RESUMO.: Neste relato de experiência realizou-se uma compreensão acerca do fenômeno grupal, amparando-se no estudo de caso de um grupo de mães ouvintes com filhos surdos. O grupo semanal, em funcionamento há mais de três anos, proporciona um espaço de apoio às famílias de surdos. Em um primeiro momento, foram realizadas observações no grupo para, posteriormente, analisar-se os dados e atuar em intervenções. A fim de se discutir os conteúdos encontrados, criaram-se eixos temáticos com as principais características que emergiram no grupo. Quanto à temática abordada pelas mães, há independência/autonomia do filho; adolescência e sexualidade; descoberta da surdez e reorganização da dinâmica familiar; e assuntos além do objetivo grupal. E, quanto ao processo grupal: resistência; função continente do coordenador; transferência; intervenções no campo grupal. Os resultados conduzem à compreensão do grupo como facilitador e necessário como apoio e suporte para as participantes. Diante disso, realizaram-se intervenções no sentido de ampliar o espaço de reflexão, oferecido pelo grupo, o qual propicia adequação às diferentes situações vivenciadas pelas participantes.
Palavras-chave: GruposGrupos,distúrbios da audiçãodistúrbios da audição,famíliafamília.
RESUMEN.: En este informe de experiencia celebrado un entendimiento sobre el fenómeno de grupo refugiarse en el estudio de caso de un grupo de madres de audición con los niños sordos. El grupo semanal, en funcionamiento desde hace más de tres años, ofrece un espacio de apoyo a las familias sordas. En el primer momento, las observaciones se hicieron en el grupo para luego analizarse los datos y actuar sobre las intervenciones. Con el fin de discutir el contenido que se encuentra, se creó temas con las características principales que surgieron en el grupo. En cuanto al tema abordado por las madres han: la independencia / autonomía del niño; la adolescencia y la sexualidad; descubrimiento de la sordera y la reorganización de la dinámica familiar; y asuntos más allá del objetivo del grupo. Y en cuanto al proceso de grupo tenemos: la fuerza; la función del coordinador continente; transferir; intervenciones en el campo de grupo. Los resultados conducen a la comprensión del grupo como un facilitador y el apoyo que sea necesario y apoyo a los participantes. Por lo tanto, hubo intervenciones para ampliarse el espacio de reflexión ofrecida por el grupo, que proporciona la adaptación a diferentes situaciones experimentadas por los participantes.
Palabras-clave: Grupo, trastornos de la audición, familia.
Artigo Original
GRUPO DE MÃES OUVINTES DE FILHOS SURDOS: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO
GRUPO DE OYENTES MADRES DE NIÑOS SORDOS: INFORME DE EXPERIENCIA EN EL ESCENARIO
Recepção: 30 Abril 2016
Aprovação: 08 Fevereiro 2017
Este relato de experiência é o resultado de duas disciplinas do curso de psicologia, intituladas Estágio Básico III (EBIII) e Estágio Básico IV (EBIV). Os objetivos da disciplina de EBIII eram realizar a observação de um grupo que já estivesse em funcionamento, construir um entendimento, diagnóstico e desenvolver propostas interventivas. Em sequência, no EBIV, as intervenções propostas deveriam ser implementadas no grupo em questão. Esse processo de acompanhamento e intervenção ocorreu ao longo de um ano. Com intuito de se realizar entendimento frente ao movimento grupal e o processo da surdez, utilizou-se como objeto de estudo um grupo de mães, realizado em uma instituição localizada no interior do Rio Grande do Sul. O grupo semanal, em funcionamento há mais de três anos, proporciona um espaço de apoio às famílias de surdos, visto que o grupo é continente às demandas que emergem.
A instituição em questão é uma entidade de caráter público, mantida por recursos dos governos federal, estadual, municipal e doações, e a diretoria é composta por membros rotarianos. Oferece atendimento técnico especializado nas áreas de fonoaudiologia, psicologia, oficinas de artes e teatro e serviço social. O serviço é acessado via encaminhamentos da rede municipal, escolas da região e Sistema Único de Saúde - SUS. Ressalta-se que o objetivo da instituição é criar condições para pessoas com dificuldades no que diz respeito às questões de audiocomunicação, contribuindo para o exercício da cidadania e participação social, por meio da prevenção, habilitação e reabilitação. Nesse sentido, o atendimento ao surdo promove oportunidades de integração mais positiva em sua família, comunidade e sociedade, valorizando suas potencialidades, viabilizando sua emancipação e autonomia.
A fim de se efetivar este trabalho, foi realizada análise bibliográfica sobre a temática da surdez e do amparo às famílias que vivem essa realidade, incluindo aspectos observados durante a coleta de dados in loco e intervenções realizadas pela coordenadora do grupo, a psicóloga da instituição.Após, foram realizadas as intervenções por duas estagiárias.
A surdez se caracteriza como uma alteração no sistema auditivo e/ou nas vias auditivas que interfere no acesso aos estímulos sonoros. As alterações auditivas dependem da intensidade da perda, desde os mais leves até os mais profundos; do momento da perda, que pode ser antes ou depois da aquisição da linguagem; e da localização da perda (Nunes, Saia, Silva, & Mimessi, 2015).
No Brasil existem 9,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva, sendo que, destas, 616,2 mil têm entre zero e 14 anos (IBGE, 2010). Diante disso, Silva e Golçalvez (2013) alertam para a importância de os profissionais de saúde possibilitarem um diagnóstico precoce e apoio às famílias, bem como realizarem os encaminhamentos necessários. O adequado acolhimento da família e o fornecimento de informações pertinentes influenciarão na aceitação da surdez em seus aspectos linguísticos, políticos, sociais e culturais (Teixeira, Silva, & Lima, 2015).
Os surdos constituem-se em comunidades, de forma que compartilham a mesma forma de comunicação, hábitos e valores culturais. Dessa forma, conseguem interagir na modalidade gestual-visual como canal ou meio de comunicação. Nesse contexto, os movimentos e expressões corporais e facial são identificados como conjunto de signos que constituem a LIBRAS, ou seja, a Língua Brasileira de Sinais (Furtado, 2008).
Fonseca (2001) considera que “não se pode olhar para o sujeito surdo como apenas pertencente a uma minoria linguística” (p. 160). A partir disso, pondera-se que o preconceito associa-se com generalizações quanto à pessoa surda, caracterizando-a pela falta (da audição) sem atribuir-lhe inclusão social, dada a diferença sensorial. Essa maneira de assimilar a surdez desconsidera todos os outros aspectos importantes como a cultura familiar e a social nas quais o surdo está inserido, as quais contribuem para o desenvolvimento e a manutenção da formação do sujeito.
Furtado (2008) comenta que “a família é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social da criança surda” (p. 29). O vínculo familiar deve ser incentivado pela equipe de profissionais que atender à criança, na tentativa de fortalecê-lo.
Autores como Guarinello e Lacerda (2007) afirmam que a língua de origem dos pais é a primeira língua adquirida pela criança. Nesse sentido, a criança surda com pais surdos está exposta à LIBRAS desde muito cedo. Ocorre também maior aceitação da surdez, quando os pais visualizam expectativas realistas em seu filho. Por outro lado, crianças surdas de pais ouvintes constituem um ambiente familiar distinto, onde há a incorporação da língua de sinais não somente da criança surda, mas de todo o seu contexto de relações, provocando modificações na rotina e dinâmica da família.
Salienta-se que o aprendizado da língua de sinais pela família constitui-se como um movimento em função da rotina familiar, no qual há uma reestruturação nesse espaço, dadas as condições de mudança. Em outras palavras, o aprendizado da Libras pelos pais ouvintes pode ser fator de maior interação com a criança surda bem como sua lacuna pode ser limitante à comunicação familiar, criando limitações no desenvolvimento da criança (Karnopp, Klein, & Lazzarin, 2011; Furtado, 2008).
Há um grupo de oito mães ouvintes com filhos surdos pré-adolescentes e adolescentes. A coordenação do grupo é realizada por uma psicóloga da instituição. As participantes apresentam características homogêneas de idade da adultez e condições socioeconômicas, sendo todas adultas de classe média baixa. A amostra comporta também características heterogêneas, ou seja, peculiaridades na significação quanto ao processo de surdez do filho. O grupo ocorre semanalmente com duração de 1 hora e 20 min. O setting grupal compõe-se de uma sala na própria instituição.
O corpo de análise constitui-se da coleta de dados por meio de observações. Ao seu total foram realizadas dez observações no período entre setembro de 2011 e junho de 2012. A partir disso, organizam-se relatos de observação contendo reflexões quanto ao movimento do grupo, mantendo a fidedignidade da realidade observada. A prática de notas reflexivas conduz às hipóteses que são discutidas ao longo deste trabalho. Após o período de observação foram realizadas quatro participações no papel de coordenação do grupo.
A interpretação dos dados foi feita pela análise qualitativa a partir das falas das participantes, valendo-se de conceitos como comunicação, vínculo, papéis, resistências e transferência. Dessa forma, realizou-se a descrição das práticas, vinculando-as a um entendimento dinâmico articulado.
Para melhor compreensão, criaram-se eixos temáticos a posteriori, de acordo com as principais características que emergiram no grupo. Quanto à temática abordada pelas mães,há: independência/autonomia do filho; adolescência e sexualidade; descoberta da surdez e reorganização da dinâmica familiar; e assuntos além do objetivo grupal. E, quanto ao processo grupal: resistência; função continente do coordenador; transferência; intervenções no campo grupal.
O trabalho em grupo para mães ouvintes de filhos surdos articulou-se numa perspectiva de grupo de apoio, na tentativa de reunir experiências no sentido de propiciar mudanças positivas quanto à configuração familiar com a inclusão de um filho surdo. Guarinello e Lacerda (2007) esclarecem que um grupo de familiares de surdos se constitui “como espaço de poder ouvir e falar sobre seus filhos e problemas, trocar experiências, dúvidas, inquietações, auxiliando na aceitação da surdez e apontando caminhos para o desenvolvimento pleno dos sujeitos surdos e de suas famílias” (p. 109). A surdez da criança dentro de um lar de pais ouvintes pode causar grande impacto no sistema familiar, influenciando o relacionamento afetivo, social e a comunição entre os membros (Guarinello, Claudio, Festa, & Paciornik, 2013). Nessa mesma ênfase, outros autores destacam a necessidade real de os pais e mães iteragirem com outras famílias que vivem a mesma situação para trocarem experiências que possam facilitar a criação de vínculos afetivos e comunicacionais com seus filhos (Kelman, Silva, Amorim, Monteiro, & Azevedo, 2011).
Pelo fato de as características do grupo em questão proporcionarem abertura para a discussão de assuntos dos mais variados temas, pode-se considerar que este servia como apoio para as mães. Silva, Paiva e Silveira (2012) destacam a importância de cuidar dessas mães, oferendo-lhes um espaço para orientação e acolhimento de suas dificuldades, angústias e medos. De acordo com Mello e Burd (citado por Kunst, Machado, & Ribeiro, 2010), o grupo de apoio auxilia na construção de novos significados às queixas e sentimentos, facilitando a relação da família com a deficiência. A convivência com outras pessoas que passam por situações semelhantes promove a identificação e o intercâmbio de experiências antigas e atuais. Nesse sentido, os participantes do grupo sentiam-se amparados e compreendidos em suas dificuldades. À medida que foram tratados assuntos com características comuns, muitas vezes, os próprios integrantes sugeriam alternativas para a resolução de conflitos.
Conforme experiências de outros autores (Silva, Paiva, & Silveira, 2012), o trabalho grupal com mães de filhos surdos se mostra efetivo, no sentido de proporcionar um espaço de reflexão quanto à educação, convivência e interação com as crianças, buscando desenvolver relações saudáveis nos aspectos emocionais. No espaço grupal realizado no trabalho das autoras citadas pode ser realizado o acolhimento das mães, ressignificando também sentimentos e dificuldades em suas vivências. Dessa forma, a interação grupal pode acolher também as dúvidas na relação das mães com seus filhos surdos.
Zimerman (2000) articula que a função continente tem três aspectos: acolhimento, em que o coordenador contém as ansiedades e angústias e identificações projetivas do grupo que recaem a ele; decodificação, que procede a contenção de angústias e compreende um entendimento do despertar desse sentimento pertencente no grupo, captando as necessidades de cada um; e devolução ao grupo a partir da transformação em significados, dando nome às experiências emocionais de forma que o grupo suporte. Nesse sentido, a coordenadora do grupo opera na função continente ao nomear ao grupo fantasias, comportamentos, vivências e sentimentos, ressignificando os conteúdos abordados. O coordenador funciona como promotor da interação e facilitador do processo grupal. Não se espera que o coordenador seja o detentor das respostas. Com o grupo, podem ser construídas reflexões a respeito das falas que ocorrem no processo grupal.
Interligadas à postura do coordenador, destacam-se as intervenções realizadas no grupo em questão, que se davam no sentido de nomear sentimentos emergentes no grupo, tais como tristeza, raiva e frustrações em relação às dificuldades vivenciadas pelas mães e pelos filhos; comportamentos que eram relatados em questão de manejo dos filhos, no sentido de compreender e poder atuar de maneira mais adaptada; e ansiedades, como, por exemplo, as que decorriam em relação ao futuro dos filhos quando estes se tornassem adultos, visto que conheciam as limitações e barreiras que existem na sociedade, tanto nas relações sociais como no acesso ao mundo do trabalho. Entretanto, em outros momentos, as intervenções pautavam-se na psicoeducação, dados assuntos que emergiam no campo grupal e geravam dúvidas às participantes. Conforme observado por Kelman et al (2011), o tema da surdez encontra dificuldades para ser discutido, quando se trata da problematização da relação mãe-filho.
Alguns assuntos geravam dúvidas nas mães e foram tratados durante os encontros. As dúvidas mais frequentes incluíam temas da pré-adolescência e adolescência e costumavam causar ansiedades e inquietações, principalmente sobre o que é esperado ou não para a idade. Assim, entendeu-se que as preocupações das mães quanto às transformações do filho não se relacionavam à surdez propriamente dita, mas às preocupações que são comuns às mães de adolescentes e que interferem na dinâmica familiar, até então formalizada. Tais dúvidas foram articuladas junto ao grupo, de forma que as questões eram discutidas por todas as participantes. A coordenadora do grupo, por sua vez, realizava o fechamento, pontuando e reforçando o que havia sido discutido pelas mães. Por outras vezes, as dúvidas eram tratadas com materiais lúdicos, por exemplo, com livros com histórias referentes à adolescência ou mesmo informações de artigos ou que diziam respeito à faixa etária e que era discutido pelas participantes.
Furtado (2008, p.74) pontua que “a deficiência é uma limitação auditiva, não impede o filho de ter autonomia”, porém, em alguns momentos durante a interação grupal, notou-se a infantilização de alguns aspectos relacionados aos filhos. A exemplo dessas manifestações, há, no discurso das mães, a descrição de posturas de reforçamento à dependência dos filhos frente a atividades cotidianas em que seria esperado que houvesse independência ao realizá-las. Algumas situações relatadas pelas mães foram em relação à dificuldade em permitir que o filho utilizasse o transporte público, sozinho, para ir à escola, ao mercado da rua ou do bairro sem companhia e até mesmo na realização de atividades em casa que envolvessem cuidados domésticos que os adolescentes seriam capazes de realizar ou auxiliar. Nas falas das mães, ficava evidente um retraimento quanto à visualização de potencialidades dos filhos. Referente a isso, a coordenadora realizava intervenções, pontuando que a falta de audição não os impedia de realizar tarefas cotidianas, também reforçava que, ao possibilitarem algumas responsabilidades ao filho, suscitariam também o sentimento de sentir-se capaz e autônomo.
Para Buscaglia (2006), o papel da família vincula-se ao encorajamento da individualidade da criança, incentivando e permitindo que ela se aproprie de suas escolhas e expresse seus sentimentos. Para que isso se efetive, “a família terá de se libertar de suas noções preconcebidas em relação a dependência, às limitações e ao status familiar inferior da criança, e permitir que esta revele suas próprias necessidades e capacidades” (p. 134). Assim, é necessário o trabalho da psicologia para o desenvolvimento da autonomia e de características familiares, facilitadoras de um ambiente que seja promotor de conquistas.
Pelo fato de a surdez não ser visível logo após o nascimento, a desconfiança de uma dificuldade auditiva começa a ser percebida tardiamente. No grupo observado, a suspeita (seguida do diagnóstico) se deu, em média, entre os nove meses e os dois anos de idade. O relato de experiência condiz com a hipótese de Cortelo e Françozo (2014) em que os pais têm dificuldade de perceber as limitações da criança. Procuram dar sentido aos comportamentos da criança e criam expectativas de um desenvolvimento tardio da aquisição da fala. Na tentativa de provar que o filho não é surdo, os pais costumam testar as crianças com produção de sons e vibrações, porém os testes são inconclusivos e somente alimentam uma realidade mais confortável, no entanto, fantasiosa. Muitas vezes, a criança não tem perda auditiva profunda e responde aos sons mais fortes e graves (Silva, Pereira, & Zanolli, 2012), entretanto, somente após perceberem que a dificuldade é maior do que o esperado é que os pais procuram um especialista para fazer o diagnóstico. Considerando-se o momento de grande sofrimento diante da descoberta da surdez do filho, destaca-se a importância do manejo adequado dos pais por parte do profissional responsável pelo diagnóstico. Uma atividade do grupo foi a leitura de um artigo a respeito da reação dos pais diante do diagnóstico da surdez. Percebeu-se que ocorreu uma elaboração em nível grupal, referente a esse aspecto, visto que todas partilharam experiências sobre o diagnóstico e sentimentos envolvidos na época. A necessidade de um enfoque psicoeducacional é apoiada por Kelman et al (2011), não somente na forma de atividades com teor informativo, mas como espaço para a discussão da relação familiar envolvida.
O grupo desenvolveu-se não somente em torno da temática da surdez. Além disso ocorreram assuntos além do objetivo principal e que emergiram dadas às vivências cotidianas de cada participante. O grupo, dado o seu tempo de existência, proporcionava um ambiente seguro onde as relações estabelecidas geraram vínculos sólidos. Assim, a emergência de conteúdos pessoais pode ser reflexo da vinculação e segurança que o grupo oferece. Por outro lado, assuntos cotidianos, trazidos para o grupo, podem ser entendidos como negação do objetivo grupal, agindo como dificultador. Nesse sentido, é Pichon-Rivière (2009) que ensina que é importante reduzir a ambiguidade grupal. A fuga para outros assuntos distancia o grupo do objetivo para o qual ele existe, afastando também a perspectiva de evolução grupal. Nesse propósito, ficou explícita no presente grupo a regressão ao nível da pré-tarefa, quando ocorrem defesas e emergentes ansiogênicos. A fuga acaba sendo estabelecida como manejo da resistência que se apresenta.
Partindo-se do pressuposto de que no campo grupal ocorrem movimentos transferenciais, entende-se que sua decorrência se manifesta no grupo principalmente nas relações entre os membros. Ocorrem manifestações transferenciais entre as participantes, no sentido de estas relacionarem as falas com eventos de suas próprias vidas, respondendo com o significado de interpretações que são constitutivas de si mesmo.
O movimento do grupo perpassa os três pressupostos básicos, abordados por Bion (1975). Alguns momentos de dependência, outros de luta-fuga e alguns parecem estar no pressuposto de acasalamento. Os vários momentos vividos pelo grupo enfatizam a dinâmica e a transformação envolta aos processos grupais. Observou-se o pressuposto da dependência, corroborado pelos ensinamentos de Bion (1975), a partir dos episódios de resistências, apresentados pelo grupo. Por outro lado, em alguns momentos o grupo vivenciou a formação de um pensamento em busca de algo novo, o que configura o pressuposto do acasalamento. A formação de casais (duplas) dentro do grupo mostra que de fato esses momentos configuram esse movimento de acasalamento. Quanto ao pressuposto de luta-fuga, observou-se que, diante de temas como a independência dos filhos e do preconceito quanto à surdez, o grupo confronta e foge.
A proposta interventiva teve os objetivos gerais de oportunizar e viabilizar diferentes formas de comunicação, além daquela já estabelecida e instituída no grupo de mães. E os objetivos específicos de propiciar um espaço contínuo de fala e aplicação de aprendizados no ambiente seguro que o grupo propicia; criar flexibilização no movimento grupal; e elucidar ao grupo a importância da comunicação, tanto no processo de construção e evolução grupal quanto no desenvolvimento familiar e no aprimoramento da comunicação com os filhos.
No primeiro encontro coordenado pelas estagiárias, foi proposto às mães que escrevessem em cartões (entregues pela estagiária coordenadora) sentimentos que tiveram durante a vivência no grupo. Esses sentimentos podiam ser direcionados à questões de apoio oferecido pelo grupo, pelo vínculo que se estabeleceu ou mesmo no sentido de o grupo prover um espaço para a compreensão da surdez. Após concluir essa parte, as mães deveriam explicar os sentimentos ao grupo, de forma que eles fossem compreendidos pelos demais, mesmo que elas necessitassem fazer mímicas ou sinais para explicar tudo o que o grupo proporcionara. Com essa atividade pretendia-se também refletir sobre as diferentes formas de comunicação, por exemplo, a forma como se comunicam com os filhos, que às vezes se torna difícil. No entanto as mães não aderiram à atividade da forma como foi proposta. Preferiram apenas falar sobre seus sentimentos em relação ao grupo além disso notou-se que as dirigiam-se para a psicóloga enquanto falavam. A não adesão à atividade pode ser compreendida como resistência com a nova coordenação. Também se percebe que o grupo preferiu manter-se no seu funcionamento habitual, sem aceitar mudanças. Zimerman e Osorio (1997) observam que as resistências são obstáculos ao processo terapêutico, apresentadas em forma de silêncio grupal, conversação social, rotulagem, subgrupamento, atuação e transferência. A dificuldade de vinculação com a nova coordenação pôde ser compreendida como reflexo da resistência grupal, que pode ser obstrutora do desenvolvimento do grupo, ou se apresentar como uma característica saudável, demonstrando que algo diferenciado está ocorrendo. Entendemos que a resistência que se apresentou nos momentos de intervenção teve características paranoides, visto que se referiram ao “medo do surgimento do novo”. A exemplo, algumas falas observadas foram: “quando a nossa psicóloga volta?”(sic.) ou até mesmo “a nossa psicóloga fazia assim...” (sic.). Também foi possível observar a resistência grupal em expressões corporais e faciais, no sentido de as mães mostrarem-se de braços cruzados, com o olhar distante ou em direção à saída. A participação das estagiárias causou um desequilíbrio grupal, despertando um sentimento de insegurança por mudanças na coordenação, diferente das com que estavam habituadas.
A necessidade de adaptação também aconteceu com as outras atividades que as estagiárias propuseram, ou seja, foram modificadas para que o grupo pudesse apenas falar, excluindo o uso de outros materiais ou outras formas de expressão. Por exemplo, na segunda atividade foi proposta a encenação (role-play) de uma situação que as mães consideravam difícil de lidar, para, assim, com as demais participantes, desenvolver uma possível solução. Por fim, a terceira e última atividade tinha caráter psicoeducativo com o intuito de esclarecer dúvidas que as mães tinham principalmente sobre fases do desenvolvimento dos filhos. Essas atividades também foram flexibilizadas para o funcionamento habitual do grupo, ou seja, somente com participação oral. Entretanto pensa-se que essa é uma forma de relação grupal que funciona e produz benefícios terapêuticos para as participantes. As mães veem como ponto positivo o sigilo das informações trocadas naquele espaço. Esse ponto foi fortemente comentado, visto que o grupo oferece um local para discutir e refletir acerca de assuntos que não são abordados em outros locais, dessa forma, incorpora uma função terapêutica. Essas considerações também podem ser compreendidas na ótica de que a transferência grupal acaba eclodindo quanto à expectativa e reforço que as mães encontram no grupo.
Consideramos que a forma como a intervenção se desenvolveu proporcionou o fortalecimento de aspectos positivos do grupo, por exemplo, a coesão grupal e o apoio que as participantes ofereciam umas às outras. Também foi possível trazer à tona os objetivos para os quais o grupo fora construído e os benefícios que este trouxe na vida de cada uma das mães.
Consideramos que a forma como a intervenção se desenvolveu proporcionou o fortalecimento de aspectos positivos do grupo, por exemplo, a coesão grupal e o apoio que as participantes ofereciam umas às outras. Também foi possível trazer à tona os objetivos para os quais o grupo fora construído e os benefícios que este trouxe na vida de cada uma das mães.
Para se desenvolver a interlocução proposta neste relato de experiência, assumiu-se uma estratégia de busca ativa quanto à fundamentação teórica como base que sustenta os conteúdos relacionados à dinâmica da surdez e do processo grupal. A partir do que pudemos analisar e interpretar, tem-se que as intervenções foram significativas para o processo evolutivo do grupo. Apresenta-se como resultado positivo a ressignificação quanto aos objetivos do grupo, sendo que a presença de pessoas diferentes no papel de coordenação é mobilizador de mudanças e reflexão. O comportamento de não aderência às propostas, conforme sugeridas, pode ser demonstração da força que o grupo toma para seu funcionamento, agindo em sua forma mais homogênea possível e necessária para seu andamento e para a participação das mães.
Como principais resultados, considera-se que, com as intervenções, foi possível fortalecer aspectos positivos do grupo, como a coesão grupal e a importância que o grupo tem na vida das participantes, visto que proporciona reflexões, aprendizados e apoio para dificuldades. Além disso foram retomados os objetivos para os quais o grupo fora construído e as repercussões na vida de cada uma das mães. Em suma, as principais intervenções verbais, realizadas durante a coordenação, foram perguntas abertas, dirigidas para um membro (na tentativa de abrir para que o grupo realizasse trocas), explicações e interpretações (a respeito da independência dos filhos, da sexualidade na adolescência).
Estudar processos grupais bem como as conexões envolvidas (as instituições, o preconceito, a surdez) permite compreender a psicologia de forma ampla e vislumbrar sua eficácia nesses contextos. Os resultados obtidos após o trabalho e sua construção total foram, de forma geral, positivos e enriquecedores, tendo-se em vista que o grupo foi capaz de repensar aspectos importantes e positivos de seu funcionamento como a coesão, a possibilidade de ter um local seguro que fornece apoio às suas dificuldades e onde podem encontrar pessoas para compartilhar aflições e experiências. Nesse sentido, a inclusão das estagiárias possibilitou amadurecimento no grupo, ao fazer pensar em aspectos como os anteriormente citados. No rompimento de padrões de funcionamento, é permitido ao grupo que reflita sobre seu estado, seus membros e organização, ou seja, o grupo consegue gerir também ansiedades que emergem dele próprio.
Aprecia-se o fato de se realizar a atividade e as intervenções, em que se aprofunda a inserção em um grupo em funcionamento, construindo um espaço que aos poucos foi vinculado ao funcionamento existente. Finaliza-se afirmando a importância da realização de estágios práticos na grade curricular da graduação, justamente para a compreensão teórica e prática, bem como para a atuação em realidades distintas. A oportunidade de acompanhar o grupo permitiu uma experiência única quanto à prática do psicólogo no contexto em questão. No entanto entende-se a importância da realização contínua de pesquisas voltadas para a temática grupal e também das vicissitudes da surdez e das relações familiares quanto à chegada de um filho surdo.
E-mail: rafaelafaq@msn.com