Artigo Original

MÍDIA E EDUCAÇÃO: PRODUÇÃO ACADÊMICA NO BRASIL E NA FRANÇA

MEDIOS DE COMUNICACIÓN Y EDUCACIÓN: LA PRODUCCIÓN ACADÉMICA EN BRASIL Y EN FRANCIA

Raquel de Barros Pinto Miguel
Universidade Federal de Santa Catarina, Brazil
Alice Emanuele Zamboni Rossi
Universidade Federal de Santa Catarina, Brazil
Amanda Scapini
Universidade Federal de Santa Catarina, Brazil
Fabiana Barg Kuntze
Universidade Federal de Santa Catarina, Brazil
Bruna Hainzenreder
Universidade Federal de Santa Catarina, Brazil
Flavia Vieira Kotzias
Universidade Federal de Santa Catarina, Brazil

MÍDIA E EDUCAÇÃO: PRODUÇÃO ACADÊMICA NO BRASIL E NA FRANÇA

Psicologia em Estudo, vol. 22, núm. 1, pp. 67-79, 2017

Departamento de Psicologia - Universidade Estadual de Maringá

Recepção: 29 Junho 2016

Aprovação: 11 Dezembro 2016

RESUMO.: A presente pesquisa teve como objetivo identificar a produção acadêmica acerca da relação entre mídia e educação no Brasil e na França. Para tanto, foram elaborados levantamentos em bases de dados brasileiras e francesas, utilizando termos descritores, relacionados ao assunto em questão. Nos levantamentos desenvolvidos, foi possível verificar que, mesmo havendo baixa produção acadêmica sobre o tema tanto no Brasil quanto na França, há relevante diferença quanto à quantidade de trabalhos encontrados nas bases de dados dos dois países. A produção acadêmica francesa sobre mídia-educação apresenta um número expressivamente maior do que aqueles encontrados no Brasil. Assim, por meio da presente pesquisa, foi possível vislumbrar a forma como o tema vem sendo discutido nos dois países. Cabe ressaltar que os temas participação das mídias como auxiliares no processo de ensino-aprendizagem e o uso das novas tecnologias na educação estão em pauta tanto nos trabalhos publicados no Brasil quanto na França. É importante, outrossim, destacar a exígua produção acadêmica sobre mídia-educação na área da psicologia em ambos os países. Dessa forma, espera-se que com a apresentação desse panorama seja possível contribuir para a construção e solidificação do campo de estudos sobre a relação entre mídia e educação na área das ciências humanas, especialmente na área da psicologia.

Palavras-chave: Comunicação, educação, Brasil, França.

RESUMEN.: Esta investigación tuvo como objetivo identificar la literatura académica sobre la relación entre medios de comunicación y la educación en Brasil y Francia. Con esta finalidad, las encuestas se realizaron en las bases de datos de Brasil y franceses, utilizándose palabras relacionadas con el tema cuestión. En encuestas realizadas se observó, incluso con un bajo investigación académica sobre el tema en Brasil y en Francia, una diferencia significativa en la cantidad de estudios que se encuentra en las bases de datos de los dos países en cuestión. La investigación académica francesa sobre la educación en medios tiene un número significativamente mayor que los que se encuentran en Brasil. De este modo, por intermedio de esta investigación, se pudo ver cómo el tema ha sido discutido en ambos países. Se observa que la participación de los medios de temas como ayuda en el proceso de enseñanza-aprendizaje y el uso de las nuevas tecnologías en la educación, están en la agenda tanto en los trabajos publicados en Brasil y en Francia. Importante destacar la escasa beca de educación para los medios en el campo de la Psicología en ambos países. Por lo tanto, se espera que, mediante la presentación de este contexto, es posible contribuir a la construcción y consolidación de los estudios sobre la relación entre medios de comunicación y la educación en el campo de las ciencias humanas, especialmente en el área de la psicología.

Palabras-clave: Comunicación, educación, Brasil, Francia.

Introdução

A presente pesquisa teve como objetivo identificar as produções acadêmicas nacional e internacional sobre os temas mídia e educação. A relevância da relação existente entre mídia e educação é exaltada por diversos pesquisadores, sendo possível citar os trabalhos de Rosa Maria Bueno Fischer, Nara Wildholzer e Maria Teresa Santos Cunha1, entre outros. Em suas pesquisas, ficam evidenciadas as possíveis contribuições que os estudos nessa área podem proporcionar.

A relação entre mídia e educação está presente desde a própria noção de mídia preconizada em alguns estudos que abordam tal temática. Nestes, é possível identificar a ideia da mídia como um instrumento de mediação que, ao mesmo tempo em que participa do processo de constituição dos sujeitos, retrata um contexto cultural e social, construído e transformado por esses mesmos sujeitos. Os significados veiculados pela mídia são apropriados pelos sujeitos e transformados em mediações na constituição destes. Vista assim, a mídia passa a ser considerada um fator que contribui na construção das subjetividades.

Como instrumento de mediação, a mídia pode ser vista como o outro, categoria esta fundamental para a constituição do sujeito. Uma vez que a atividade humana apresenta como característica fundante o fato de ser mediada, são os signos os instrumentos mediadores, que

permitem, assim, a inserção do homem na ordem da cultura e o estabelecimento de relações qualitativamente diferenciadas com a realidade: ao invés de diretas e imediatas, passam a ser mediadas pela cultura... os signos, portanto, relacionam inexoravelmente sujeito e sociedade, eu e outro (Zanella, 2005, p. 6).

A relação com o outro, realizada por meio de signos em uma atividade humana mediada, é constituinte do próprio sujeito. O encontro com o outro é que possibilitará encontrar a diferença, fazendo com que o sujeito se reconheça e se constitua por meio da diferença, da alteridade. Compreender a mídia como o outro pode ser útil, uma vez que os signos “comportam inexoravelmente tanto uma dimensão coletiva quanto privada, são porta vozes tanto da história social humana quanto das histórias dos sujeitos que os produzem/utilizam” (Zanella, 2005, p. 8).

Dessa forma, a mídia poderia ser um instrumento possibilitador de mudança, caso contemplasse a multiplicidade dos sujeitos, a “verdade plural, definida pelo local, pelo particular pelo limitado, pelo provisório” (Louro, 2003, p. 51), ao mesmo tempo em que inserida em um momento histórico, social e político, desconstruindo a naturalidade e a universalidade, que compreenda o movimento e as possibilidades inúmeras das relações.

Partindo-se dessa ideia da mídia como instrumento de mediação, é possível tomá-la como um lugar de educação, imbuída de intencionalidade prescritiva e normatizadora e que transmite, por meio de seus textos e imagens, propósitos educativos (Miguel, 2012). Os estudos produzidos no âmbito da pedagogia cultural auxiliam nessa reflexão, uma vez que concebem a educação como algo que ultrapassa os bancos escolares. Tomaz Tadeu da Silva (2002) aborda essa questão ao refletir sobre a redução de fronteiras entre o conhecimento escolar e o conhecimento cotidiano ou a cultura de massa. Para esse autor, todo conhecimento é cultural, uma vez que se constitui em um sistema de significação. Na mesma direção encontram-se os estudos de Heny Giroux (1994), que abordam a dimensão pedagógica, presente em diferentes produtos da denominada indústria cultural. O autor estadunidense utiliza a expressão “pedagogia cultural” para se referir a agenciamentos sociais que funcionam como dispositivos pedagógicos fora do ambiente escolar.

Diante da ideia da existência de modalidades socioeducativas que ultrapassam os muros escolares, Cleci Maraschin (2003) problematiza a relação que a psicologia estabelece com a educação. A autora enfatiza que essa relação deve ir além da participação desse profissional na escola, devendo este se atentar aos demais agenciamentos educacionais ativos na contemporaneidade. A esse respeito, Maraschin indica que as instituições formadoras de psicólogos/as deveriam comprometer-se com a criação de uma agenda teórico-metodológica. Tal agenda contemplaria, entre outras questões, a “constituição de um campo de pesquisa para a análise das transformações nos modos educacionais [assim como a] construção de conhecimento no sentido de investigar como determinados agenciamentos coletivos, que podemos definir como pedagogias ativas no social (mídia, corporações, internet), participam da configuração dos modos de viver, de pensar, de sentir” (Maraschin, 2003, p. 239). Assim, um profissional da área da psicologia que atue na interface psicologia-educação deve estar comprometido com uma visão crítica, uma atitude problematizadora dos espaços de aprendizagem contemporâneos, considerando, em suas atividades e pesquisas, que a educação não se restringe ao espaço escolar.

Para se exemplificar a estreita relação entre mídia e educação, é possível, ainda, citar os estudos que se debruçam, especificamente, sobre o tema "mídia-educação" (ou education aux medias, termo usado na França). Entre esses estão os trabalhos de Evelyne Bévort e Maria Luiza Belloni (2009), Mônica Fantin (2006), José Marques de Melo e Sandra Pereira Tosta (2008). Estes/as pesquisadores/as lançam mão do termo mídia-educação em suas pesquisas. Segundo Bévort e Belloni (2009), além de o campo da mídia-educação ser relativamente novo, este se configura como um campo que apresenta dificuldades para se consolidar. Entre os principais motivos para tal dificuldade, as autoras destacam a pouca importância dada a essa temática na formação inicial e continuada de profissionais da área da educação.

Mídia-educação pode ser definida como um campo de estudo que está na interface de outros dois campos: educação e comunicação. Tal fato dá origem a determinadas características, obstáculos e questionamentos que evidenciam a sua estrutura complexa, exigindo uma abordagem interdisciplinar para sua compreensão.

O termo “mídia-educação” não é unânime entre pesquisadores da área. Entretanto Fantin (2006) destaca que os objetivos da educação para as mídias estão presentes, independentemente da terminologia utilizada. Estaria, entre esses objetivos, o fato de a educação para as mídias ser uma condição de educação para a cidadania, contribuindo para a redução das desigualdades sociais uma vez que funciona como veículo para a democratização de oportunidades educacionais.

Para tanto, a integração das mídias na escola, em todos os seus níveis, é fundamental. Isso se deve ao fato de tais veículos midiáticos já estarem presentes na vida de crianças e adolescentes, como dispositivos pedagógicos, concorrendo com a escola e a família. Entretanto cabe ressaltar que não apenas às crianças e adolescentes deve-se voltar tal preocupação, a inclusão de populações adultas, em uma concepção de educação ao longo da vida, também se faz importante.

Diante de tais afirmações, é possível destacar que um dos objetivos centrais do campo mídia-educação é promover uma apreensão crítica e criativa das mídias, de forma que o indivíduo possa se reafirmar como cidadão, contribuindo para sua emancipação e responsabilização. Segundo Bévort e Belloni (2009), é necessário oferecer a todos os cidadãos “as competências para saber compreender a informação, ter o distanciamento necessário à análise crítica, utilizar e produzir informações e todo tipo de mensagens” (p. 1081). Também se reconhece o papel das mídias na promoção da expressão criativa e da participação dos cidadãos como meios de expressão da opinião e da criatividade pessoais. Outro aspecto relevante é a afirmação dos direitos humanos, como os relacionados à liberdade de expressão, ao acesso de informações e à sua participação ativa nos assuntos que lhes dizem respeito.

Aliado a essas questões, cabe ressaltar que educar para as mídias “implica a adoção de uma postura ‘crítica e criadora’ de capacidades comunicativas, expressivas e relacionais para avaliar ética e esteticamente o que está sendo oferecido pelas mídias, para interagir significativamente com suas produções e para produzir mídias também” (Fantin, 2006, p. 31). Importante, ainda, destacar que o trabalho com mídias não deve se restringir aos meios e seus aspectos instrumentais, uma vez que as mídias são entendidas como espaços de construção de significados e de perpetuação de hábitos e modos de ser, participando da constituição de subjetividades.

Bévort e Belloni (2009) afirmam que, apesar de todos os avanços observados, dificilmente se pode dizer, hoje, que a mídia-educação penetrou na escola e se tornou prioridade na sociedade. Os sistemas educativos ainda não integraram oficialmente mídia-educação como uma prioridade, nem conseguiram difundir sua importância entre os educadores. Há iniciativas interessantes, mas, em geral, têm caráter facultativo e ainda hoje mídia-educação continua a ser uma prática de profissionais militantes.

Diante do cenário exposto e visando contribuir para a construção e o fortalecimento dos estudos na interface entre mídia e educação no Brasil, surgiu a ideia de como se dá tal relação no âmbito acadêmico em outra realidade que não apenas a brasileira. A busca pelo mapeamento da produção acadêmica francesa vem com essa intenção. A escolha pela França deve-se à participação ativa desse país nas discussões a respeito da relação entre mídia e educação, em especial, nas discussões promovidas em diferentes momentos pela UNESCO desde a década de 1960. Em 2007, tal encontro, realizado em Paris, deu origem à “Agenda de Paris”. Esta agenda vem reafirmar a ideia da mídia-educação como fundamental para a formação da cidadania e de uma sociedade plural, inclusiva e participativa.

Dessa forma, a presente pesquisa pretende exibir o panorama acerca da produção acadêmica sobre mídia e educação no Brasil e na França. Com base nos levantamentos realizados em diferentes bases de dados, foi possível apresentar um cenário acerca da temática em questão, apontando temas mais pesquisados, autores e instituições de relevância. Disponibilizar tais informações apresenta significativas contribuições ao meio acadêmico.

MÉTODO

O procedimento adotado para a obtenção dos dados necessários para os fins desta pesquisa compreendeu a realização de levantamentos em bases de dados nacionais e internacionais. Entre as bases nacionais, foram consultadas: Biblioteca Ana Maria Poppovic (http://acervo.fcc.org.br:9090/site/php/index.php), Biblioteca Virtual em Saúde (http://www.bireme.br/php/index.php), EDUBASE (http://edubase.modalbox.com/portal/) e SCIELO (http://www.scielo.br); entre as internacionais: Persée (http://www.persee.fr), Cairn (http://www.cairn.info) e Revue.org (http://www.revues.org). A escolha pelas bases brasileiras deu-se pelo reconhecimento nacional destas entre as que reúnem trabalhos produzidos na área das ciências humanas. Com relação às bases de dados francesas, após consulta a pesquisadores francófonos, bem como consultas a sites de bibliotecas e de universidades da França, estas três bases foram as mais referenciadas em se tratando da produção acadêmica na área das humanidades e educação no país em questão.

Para a realização dessas investigações, foram utilizadas as seguintes combinações de termos descritores: mídia e educação, nas bases de dados brasileiras, e medias et education, nas bases francesas. Procedimentos diferentes foram adotados durante os levantamentos, de acordo com as particularidades das bases analisadas. Em todas as bases de dados brasileiras analisadas, examinou-se o acervo completo até o ano de 2014; dessa forma, a pesquisa abrangeu todas as referências indexadas nessas bases de dados. Diante da combinação de descritores mídia e educação, foram encontradas 73 referências na SCIELO; 67, na BVS; 120, na EDUBASE; e 74, na Biblioteca Ana Maria Poppovic.

No que tange às bases francesas, uma vez que o número de referências encontradas, ao se utilizar os descritores education et medias, foi entre 6.000 e 10.000, optou-se pela adoção de "filtros" para que fosse possível desenvolver a análise pretendida. Dessa forma, na base de dados Persée, das 6.292 referências encontradas usando os descritores education et medias, 4.320 estavam escritas na língua francesa e, destas, 2.549 continham o resumo. Destas, foram escolhidas as 200 primeiras, utilizando-se o filtro "pertinance", que traz os artigos em ordem de maior pertinência para a temática investigada, de acordo com classificação da própria base de dados.

Na base CAIRN, 9.956 referências sobre o tema foram encontradas inicialmente. Adotando-se a ferramenta "pesquisa avançada" e filtros como "artigos e livros em língua francesa" e "existência de resumo", foram encontradas 50 referências a serem analisadas. Na base Revues.org, usando-se os mesmos procedimentos descritos na base anterior, das 8.681 referências, 73 foram filtradas. Vale ressaltar que, diferentemente das bases de dados brasileiras, as bases francesas consultadas abrangem não apenas artigos e livros como também colóquios, seminários, reportagens de jornal, de revista não científica, chamadas para eventos acadêmicos. Destaca-se, ainda, o fato de vários trabalhos não apresentarem resumo. Por esse motivo, ao serem utilizados os filtros citados, foi possível tamanha redução das referências encontradas.

Com base nos levantamentos realizados, foram registradas e contabilizadas todas as referências encontradas para a combinação de descritores utilizada, destacando-se o título da referência, tipo de publicação (artigo, capítulo de livro, livro, dissertação), autor/a, ano da publicação e periódico (quando artigo).

Tendo-se em mãos o mapeamento das referências encontradas por intermédio dos levantamentos nas referidas bases de dados, foi possível, pela análise do resumo dos trabalhos (e dos textos completos quando os mesmos estavam disponíveis), verificar e registrar os temas estudados bem como aspectos metodológicos e os veículos midiáticos, citados no estudo.

Para a categorização dos temas, primeiramente foi feita a leitura dos resumos, por meio da qual foi possível levantar os temas neles abordados. Em seguida, procedeu-se ao agrupamento dos diversos temas em grandes categorias temáticas para, posteriormente, por meio de leitura mais aprofundada dos resumos, poder-se alocar cada referência nas respectivas categorias.

Para se interpretar as informações coletadas, foi utilizada a análise de conteúdo temática, que é uma técnica de pesquisa que busca os sentidos de um texto tendo como base uma mensagem (Franco, 1994). Para esse tipo de análise, o ponto de partida é o conteúdo manifesto, ou seja, aquilo que está escrito. Entretanto nada impede que o conteúdo latente, aquilo que está nas entrelinhas, possa ser olhado e considerado, desde que seja contextualizado social e historicamente. É importante ressaltar que, ao longo da análise, verificou-se que a mesma referência poderia ser classificada em mais de uma categoria. Nesse caso, o procedimento adotado foi a escolha pela categoria considerada aquela na qual a referência melhor se enquadrava, especialmente com base na similaridade com outros trabalhos também classificados para tal categoria.

Por fim, após a análise das informações coletadas, desenvolveu-se uma comparação dos dados advindos da produção acadêmica no Brasil e na França. Dessa forma, foi possível vislumbrar um panorama comparativo a respeito das discussões sobre a relação entre mídia e educação nos dois países.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A primeira constatação, baseada nos levantamentos realizados, diz respeito ao volume de publicações encontradas no Brasil e na França sobre o tema em pauta. Dentro do universo de pesquisas sobre educação, o percentual de trabalhos acerca da relação entre mídia e educação é bastante reduzido em ambos os países. Entretanto, no Brasil, tal redução é consideravelmente mais acentuada, evidenciando exígua produção acerca da temática em questão.

Tal panorama foi obtido por intermédio da recuperação, em cada uma das bases de dados analisadas, das referências advindas da pesquisa que tinha como palavra-chave "educação" e, posteriormente, das referências encontradas, quando a palavra-chave foi "mídia".

Um dos fatores que pode explicar o maior número de produções sobre o tema, na França, está relacionado ao fato de, nesse país, a mídia-educação (“éducacion aux medias”) ser uma política pública há mais de 30 anos. Nesse sentido, é possível citar o CLEMI (Centre de Liaison de l’Enseignement et dês Médias d’Information), órgão ligado ao Ministério da Educação da França, responsável, desde 1983, pela inserção da “educação para as mídias” no sistema educativo francês, ensinando aos estudantes uma prática crítica e cidadã diante das mídias.

É importante citar, também, a iniciativa de algumas profissionais, Marie Camier e Marion Moureaux, mestres em "education aux medias", pela l’Université Paris III Sorbonne Nouvelle, que criaram o site mediaeducation.fr. Essa iniciativa mostra que tal temática está presente tanto dentro quanto fora do âmbito governamental, incluindo, também, a esfera acadêmica.

Outra questão interessante diz respeito ao ano da publicação das referências encontradas. Enquanto na França encontra-se um número considerável de referências publicadas entre os anos de 1980 e 1990 (mesmo que nos anos 2000 elas sejam em maior número), no Brasil são raras as publicações nessas décadas, predominando dos anos 2000 em diante. Tal fato é compreensível a partir do momento em que se leva em conta a participação ativa daquele país nas discussões a respeito da relação entre mídia e educação, em especial nas discussões promovidas em diferentes momentos pela UNESCO, desde a década de 1960.

Com relação ao país de origem dos trabalhos, nas bases de dados do Brasil, todas as referências analisadas foram produzidas por pesquisadores/as brasileiros/as. Nas bases de dados francesas, predominam trabalhos de autores/as franceses/as, porém foi possível verificar a presença de pesquisadores de outros países francófonos como Canadá e alguns países da África.

A grande maioria dos trabalhos encontrados são artigos científicos, havendo, também o registro de livros e capítulos de livros.

Alguns autores merecem destaque por terem aparecido mais de uma vez entre as referências analisadas. No Brasil, citam-se Maria Luiza Belloni (UFSC), Rosa Maria Bueno Fischer (UFRGS), Juvenal Zanchetta Júnior (UNESP) e Alexandra Bujokas de Siqueira (Unesp). Na França, é possível citar Sophie Jehel e Geneviève Jacquinot (Université Paris 8 ‒ Vincennes-Saint-Denis), Marlène Loicq (Université Paris 3 - Sorbonne Nouvelle), Pierre-Ami Chevalier e Jacques Mousseau (diretor das revistas Psychologie e Communication et Langages).

Categorias temáticas

Após a primeira leitura dos resumos das referências capturadas nas pesquisas às bases de dados, foram criadas as seguintes categorias temáticas: educação, saúde, comunicação, linguística, ciências sociais/história/política, EaD/TICs, psicologia e mídia-educação. Visando à maior aproximação com a temática-alvo deste trabalho, foram escolhidas duas categorias a serem analisadas em profundidade: mídia-educação e EaD/TICs. Após a releitura dos trabalhos listados nestas duas categorias, foram criadas novas categorias temáticas: mídia como recurso mediador, discurso midiático, participação da mídia na formação de sujeitos, histórico e discussão conceitual sobre a interface mídia e educação, tecnologia e formação de professores/as, EaD/TICs, relação adolescência e mídia, prática em mídia-educação.

As três categorias mais presentes nos trabalhos brasileiros foram “mídia como recurso mediador na educação”, “EaD/ TICs” e "práticas em mídia-educação". Na França, "EaD/TICs" e "histórico e discussão conceitual sobre a interface mídia e educação" ficaram empatadas em primeiro lugar, seguidas por "mídia como recurso mediador na educação” e "participação da mídia na formação de sujeitos", em segundo lugar. Dessa forma, é possível perceber que discussões sobre a participação das mídias como auxiliares no processo de ensino-aprendizagem bem como sobre o uso das novas tecnologias na educação estão na pauta em ambos os países.

O destaque deve ser dado ao número de trabalhos franceses que se debruçam sobre o histórico e/ou as discussões conceituais sobre mídia e educação. Em sua maioria, são trabalhos que traçam uma retrospectiva sobre a história da relação mídia e educação na França e em outros países.

Cada uma dessas categorias será apresentada na sequência, dando-se destaque a exemplos de trabalhos desenvolvidos em ambos os países dentro de cada uma das categorias analisadas.

1. Mídia como recurso mediador

Nesta categoria estão contemplados os trabalhos que abordam a mídia como auxiliar no processo de aprendizagem, concentrando o maior número de referências encontradas nas bases de dados brasileiras (18 trabalhos). Com relação à produção francesa, essa categoria foi a segunda a reunir o maior número de trabalhos (10).

As obras brasileiras que compõem a categoria abordam o uso de recursos midiáticos (televisão, imprensa, cinema, mídias audiovisuais, programação infantil, entre outros) e como estes podem auxiliar nos processos de ensino e aprendizagem, avaliação e inserção das novas tecnologias na educação. Como exemplo é possível citar o artigo de Champangnatte e Nunes (2011), intitulado “A inserção das mídias audiovisuais no contexto escolar”, que teve como objetivo avaliar como as mídias audiovisuais são utilizadas em sala de aula pelos professores de três escolas públicas do Rio de Janeiro. Investigando, também, a perspectiva da utilização das mídias pelos professores como recurso de apoio, os autores Andréa F. Weber e colaboradoras (2003) pesquisaram a compreensão dos professores sobre os meios de comunicação de massa e como eles são utilizados em sala de aula em instituições de ensino fundamental e médio, na cidade de Santa Maria.

Alguns artigos tanto nacionais quanto franceses voltam-se para o estudo do uso e/ou do impacto de veículos midiáticos específicos no processo educacional. Entre os veículos analisados, estão televisão, computadores e cinema. Moraes (2003), em seu artigo, discute a utilização de filmes em sala de aula como recurso para lançar discussão sobre as políticas de tolerância e de inclusão nos EUA, pretendendo, assim, abordar questões de cidadania e mídia como tema atual da educação e a incorporação de novas tecnologias na sala de aula com preocupação crítica. Nas bases francesas, dos dez trabalhos classificados nesta categoria temática, três falam sobre a relação entre televisão e educação. O artigo de Francis Balle, publicado em 1994, aborda a relação conflituosa entre televisão e escola, assinalando que a escola costuma ver a televisão como ameaça. O autor chama a atenção para a importância de a escola aceitar as inovações tecnológicas. A preocupação com o impacto das novas tecnologias na educação está manifesta em artigos franceses desde a década de 1970, como mostram os artigos de Cloutier (1975) bem como de Duboux (1993).

Mais recentemente, é possível citar um artigo de Boucher-Petrovic (2006), que trata da relação entre educação popular e o uso das mídias como instrumento de luta bem como um trabalho voltado para o estudo de "educação para o cinema", de Velez (2012), que destaca o uso do cinema como dispositivo pedagógico nas escolas.

2. Discurso midiático

Esta categoria de análise agrupa trabalhos que estudam a forma como diferentes temas são representados na mídia, sendo que alguns artigos exploram o impacto dessas representações no processo educacional. Compõem esta categoria 11 trabalhos, sendo cinco de produção brasileira e seis de produção francesa.

O pesquisador francês Khelfaoui (2002) busca, em seu artigo, discutir o papel da mídia na difusão de informação, uma vez que existe viés político em seus discursos. No trabalho de Paola B. M. B., Gomes (2001), com o título "Mídia, imaginário de consumo e educação", são abordados os estereótipos visuais, propagados na cultura de consumo. A autora discute temas relativos às artes visuais, à influência do imaginário estereotipado, às imagens infantis na mídia e aos objetos de consumo. Por fim, são indicadas algumas estratégias para se aperfeiçoar essas questões em sala de aula.

Os discursos veiculados na mídia sobre os jovens são discutidos tanto por artigos franceses quanto brasileiros. O artigo, em francês, Tamar Liebes, publicado em 1999, discute as representações de estereótipos de gênero em adolescentes israelenses, com base na cultura de consumo por meio da mídia. Um exemplo, no Brasil, dentro dessa temática é a produção do Ministério de Saúde, intitulada "Os jovens na mídia: o desafio da AIDS, camisinha, uso indevido de drogas e mudança de comportamento", publicada em 2000.

3. Participação da mídia na formação de sujeitos

Os trabalhos categorizados neste grupo abordam, de diferentes formas, a participação dos veículos midiáticos na formação de sujeitos. No total, fazem parte desta categoria sete trabalhos brasileiros e dez franceses.

No artigo de Munglioli (2005), a autora toma por base o pressuposto de que os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, são paradoxalmente amados e temidos. Alicerçada nisso, busca construir uma análise da recepção midiática televisiva por crianças e por adultos, que envolve questões de mediação e linguagem, e a participação dos meios audiovisuais na construção da visão de mundo da criança.

Tendo também como alvo de estudo as crianças, o artigo de Belloni (2004) discute a violência na sociedade e nas mídias com base na perspectiva da mídia-educação. Ainda dentro do tema violência e mídia, é possível citar o artigo francês "Contenus médiatiques à risque et construction identitaire des préadolescents", de Jehel (2012), no qual a autora discute o fato de que pré-adolescentes tendem a apreciar jogos, programas de televisão e outras mídias que se relacionem à violência.

Outra referência, encontrada nas bases francesas, é o artigo de Greenfield (1994), "Les jeux vidéo comme instruments de socialisation cognitive", de 1994, no qual ela questiona se os videogames não educacionais, como os jogos de ação, estariam criando um novo tipo de pessoas. Segundo a autora, mesmo sem ter esse propósito, os jogos acabam tornando-se ferramentas pedagógicas para o desenvolvimento viso-espacial e para a concentração, habilidades necessárias para o trabalho com tecnologias.

4. Histórico e discussão conceitual sobre a interface mídia e educação

Nesta categoria estão reunidas tanto as referências que se dedicam a recuperar o histórico de produções no campo da interface entre mídia e educação quanto aquelas que se voltam ao estudo teórico de conceitos relacionados a esse campo de estudo.

Esta categoria é uma das que reúne o maior número de trabalhos franceses, perfazendo um total de 11 referências, enquanto, no Brasil, foram sete as classificadas. Chapelain (2007), por exemplo, aborda em seu artigo o histórico de dois programas experimentais (ICAV - Iniciation à la culture audiovisuelle e JTA - Jeune Téléspectateur Actif), desenvolvidos nos anos 1960 e 1970, com a intenção de introduzir nas escolas a formação em leitura crítica de imagens.

No Brasil, o trabalho de Bévort e Belloni (2009) apresenta um histórico da mídia-educação, trazendo tendências atuais nesse campo no mundo, bem como conceitos e ações na área em questão. O objetivo das autoras é contribuir para a reflexão sobre mídia-educação bem como a respeito da formação de profissionais que atuam na educação.

Podem, ainda, ser citados dois artigos, um francês e um brasileiro, que discutem a interface educação e comunicação: Panorama mundial dos estudos em educação e comunicação, de Duarte e Santiago, publicado em 2007, e o artigo de Jacquinot-Delaunay (2007), que trata da história da relação entre educação e comunicação entre os anos 1960 e 1970.

5. Tecnologia e formação de professores

Esta categoria reúne 11 trabalhos, sendo sete brasileiros e quatro franceses, que abordam o uso das tecnologias como dispositivo na formação de professores e também na prática profissional. O artigo em francês de Zay (1983) aborda a mídia como um fator inovador a ser utilizado na formação de professores. A autora Whyte (2014) discute a importância de os professores de língua estrangeira apropriarem-se das novas tecnologias e as inserirem em sua prática profissional. Percebe-se que nas duas referências citadas a mídia entra como um recurso a ser utilizado para a formação de professores.

Fantin (2012), pesquisadora brasileira, fala dos desafios apresentados aos professores diante do cenário atual da cultura digital e de seus diferentes lugares de saber, ressaltando a importância de essa questão ser abordada e trabalhada nas formações de professores. A autora destaca que pauta suas discussões em uma perspectiva culturalista de mídia-educação.

Ferreira Silva (2010) evidencia a importância de se inserir, na formação de professores, discussões sobre o processo interpretativo de imagens, visando à formação de observadores mais críticos, contribuindo, assim, na construção de cidadania.

Diferente dos trabalhos franceses citados, os artigos brasileiros, trazidos como exemplo, abordam não apenas a mídia como um recurso a ser utilizado na formação de professores, mas sim levantam a discussão acerca da importância de uma formação dos professores para uma leitura crítica das mídias.

6. TICs e EaD

De maneira geral, os artigos enquadrados nessa categoria abordam as mídias e a tecnologia como alternativas para a educação a distância e/ou para a potencialização do aprendizado em sala de aula. Foram dez as referências brasileiras que se enquadraram nessa categoria e 11 oriundas das bases de dados da França.

Belloni e Lapa (2012) apresentam, em seu artigo, reflexões sobre a educação a distância, baseadas no referencial teórico e metodológico da mídia-educação. Dessa forma, as autoras trazem à tona a possibilidade da educação para a cidadania pela EaD.

A reflexão acerca do uso de tecnologias no processo de ensino aprendizagem, seja a distância, seja presencial, é tratada por/pelas pesquisadores/as tanto da França quanto do Brasil. Papi (2012), por exemplo, aborda em seu artigo a não utilização das TICs em algumas turmas de escolas da França, discutindo os motivos para tal atitude. A preocupação com essa questão não é recente entre pesquisadores/as franceses/as. Em 1993, Trouillon levanta a discussão sobre a importância de o/a professor/a se questionar sobre o uso didático das novas tecnologias, buscando adequar as necessidades, os meios tecnológicos e a abordagem pedagógica.

No Brasil, da mesma forma, é possível verificar que a preocupação com o uso das tecnologias no meio educacional também é antiga, como mostra o artigo de Pfromm Netto (1999), em que o autor tece reflexões sobre as transformações na educação, pelo uso de novas tecnologias, e como tais mudanças vêm despertando a atenção de psicólogos educacionais do mundo inteiro.

7. Relação adolescência e mídia

Foram 11 as referências encontradas que envolvem a discussão sobre mídias e adolescência, sendo três no Brasil e oito na França. Entre os trabalhos analisados, é possível perceber que eles abordam a relação entre adolescência e mídia sob diferentes enfoques: o uso que os/as adolescentes fazem das mídias, o impacto das mídias nos/as adolescentes, as produções adolescentes no universo midiático e a mídia como fonte de informação para adolescentes.

No que tange ao uso que os/as adolescentes fazem das tecnologias, Mostafa, Gonzáles, Ranzan e Moraes (2004), em artigo publicado no Brasil, abordam os hábitos de navegação na internet de jovens que frequentavam a sala web de uma biblioteca. Bervort-Brunder e Bréda (2007) também trazem, em publicação francofone, essa questão ao apresentarem uma pesquisa desenvolvida no Quebec e em nove países da Europa a respeito da maneira como adolescentes de 12 a 18 anos se representam, apropriam-se e utilizam tanto a internet quanto aparelhos celulares e videogames.

A única referência que trata da produção adolescente no universo midiático é o artigo em francês de Orban (2007), no qual a autora explora o que acontece na "blogosfera" dos jovens, vendo os blogs como um espaço de expressão da juventude contemporânea.

8. Prática em mídia-educação

Inicialmente, é importante destacar que, no Brasil, o termo utilizado com mais frequência pelos/as pesquisadores/as da área é "mídia-educação", enquanto que, na França, o termo utilizado é "education aux medias" ("educação às mídias").

Nesta categoria, as referências pesquisadas (dez no Brasil e três na França) possuem, em comum, propostas de ação e relatos de experiências em mídia-educação, predominantemente no contexto escolar. Um exemplo é o trabalho desenvolvido por Siqueira e Cerigatto (2012), cujo objetivo central foi produzir um material pedagógico para o ensino médio de uma escola da rede pública de Bauru, São Paulo, baseado em trailers de cinema, disponíveis no Youtube. De acordo com as autoras, a apropriação crítica do discurso midiático não é uma prática consolidada nas atividades educacionais e faltam materiais didáticos específicos.

Zancheta Júnior (2008), em seu artigo, aponta as dificuldades na solidificação desse campo, destacando a necessidade de politização da escola por meio da mídia-educação, a fim de melhorar o diálogo entre a escola e os agentes externos.

Na França, Kerneis (2010) relata que a educação para as mídias é caracterizada pelo elevado grau de incertezas (tanto por parte tanto do aluno, quanto do professor) e pelo iminente risco da dogmatização do conhecimento por influência dos professores e/ou da mídia. O autor busca, então, analisar o impacto dos objetos da mídia (editorias, infográficos) na forma pela qual o aluno trabalha com os mesmos.

Considerações finais

O panorama proporcionado por esta pesquisa permitiu a constatação de uma diferença entre o número de publicações sobre mídia e educação no Brasil e na França. Mesmo que em ambos os países o percentual de trabalhos sobre a interface mídia e educação seja reduzido, foi possível verificar a exígua produção no meio acadêmico brasileiro sobre o tema. Porém cabe ressaltar que a presente pesquisa indica que esse assunto vem despertando o interesse de pesquisadores brasileiros nos últimos dez anos.

Certamente Brasil e França vivem momentos diferentes no que tange à relação com questões relacionadas à mídia-educação, haja vista que neste país “education aux medias” é uma política do governo francês, enquanto no Brasil as ações políticas sobre o tema encontram-se dispersas, sendo, em sua maioria, não governamentais. Entretanto, mesmo com suas especificidades, foi possível verificar que pesquisadores de ambos os países têm trabalhado temas semelhantes, como reflexões acerca da mídia como recurso mediador na educação e o uso de TICs e a EaD. Outro ponto em comum é o fato de que tanto no Brasil quanto na França a temática é explorada de modo multidisciplinar, envolvendo principalmente áreas como educação, ciências sociais, linguística e saúde.

Uma vez que as pesquisadoras que desenvolveram o presente estudo vêm da área da psicologia, é interessante ressaltar que foram poucos os trabalhos encontrados sobre a relação mídia e educação na referida área. Entretanto, com base na visão da mídia como participante na produção de subjetividades, fica evidenciada a importância de a psicologia voltar sua atenção a essa temática, como bem mostram alguns grupos de pesquisa, pertencentes a diferentes universidades no país (Grupo de Estudos e Representações Sociais do Instituto de Psicologia da PUC do Rio Grande do Sul, tendo como expoente o Prof. Pedrinho A. Guareschi; a linha de pesquisa Mídia e Processos de Significação do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos no Rio Grande do Sul) e algumas iniciativas dos Conselhos Regionais de Psicologia e do Conselho Federal de Psicologia, tal como a publicação do CFP “Mídia e Psicologia: produção de subjetividade e coletividade”, fruto do Seminário Internacional Mídia e Psicologia: produção de subjetividade e coletividade, que aconteceu em 2007 no Rio de Janeiro. Espera-se que esta pesquisa possa contribuir para a abertura/ampliação de diálogos entre a psicologia e as demais áreas do conhecimento que já vêm se debruçando sobre o assunto, contribuindo, consequentemente, para a construção de políticas públicas que abordem a relação mídia-educação.

Com relação às informações capturadas nas pesquisas efetuadas nas bases de dados francesas, cabe destacar a ausência de publicações de alguns/as pesquisadores/as reconhecidos/as no campo da mídia-educação. É possível citar, por exemplo, pesquisadoras vinculadas à Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3, como Laurence Corroy, Divina Frau-Meigs, Jocelyne Arquembourg. Tal ausência de publicações pode estar associada ao fato de que, pelo grande volume de referências encontradas nos primeiros levantamentos nas bases francesas, houve a necessidade de se trabalhar com uma amostra do universo de pesquisas sobre a temática mídia e educação na França. Entretanto vale ressaltar que, mesmo sendo uma amostra, ela foi suficiente para fornecer informações que permitiram visualizar a produção acadêmica francesa sobre o tema em pauta.

Nesse sentido, a prática de revisões de literatura possibilita a exibição de um panorama acerca de determinado assunto no que concerne à produção científica. Assim, mesmo que não seja uma pesquisa exaustiva, torna possível o conhecimento, pelos demais pesquisadores, do cenário científico acerca de determinada temática. O acesso a tais informações suscita contribuições ao meio acadêmico não só por apresentar um cenário presente, mas também por abrir a visão para novas perspectivas dentro de uma área de trabalho.

Para além do cenário apresentado por meio da presente revisão de literatura, cabe, ainda, refletir acerca do lugar da mídia em seu diálogo com a educação. Os trabalhos alvo de análise nessa revisão apontam para uma série de questões levantadas sobre tal interface. Em diversos fica evidente a preocupação quanto à forma como a relação entre mídia e educação se estabelece e, mais especificamente, às possíveis contribuições da mídia nos processos pedagógicos.

Nesse sentido, cabe ressaltar o pensamento de Bévort e Belloni (2009), ao enfatizarem que o avanço das mídias, o fácil acesso e a ampla disseminação das informações na cultura contemporânea pedem o envolvimento da educação para a formação de indivíduos críticos. Dessa maneira, a mídia pode se tornar um forte aliado da educação, sendo utilizada como instrumento, objeto de estudo crítico e gerador de novos modos de se perceber a realidade e lidar com os conhecimentos, ou seja, educação para as mídias, com as mídias, sobre as mídias e pelas mídias. Somente assim a escola poderá participar da promoção de cidadania, preparando pessoas capazes de utilizar as mídias como meios de participação e expressão de suas próprias opiniões e saberes.

Diante disso, fica explícita uma contradição, pois, a despeito da importância preconizada em vários textos sobre o lugar da mídia nos contextos educacionais (sejam estes contextos formais ou não formais), pôde-se perceber, por meio da realização da presente pesquisa, escassa produção acadêmica sobre o tema. Uma das hipóteses para tal pode estar residida na reflexão das pesquisadoras citadas acima quando estas afirmam que um dos motivos para a difícil consolidação do campo da mídia-educação está no fato de que tal tema ainda não é tido como prioridade no sistema educacional.

Dessa forma, espera-se, com esta pesquisa, poder contribuir para as discussões acadêmicas, tanto em âmbito nacional quanto internacional, acerca das questões relacionadas à mídia e educação, concorrendo tanto para a construção e consolidação de um campo de estudo sobre mídia e educação quanto para a construção de políticas públicas e ações em mídia-educação.

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Notas

1 Entre as diversas publicações dessas autoras sobre o tema em questão, podem ser citadas: Widholzer, N. (2005). A publicidade como pedagogia cultural e tecnologia de gênero: abordagem lingüístico-discursiva. In: S. B. Funck; N. R.Widholzer, Gênero em discursos da mídia. (pp.17-52). Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: Edunisc. Cunha, M. T. S.(1999). Armadilhas da sedução: os romances de M. Delly. Belo Horizonte: Autêntica. Fischer, R. M. B.(2007). Mídia, máquinas de imagens e práticas pedagógicas. Revista Brasileira de Educação,35, 290-299.

Autor notes

Raquel de Barros Pinto Miguel: pós-doutora pela Université Paris Diderot - Paris 7, doutora em ciências humanas e mestre em psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Departamento de Psicologia da UFSC. Pesquisadora do "Instituto de Estudos de Gênero", do "Laboratório de Psicologia Escolar e Educacional", do "Laboratoire Identités, Cultures, Territoires". Coordenadora do "Núcleo de Estudos e Ações em Gênero, Educação, Mídia e Subjetividade".
Alice Emanuele Zamboni Rossi: estudante de graduação no curso de psicologia/UFSC. Bolsista de iniciação científica do Núcleo de Estudos e Ações em Gênero, Educação, Mídia e Subjetividade/NUGEMS.
Amanda Scapini: estudante de graduação no curso de psicologia/UFSC. Bolsista de iniciação científica do Núcleo de Estudos e Ações em Gênero, Educação, Mídia e Subjetividade/NUGEMS.
Fabiana Barg Kuntze: estudante de graduação no curso de psicologia/UFSC. Bolsista de iniciação científica do Núcleo de Estudos e Ações em Gênero, Educação, Mídia e Subjetividade/NUGEMS.
Bruna Hainzenreder: estudante de graduação no curso de psicologia/UFSC. Bolsista de iniciação científica do Núcleo de Estudos e Ações em Gênero, Educação, Mídia e Subjetividade/NUGEMS.
Flavia Vieira Kotzias: estudante de graduação no curso de psicologia/UFSC. Bolsista de iniciação científica do Núcleo de Estudos e Ações em Gênero, Educação, Mídia e Subjetividade/NUGEMS.

E-mail: raquelbarros@hotmail.com

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