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A ENTRADA NO CAMPO E A FABRICAÇÃO DE DISPOSITIVOS EM PESQUISAS SOCIOCLÍNICAS
Flávio Adriano Borges; Larissa de Almeida Rézio; Solange L'Abbate;
Flávio Adriano Borges; Larissa de Almeida Rézio; Solange L'Abbate; Cinira Magali Fortuna
A ENTRADA NO CAMPO E A FABRICAÇÃO DE DISPOSITIVOS EM PESQUISAS SOCIOCLÍNICAS
THE ENTRY IN THE FIELD AND THE CREATION OF DEVICES IN SOCIOCLINICAL RESEARCH
ENTRADA EN EL CAMPO Y FABRICACIÓN DE DISPOSITIVOS EN LA INVESTIGACIÓN SOCIOCLÍNICAS
Psicologia em Estudo, vol. 23, pp. 1-15, , 2018
Universidade Estadual de Maringá
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RESUMO: A fabricação de dispositivos para produzir informações em pesquisas sociais e em saúde é algo que merece atenção por parte dos pesquisadores. Este artigo tem por objetivo analisar de que forma foram construídos dispositivos de pesquisa a partir do processo de entrada no campo de intervenção em duas pesquisas socioclínicas. Foram analisados os diários de campo de dois pesquisadores que desenvolveram suas pesquisas em dois campos de intervenção diferentes: Est ratégia Saúde Família de um município mato-grossense e os 24 municípios que compõem o Departamento Regional de Saúde III do Estado de São Paulo. Para a análise, adotaram-se, além da elaboração de dispositivos de pesquisa, alguns conceitos do referencial teórico-metodológico da Análise Institucional, dentre os quais: analisador, atravessamento, transversalidade e implicação. Concluiu-se que a elaboração de dispositivos em pesquisas qualitativas na modalidade pesquisa-intervenção, como é o caso das pesquisas socioclínicas, devem abranger, ao mesmo tempo, ferramentas sensíveis à produção de informações e também modos de intervir na realidade em estudo, atribuindo assim uma especificidade ao arcabouço das pesquisas-intervenção. Acrescenta-se, ainda, que no caso das pesquisas socioclínicas, a construção dos dispositivos deve se dar processualmente, levando em consideração as inúmeras variáveis que podem atuar enquanto analisadores na condução desses estudos.

Palavras-chave: Análise institucionalAnálise institucional,pesquisa qualitativapesquisa qualitativa,implicaçãoimplicação.

ABSTRACT: The preparation of devices to produce information in social and health research is something that deserves attention on the part of researchers. This article aims to analyze how research devices have been constructed based on the process of entering the field of intervention in two socioclinical researches. We analyzed the field diaries of two researchers who developed their research in two different fields of intervention: Family Health Strategy of a Municipality of Mato Grosso and the 24 Municipalities that make up the Regional Health Department III of the state of São Paulo. Besides the elaboration of research devices, some concepts of the theoretical- methodological reference of Institutional Analysis were used, namely, the analyzer, cross-referencing, transversality and implication, were adopted for the analysis. We concluded that the development of devices in qualitative research in the research- intervention modality, as in the case of socio-clinical research, should at the same time include tools sensitive to the production of information and also ways of intervening in the reality studied, thus attributing specificity to the framework of intervention research. It is also worth mentioning that, in the case of socio-clinical research, the creation of devices must take place in a procedural way, taking into account the numerous variables that can act as analysts in the realization of these studies.

Keywords: Institutional analysis, qualitative research, implication.

RESUMEN: La fabricación de dispositivos para producir informaciones en investigaciones sociales y en salud es algo que merece atención por parte de los investigadores. En este artículo se tiene por objetivo analizar de qué forma se construyeron dispositivos de investigación a partir del proceso de entrada en el campo de intervención en dos investigaciones socio-clínicas. Se analizaron los diarios de campos de dos investigadores que desarrollaron sus investigaciones en dos campos de intervención distintas: Estrategia Salud Familia de un Municipio Mato-grossense y los 24 Municipios que componen el Departamento Regional de Salud III del estado de São Paulo. Para el análisis, se adoptó, además de la elaboración de dispositivos de investigación, algunos conceptos del referencial teórico- metodológico del Análisis Institucional, entre los cuales: analizador, atravesamiento, transversalidad e implicación. Se concluyó que la elaboración de dispositivos en las investigaciones cualitativas en la modalidad investigación-intervención, como es el caso de las investigaciones socio-clínicas, debe abarcar, al mismo tiempo, herramientas sensibles a la producción de informaciones y también modos de intervenir en la realidad en estudio, atribuyendo así una especificidad al marco de las investigaciones-intervención. Se añade además que, en el caso de las investigaciones socio-clínicas, la construcción de los dispositivos debe darse procesalmente, teniendo en cuenta las innumerables variables que pueden actuar como analizadores en la conducción de esos estudios.

Palabras clave: Análisis institucional, investigación cualitativa, implicación.

Carátula del artículo

Artigo Original

A ENTRADA NO CAMPO E A FABRICAÇÃO DE DISPOSITIVOS EM PESQUISAS SOCIOCLÍNICAS

THE ENTRY IN THE FIELD AND THE CREATION OF DEVICES IN SOCIOCLINICAL RESEARCH

ENTRADA EN EL CAMPO Y FABRICACIÓN DE DISPOSITIVOS EN LA INVESTIGACIÓN SOCIOCLÍNICAS

Flávio Adriano Borges
Universidade de São Paulo, Brazil
Larissa de Almeida Rézio
Universidade de São Paulo, Brazil
Solange L'Abbate
Universidade Estadual de Campinas, Brazil
Cinira Magali Fortuna
Universidade de São Paulo, Brazil
Psicologia em Estudo, vol. 23, pp. 1-15, 2018
Universidade Estadual de Maringá

Recepção: 06 Novembro 2017

Aprovação: 04 Maio 2018

Financiamento
Fonte: CNPq
Número do contrato: 306190/2014-1
Financiamento
Fonte: Fapemat
Número do contrato: 004/2015 2015
Introdução

O institucionalismo consiste em um movimento composto por diversos saberes e práticas, que teve sua origem em torno dos anos de 1960, na França, em meio a fortes questionamentos em relação a algumas instituições, como a política, a psiquiatria, a educação e o trabalho. No Brasil, o institucionalismo foi introduzido a partir de 1970, em um contexto político-histórico bastante diferente do francês, visto o país encontrar-se no âmbito de uma ditadura civil-militar (L’Abbate, 2012; 2013).

Segundo Barbier (1985), existem quatro correntes da Análise Institucional no campo das ciências sociais e humanas: a análise institucional socioanalítica, a sociopsicanálise institucional, a esquizoanálise e a análise institucional de inspiração sociológica. Essas quatro correntes compõem uma complexa trama que se articula por meio de diversos saberes e práticas e que podem ser visualizadas em um esquema que relaciona suas várias abordagens teóricas, seus respectivos autores, produtos, práticas e discursos (Barbier, 1985).

Para este artigo, foi utilizado o referencial da análise institucional socioanalítica, proposta por Lapassade e Lourau (1972), e, sobretudo, por Lourau (2014), que, apoiado na dialética de Hegel e Castoriadis, desenvolveu o conceito de instituição considerando três momentos - instituído, instituinte e institucionalização - demonstrando que a instituição não se confunde com as noções de equipamento e organização, pois deve-se dar o nome de instituição “a uma norma universal, ou considerada como tal, quer se trate do casamento ou da educação, quer da medicina, do trabalho assalariado, do lucro, do crédito (...)” (Lourau, 2014, p. 15).

O instituído corresponde àquilo que nomeia e identifica cada instituição, é aparente e visível. O instituinte consiste naquilo que desloca, provoca, movimenta o instituído. Esta dialética do instituído e instituinte corresponde, por sua vez, ao processo de institucionalização (Lourau, 2014).

A análise institucional em situação de intervenção, corresponde à socioanálise, cuja criação é atribuída à Lapassade (L’Abbate, 2012). Ele propôs focalizar a ação em dispositivos analisadores com o intuito de fazer surgir o instituinte (Romagnoli, 2014), compreendendo analisador enquanto “àquilo que permite revelar a estrutura da organização, provocá-la, forçá-la a falar”. (Lourau, 2014).

Já os dispositivos correspondem às conformações de elementos heterogêneos e provisórios criados para situações específicas de intervenção, podendo provocar uma desestabilização nos modos instituídos das organizações (Rossi & Passos, 2014).

Guattari (1987, p. 101), ao comentar as diferentes situações que são enfrentadas nos diversos grupos, afirma que “o papel do analisador de grupo consistiria em revelar tais situações e levar o conjunto do grupo a não mais poder fugir, tão facilmente, das verdades que elas encobrem”. Para Lapassade (1973, p. 39), “é o analisador que faz o trabalho da análise”, daí a impossibilidade do analista exercer controle sobre os analisadores (Lapassade 1979). Lourau (2014, p. 303) incorporou o analisador como um dos princípios da socioanálise.

Os atravessamentos vão ao encontro da conservação de algo previamente existente, dificultando o processo de análise (Rocha & Deusdará, 2010). Já a transversalidade consiste em uma dimensão que pretende superar a pura verticalidade ou uma simples horizontalidade, a fim de realizar uma comunicação máxima entre os diferentes níveis e nos diferentes sentidos (Guatttari, 1987). Dessa forma, enquanto o atravessamento leva à manutenção de algo que se encontra instituído, a transversalidade contribui para produzir o instituinte, sendo que ambos os processos estão, inevitavelmente, presentes na análise.

Em contraposição às noções de transferência e contratransferência, por acreditar que não seria possível utilizá-las nas relações que ocorrem entre os sujeitos no interior das instituições, Lourau (2004b; 2004c) propôs o conceito de implicação institucional, para nomear as relações que cada sujeito estabelece, ainda que de forma inconsciente, com a instituição da qual faz parte e divide, didaticamente, as implicações em primárias “que se atualizam no dispositivo de análise (e/ou de pesquisa) e nas questões locais deste” e secundárias como “aquelas do interventor/pesquisador na instituição científica, mas também sua relação com a política” (Monceau, 2013, p. 100).

Incorporando novos princípios aos já definidos pela socioanálise, Monceau (2013; 2015) desenvolveu, a partir dos anos 2000, a socioclínica institucional, nas intervenções que ele vem realizando na área da Educação Nacional Francesa. Em geral, a socioclínica institucional é utilizada em intervenções de longa duração e se embasa em alguns princípios fundamentais, dentre eles o trabalho das implicações (Monceau, 2013).

Implicação, para a análise institucional, não é sinônimo de engajamento ou comprometimento, mas corresponde às formas como os sujeitos se relacionam com as instituições (Lourau, 2004b; Penido, 2015).

Monceau (2015) aponta que a implicação profissional é o conjunto das relações que o sujeito “estabelece com a profissão (pensada como instituição com sua dinâmica própria) à qual ele pertence, e com as outras instituições nas quais, ou em ligação às quais, ele exerce sua profissão” (Monceau, 2015, p. 198).

Entendemos que a prática profissional vai se constituindo por meio do conjunto das implicações profissionais, incluindo maneiras de se relacionar com os colegas de trabalho, com outras instituições, de pensar nas relações e lhes atribuir algum sentido e valor. Por meio deste contato cotidiano, e de maneira reflexiva - como em um espelho - o profissional vai se reconhecendo ao olhar e estando com o outro, ao mesmo tempo em que também vai se constituindo a partir do outro.

Neste sentido, e adentrando às questões que envolvem a pesquisa, para Lourau (1997), deve-se fazer a distinção entre campo de intervenção e campo de análise.

O campo de análise consiste no sistema teórico e no contexto mais geral que envolve a intervenção, enquanto que o campo de intervenção compreende o espaço-tempo acessível aos interventores a partir de uma encomenda inicial e das demandas, inclusive as que surgem no próprio decorrer da intervenção. Assim, o campo de análise não pode ser entendido como “algo” separado do campo de intervenção, apesar dele poder ser feito e idealizado em outros momentos que não o “aqui e agora”. O campo de análise é perpassado pelo campo de intervenção, assim como a teoria é atravessada pela prática, o fazer pelo pensar, o pesquisador pelo pesquisado, constituindo-se enquanto um processo que se entrelaça (Lourau, 1997; 2004c; Rossi & Passos, 2014).

O campo de análise envolve não só o período pós-intervenção, mas também a preparação do projeto e os momentos que a antecede, sendo, portanto, mais amplo que o campo de intervenção. Este último equivale a um determinado espaço de tempo em que ocorre a intervenção, sendo limitado a um grupo e/ou estabelecimento.

A pesquisa intervenção corresponde a investigações em que o pesquisador é, ao mesmo tempo, técnico e praticante, buscando transformações por meio de questionamentos de diversos sentidos cristalizados nas instituições (Lourau, 2004a).

Assim, ao entrarmos no campo de intervenção em pesquisas-intervenção, como é o caso das pesquisas socioclínicas, consideramos previamente que, além das regras, valores e funcionamento próprios de cada grupo, há atravessamentos de diversas instituições. Assim, faz-se necessário ponderar acerca da melhor maneira de se inserir nos espaços, com o objetivo de produzir “dados” de pesquisa e transformações na realidade investigada. Entendemos que os dados são produzidos nos encontros entre o “pesquisador” e as forças de mudança e de reprodução. E não como simples coleta de informações em campo, ou seja, o interesse da pesquisa-intervenção é o movimento, a metamorfose (Passos &

Barros, 2000).

A inserção do pesquisador não se dá de forma natural ou neutra. A entrada precisa ser sistematizada, refletida, construída e reconstruída permanentemente no encontro com os sujeitos (Rosseto et al., 2010) em que a análise da implicação do pesquisador deverá estar presente durante todo o processo.

A partir desse contexto, buscamos analisar a fabricação dos dispositivos de pesquisa no processo de entrada no campo de intervenção em duas pesquisas socioclínicas, acreditando que esta proposição poderá contribuir teoricamente para reafirmar a inexistência da neutralidade por parte dos pesquisadores no desenvolvimento de suas pesquisas, e também que os dispositivos colocados em prática em uma pesquisa- intervenção podem ser (re)organizados durante o processo de desenvolvimento da pesquisa.

Percurso metodológico

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa que se propõe a analisar de que forma foram construídos os dispositivos de pesquisa a partir do processo de entrada no campo de intervenção em duas pesquisas socioclínicas, desenvolvidas por dois doutorandos (os 02 primeiros autores deste artigo), que utilizaram a estratégia da pesquisa socioclínica.

São dois os campos das pesquisas-intervenção aqui tratadas: um deles é constituído por duas equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) de um município do Mato Grosso e o outro por apoiadores da Política Nacional de Humanização (PNH) e articuladores de Educação Permanente em Saúde (EPS) de 24 municípios que compõem o Departamento Regional de Saúde III (DRS-III), do Estado de São Paulo.

Os sujeitos envolvidos no primeiro estudo são enfermeiros, médicos, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde e recepcionistas das duas equipes da ESF. No outro estudo, são os apoiadores da PNH e articuladores de EPS de cada um dos 24 municípios do DRS-III.

Parte do material empírico relativo a estes estudos foi constituído pelos diários de pesquisa dos dois doutorandos, instrumentos importantes de registro das experiências, percepções e apreensões, além de constituir uma ferramenta relevante da análise das próprias implicações destes pesquisadores.

O diário de pesquisa, na perspectiva do institucionalismo, consiste em uma ferramenta que tem o potencial de produzir movimentos de reflexão da própria prática, a partir do momento em que o ato de escrever se torna uma ocasião plausível para reflexão acerca do vivido, revelando os não ditos. Além disso, ele explicita a inexistência de neutralidade do pesquisador no ato de pesquisar (Jesus, Pezzato, & Abrahão, 2013), pois este se encontra implicado, consciente ou inconscientemente, com a pesquisa.

Desta forma, os diários de pesquisa foram produzidos segundo o referencial teórico- metodológico da análise institucional e analisados, tendo enquanto temática norteadora, a fabricação dos dispositivos de pesquisa e por meio de alguns conceitos advindos do referencial teórico-metodológico do institucionalismo, dentre eles - analisador, atravessamento, transversalidade e implicação.

Para a análise das implicações, os diários são de extrema relevância. Nas duas pesquisas contidas neste artigo, a análise dos diários se deu, considerando os dispositivos, a partir da entrada em campo e utilizando a proposição feita por Paillé e Mucchielli (2012) que leva em conta três momentos na análise de material empírico - transcrição, transposição e reconstituição.

Na transcrição, a cena observada é passada do testemunho para a sua inscrição na forma de um discurso escrito, acrescentando-se notas de campo e reproduções. Na transposição, enquanto as notas de campo são escritas, categorizadas, comentadas ou reescritas, ocorre o momento em que as palavras e os gestos dos atores são reconsiderados e restituídos por meio das palavras do pesquisador. E na reconstituição, normalmente constituída pelo relatório final, é o momento em que se ganha uma forma de narrativa que discute em torno das principais categorias de análise e pistas de interpretação (Paillé & Mucchielli, 2012).

A entrada no campo e a construção de dispositivos

Ambas as pesquisas foram aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, segundo os pareceres 1.568.447 e 1.761.806.

A entrada nos campos foi cuidadosamente planejada e pactuada previamente à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, visto a necessidade de conseguir a assinatura dos termos de autorização pelos respectivos gestores municipais para a realização das pesquisas.

Para discutir este processo, é importante compreender que “campo” consiste a um recorte espacial de abrangência empírica do recorte teórico correspondente ao objeto de investigação (Minayo, 2002), aproximando-se mais da noção de campo de intervenção trazida por Lourau (1997), mas que não subtrai a presença do campo de análise, por exemplo, no processo de confecção dessa produção científica.

Uma das resistências apresentadas no desenvolvimento de projetos de pesquisa de campo é a referida pelos próprios pesquisadores, de estarem investigando nos seus próprios campos. Nas duas pesquisas socioclínicas aqui retratadas, esse processo não foi diferente. A entrada no campo de intervenção não aconteceu sem a existência de resistência por parte dos pesquisadores. Esse processo raramente é explicitado nas pesquisas científicas, mas é passível de ser demonstrado e retomado em processos de análises, como o que está sendo produzido neste artigo:

Tenho muito medo da intervenção falhar, a pesquisa não dar certo, a equipe não aceitar o projeto, recusarem no meio do caminho, principalmente pela proposta de discutir saúde mental. (diário de campo 1, 28/01/2016).

Às vezes fico me questionando porque fui inventar de realizar uma pesquisa de campo. Poderia muito bem fazer uma pesquisa histórica, bibliográfica (...) seria apenas eu com os livros e artigos (...) como será a receptividade dos sujeitos da minha pesquisa? (diário de campo 2, 05/11/2015).

Alguns efeitos da pesquisa não são possíveis de serem identificados tão rapidamente. É no momento da escrita, de elaboração dos resultados que esses efeitos complementam a pesquisa. São eles que balizam outros questionamentos a serem colocados em análise (Bessaoud-Alonso, 2017).

A resistência se dá no sentido dos receios, medos e angústias diante do desconhecido, afinal, não se sabe qual seria a real receptividade do grupo às propostas feitas pelos pesquisadores. Isso perpassa também pela necessidade de ter, sob controle, todo o percurso planejado (mesmo que mentalmente) do andamento da pesquisa, enquadrando-a no bojo de pesquisas cartesianas, em que os dispositivos a serem colocados em prática são elaborados previamente, buscando a mensuração de seus resultados. Por isso, o pesquisador que trabalha na perspectiva da intervenção socioclínica deve estar sempre imerso num processo de autoanálise, para analisar suas implicações com a pesquisa e com as instituições que o atravessam.

Ao entrarem em campo, os pesquisadores também levaram em conta que todo grupo tem um funcionamento próprio, com regras e valores já construídos e, muitas vezes, instituídos. Diante disso, ponderamos que a melhor forma de nos inserirmos no campo, seria iniciarmos pela apresentação e discussão do projeto de pesquisa com os sujeitos. Isto se deu de forma gradual, possibilitando a readequação dos dispositivos, afinal, estes não foram estabelecidos a priori, mas pactuados com os sujeitos da pesquisa, a partir das experiências prévias de cada um e da necessidade percebida por eles na trajetória da pesquisa, considerando a não neutralidade dos pesquisadores.

Em um dos estudos, o grupo referente ao campo de intervenção foi composto por duas equipes da ESF, totalizando 17 profissionais, dentre eles duas médicas, duas enfermeiras, quatro técnicas de enfermagem e nove agentes comunitários de saúde, que participavam de grupos de EPS realizados quinzenalmente na própria unidade, no período de um ano, coordenado pela pesquisadora.

No outro estudo, o grupo foi composto por 35 profissionais de saúde que desenvolviam, em seus respectivos municípios, a função de apoiador da PNH e de articulador de EPS e que foram entrevistados e participaram de dez encontros realizados mensalmente também na perspectiva da EPS, coordenado por uma equipe de pesquisadores, incluindo o doutorando.

A fim de facilitar a exposição e compreensão dos fatos, apresentaremos os relatos de entrada em campo e a construção de dispositivos nas duas pesquisas separadamente. Em seguida, discorreremos a partir das similitudes e distanciamentos no processo de fabricação desses dispositivos, culminando com algumas considerações realizadas a partir de então.

As duas equipes da ESF de um município do Mato Grosso

A construção dessa intervenção não partiu de uma encomenda do serviço, mas de uma encomenda social, pautada nas experiências anteriores da pesquisadora e em estudos previamente existentes. A encomenda é uma solicitação advinda de alguém e seu enunciado, mesmo quando formalizado por escrito, não reflete diretamente a situação em questão, necessitando ser analisado no grupo como um todo (Monceau, 2013).

Um dispositivo utilizado para o processo de entrada no campo de intervenção foi a observação participante. A pesquisadora permaneceu no serviço durante 30 dias como observadora participante, realizando em média 80 horas de observação neste período, integrando-se às atividades do trabalho. Neste período, alguns movimentos que não tinham a intenção de serem explicitados pela equipe, foram surgindo e já revelando concepções e modos de fazer da equipe. Um exemplo disso consiste no tipo de relação estabelecida e o modo de trabalho entre as duas equipes da ESF que dividiam o mesmo espaço físico. Além disso, uma das equipes demandava falar sobre suas angústias, reapropriar-se de seu cotidiano, falar de suas relações interprofissionais, com a rede e com a gestão municipal.

Portanto, percebemos que a entrada em campo da pesquisadora foi gerando demandas que são diferentes da encomenda, pois elas surgem com o caminhar da pesquisa realizada e elas são produzidas por todos os que se encontram envolvidos no trabalho socioclínico (Monceau, 2013).

Ainda durante o processo de entrada em campo, a entrevista semiestruturada com todos os trabalhadores das duas equipes foi utilizada enquanto um segundo dispositivo, o que foi realizado concomitante ao período de observação participante, com o objetivo de aproximar a pesquisadora do contexto vivenciado, podendo compreender melhor o campo de intervenção em questão. Este dispositivo apontou para a existência de alguns atravessamentos relacionados ao processo de trabalho local, ao cuidado em saúde mental e às relações interprofissionais no trabalho.

Essas etapas possibilitaram reflexões não só sobre a entrada em campo, como também, sobre a prática docente por meio dos analisadores, que foram surgindo a partir da execução dos dispositivos e por meio do próprio processo de análise das implicações da pesquisadora.

Apresentar o projeto para equipe e construir o processo de EPS conjuntamente com os profissionais do serviço, me fez perceber que mesmo, enquanto docente, tendo conseguido avançar em práticas acadêmicas mais contextualizadas, nós ainda temos dificuldade de considerar as necessidades do serviço, e os profissionais ainda são pouco protagonistas. (diário de campo 1, 11/04/2016).

Várias vezes nos inserimos em campos de prática, entramos no espaço e território do paciente/família e da equipe de saúde e, depois, nos ausentamos devido a atravessamentos vinculados à reorganização de atividades acadêmicas, realizando ações descontínuas de cuidado ao outro, muitas vezes sem corresponsabilização nesse processo.

Apesar desses apontamentos iniciais não serem, necessariamente, contraposições frente a uma intervenção, movimentos de resistências foram acontecendo ao longo da entrada em campo como, por exemplo, a dificuldade da equipe em se aproximar de conteúdos e discussões referentes à saúde mental.

A médica me informou que ela entende que uma consulta de saúde mental não pode ser feita conjuntamente com uma visita para abordar o cuidado à hipertensão. Expliquei que os aspectos psíquicos perpassam qualquer cuidado e qualquer consulta, não há separação. (...) Encerramos, agendando sua entrevista para a primeira etapa da pesquisa, que ela desmarcou três vezes, e não realizou (diário de campo 1, 03/05/2016).

A entrada em campo mobilizou questionamentos e aproximações com o referencial teórico e seus conceitos. Foi possível perceber que alguns sujeitos verbalizavam querer participar da intervenção, mas se posicionavam de modo a “oporem-se” aos processos de reflexão e problematização da própria prática profissional, adotando, portanto, movimentos de resistência. Alguns analisadores possíveis de serem identificados enquanto exemplos disso seriam a não inserção de alguns membros em discussões voltadas para novas estratégias de trabalho, o absenteísmo de alguns profissionais nos encontros, a negação na participação ou execução de alguma atividade que os retirassem do cronograma pré- estabelecido e já acordado.

Monceau (1997) propõe a realização de análises pelas resistências e não das resistências, tomando-as como analisadores das contradições institucionais. Para tanto, o autor apresenta três instâncias que constituem os momentos dialéticos desse processo: defensivo, ofensivo e integrativo.

Durante o momento defensivo, há um movimento em direção ao desaparecimento do poder, manifestado pela intransigência que corresponde à autopreservação do próprio poder. No momento ofensivo há um movimento em direção à construção de um novo poder, manifestado por meio da construção de algo novo, sem compromisso com o poder dominante. E o momento integrativo está direcionado ao desaparecimento da resistência (ela é reprimida e permanece latente), tendendo à assimilação com o intuito de evitar um desmanche. Contudo, ela pode reaparecer enquanto absenteísmo, perda de interesse, dissimulações, dentre outros sintomas (Dóbies & L’Abbate, 2016).

Nesse sentido, a resistência também pode ser um analisador à medida que denuncia algo na equipe, mas deve ser discutida coletivamente (Monceau, 1997). Para se configurar um analisador, este precisa ser partilhado, discutido e analisado no coletivo. Dessa forma, a resistência foi trabalhada no grupo, com o propósito de alcançar um processo de autoanálise e análise coletiva, e estivemos atentos para não corrermos o risco de produzir movimentos na direção de elencarmos culpados, empobrecendo o processo analítico.

Na continuidade à pesquisa-intervenção, foi criado, como terceiro dispositivo, um grupo de reflexão com o intuito de desencadear processos de autoanálise, por meio de rodas de conversa sobre as dificuldades e potencialidades vivenciadas no cotidiano do trabalho, colocando em análise alguns analisadores (compreensão acerca de EPS e saúde mental; a reunião de equipe pautada em discussões burocráticas e sem relação com a EPS; a insegurança no cuidado em saúde mental) que surgiram a partir das entrevistas semiestruturadas e da observação participante. Assim, consideramos que a EPS foi utilizada enquanto um dispositivo para análise de ações de saúde mental na ESF.

A EPS possibilita a reflexão cotidiana e a análise coletiva dos processos de trabalho e responsabilização mútua, pela produção de autonomia e de cuidados na perspectiva da integralidade da assistência (Mishima et al., 2015). Trata-se de um conceito pedagógico, que efetua relações entre ensino, ações e serviços, agregando aprendizado, reflexão crítica sobre o trabalho, resolutividade e promoção da saúde (Brasil, 2009).

Nesta etapa da intervenção, a resistência ainda era manifestada pelos atrasos e remarcações de encontros, pela não participação das médicas na atividade e pela não realização de outras atividades que possibilitassem a revisitação à prática realizada com inclusão de novas estratégias como, por exemplo, visitas domiciliárias pautadas na clínica ampliada e em um modelo de trabalho psicossocial. Ou seja, a resistência atravessava o andamento da atividade de reflexão e de pesquisa.

Desmarcar o grupo novamente me fez questionar se o grupo realmente quer continuar. Aceitaram, mas desmarcaram, remarcaram, chegam atrasados, saem para ir ao banheiro, mexem no celular (diário de campo 1, 05/10/2016).

Marcamos a consulta para discussão do caso a partir do grupo de reflexão, mas a médica não compareceu. (...) Quando a médica chegou no serviço, informou que não atenderia nada além do seu trabalho, principalmente, se fossem demandas geradas pela pesquisa (diário de campo 1, 24/10/2016).

As resistências podem ser movimentos de comodismo ou retaliação, mas podem ser também movimentos de sustentação de boas práticas em conjunturas de precarização. Para que as resistências possam sair da paralisia e adquirir movimento, elas devem ser analisadas em coletivo incluindo às dimensões institucionais que as permeiam. A recusa à proposta, por exemplo, deve servir de elemento de análise para a situação (Dobies & L’Abbate, 2016).

Outra situação de resistência ocorreu durante os encontros quando a pesquisadora apresentou cenas do cotidiano observadas por ela ou nas entrevistas. O grupo, ainda em processo de reflexão (pelo fato de a pesquisa estar em andamento), iniciou um movimento de falar sobre as suas dificuldades frente à participação, atrasos e ausências, mas ainda com pouco processo analítico, utilizando as atividades cotidianas do serviço como justificativas.

Além das resistências referentes ao início do projeto e da aproximação com a temática de saúde mental, a partir do andamento dos encontros, a pesquisadora pôde analisar e compreender sua própria resistência em entrar no campo de intervenção. Isso aconteceu quando a mesma colocou em análise suas resistências nas discussões com o grupo de pesquisa, com a orientadora e com a equipe de saúde, facilitando a aquisição de movimento, assim como a análise de suas implicações com a pesquisa e demais instituições que a atravessavam.

Apoiadores de humanização e articuladores de EPS de cada um dos 24 municípios do DRS-III

O objetivo geral dessa pesquisa consistiu em analisar a implicação profissional com os apoiadores de humanização e articuladores de EPS dos 24 municípios que compõem o DRS-III.

Neste contexto, o pesquisador se inseriu no campo de intervenção por meio de outra pesquisa que tinha por objetivo implementar e analisar estratégias de apoio institucional com vistas a desenvolver a cogestão e o acolhimento em unidades de atenção básica que aderiram ao Programa de Melhoria do Acesso e Qualidade - PMAQ dos seis municípios de uma região de saúde, do DRS-III, de São Paulo. Esta pesquisa, em um primeiro momento, estava diretamente ligada ao projeto de doutorado desse pesquisador.

Contudo, com o desenvolvimento da investigação, o pesquisador começou a identificar atravessamentos que impediam, de certa forma, separar o que consistia o seu projeto de doutorado e o que fazia parte do outro projeto, conferindo, por vezes, um sentimento de impotência e não pertencimento àquela produção enquanto algo que remetesse à sua tese de doutorado, conforme colocado em seu diário:

(...) o meu doutorado tem o objetivo de trabalhar unicamente com os apoiadores, os distingue e isso é bastante importante: delimitar os projetos. (...) Um sentimento de dúvida e desânimo. Parece que o projeto não é meu (diário de campo 2, 09/10/2015).

Isso revelou a implicação do pesquisador com a pesquisa, considerando o fato de que a implicação surge com o intuito de pôr fim às ilusões vinculadas à ‘neutralidade’ analítica, ao defender que o observador já se encontra implicado no campo, e sua intervenção modifica o objeto de estudo, transformando-o (Lourau, 2004a).

Por fim, o objetivo do estudo da pesquisa-intervenção, desenvolvida pelo pesquisador, consistiu em analisar a implicação profissional com os apoiadores da PNH e os articuladores de EPS dos municípios do DRS-III.

Acreditamos, portanto, que o fato da modificação do objeto de estudo e da transformação do mesmo, consiste em um processo que compõe o ato de pesquisar, sobretudo, no desenvolvimento de pesquisas que possuem objetivos que se entrelaçam. Somado a isso, também identificamos que esse processo faz parte do amadurecimento do doutorando na busca do desenvolvimento de sua tese. O objeto de estudo não aparece a priori, mas vai sendo tecido durante o curso do doutorado.

De toda forma, vivenciar esse projeto possibilitou ao pesquisador entrar no campo de intervenção, o reconhecimento de alguns trabalhadores que comporiam seu grupo de estudo e o estabelecimento de algum vínculo com estes e com o DRS-III de Araraquara- SP.

Houve a encomenda verbal do DRS-III, por meio da Coordenadora do Centro de Desenvolvimento e Qualificação para o SUS (CDQ-SUS), da necessidade de instrumentalizar os apoiadores de humanização e articuladores de EPS dos 24 municípios que compunham este DRS-III para o desenvolvimento do apoio e da articulação de EPS em seus territórios.

Existiu, de alguma forma, uma encomenda no sentido de auxiliar os apoiadores da PNH e articuladores de EPS para que eles fortaleçam suas ações apoiadoras em seus territórios, pois, muitas vezes, eles se sentem sem instrumentos suficientes para o desenvolvimento de suas funções nos territórios (...) (diário de campo 2, 25/04/2016).

Uma vez aceita a encomenda, o projeto de doutorado foi reelaborado de forma a trabalhar com os apoiadores da PNH e articuladores de EPS com o intuito de apoiá-los, colocando a encomenda dada pela diretora do CDQ-SUS em análise com os participantes.

Os dispositivos pensados no primeiro projeto de doutorado foram o desenvolvimento de diários institucionais redigidos pelos próprios apoiadores contendo relatos acerca dos respectivos trabalhos cotidianos que deveriam ser analisados, contando com alguns momentos de restituição dos dados de análise.

De acordo com Hess (2006), o diário institucional é aquele no qual o narrador passa de uma escrita íntima a uma escrita pública. Trata-se de uma descrição diária e/ou em alguns dias da semana dos fatos que ocorrem em torno de uma vivência no interior de uma instituição.

Ao propor a confecção desses diários, o pesquisador enfrentou algumas resistências por parte dos apoiadores, resistências que devem ser consideradas como analisadores, pois a escrita, por si só, produz uma “transparência” que possibilita certo controle das ações que estão sendo realizadas pelo profissional (Pilotti, 2008). Além disso, o que é escolhido ou não para ser colocado no diário pelo narrador já diz respeito às suas implicações, compondo um processo de autoanálise. Muitas vezes, “é na releitura que encontramos algo que nos escapou da primeira vez, mas é profundamente interessante e inovador” (Jesus, Pezzato, & Abrahão, 2013, p. 222).

Na nova configuração da pesquisa foram propostos os seguintes dispositivos: entrevistas semiestruturadas com cada um dos apoiadores da PNH e articuladores de EPS dos 24 municípios; grupo de reflexão com os mesmos apoiadores e articuladores (que consistiu nos espaços mensais de discussão já organizados pelo DRS-III) e momentos de restituição da análise. Tais entrevistas tiveram o intuito de identificar algumas questões vinculadas à implicação profissional dos sujeitos da pesquisa, além de possibilitar maior aproximação do pesquisador aos territórios e sua entrada no campo de intervenção, de modo semelhante ao ocorrido na pesquisa desenvolvida nas duas ESF do Mato Grosso.

As entrevistas revelaram a implicação profissional dos apoiadores da PNH e articuladores de EPS no desenvolvimento do apoio e da articulação em seus territórios. Tais implicações encontram-se sob interferência de um aglomerado de instituições que atravessam o cotidiano do fazer apoio e articulação, sendo a questão do poder político uma das principais.

Posteriormente, os dados produzidos por meio das entrevistas semiestruturadas foram analisados coletivamente em vários encontros do grupo de reflexão por meio de um processo de restituição, caminhando na direção de atender à encomenda, às demandas dos participantes, da DRS-III e do próprio pesquisador com seu objeto de pesquisa.

A partir da encomenda feita pela diretora do CDQ-SUS, foi possível utilizar o espaço já existente, de encontros mensais, para o desenvolvimento da pesquisa-intervenção. Ou seja, nenhum novo espaço precisou ser criado o que, diretamente, gerou menor resistência por parte dos participantes do estudo.

Os analisadores emergiram e foram colocados em análise coletivamente a partir dos dispositivos propostos. Assim, a pesquisa socioclínica manteve seu curso, levando em consideração todo o processo investigativo, reafirmando que a análise das implicações no desenvolvimento de pesquisas é potente para o processo de transformação e delineamento do estudo e dos dispositivos a serem fabricados, além da entrada no campo de intervenção. Vale ressaltar que houve a necessidade de ressubmissão do projeto readequado ao CEP, pois novos dispositivos de produção de dados foram incorporados, além de existir uma readequação geral, sobretudo, dos objetivos do projeto inicial, configurando um novo projeto de pesquisa.

Considerações finais

A organização de dispositivos em pesquisas qualitativas na modalidade pesquisa- intervenção é algo bastante relevante no processo de delineamento da pesquisa, pois deve abranger não só ferramentas que sejam sensíveis à produção das informações, mas que também possam intervir sobre as realidades estudadas.

Em uma pesquisa socioclínica, a construção dos dispositivos se dá em processo, ou seja, durante o caminhar da intervenção. Seja na entrada no campo, seja durante a condução de grupos de trabalho, os dispositivos podem existir a priori, mas o que indicará a sua utilização é o próprio andamento da pesquisa-intervenção como um todo.

Inúmeras variáveis podem atuar enquanto analisadores do processo de condução de uma pesquisa socioclínica: encomendas criadas ou formalizadas, espaços já organizados para o desenvolvimento da mesma, dentre outras, sendo que a resistência é sempre uma variável a ser analisada durante esse processo, balizando a fabricação dos dispositivos de pesquisa e/ou servindo enquanto analisador do processo interventivo.

Esperamos que este artigo possa inspirar outras pesquisas socioclínicas desenvolvidas no Brasil e no mundo, visto se tratar de um processo contra-hegemônico na maneira de pensar e desenvolver pesquisas qualitativas em saúde

Material suplementar
Apoio e financiamento:

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) processo 306190/2014-1. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat) chamada pública 004/2015 2015 Doutorado fora do Estado com apoios financeiros.

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Notas
Autor notes
1 Flávio Adriano Borges: Enfermeiro, Doutor em Ciências pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5941-4855
2 Larissa de Almeida Rézio: Enfermeira, Doutoranda em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0750-8379
3 Solange L'Abbate: Socióloga, professora aposentada e colaboradora voluntária do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2163-0901
4 Cinira Magali Fortuna: Enfermeira, professora Associada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2808-6806

* E-mail: flavioborges.enf@gmail.com.br

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