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DISCRIMINAÇÃO BASEADA NO PESO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE INTERNAUTAS SOBRE A GORDOFOBIA
Lidiane Silva Araújo; Maria da Penha de Lima Coutinho; Maria de Fátima Pereira Alberto;
Lidiane Silva Araújo; Maria da Penha de Lima Coutinho; Maria de Fátima Pereira Alberto; Anderson Mathias Dias Santos; Adriele Vieira de Lima Pinto
DISCRIMINAÇÃO BASEADA NO PESO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE INTERNAUTAS SOBRE A GORDOFOBIA
WEIGHT-BASED DISCRIMINATION: SOCIAL REPRESENTATIONS OF INTERNET USERS ABOUT FAT PHOBIA
DISCRIMINACIÓN BASADA EN EL PESO: REPRESENTACIONES SOCIALES DE USUARIOS DE INTERNET ACERCA DE LA GORDOFOBIA
Psicologia em Estudo, vol. 23, pp. 1-17, , 2018
Universidade Estadual de Maringá
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RESUMO: O termo gordofobia tem sido comumente empregado para definir formas de discriminação a corpos acima do peso. Objetivou-se conhecer as representações sociais da gordofobia elaboradas por usuários de internet. Realizou-se uma pesquisa documental com base na seleção de comentários de internautas frente a uma matéria sobre gordofobia veiculada pela revista Superinteressante. As opiniões selecionadas constituíram um corpus textual que foi submetido à análise lexical pelo IRAMUTEQ, desdobrando cinco classes temáticas: (i) "A saúde como discurso justificador da discriminação", (ii) "Gordo versus Magro: instituindo diferenças", (iii) "Emagrecimento: reforço versus desconstrução do padrão", (iv) "Gordofobia: invenção ou realidade?" e (v) "Gordofobia e a (in)adequabilidade de ações afirmativas". Em linhas gerais, ancoradas no argumento técnico-científico da obesidade como doença epidêmica, as representações dos internautas legitimaram processos de preconceito e discriminação em relação às pessoas obesas. Ademais, a proposição irônica dos internautas quanto à política de cotas para pessoas gordas demonstrou a insatisfação quanto à existência de ações afirmativas promotoras da igualdade entre grupos sociais, ratificando a ideia de que privilégios não podem ser conferidos a "grupos inferiores" ou desvalorizados e que estes, para serem merecidamente respeitados pela sociedade, devem buscar a adequação dos seus corpos ao padrão de refinamento. Neste contexto, com a função de tornar irrelevante o tema da gordofobia, desqualificando a abordagem do assunto pela revista, observaram-se estratégias representacionais direcionadas à negação da sua existência, comparando sofrimentos entre grupos ou instituindo diferenças (gordos x magros). Considerando a escassez de pesquisas sobre discriminação baseada no peso no Brasil, novos estudos são sugeridos.

Palavras-chave: DiscriminaçãoDiscriminação,obesidadeobesidade,redes sociaisredes sociais.

ABSTRACT: The concept of fat phobia has been usually used to define ways of discrimination towards overweight bodies. The present work aimed to know the social representations of fat phobia elaborated by internet users. A documental research was conducted based on internet comments on an article about fat phobia published by the Superinteressante magazine. Selected opinions comprised a textual corpus which was submitted to a lexical analysis through IRAMUTEQ, revealing five thematic classes: (i) "Health as discourse to justify discrimination", (ii) "Fat versus Slim: instituting differences", (iii) "Weight loss: reinforcement versus deconstruction of the standard", "Fat phobia: invention or reality?" and (v) "Fat phobia and the (in)appropriateness of affirmative actions". Anchored on the technical and scientific argument which affirms that obesity is an epidemic disease, the representations of internet users legitimized discrimination and prejudice processes against overweight people. Moreover, ironic propositions against quota policy for overweight people showed a dissatisfaction about the existence of affirmative actions that promote equality among social groups, ratifying the idea that the privileges cannot be granted to “inferior groups” or depreciated groups, and these groups, in order to be respected by society, should try to fit their bodies into the refined standard. In this context, aiming to make fat phobia an irrelevant topic, disqualifying the magazine’s approach on this topic, representational strategies directed to deny its existence by comparing suffering between groups or setting differences (fats x thins) was observed. Considering the lack of researches about discrimination against overweight in Brazil, others studies on this topic are suggested

Keywords: Discrimination, obesity, social networks.

RESUMEN: El término gordofobia ha sido frecuentemente utilizado para definir formas de discriminación hacia los cuerpos por encima del peso. En esta investigación se tuvo por objetivo conocer las representaciones sociales de la gordofobia elaboradas por usuarios de internet. Una investigación documental ha sido realizada con base en la selección de comentarios de usuarios de internet hacia una materia acerca de la gordofobia vehiculada por la revista Superinteressante. Las opiniones seleccionadas han constituido un corpus textual que ha sido sometido a un análisis lexical por IRAMUTEQ, apuntando cinco clases: (i) “La salud como discurso justificador de la discriminación”, (ii) “Gordo VS Delgado: instituyendo diferencias”, (iii) “Adelgazamiento: reforzamiento VS desconstrucción del estándar”, (iv) “Gordofobia: ¿invención o realidad?” y (v) “Gordofobiay la (in)adecuación de las acciones afirmativas”. Ancladas en el argumento técnico-científico de la obesidad como una enfermedad epidémica, las representaciones de los usuarios de internet legitimaron los procesos de discriminación y prejuicio hacia las personas obesas. Además, la proposición irónica de los usuarios de internet acerca de las políticas de cuotas para personas gordas ha demostrado la insatisfacción acerca de la existencia de acciones afirmativas promotoras de la igualdad entre los grupos sociales, ratificando la idea de que privilegios no pueden ser conferidos a los “grupos inferiores” y que estos, para ser merecidamente respectados por la sociedad, deben buscar la adecuación de sus cuerpos al estándar de refinamiento. Con la función de tornar irrelevante el tema de la gordofobia, descalificando el abordaje del asunto por la revista, han sido observadas estrategias representacionales direccionadas hacia la negación de su existencia, instituyendo diferencias entre grupos (gordos vs delgados). Considerando la escasez de estudios sobre el tema en Brasil, nuevas investigaciones son sugeridas.

Palabras-clave: Discriminación, obesidad, redes sociales.

Carátula del artículo

Artigo Original

DISCRIMINAÇÃO BASEADA NO PESO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE INTERNAUTAS SOBRE A GORDOFOBIA

WEIGHT-BASED DISCRIMINATION: SOCIAL REPRESENTATIONS OF INTERNET USERS ABOUT FAT PHOBIA

DISCRIMINACIÓN BASADA EN EL PESO: REPRESENTACIONES SOCIALES DE USUARIOS DE INTERNET ACERCA DE LA GORDOFOBIA

Lidiane Silva Araújo
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brazil
Maria da Penha de Lima Coutinho
Universidade Federal da Paraíba, Brazil
Maria de Fátima Pereira Alberto
Universidade Federal da Paraíba, Brazil
Anderson Mathias Dias Santos
Universidad del País Vasco, Spain
Adriele Vieira de Lima Pinto
Universidade Federal da Paraíba, Brazil
Psicologia em Estudo, vol. 23, pp. 1-17, 2018
Universidade Estadual de Maringá

Recepção: 08 Dezembro 2016

Aprovação: 28 Fevereiro 2018

Introdução

Embora o padrão de beleza da atualidade valorize corpos magros, parcela expressiva da sociedade brasileira é constituída por pessoas com sobrepeso (52,5%); especificamente, 17,9% da população brasileira são consideradas obesas (Brasil, 2015). Alcançando quase um terço da população mundial e afetando tanto crianças quanto adultos, a obesidade tem sido vista como uma preocupação a ser combatida e erradicada, uma vez que constitui um risco sanitário, suscitando impactos psicossociais e sobrecarga às contas públicas de muitos países (Herdy, López-Jimenez, Terzic, Milani, Stein, & Carvalho, 2014).

Esse discurso da obesidade como conjuntura pandêmica tem impelido as pessoas ao controle rigoroso dos seus corpos. Conforme Fernando-Ramírez e Escudero (2012), uma máquina comercial extremamente rentável para eliminar a obesidade tem galgado espaço social por meio da propagação maciça dos benefícios de dietas, cirurgia, exercício e mudança de estilo de vida.

Para além do questionamento sobre a função legítima dessas alternativas facilitadoras do emagrecimento, o que se interroga é a extensão desse discurso e a imposição hegemônica dessa verdade (ou padrão corporal) como único modo digno ou apropriado dos atores sociais circularem ou se sentirem pertencentes à sociedade.

Assim, o perigo reside não nas ferramentas de emagrecimento propriamente ditas, mas na possibilidade de pessoas sob a condição de obesidade aceitarem e interiorizarem um discurso que as estigmatiza, exigindo delas o reconhecimento público de seu "pecado", de sua "ofensa" para a estética, enfim, um reconhecimento do seu "peso" para a saúde e para os cofres públicos (Fernando-Ramírez & Escudero, 2012). Sendo assim, há que se conjecturar sobre o alarmismo que perpassa a conjuntura epidêmica de obesidade. Em outras palavras, esse panorama tem nutrido uma poderosa indústria de alimentação-saúde- beleza que reforça, em decorrência de seus interesses particulares, o estigma de peso, potencializando a discriminação de pessoas com excesso de peso (Yoshino, 2010).

Apesar dessa conjuntura, no que tange à redução da obesidade, o estigma de peso não é um instrumento benéfico de saúde pública. Ao contrário, além de ameaçar a saúde psicológica e física de indivíduos considerados obesos, a estigmatização atrapalha a implementação de esforços eficazes na prevenção e combate à obesidade, gerando impactos negativos na esfera da saúde pública, agravando ainda mais a situação. Dito de outro modo, o estresse associado ao estigma pode desencadear outras comorbidades, além de agravar o curso clínico da obesidade, podendo afetar a vida social e produtiva dos indivíduos, até então considerada normal (Puhl & Heuer, 2010).

Indubitavelmente, o preconceito e a discriminação com base no peso constituem uma realidade em muitos setores da sociedade. De acordo com a literatura, para alguns tipos de trabalho, as pessoas com obesidade são taxadas como menos qualificadas, com problemas emocionais (dificuldade de autocontrole) e interpessoais, apresentando chances reduzidas de lograrem êxito ainda no processo de admissão profissional (Kolotkin, Crosby, Kosloski, & Williams, 2001). Além de ser uma constante no ambiente de trabalho - instituindo a desigualdade salarial, ausência ou redução da concessão de promoções, comentários pejorativos e demissões sem causa definida -, a discriminação contra pessoas com obesidade pode ocorrer em ambientes médico-hospitalares, instituições de ensino, relacionamentos interpessoais e na mídia (Puhl & Heuer, 2009).

Conforme dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2011), nos Estados Unidos, a taxa de prevalência da discriminação presumida baseada no peso/altura das mulheres tem se aproximado da taxa de prevalência da discriminação de base racial. Em alguns episódios, chega a ser mais frequente do que a discriminação de base etária ou com base no sexo, aferidos como importantes eixos de discriminação.

Ponderando que as sociedades são mutáveis, os padrões de saúde e de beleza corporal também se decompõem no jogo das relações sociais que são travadas no cotidiano. Assim, por constituir a matéria da existência humana, isto é, um aparato físico e ao mesmo tempo simbólico que caracteriza o ser humano, o corpo, embora privado, no qual se expressam as atividades mais individuais (biológicas e psicológicas), é um artefato por meio do qual o indivíduo pode interagir com o mundo e com seus pares (Jodelet, 1994; Justo, 2011).

Assegurando esta forma de pensar o corpo como produto das relações sociais, Georges Vigarello (2012), um historiador francês, afirma que os significados conferidos aos corpos volumosos nem sempre tiveram essa natureza depreciativa. Por exemplo, na Idade Média, as anatomias maciças eram apreciadas como sinônimo de poderio, ascendência. Pensando sobre esse itinerário, isto é, sobre a transformação da obesidade desde a valorização das curvas até a obsessão pela magreza, o autor conjectura que a "avaliação" é um importante fator na história do gordo. Esse momento de cálculo sistemático e indicação numérica de peso que marcou o final do século XIX perdura até hoje, mas com um diferencial: a necessidade de individualizar cada vez mais o controle do peso, penetrando, já no século XX, os espaços privados com balanças e outras formas de medida, as quais seguem fazendo parte do dia a dia dos atores sociais.

Neste conjunto de exposições, o controle do corpo não é um invento da contemporaneidade. Tal controle está ligado “à insensível precisão do julgamento sobre as curvas corporais e sua inflexão" (Vigarello, 2012, p. 14), isto é, os seus "desvios" na sociedade, desde o apelo moral - mais remotamente - ao imperativo da estética e saúde nos dias atuais. Por exemplo, durante muito tempo a luta contra a gordura privilegiou coerções mecânicas sobre o corpo, como o corpete, a cinta, entre outras formas de contenção. Com o decurso do tempo e a atualização do conhecimento científico, o controle do corpo permaneceu, mas foi sendo substituído por outros dispositivos de poder e formas mais precisas de controle (por exemplo, o IMC). Com efeito,

a história do gordo está ligada a essas reviravoltas. O desenvolvimento das sociedades ocidentais promove o afinamento do corpo, a vigilância mais cerrada da silhueta, a rejeição do peso de maneira mais alarmada. O que transforma o registro da gordura, “denegrindo-a” [sic], aumentando o seu descrédito e privilegiando insensivelmente a leveza. A amplitude de volume afasta-se cada vez mais do refinamento, enquanto a beleza se aproxima mais e mais do que é magro, esguio (Vigarello, 2012, pp. 10-11).

Considerando que a sociedade vivencia uma época de gordofobia generalizada, as pessoas acima do peso ficam vulneráveis à desumanização dos seus corpos (Soratto, 2009; Yoshino, 2010). Neste contexto, mais recentemente, o termo gordofobia tem sido comumente empregado para assinalar sistemas de opressão referentes a corpos acima do peso (Ferreira, 2015), retratando a desvalorização, estigmatização e hostilização de pessoas gordas (Isaia, 2015), que se dão por meio de aparatos de diversas ordens (sociais, midiáticos, culturais e médicos) para perpetuar modelos de corpos socialmente valorizados e aceitáveis, tais como os corpos magros ou hipertróficos. Desta forma, a gordofobia ocorre por meio de processos de discriminação social das pessoas que não se adéquam ao padrão corporal de beleza considerada ideal, tendo como auxílio o discurso da medicina e do apelo estético, reforçando a dominação desses corpos frente aos padrões vigentes (Arcoverde & Rodrigues, 2014).

No presente artigo, especificamente, salienta-se que o termo "gordofobia" foi tomado sob um prisma social, não refletindo, portanto, qualquer viés psicopatológico relacionado à expressão, como sugere a fobia à gordura, por exemplo. Outrossim, seguiu-se uma perspectiva análoga às discussões que são travadas sobre o tema homofobia, enfatizando- se os processos discriminatórios subjacentes ao fenômeno social propriamente dito, em detrimento da "psicologização" conferida à fobia ou aversão que alguns atores sociais têm em relação a um aspecto específico das diferenças humanas (nesse caso, a sexualidade).

Por conseguinte, entende-se que o processo de aversão à configuração corpórea volumosa (leia-se, preconceito/discriminação baseados no peso) desdobra de uma realidade social maior, pautada em conjunturas e ideologias específicas, refletindo atitudes, crenças e valores do tecido social num dado contexto histórico. Portanto, por estar situado na interface individual versus social, o corpo afeta e é afetado pelo movimento das sociedades cambiantes. Por tal razão, isto é, por compor um importante objeto social, a visão sobre o corpo (gordo) ganha centralidade e a sua análise pode revelar muito da história e das relações de uma dada sociedade.

De acordo com Nóbrega e Lucena (2004), as práticas sociais revelam que as condições conflituosas surgem das diversas possibilidades que existem entre os atores sociais que intentam negociar suas diferenças, seja para afirmar e obter o reconhecimento de uma diferença específica, seja para manutenção não apenas de diferenças, senão, principalmente, de desigualdades sociais e de exclusão.

Assim, o corpo tem sido objeto de interesse e evidência na mídia, denotando a valorização deste objeto no seio da sociedade. Neste cenário, a mídia atua como um importante substrato informacional para o saber social que é forjado sobre um dado objeto representacional (Silva, Bousfield, & Cardoso, 2014). Além da mídia impressa e televisiva, as redes sociais na internet representam um novo e complexo universo de fenômenos comunicativos, sociais e discursivos (Recuero, 2014) que demandam atenção. Conforme esta autora, o advento da internet instituiu mudanças na sociedade, dentre as quais a possibilidade de expressão e socialização por meio das ferramentas de comunicação mediada pelo computador. Essas ferramentas proporcionaram que atores pudessem construir-se, interagir e comunicar com outros atores, formando uma rede social, que pode ser definida como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais). Assim, nesta pesquisa, a rede é considerada uma fecunda metáfora para observar e compreender os padrões de conexão de um grupo social.

Nesse jogo de complexidade, o presente estudo intenta, à luz da teoria das representações sociais, apreender o conhecimento que atravessa as comunicações dos internautas sobre o corpo gordo numa rede social. De acordo com Moscovici (2012), as representações sociais podem ser entendidas como conjuntos simbólicos e práticos cujo status é o de uma construção e não de uma reprodução ou reação a estímulos exteriores, caracterizando-se pelo uso e seleção de informações, a partir do repertório circulante no arcabouço social, destinadas à interpretação e à elaboração do real. Nas palavras do autor, "representar uma coisa, um estado, não é só desdobrá-lo, repeti-lo ou reproduzi-lo, é reconstituí-lo, retocá-lo, modificar-lhe o texto" (Moscovici, 2012, p. 54).

Destarte, as representações sociais são fenômenos descritos e explicados a partir do seu contexto de produção; não são apenas um produto da idealização grupal, mas igualmente um processo, uma forma de entender e comunicar (Nóbrega, 2003). Face ao exposto, considerando a necessidade de conhecer como a população geral tem concebido o preconceito e a discriminação baseados no peso e como este fecundo tema tem ocupado espaço nas redes sociais, o presente estudo objetivou apreender as representações sociais que atravessam os comentários de usuários de internet sobre o assunto "gordofobia".

Método
Procedimento

Realizou-se uma pesquisa documental, descritiva e exploratória, com base na coleta de comentários de usuários de uma rede social sobre uma matéria acerca da "gordofobia", que foi veiculada pela revista Superinteressante em sua página oficial no Facebook.

De acordo com a tabela de publicidade veiculada no site da editora Abril (2016), baseada na auditoria realizada pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC), a revista Superinteressante figura no rol das revistas mensais com maior circulação média no território nacional, tendo ficado em posição de destaque no último ranking no tocante à circulação líquida (227.950), atrás apenas da revista feminina Claudia. Reconhecendo a proeminência que a revista de atualidades possui no país, escolheu-se a sua página oficial no Facebook (3.913.666 curtidas) como importante fonte de busca das opiniões gerais dos seus leitores sobre o tema do preconceito/discriminação com base no peso. Para viabilizar o ingresso à página da revista, utilizou-se de uma conta na rede social Facebook, que facilitou o processo de busca, leitura e seleção dos comentários dos internautas acerca da matéria veiculada pela mídia impressa.

Neste estudo, reuniram-se os comentários gerados pelos internautas leitores da matéria "Onde os gordos não têm vez", uma publicação originalmente veiculada pela revista em novembro de 2013 (edição 325), que foi republicada na página da revista em formato de post no ano 2016 (Editora Abril, 2016). O contexto temático da publicação então referida retratava a discriminação com base no peso como realidade frequente em diversos segmentos sociais, tais como o trabalho, moda, mídia, entre outros espaços.

Vale salientar que a seleção das opiniões dos internautas face ao post com o link da matéria considerou a faixa temporal de até uma semana decorrida da publicação em 03 de fevereiro de 2016. No período citado, o texto disparador das opiniões suscitou 3,6 mil curtidas e 755 compartilhamentos, além de 297 comentários dos internautas. Desta soma de expressões, via comentários, apenas 90 foram incluídos no corpus (conteúdo textual), excluindo-se da análise documental comentários com marcações de perfis e outras postagens não relacionadas ao tema.

O corpus textual com os 90 comentários selecionados foi submetido à análise lexical pelo software IRAMUTEQ (Ratinaud, 2009). Este é um programa computacional aberto que disponibiliza diferentes tipos de análise de dados textuais, desde aquelas mais simples, como a lexicografia básica (lematização, cálculo de frequência de palavras), nuvem de palavras, até análises mais complexas, tais como a classificação hierárquica descendente, análise fatorial de correspondência e análise de similitude. Quanto ao aspecto teórico- metodológico, adotou-se esta ferramenta computacional, pois a análise lexical confere o privilégio de propor a superação da velha dicotomia entre quantitativo e qualitativo no que se refere à análise de dados, permitindo que se quantifique e empregue cálculos estatísticos sobre variáveis fundamentalmente qualitativas: os textos (Camargo & Justo, 2013).

Esse percurso torna possível a descrição do corpus, seja ele fruto de produção individual ou coletiva, facilitando a análise textual com finalidade relacional, isto é, comparando construções diversas em função de variáveis específicas capazes de descrever quem produziu o texto (Camargo & Justo, 2013). No presente artigo, vale salientar, na constituição do corpus, consideraram-se as variáveis "comentário" e "sexo do perfil do internauta" emissor da opinião. Como diretrizes interpretativas, os resultados deste estudo contemplam a classificação hierárquica descendente sob formato de nuvem de palavras.

Resultados ediscussão

O material textual foi particionado em 104 segmentos de texto, abarcando 769 palavras que apareceram 1.986 vezes, indicando uma média de ocorrência de aproximadamente 2,6. Neste processamento, foram retidos na análise 64,42% do total de segmentos de texto, definindo cinco classes temáticas, conforme demonstrado na Figura 1, abaixo.

Na primeira etapa da análise, o corpus foi dividido em dois subcorpora. Em seguida, um subcorpus distinguiu a classe 5, à extrema esquerda, do material textual restante. Posteriormente, o segundo subcorpus rompeu-se em dois, agrupando, de um lado, as classes 1 e 4 e, do outro, as classes 2 e 3. Igualmente, outras partições aconteceram, separando, de um lado, as classes 1 e 4 e, de outro, as classes 2 e 3.

Para fins da leitura do dendrograma, foram consideradas apenas as palavras ou formas com frequência superior à média de ocorrência (2,6) e com x² superior a 3,84. Os conjuntos de argumentos evidenciados no dendrograma demonstram o saber elaborado pelos internautas sobre o objeto representacional em estudo neste artigo (gordofobia). Em nível teórico-metodológico, a análise das classes de um dendrograma viabiliza a captação das peculiaridades que dão corpo às opiniões e conhecimentos dos participantes sobre a forma de expressão do preconceito baseado no peso abordada na matéria veiculada pela revista. A seguir, são descritas (da esquerda para a direita) as referidas classes e seus principais enunciados.


Figura 1
Dendrograma da classificação hierárquica descendente do corpus "Gordofobia".

Representando 14,9% dos segmentos de texto, a classe 5 foi nomeada "Gordofobia e a (in)adequabilidade de ações afirmativas". Esta classe contemplou palavras tais como cota (x² = 51,78), falta (x² = 18,02) e obeso (x² = 4,12), conforme demonstram os fragmentos de texto a seguir.

... Me poupe! Só falta agora querer cotas para obesos em concursos e universidades. (Comentário 57).

... Cria cota e fica tudo certo. (Comentário 80)

... Cotas resolvem! (Comentário 85).

... Cadê a cota para obesos? Já! (Comentário 87).

... Se tiver cotas para gordos, eu estou dentro. Afinal, ninguém nasce gordo, torna- se ou escolhe ser gordo (Comentário 55).

... Cotas! Só falta querer obrigar as novelas a colocarem atores gordos (Comentário 71).

... Obesidade é falta de consciência sim! Falta de saber que ser gordo é prejudicial em tudo e ponto final (Comentário 16).

O conteúdo da classe apresentada ilustra, em tom de ironia, a visão que é conferida às pessoas com sobrepeso de modo equivalente à forma de tratamento que comumente é destinada à minoria negra que é contemplada - em alguns contextos, como a educação e o trabalho - com cotas, gerando insatisfação pela existência de ações afirmativas que buscam a promoção da igualdade entre grupos sociais.

De acordo com Jodelet (1998), o “trabalho de elaboração da diferença é orientado para o interior do grupo em termos de proteção; para o exterior, em termos de tipificação desvalorizante e estereotipada do diferente” (p. 51). Assim, especificamente em relação ao tema deste estudo, embora inexista uma política de cotas para pessoas gordas estruturada no Brasil, o conteúdo da classe emergiu reiteradas vezes como um sarcasmo impetrado pelos internautas, remetendo a um sentimento de ameaça, à ideia de que privilégios não podem ser conferidos a "grupos inferiores" ou desvalorizados, como as pessoas gordas.

A classe 1, com 25,4% dos fragmentos textuais retidos na análise, foi designada "A saúde como discurso justificador da discriminação". Foram características desta classe as palavras saúde (x² = 29,85), não (x² = 27,43), vez (x² = 15,08), questão (x² = 12,51) e falar (x² = 5,53).

... Apesar de as pessoas serem cruéis com os gordos, [a gordofobia] não é questão de ditadura da beleza, é saúde mesmo (Comentário 22).

... Sabe porque gordo não tem vez? Porque isso é sinônimo de sedentarismo, simples assim! Gordofobia não existe, existe gente que quer ser aceita com 50 kg a mais, mas não move uma palha para melhorar a saúde (Comentário 46).

... Apoiar as pessoas a serem gordas é apoiar saúde ruim, pois geralmente são menos saudáveis (Comentário 40).

... Lá vem o vitimismo! [A gordofobia] não é questão de padrões, senão de saúde; não podemos inspirar uma sociedade sedentária (Comentário 30).

... Haja paciência para tanto coitadismo! Agora toda hora surge alguém ou um novo grupo se vitimizando, querendo ditar regras para os outros. Espero que esta era do coitadismo caia logo de uma vez e não retorne nunca mais (Comentário 3).

... Não há mais limite para essas encheções de saco (Comentário 53).

... A Super deveria falar com profissionais de educação física, nutricionistas etc. e levar conhecimento e não vitimismo (Comentário 19).

Ainda que exista a preocupação basicamente unânime em torno da obesidade, o campo imagético desta classe evidenciou que os próprios internautas - apropriados pelo discurso científico sobre a obesidade como doença de caráter epidêmico - tem legitimado processos de exclusão, preconceito e discriminação em relação às pessoas obesas (Fernando-Ramírez & Escudero, 2012; Yoshino, 2010).

De acordo com alguns estudiosos, a questão a ser pensada, de fato, não é o reforço da condição corporal obesa, senão o reposicionamento em relação ao assunto e ao estigma de peso, que não constitui um artefato benéfico para a saúde pública. Contrariamente, quanto mais rejeitamos a obesidade e idolatramos a magreza e, conseguintemente, quanto mais provocamos sentimento de inferioridade nas pessoas em condição de obesidade, mais forjamos problemas relacionados à alimentação, entre os quais a própria obesidade (Puhl & Heuer, 2010; Stenzel, 2003). Portanto, faz-se mister que haja uma "...mudança de postura diante do problema, um posicionamento que não propicie o agravamento da situação: uma posição não julgadora, não preconceituosa, uma posição de acolhimento" (Stenzel, 2003, p. 11).

A classe supramencionada demonstra nitidamente como a intolerância às pessoas gordas pode ser travestida sob a forma discursiva de declarações com teor de preocupação com a saúde. Assim, sob o pretexto de que a obesidade é uma doença, muitos internautas tecem declarações sem qualquer preocupação com o ônus das discriminações direcionadas ao grupo minoritário.

De modo complementar, as afirmativas que enquadram as pessoas gordas como pessoas vitimizadas ilegitimamente (remetendo ao fracasso como estereótipo) parecem cumprir a finalidade de categorizar o assunto como irrelevante ou descabido, justificando, portanto, o silêncio em torno do assunto, isto é, em torno do reconhecimento da existência real da gordofobia no tecido social.

Tajfel (1980), numa comunicação sobre "comportamento intergrupo e psicologia social da mudança", afirmou que as representações sociais são mais abrangentes do que o estereótipo, mas este, no entanto, constitui parte importante dela, estabelecendo, para além do processo de categorização social, três funções sociais relevantes para um dado grupo, a saber: justificação; explicação causal; diferenciação positiva.

Neste aspecto, a ofensiva aos atores sociais cujos corpos transpõem os limites das medidas preconizadas e socialmente valorizados pela sociedade parece assumir uma ideologia discursiva pautada na existência de grupos superiores/inferiores, justificando a posição social de valor dos indivíduos cujos corpos não são desviantes (diferenciação positiva). Igualmente, o estereótipo do gordo como vítima/fracassada assume a função de negação e desqualificação da relevância do tema (gordofobia) e do seu respectivo e impactado grupo, que deve ser autorresponsabilizado por sua condição corpórea (explicação causal da obesidade).

Além disso, a classe reflete uma celeuma sobre o teor da difusão do assunto, levando os internautas a clamarem pela ocupação da mídia no que tange ao discurso de especialistas, em detrimento das considerações de pessoas com obesidade (designadas como "inferiores"), culpabilizando-as pela realidade que as envolve e direcionando as pautas da revista, que devem dar visibilidade a discursos aceitáveis e legítimos, como os discursos de profissionais da saúde. Esse cenário demonstra como a formação profissional

- instituída pelo modelo científico - é revestida de valor social, tornando-se mais valorosa que a fala dos sujeitos que vivenciam a obesidade e suas vicissitudes no cotidiano.

Mais relacionada à anterior, a classe 4 foi nomeada "Gordofobia: invenção ou realidade?" e reteve 17,9% dos segmentos de texto, contemplando as seguintes formas: bom (x² = 24,76), problema (x² = 15,23), mundo (x² = 12,29), gordofobia (x² = 10,66) e ninguém (x² = 10,66).

...Gordofobia! Nossa, que dramalhão, o mundo está se transformando em uma comédia dramática a "la hollywood". (Comentário 20)

... Ninguém liga para esses textões (Comentário 73).

... Bom, agora como a homofobia, machismo, feminismo, racismo etc, falta só achar um bode expiatório para pôr a culpa de serem gordos. (Comentário 41)

...Gordofobia! Não há mais o que inventar não! O ser humano é tão criativo que inventa seus próprios problemas. (Comentário 49)

...Gordofobia, que nomezinho mais preconceituoso foram inventar! (Comentário 59)

... É só se cuidar! Ser gordo é ter problemas sérios de saúde, daí ninguém contrata mesmo. (Comentário 62)

... As pessoas não conseguem entender que ninguém é gordo porque está a fim. (Comentário 5)

... Se cada um controlasse sua língua e guardasse para si suas maldades em forma de sinceridade, o mundo seria muito melhor. O que percebo nos comentários é que falar é muito fácil, agora, usar o bom senso e a empatia ninguém é capaz. (Comentário 11)

...Gordofobia é dramalhão? Olha, está difícil viver num mundo onde as pessoas veem problemas e discriminação como algo super natural e aceitável. (Comentário 17)

Com base nos fragmentos textuais apresentados, o substrato da classe 4 revela um embate, por um lado, da negação veemente do problema e, por outro, da reafirmação da seriedade e implicações psicossociais da discriminação baseada no peso (gordofobia), seguindo uma dinâmica análoga à classe anterior, o que justifica o discurso de alguns internautas sobre a concepção da gordofobia como uma invenção (inútil) de pessoas gordas que não cuidam da própria saúde. Uma curiosidade, por outro lado, se instala: um ponto de tensão ou de resistência originado num segmento do coletivo de internautas comentaristas, que reivindica o reconhecimento do problema e, conseguintemente, seu manejo mais apropriado.

Conforme Mattos e Luz (2009), há uma moral associada ao corpo gordo, o que explica o fato de a aparência física estar diretamente relacionada à confiança que as pessoas depositam no obeso. A naturalização desse discurso, por seu tempo, pode oferecer reforço ao mecanismo de regulação do corpo cada vez mais ancorado em justificativas morais e/ou de saúde. A tensão identificada na classe, entretanto, representa um percurso promissor ou, ao menos, otimista, no sentido do movimento que é conferido ao assunto e da quebra do seu silêncio.

Por seu turno, com 25,4% dos segmentos de texto e designada como "Gordo versus Magro: instituindo diferenças", a classe 2 considerou palavras como magro (x² = 15,03), sofrer (x² = 11,69), gordo (x² = 10,04) e dia (x² = 9,24), sendo representada pelos excertos a seguir.

Discriminação são as crianças magras do terceiro mundo que não sofrem a maldição da geladeira lotada. (Comentário 31)

Gordos, negros, índios, magros, japoneses, cadeirantes, loiras, ruivas, carecas, vesgos, com curso superior, sem curso superior, enfim, muita gente que não tem vez. kkkkk (Comentário 47)

Hoje em dia tudo é motivo para fazer militância, inclusive, ser gordo. (Comentário 45)

Como se pessoas muito magras, homens no caso, também não fossem discriminados. (Comentário 54)

Tudo gordo ofendido tentando se defender. (Comentário 86)

Sou gordinho, mas a única coisa que eu li aí em cima foi mimimimimimimimimimimimi. (Comentário 63)

Uma nova forma de preconceito... essa forma de preconceito é tão antiga que nem sei se a sociedade algum dia na vida tratou e tratará bem as pessoas gordas. (Comentário 23)

Onde que pessoas muito magras, principalmente homens, como citado acima, sofrem muita discriminação?! Hahaha, por favor. (Comentário 18)

Gordinho é uma coisa, obeso é outra. Só estou vendo gente magra tirando sarro da pesquisa. Não tem um obeso dizendo que é mimimi. Gente escrota! (Comentário 15)

É verdade os gordinhos como eu sofremos muito preconceito. (Comentário 60)

Então quer dizer que pessoas magras são equilibradas?! Ninguém tem o direto de rotular pessoas e muito menos ofendê-las; pode ser gorda, magra, negra, branca. (Comentário 11)

De acordo com os enunciados, na classe 2, os internautas apresentaram discursos comparativos das condições de grupos com realidades corpóreas distintas (gordos x magros). Essas declarações comparativas, entretanto, novamente parecem ter o intuito de situar a gordofobia como tema irrelevante, desqualificando a legitimidade do assunto, reforçando a diferença entre grupos.

Conforme Nóbrega e Lucena (2004), as relações sociais demonstram, explícita ou implicitamente, os processos de categorização social e a formação de estereótipos que permeiam experiências subjetivas vivenciadas por grupos sociais distintos. Na classe referida, observa-se a legitimação de causas como a da desnutrição infantil, tornando irrisório o preconceito com base no peso. Vale salientar, no entanto, que uma condição de sofrimento ou preocupação típica de um dado grupo ou contexto social não anula a possibilidade do outro grupo vivenciar dificuldades igualmente reais.

Finalmente, denominada "Emagrecimento: reforço versus desconstrução do padrão", a classe 3 deteve 16,4% dos segmentos do corpus textual e contemplou palavras como você (x² = 27,51), dieta (x² = 21,66), quilo (x² = 21,66), chamar (x² = 15,99), querer (x² = 9,66) e só (x² = 5,95).

Depois da sibutramina, fluoxetina, efedrina, clenbuterol, cirurgia bariátrica e toda a sorte de hormônios, sim, amiguinhos, só é obeso quem quer. (Comentário 6)

Mas os especialistas chamam atenção justamente para a qualidade de vida dessas pessoas no futuro. (Comentário 12)

É só fechar a boca, se reeducar, malhar e caminhar em vez de ficar comendo porcarias ou quilos de comida; quer ser gordo, seja! Não venha com desculpa esfarrapada de que é isso ou aquilo depois. (Comentário 16)

Entra na dieta, cara! (Comentário 75)

Quer dizer que é melhor se envenenar com sibutramina, fluoxetina, efedrina, clenbuterol, verdadeiros venenos que prometem emagrecimento, mas só te dão dependência química, alucinação, tremores. (Comentário 2)

Afinal, quem gosta da gente nos aceita como somos e quem tem que se amar em primeiro lugar é você mesmo. (Comentário 7)

Realmente, as pessoas gordas ou só acima do peso sofrem preconceito; todos querem palpitar na dieta, a maioria das lojas só tem tamanhos normais, mas o pior deles é você procurar um médico e tudo se resumir à obesidade. (Comentário 8)

O teor representacional da classe robustece a tensão social colocada pela expectativa socialmente valorizada que se tem sobre as corporalidades (corpo magro, saudável e perfeito) e o aparato usado (medicalização) para alcançar o ideal apregoado (Figueiredo, 2009; Mortoza, 2011), suscitando conformismos e discordâncias entre os atores sociais.

Nesta classe, percebe-se a predominância de conteúdos figurativos que trazem à tona diferentes formas de enxergar o padrão corpóreo de refinamento. Conforme os enunciados dos internautas, observa-se que o saber elaborado acerca da matéria sobre gordofobia coloca em pauta o embate discursivo sobre a desconstrução da imposição da indústria de emagrecimento versus a retroalimentação desse modelo, situando o itinerário da obesidade entre o estigma e a medicalização (Fernando-Ramírez & Escudero, 2012; Mattos, 2012; Mattos & Luz, 2009; Neves & Mendonça, 2014).

Considerações finais

Reconhecendo que o sistema de difusão ocupa importante espaço de veiculação de representações sociais sobre diversos objetos sociais, quer como produto quer como processo, e, ainda, considerando que as redes sociais podem revelar muito das dinâmicas dos atores sociais sobre temas de relevância social e espessura cultural, como é o caso da gordofobia, o presente estudo objetivou conhecer as representações sociais que atravessam os comentários de internautas sobre o tema.

Acredita-se que o propósito do estudo foi alcançado, lançando luz sobre a organização geral do material textual analisado (os comentários dos internautas), encontrando certa regularidade discursiva nas classes evidenciadas pelo software: (i) "A saúde como discurso justificador da discriminação", (ii) "Gordo versus magro: instituindo diferenças", (iii) "Emagrecimento: reforço versus desconstrução do padrão", (iv) "Gordofobia: invenção ou realidade?" e (v) "Gordofobia e a (in)adequabilidade de ações afirmativas".

De modo geral, apesar das peculiaridades atinentes aos conteúdos representacionais de cada classe, observou-se que a objetivação da obesidade como doença epidêmica e sua consequente ancoragem no conhecimento técnico-científico foi comum à raiz das demais classes. Este discurso, com um dos maiores percentuais de segmentos de texto, demonstrou que, sob a égide da saúde, muitos internautas emitiram opiniões impregnadas de teor discriminatório.

Além dessa regularidade discursiva, que remete à legitimação com base científica da rejeição, culpabilização e depreciação das pessoas com sobrepeso, observou-se que o embate entre os comentaristas desvelou, curiosamente, a emergência discursiva do apelo à aceitação, compreensão e isonomia das diferenças corporais. Este aspecto, indubitavelmente, descortina um caminho necessário e promissor em termos de pesquisas e intervenções.

Como desdobramentos futuros, sugere-se a realização de pesquisa que busque conhecer como o assunto é tratado em revistas femininas, uma vez que o tema tem forte carga social de gênero, afetando majoritariamente as mulheres, segundo a literatura (Yoshino, 2010; Swain, 2001; Camargo, Justo, & Jodelet, 2010). Na mesma direção, caberia uma análise das produções discursivas de blogs relacionados ao tema, almejando conhecer como o uso da internet pode figurar como contexto de ação e mudança de grupos sob a condição da obesidade.

Ademais, seria promissora a ampliação do quadro de análise das representações sociais da obesidade e da discriminação baseada no peso em relação a outros grupos de pertença, como os grupos de adolescentes (vulnerável à depressão e ao padecimento de transtornos alimentares), modelos plus size e militantes contra a gordofobia, por exemplo. Aditado a isso, considera-se necessária a construção e validação de instrumentos relacionados à gordofobia, estigma de peso e estigma de peso internalizado, a fim de levantar cifras sobre prevalências em diferentes contextos. Ainda, acredita-se que seria interessante comparar os diferentes gêneros, classes sociais e grupos etários para verificar consensos e dissensos nas representações sociais que envolvem o tema da obesidade.

À guisa de conclusão, considerando que ainda são escassos os estudos sobre o tema no contexto brasileiro, novas pesquisas são sugeridas para que, mediante adição de novas perspectivas analíticas, o assunto seja abarcado de modo amplo e complexo. Para tanto, sugerem-se estudos com desenho experimental para que seja possível situar relações causais face ao tema e construtos correlatos. Neste contexto, tomando a importância que o discurso da saúde conferiu à análise dos comentários dos internautas, seria interessante conhecer a influência de um discurso justificador da discriminação sobre o preconceito baseado no peso no coletivo de estudantes e/ou profissionais de áreas relacionadas ao tratamento da obesidade.

Igualmente, embora mais afastados do âmbito das representações sociais e situados em perspectivas teóricas outras no quadro da psicologia social, acredita-se também que estudos críticos discursivos aliados à perspectiva interseccional podem ampliar o lastro de conhecimento frente à gordofobia, auxiliando na desconstrução de formas de opressão imbricadas em diferentes hierarquias que compõem as diferenças sociais. Assim, ao propor a análise de aspectos psicossociais imbricados na tessitura da obesidade, a psicologia social teve (e parece que seguirá tendo) papel "de peso" na compreensão da obesidade, considerando a via do social e da subjetividade um percurso importante na consideração de aspectos da saúde (psicológica e social) dos atores sociais em sua complexidade, criando - a despeito de fidelizações teóricas determinadas a priori - bases para a formulação de leis que criminalizem a discriminação baseada no peso e a formulação de políticas públicas adequadas a este setor da população, visando à promoção da saúde e à mitigação de práticas discriminatórias baseadas no peso.

Material suplementar
Referências
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Notas
Autor notes
1 Lidiane Silva Araújo: Professora do curso de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso. Doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba (2017). Possui formação (2011) e Licenciatura (2009) em Psicologia pela UFPB e Mestrado em Psicologia Social pela mesma instituição (2014). https://orcid.org/0000-0001-7160-4379
2 Maria da Penha de Lima Coutinho: Professora Emérita da Universidade Federal da Paraíba. Possui graduação em Psicologia, pela Universidade Federal da Paraíba (1978), mestrado em Psicologia da Saúde, pela Universidade Federal da Paraíba (1986), doutorado em Psicologia Clínica, pela Universidade de São Paulo (2001). Pós- doutorado, pela Universidade Aberta de Lisboa, PT. https://orcid.org/0000-0003-3961-2402
3 Maria de Fátima Pereira Alberto: mestre em Serviço Social, pela Universidade Federal da Paraíba (1991) e doutorado em Sociologia, pela Universidade Federal de Pernambuco (2002). Atualmente, é professora associada da Universidade Federal da Paraíba, do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social (mestrado e doutorado). Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia Social, Infância e Adolescência em Situação de Risco, Subjetividade e Trabalho. https://orcid.org/0000-0003-2515-9571
4 Anderson Mathias Dias Santos: graduada em Psicologia, pela Universidade Federal da Paraíba (2010) e mestre em Psicologia Social, pela mesma instituição (2014). Atualmente é doutoranda em Psicologia e Metodologia, pela Universidade do País Basco, Espanha. https://orcid.org/0000-0001- 8646-7864
5 Adriele Vieira de Lima Pinto: psicóloga, graduada em Psicologia, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atualmente é mestranda no Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da UFPB. https://orcid.org/0000-0003-4126-1795

* E-mail: lidianearaujojp@gmail.com


Figura 1
Dendrograma da classificação hierárquica descendente do corpus "Gordofobia".

Figure 1
Dendrogram of the descending hierarchical classification of the corpus "Fat phobia"
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