabelecidos, contudo a conceituação de tal construto pode variar entre autores.
Sternberg e Lubart (1999) definem criatividade como geração de ideias ou novas soluções de problemas de maneira adequada. Runco e Jaeger (2012) relacionam o termo à novidade e à utilidade da informação gerada, tanto em relação a comportamentos e atividades quanto à capacidade de produzir ideias com essas características. Outros autores como Prieto, Soto e Vidal (2013) referem que a criatividade está relacionada ao pensamento divergente, que consiste em gerar uma ampla gama de soluções e contrasta com o pensamento convergente, que seleciona as alternativas mais adequadas a fim de se solucionar um problema.
Contudo a avaliação dos processos criativos é complexa e demanda diferentes recursos, por exemplo, Pinheiro (2013) propõe oito grupos de medidas de criatividade: i) testes de pensamento divergente; ii) inventários de atitude e interesse; iii) inventários de personalidade; iv) inventários biográficos; v) nomeação por professores, pares e supervisores; vi) julgamento de produto; vii) eminência; e viii) autorresgistro de realizações criativas, os quais “são os mais empregados em pesquisa ainda hoje” (Pinheiros, 2013, p. 99). A maioria dos estudos adotam medidas de pensamento divergente, elaboradas por Joy Paul Guilford e difundidas por Ellis Paul Torrance como parâmetro para avaliar tanto a criatividade quanto a diversidade das características criativas (Primi, Nakano, Morais, Almeida, & David, 2013).
De acordo com Guilford (1967), o pensamento divergente considera as três capacidades principais da criatividade: fluência (produzir diferentes respostas), flexibilidade (produzir respostas de diferentes categorias) e originalidade (produzir respostas raras). A partir de tal concepção, García, Gómez e Torrano (2013) consideram o Teste Torrance de Pensamento Criativo prototípico por avaliar fluidez (quantidade de ideias), flexibilidade (variedade de ideias), originalidade (singularidade) e elaboração (quantidade de detalhes).
Estudos neurofisiológicos da criatividade, que se baseiam na atividade bioelétrica, gerada pelo cérebro, espinal medula, nervos e músculos, ainda não apresentam evidências conclusivas sobre as bases neurais específicas da criatividade. Abraham, Pieritz et al. (2014) são cautelosos ao afirmarem que, tendo em vista a heterogeneidade no tipo de tarefas usadas e a eficácia questionável das tarefas de comparação empregadas, as quais inviabilizam as generalizações. Em contraste, estudos de neuroimagem sobre criatividade, isto é, relacionados à organização das células neurais e respectivos circuitos funcionais que processam a informação e medeiam o comportamento, têm contribuído para identificar o substrato neural do pensamento criativo (Colombo, Bartesaghi, Simonelli & Antonietti, 2015). Por exemplo, estudos recentes (Kleibeuker et al., 2013) evidenciam o papel do córtex pré-frontal nos processos criativos, em áreas recíprocas àquelas ativadas por tarefas de memória operacional (MO). De fato, Damasio (2001) salienta que a MO é crucial para o pensamento criativo, pois permite que um indivíduo mantenha, em sua mente, o conhecimento que é relevante para resolver determinado problema. Possivelmente, essa mediação ocorre porque a memória operacional interage com vários processos cognitivos (Mota, 2000).
A MO pode ser definida como habilidade cognitiva por meio da qual uma pessoa processa e mantém novas informações recém-adquiridas, em um estado ativo, durante a realização de outras atividades cognitivas (Baddeley & Logie, 1999; Baddeley, 2007). É, portanto, uma habilidade de suma importância para um aprendizado eficaz, sobretudo, durante o neuro-desenvolvimento e em contexto acadêmico (Santos et al.,2012; Alloway, 2006; Gathercole et al., 2004).
Diferentes tarefas podem ser utilizadas para se avaliar os componentes de MO, como as tarefas de amplitude de memória ou span, relacionadas à recordação serial (serial recall), tais como sequências de dígitos, palavras, símbolos etc. - quando o participante é solicitado a repetir os estímulos, na mesma ordem ou na ordem inversa, imediatamente após tê-los ouvido ou visto (Uehara & Landeira-Fernandez, 2010) - e as tarefas de n-back, relacionadas ao processo de atualização (updating) - nas quais respostas são requeridas quando o estímulo apresentado (visual, auditivo ou espacial) é igual ao alvo apresentado “n” vezes atrás (Santos, 2005), portanto, a natureza das tarefas usadas revela diferentes processos cognitivos relacionados à MO.
Estudos recentes sobre a interface entre MO e criatividade têm produzido opiniões antagônicas. Diversos deles identificam uma associação entre esses dois construtos. Entretanto alguns evidenciam associações positivas entre tarefas de MO e criatividade (por exemplo, Oberauer, Süss, Wilhelm, & Wittmann, 2008; Yeh et al., 2015), ao passo que outros autores encontraram associação negativa entre alguns processos da criatividade e MO (por exemplo, Wiley & Jarosz, 2012; Lin & Lien, 2013), neste caso, a eficiência da primeira envolveria uma limitação da segunda. Por fim, há pelo menos um estudo que sugere a inexistência de associação entre os dois itens por meio de testes aplicados (Furley & Memmert, 2015).
A explicação mais plausível para essas discordâncias entre os estudos são diferenças conceituais e metodológicas. Com o intuito de compreender tais discrepâncias, as características dos estudos devem ser analisadas, por exemplo, a amostra (características dos participantes), o desenho experimental (estudo quantitativo transversal ou de caso controle) e o procedimento (parâmetros biológicos ou medidas comportamentais, usados para avaliar a associação entre MO e criatividade), ou seja, é crucial considerar a heterogeneidade metodológica. Portanto, uma compreensão mais precisa de quais condições determinam a presença ou ausência de associação entre criatividade e MO exige ponderação sobre um conjunto de estudos sobre o tema.
Para tanto, o presente artigo constitui um esforço para responder as seguintes questões: Qual a relação entre memória operacional e criatividade? Processos mnemônicos de atualização e de recordação serial interferem igualmente na produção de pensamento convergente ou divergente? Como método para responder a tais perguntas, adotamos a revisão sistemática, visando apresentar pesquisas que possam auxiliar a responder às questões norteadoras selecionadas, estabelecendo uma conexão entre os descritores e apontando o que já se conhece atualmente sobre a influência que um pode exercer sobre o outro.
Esta revisão sistemática de literatura, de natureza descritiva e informativa, procurou selecionar artigos relevantes para esta investigação a fim de comunicar seus resultados e implicações (Petticrew & Roberts, 2006). Assim, após a formulação das perguntas norteadoras, os seguintes passos foram realizados: localização e seleção dos estudos em bases de dados; avaliação crítica dos estudos; recolha de dados; análise, apresentação e interpretação dos dados (Bento, 2014).
Os descritores utilizados foram “criatividade” e “memória operacional” e “creativity” e “working memory”. A busca desses descritores ocorreu na base de dados da Capes (que abriga outras bases como Scopus e Web of Science) e na Pubmed. A pesquisa e a seleção dos manuscritos foram efetuadas pela primeira autora e revisadas pela segunda autora sem haver discrepância entre as mesmas.
Trezentos e trinta e seis artigos foram encontrados junto à base de dados da Capes e 60 artigos foram obtidos na consulta à Pubmed em março de 2016. Após a realização da comparação dos dados, verificamos que 13 artigos da Pubmed não estavam disponíveis no portal da Capes. Trinta e quatro artigos da Pubmed apareceram uma única vez na lista obtida na Capes e 13 artigos estavam duplicados.
Para averiguar se os artigos encontrados na consulta realizada ao banco de dados da Capes estavam relacionados ao tema, foi verificado se os descritores da pesquisa se encontravam no título, no resumo ou nas palavras-chave dos artigos. Após tal verificação, 36 artigos foram selecionados para leitura completa.
Dentre os 36 artigos encontrados por meio da consulta ao portal da Capes, oito foram inseridos nesta revisão por se tratarem de pesquisas empíricas com o mesmo foco de nossa análise: relacionar criatividade à memória operacional. Os demais foram excluídos desta revisão pelos seguintes motivos: não relacionar os descritores ou citar superficialmente um deles (7 artigos), revisões bibliográficas (13 artigos), patologia ou transtorno como tema principal do estudo (4 artigos), farmacologia como foco do estudo (2 artigos), terem sido encontrados repetidamente (2 artigos).
Na consulta à Pubmed, todos os resumos dos 60 artigos encontrados foram lidos. A partir de tal leitura, optamos por inserir apenas sete trabalhos. Os outros foram excluídos desta revisão de literatura pelos seguintes motivos: não relacionar os descritores ou citar superficialmente um deles (23 artigos), revisões bibliográficas (24 artigos), patologia como foco principal do estudo (2 artigos), droga experimental como foco principal do estudo (1 artigo), já estavam inclusos na revisão por meio da busca realizada primeiramente no portal da Capes (2 artigos). Observamos nessa etapa que a maioria dos artigos teve adultos jovens como público-alvo. Por esse motivo, a fim de obtermos uma análise mais homogênea, optamos por restringir o grupo etário, razão pela qual um estudo com participantes entre dez-17 anos não foi inserido com base no critério faixa etária.
Assim, esta revisão sistemática de literatura teve como foco a análise de 15 artigos referentes aos descritores em inglês criatividade (“creativity”) e memória operacional (“working memory”), encontrados nas bases de dados Capes e Pubmed. Destacamos que todos os artigos que preenchiam os critérios apresentados foram inseridos neste artigo, independentemente de seu ano de publicação.
Com o intuito de extrair o máximo de informações relevantes à comparação entre os estudos, os dados foram divididos em quatro categorias, a primeira quanto à caracterização estrutural dos estudos encontrados para a revisão sistemática, na segunda são abordadas as características intrínsecas à metodologia dos estudos, a terceira diz respeito aos achados científicos propriamente ditos e a quarta analisa estes achados em termos de processos cognitivos, implicados na relação entre criatividade e memória operacional.
Realizamos uma consulta dos quartiles das revistas em que estavam inseridos por meio do SCImago Journal & Country Rank (disponível no link: http://www.scimagojr.com). Consideramos o ranking para os últimos cinco anos das publicações, com foco nas áreas de psicologia ou neurociência para periódicos com diferentes áreas de abordagem. Foi obtido o seguinte resultado: 13 artigos foram publicados em periódicos Q1 (Takeuchi, Taki, Hashizume et al., 2011; Takeuchi, Taki, Sassa et al., 2011; Dreu, Nijstad, Baas, Wolsink, & Roskes, 2012; Aziz-Zadeh, Liew, & Dandekar, 2012; Roskes et al., 2012; Lin & Lien, 2013; Lee & Therriault, 2013; Abraham, Thybusch, Pieritz, & Hermann, 2014; Benedek, Jauk, Sommer, Arendasy, & Neubauer, 2014; Yeh, Lai, Lin, Lin, & Sun, 2015; Furley & Memmert, 2015; Hao, Yuan, Cheng, Eang, & Runco, 2015; Tan, Zou, Chen, & Luo, 2015). Houve apenas um artigo em Q2 (Razumnikova, 2007) e outro que foi classificado como Q2 pela maior parte dos anos, mas que caiu para Q3 em 2014 (Lavric, Forstmeier, & Rippon, 2000).
No que concerne à cronologia dos periódicos selecionados, indicados nas referências deste trabalho, notamos que o primeiro artigo que expressa a relação entre MO e criatividade foi de 2000, por Lavric, Forstmeier e Rippon. O tópico foi retomado em 2007 com Razumnikova e teve seu maior destaque nos últimos cinco anos, com duas publicações em 2011 (Takeuchi, Taki, Hashizume et al., 2011; Takeuchi, Taki, Sassa et al., 2011), três em 2012 (Dreu et al., 2012; Aziz-Zadeh, Liew & Dandekar, 2012; Roskes et al., 2012), duas em 2013 (Lin & Lien, 2013; Lee & Therriault, 2013), duas em 2014 (Abraham, Thybusch et al., 2014; Benedek et al., 2014) e quatro em 2015 (Yeh et al., 2015; Furley & Memmert, 2015; Hao et al., 2015; Tan et al., 2015). Ressaltamos que, até a data em que a busca havia sido realizada, nenhum artigo com os descritores “working memory” e “creativy” com publicação em 2016 foi encontrado.
A origem dos trabalhos também é bastante diversa, sendo três trabalhos do continente norte-americano (Lavric, Forstmeier, & Rippon, 2000; Aziz-Zadeh, Liew, & Dandekar, 2012; Lee & Therriault, 2013), seis do continente asiático (Takeuchi, Taki, Hashizume et al., 2011; Takeuchi, Taki, Sassa et al., 2011; Lin & Lien, 2013; Yeh et al., 2015; Hao et al., 2015; Tan et al., 2015), cinco do continente europeu (Dreu et al., 2012; Roskes et al., 2012; Abraham, Thybusch et al., 2014; Benedek et al., 2014; Furley& Memmert, 2015) e um da Eurásia (Razumnikova, 2007).
A partir da leitura integral dos artigos, os aspetos fundamentais dos estudos analisados foram organizados nos seguintes tópicos: participantes, materiais, objetivos, resultados e desenho dos estudos, os quais são apresentados nas Tabelas 1 e 2.
Participantes
Notamos que houve um predomínio de amostras compostas por estudantes, principalmente universitários. As exceções foram jogadores de futebol (Furley & Memmert, 2015), arquitetos ou estudantes de arquitetura (Aziz-Zadeh, Liew, & Dandekar, 2012), violoncelistas (no terceiro experimento de Dreu et al., 2012) e dois não deixam claro tal questão (Takeuchi, Taki, Hashizume et al., 2011; Benedek et al., 2014). Os estudos tiveram participantes com média etária entre 18,5 a 24,14 anos. Todos os estudos incluíram participantes de ambos os sexos, com exceção do que envolvia jogadores de futebol.
Tipos de intervenção e comparação
No item materiais, das Tabelas 1 e 2, observamos que, pela organização cronológica em ordem crescente das publicações, houve transição da comparação de resultados por meio de eletroencefalogramas (Lavric, Forstmeier, & Rippon, 2000; Razumnikova, 2007) para ressonância magnética, combinada com testes e tarefas (Takeuchi, Taki, Hashizume et al., 2011; Takeuchi, Taki, Sassa et al., 2011; Aziz-Zadeh, Liew, & Dandekar, 2012; Abraham, Thybusch et al., 2014) e, mais recentemente, relação entre os resultados obtidos por meio dos testes aplicados (Dreu et al., 2012; Roskes et al., 2012; Lin& Lien, 2013; Lee & Therriault, 2013; Benedek et al., 2014; Yeh et al., 2015; Furley & Memmert, 2015; Tan et al., 2015; Hao et al., 2015).
As técnicas para mensurar o funcionamento cerebral foram potenciais relacionados a eventos ERP - (Lavric, Forstmeier, & Rippon, 2000), eletroencefalograma - EEG (Lavric, Forstmeier, & Rippon, 2000; Razumnikova, 2007), imagem por ressonância magnética funcional - fMRI (Takeuchi, Taki, Hashizume et al.,2011; Aziz-Zadeh, Liew, & Dandekar, 2012) e imagem por ressonância magnética -MRI (Takeuchi, Taki, Sassa et al., 2011; Abraham, Thybusch et al., 2014).


Quanto aos instrumentos utilizados para avaliar a criatividade, 13 dos artigos avaliaram ideias criativas, ou seja, aplicaram testes e atividades que visavam medir pensamento criativo, pensamento convergente e divergente, fluência, flexibilidade e/ou originalidade das respostas geradas pelos participantes. Três artigos - experimento 3 de Dreu et al. (2012), experimento 2b de Lin & Lien (2013) e estudo de Yeh et al. (2015) - além de avaliarem as ideias criativas, associaram os resultados dos comportamentos dos participantes à sua criatividade na resolução de problemas concretos, como elaborar a continuidade de uma peça musical, solucionar problemas de matemática, utilizando palitos de fósforos e tomar decisões em jogo de computador.
Em relação às tarefas de MO, a maior parte das pesquisas apresentou tarefas computadorizadas aos participantes, com exceção de Lavric, Forstmeier, & Rippon (2000) - que combinaram respostas automatizadas com lápis e papel -, e os seguintes experimentos de Lin & Lien (2013): experimento 1 com verbalização das respostas por meio de contagem de sequências numéricas, experimento 2a por meio de leitura ritmada de sequência numérica apresentada e experimento 2b com tarefa computadorizada de memorização de itens apresentados em tela de computador e verbalização de respostas a equações apresentadas. Quanto à modalidade, dois estudos (Razumnikova, 2007; Takeuchi, Taki, Sassa et al., 2011) utilizaram tarefas verbais de MO e oito, tarefas visuoespaciais (Lavric, Forstmeier, & Rippon, 2000; Takeuchi, Taki, Hashizume et al., 2011; Aziz-Zadeh, Liew, & Dandekar, 2012; Lee & Therriault, 2013; Benedek et al., 2014; Yeh et al., 2015; Furley & Memmert, 2015; Tan et al., 2015). Os artigos de Dreu et al. (2012), Roskes et al. (2012), Lin e Lien (2013), Abraham, Thybusch et al. (2014) e Hao et al. (2015) utilizaram tarefas de ambos os tipos, verbal e visuoespacial.
Ainda em relação à utilização das tarefas de MO, os seguintes estudos utilizaram apenas tarefa de Span: Dreu et al. (2012), Roskes et al. (2012), Lin & Lien (2013),Yeh et al. (2015), Furley & Memmert (2015), Hao et al. (2015) e Tan et al. (2015) e dois deles apresentaram apenas tarefas de atualização: Abraham, Thybusch et al. (2014) e Benedek et al. (2014), este último utilizou 2-back. Ambos os artigos de Takeuchi, Taki, Hashizume et al. (2011) and Takeuchi, Taki, Sassa et al. (2011) exigiram dos participantes a realização de tarefa de Span complexo, isto é, memorização de sequências progressivas em ordem inversa, bem como uma tarefa de atualização; e o artigo de Lee e Therriault (2013), de Span simples e Span complexo, tarefas que demandam recordação serial da informação.
Quantos aos métodos utilizados pelos estudos para analisar a relação entre as variáveis, os mesmos podem ser agrupados nas seguintes categorias:
Quanto ao substrato neural, notamos que diferentes áreas cerebrais foram ativadas durante a realização das medidas de criatividade ou de MO, conforme apresentado na Tabela 1. Na tarefa de criatividade de Razumnikova (2007) - RAT -, a ativação foi mais acentuada no hemisfério esquerdo e no córtex pré-frontal. De forma similar, a tarefa criativa do artigo de Aziz-Zadeh, Liew e Dandekar (2012) - Creative visual task - ativou regiões do hemisfério esquerdo, incluindo o giro frontal superior, o giro frontal inferior e o córtex pré-frontal medial, mas houve ativação do córtex parietal posterior também. Por outro lado, a tarefa de monitoramento - Control mental rotation task - ativou o giro central posterior, o córtex parietal posterior direito, além de regiões intrínsecas ao processamento visual. Abraham, Thybusch et al. (2014) compararam a diferença da atividade cerebral entre os sexos, apontando que nas tarefas de pensamento divergente e n-back homens tiveram maior ativação no giro frontal inferior, córtex órbito-frontal lateral e metade posterior/inferior do giro temporal enquanto mulheres apresentaram maior atividade no lobo frontal (Abraham, Thybusch et al., 2014).
Em relação ao desenho experimental, 11 estudos são transversais quantitativos (Razumnikova, 2007; Takeuchi, Taki, Hashizume et al., 2011; Aziz-Zadeh, Liew, & Dandekar, 2012; Dreu et al., 2012; Lee & Therriault, 2013; Lin& Lien, 2013; Abraham, Thybusch et al., 2014; Benedek et al., 2014; Yeh et al., 2015; Hao et al., 2015; Zou et al., 2015), três são de caso controle (Lavric, Forstmeier, & Rippon, 2000;Yeh et al., 2015 e experimento um de Lin & Lien, 2013), um artigo é quantitativo com distribuição randômica (Roskes et al., 2012) e um é experimental com grupos controle e placebo (Takeuchi, Taki, Sassa et al, 2011).
Por meio da conexão entre os descritores “memória operacional” e “criatividade”, procuramos estabelecer relações entre os 15 artigos selecionados para esta pesquisa a fim de responder às questões norteadoras selecionadas. Em 13 dos 15 artigos evidenciamos associação entre os construtos, entretanto essa associação pode ser positiva (Lavric, Forstmeier, & Rippon, 2000; Razumnikova, 2007; Takeuchi, Taki, Hashizume et al., 2011; Dreu et al., 2012; Aziz-Zadeh, Liew, & Dandekar, 2012; Roskes et al., 2012; Lee & Therriault, 2013; Abraham, Thybusch et al., 2014; Benedek et al., 2014; Yeh et al., 2015; e experimentos 2a e 2b de Lin, & Lien, 2013; Hao et al., 2015) ou negativa (Takeuchi, Taki, Sassa et al, 2011; experimento 1 de Lin & Lien, 2013). É importante ressaltar que alguns estudos evidenciaram a influência da CMO dos indivíduos sobre a criatividade, especialmente nas tarefas de pensamento convergente em detrimento de tarefas de pensamento divergente, conforme verificado no estudo de Lin e Lien (2013), no qual houve relação positiva entre tarefas de insight criativo com MO (pensamento convergente), mas não entre MO e o resultado do TTCT, que avalia pensamento divergente, mesmo resultado obtido no experimento 3 de Dreu et al. (2012) e por Yeh et al. (2015). Apenas dois dos estudos não evidenciaram nenhum tipo de associação entre os construtos (Furley & Memmert, 2015; Zou et al., 2015). Subjacentes à associação entre ambos os constructos estão os processos inibitórios, o substrato neural, a funcionalidade e a motivação do indivíduo. Tais fatores serão referidos a seguir.
Processos inibitórios: no artigo de Yeh et al. (2015), a maior criatividade em participantes foi associada à sua CMO mais elevada, mesmo resultado apresentado por Hao et al. (2015) para participantes na condição escrita, os quais não precisavam memorizar suas respostas como os participantes da condição oral. Em Benedek et al. (2014), o processo de atualização efetiva facilitou a busca e a manipulação de um maior número de conceitos necessários à realização de tarefas criativas. Portanto, esses estudos sugerem que ambos os processos de MO, atualização e ordem serial, influenciam a criatividade processo por manterem uma informação nova em estado de plena ativação e fazer discriminação de informações relevantes e irrelevantes (Yeh et al., 2015). Takeuchi, Taki, Hashizume et al. (2011) demonstraram, ainda, que ambos os construtos dependem do mesmo substrato neural, uma vez que tanto as tarefas de MO quanto as de criatividade ativaram o precuneus.
Pensamento analítico: o artigo de Lee e Therriault (2013) obteve correlação positiva entre o desempenho no RAT, que avalia o potencial criativo, e RAPM, que avalia inteligência, bem como nos resultados do RAT e nas tarefas de MO. Isso sugere que a inteligência contribui para o pensamento criativo, pois permite ativar e recuperar grande quantidade de ideias, a partir da memória, e identificar a resposta correta para problemas de solução ambígua (Lee & Therriault, 2013). Ainda sobre o raciocínio, Lavric, Forstmeier e Rippon (2000) estudaram a relação entre MO e processos criativos, bem como entre MO e processos analíticos, e concluíram que tais processos ocorrem por vias neurais diferentes, uma vez que divergem na quantidade de pensamento empregado nas tarefas de MO. De acordo com os autores Lavric, Forstmeier e Rippon (2000), a tarefa de insight criativo escolhida não propiciava tanto planejamento e estratégias quanto a tarefa analítica.
Processos atencionais: no estudo 2 de Dreu et al. (2012) houve relação positiva entre o tempo de permanência da tarefa criativa e MO (avaliada por meio do RAT). Observamos, ainda, que os participantes com alta MO apresentaram maior desempenho em problemas de resolução criativa. No estudo 4 de Dreu et al. (2012), os mesmos autores ressaltaram que MO também se relacionou com tarefas de ideias criativas (Brainstorm task) quanto à persistência (atenção sustentada) na tarefa. Nos estudos 2a e 2b de Lin e Lien (2013), os problemas de insight criativos se correlacionaram com a CMO, mas a correlação não alcançou significância entre MO e pensamento divergente, embora tenha sido observado que alguns participantes com baixa MO obtiveram desempenho muito bom no teste de pensamento divergente.
Sobrecarga da MO: os seguintes estudos relacionaram a manipulação da carga de MO com a performance criativa, como no experimento 4 de Roskes et al. (2012), no qual constatamos que os participantes na condição de baixa carga (memorização de sequências de dois dígitos) foram capazes de resolver mais problemas de insight criativo (RAT) do que os participantes na condição de carga alta (memorização de sequências de cinco dígitos). Dreu et al. (2012) também observaram, no experimento 1, que a baixa carga cognitiva de MO possibilitou melhor desempenho na tarefa de insight criativo, utilizando o mesmo procedimento que o estudo previamente citado.
Funcionalidade e motivação: Roskes, Dreu e Nijstad (2012) verificaram que os participantes se esforçaram mais na realização da tarefa (Brainstorm e quebra-cabeças de palavras) quando a criatividade auxiliava a alcançar uma meta que seria útil para a resolução da segunda tarefa (experimento 1). O desempenho se mostrou relativamente mais difícil para o grupo ao qual foi dito que deveria evitar cometer erros (experimentos 2a e 2b). A dificuldade da performance criativa foi maior para os participantes sem motivação na tarefa do que para os participantes com motivação mensurada por índice de originalidade (experimento 3). No estudo 4, mais problemas de insight criativos foram resolvidos quando a tarefa era considerada funcional. Portanto, é recomendável considerar o papel da motivação como determinante da habilidade criativa.
Associação negativa entre MO e criatividade: dois estudos obtiveram relação negativa entre tarefas de MO e criatividade. Takeuchi, Taki, Sassa et al. (2011) ressaltaram que a melhora no desempenho cognitivo, relacionado a tarefas como letter span task e tarefas aritméticas complexas, ocorreu concomitantemente à redução no desempenho da tarefa de criatividade. Em outras palavras, o treinamento promoveu aumento no sistema de atenção seletiva do grupo que passou a alocar maior esforço à primeira tarefa em detrimento da segunda. No experimento 1 de Lin e Lien (2013), observamos que o aumento da carga de MO diminuiu a geração de hipóteses criativas.
MO e natureza das tarefas de criatividade: dois estudos não encontraram associação entre tarefas de MO e criatividade: Tan et al. (2015) obtiveram dois grupos com resultados diferentes em relação à criatividade, mensurada pelos próprios participantes, conforme seus insights criativos e relacionados a períodos de mind wandering, tendo como resultado um grupo apontando maior criatividade que o outro; porém os grupos não apresentaram diferenças em relação aos escores de MO. O estudo de Furley e Memmert (2015) utilizou tarefas específicas de futebol por meio da apresentação de cenas de futebol ofensivo a jogadores profissionais (Furley & Memmert, 2015). Tanto a tarefa de criatividade que avaliou pensamento convergente neste último estudo quanto a que avaliou pensamento divergente não se correlacionaram com a MO (corroborando os resultados dos estudos 2 e 3 de Lin & Lien, 2013 e Lee, & Therriault, 2013 para pensamento divergente). Tal resultado foi contrário ao de Dreu et al. (2012), que observou associação entre tais construtos por meio da tarefa criativa de improvisações em peças musicais, realizada por violoncelistas (no experimento 3), obtendo como resultado que indivíduos com alta CMO tiveram sua performance criativa ampliada ao longo das tentativas e o oposto ocorreu em indivíduos com baixa CMO. Ressaltamos que as tarefas selecionadas nesses dois últimos estudos relacionavam-se à arte e esporte, as quais envolvem a cognição aplicada a outros contextos, ao passo que os demais estudos contrastaram a criatividade com tarefas cognitivas mais influenciadas pela experiência escolar (manipulação, letras, números etc.).
Apesar da variabilidade metodológica apresentada entre os diferentes estudos, os resultados encontrados sugerem associação entre memória operacional e criatividade, as quais se explicam pelos processos atencionais, inibitórios, analíticos e motivacionais envolvidos. Apenas dois estudos indicaram ausência de relação entre esses construtos, assim, evidenciamos que o efeito da MO na criatividade mostra-se dependente tanto do tipo de tarefa selecionada quanto do tipo de pensamento que avalia.
A limitação desta revisão sistemática é a impossibilidade de realizarmos uma meta-análise com os dados obtidos pela ausência de benchmarks que possam nortear instrumentos que avaliem adequadamente tais construtos. No entanto, a restrição a apenas um tipo de tarefa ou de avaliação do pensamento limitaria, consideravelmente, a quantidade de artigos, assim como apresentaria uma visão parcial da temática. Contudo, o presente estudo apresenta o estado de arte entre memória operacional e criatividade em adultos jovens saudáveis, de forma a contribuir para o delineamento de estudos futuros que permitam aprofundar a discussão e verificar se os resultados apontados nos artigos selecionados para esta revisão continuam se confirmando.
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