RESUMO: A associação entre mindfulness (MF) e Realidade Virtual (RV) é recente. O MF vem sendo utilizado na psicoterapia em razão dos efeitos terapêuticos observados. Entretanto, não são todos os pacientes que conseguem obter o benefício desse recurso, sendo a RV uma via para o trabalho com o MF por facilitar o sentido de presença. Este artigo teve como objetivo realizar uma revisão narrativa da literatura sobre a utilização terapêutica da RV na prática de MF. Foram analisados 23 artigos completos, sendo os principais focos de pesquisa: o aprimoramento dos ecossistemas imersivos e dos recursos terapêuticos no contexto do MF em relação à experiência do usuário; o desenvolvimento de recursos tecnológicos econômicos; material de fácil manuseio para facilitar a experiência do usuário. Concluímos que a RV pode ser facilitadora como ferramenta no tratamento de pacientes cujo perfil se enquadra em terapia mediada por MF, embora sejam necessários estudos controlados que permitam compreender as especificidades da RV e as variáveis com valor terapêutico.
Palavras-chave: MindfulnessMindfulness,realidade virtualrealidade virtual,revisão narrativarevisão narrativa.
ABSTRACT: The association between mindfulness (MF) and Virtual Reality (VR) is recent. MF has been used in psychotherapy due to the therapeutic effects reported. However, not all patients are able to obtain the benefits of this resource, and VR becomes a way to work with MF as it facilitates the sense of presence. This paper presents a narrative review of the literature about therapeutic uses of VR in the practice of MF. A total of 23 complete papers were analyzed, being the main research focuses: the improvement of immersive ecosystems and therapeutic resources in the context of MF in relation to the user experience; the development of economic technological resources; easy to handle material to facilitate the user experience. We concluded that VR can be a facilitator as a tool in the treatment of patients who could benefit from MF-informed therapy, although controlled studies are needed to understand the specificities of VR and the variables with therapeutic value.
Keywords: Mindfulness, virtual reality, narrative review.
RESUMEN: La asociación entre mindfulness (MF) y Realidad Virtual (VR) es reciente. MF se ha utilizado en psicoterapia debido a los efectos terapéuticos observados. Sin embargo, no todos los pacientes pueden obtener el beneficio de este recurso, siendo la RV una forma de trabajar con el MF porque facilita el sentido de presencia. Este artículo tuvo como objetivo realizar una revisión narrativa de la literatura sobre el uso terapéutico de la RV en la práctica de MF. Se analizaron 23 artículos completos, siendo los principales focos de investigación: la mejora de ecosistemas inmersivos y recursos terapéuticos en el contexto de MF en relación a la experiencia del usuario; el desarrollo de recursos tecnológicos económicos; material fácil de manejar para facilitar la experiencia del usuario. Concluimos que la RV puede ser un facilitador como herramienta en el tratamiento de pacientes cuyo perfil encaja en la terapia mediada por MF, aunque son necesarios estudios controlados para entender las especificidades de la RV y las variables con valor terapéutico.
Palabras clave: Mindfulness, realidad virtual, revisión narrativa.
ARTIGO
REALIDADE VIRTUAL NA PRÁTICA DE MINDFULNESS EM PSICOTERAPIA: UMA REVISÃO NARRATIVA
VIRTUAL REALITY IN THE PRACTICE OF MINDFULNESS IN PSYCHOTHERAPY: A NARRATIVE REVIEW
REALIDAD VIRTUAL EN LA PRÁCTICA DEL MINDFULNESS: UNA REVISIÓN NARRATIVA
Recepção: 29 Janeiro 2019
Aprovação: 06 Março 2021
Este artigo apresenta uma revisão narrativa qualitativa da literatura sobre o emprego da Realidade Virtual (RV) na prática de mindfulness (MF) em psicoterapia. As indagações que motivaram esta revisão surgiram de observações de usos da RV em contexto terapêutico informado por mindfulness. A RV foi empregada na psicologia inicialmente para exposição gradual a situações ansiógenas (Gutiérrez, 2002; Maples-Keller, Bunnell, Kim, & Rothbaum, 2017). Na clínica, observamos que alguns pacientes experimentaram mudanças de perspectiva frente às suas demandas terapêuticas ao perceberem incoerências em seus fluxos narrativos habituais durante a imersão em ambientes reconhecidos por eles como sintéticos. Perguntamo-nos se o deslocamento de contexto que a RV propicia poderia facilitar a desidentificação e a metacognição, eixos terapêuticos buscados no trabalho clínico com mindfulness.
A interrupção das narrativas habituais é um dos processos onde mindfulness pode gerar mudanças terapêuticas (Miró, 2013). Tal interrupção pode surgir da observação contemplativa dos objetos mentais e fluxos verbais que emergem no campo da consciência e da percepção do funcionamento dinâmico do próprio sistema de atenção. A meditação contemplativa, descrita na literatura como meditação de campo aberto, pressupõe desenvolver um ‘eu observador’ (Chiesa & Malinowski, 2011) dos próprios processos, capaz de uma observação consciente que o sujeito faz imerso no presente, entendido não como forma temporal, mas como espaço que contém as formas mentais que surgem e se movimentam em cada instante (Borruso, 2010).
No trabalho clínico com RV, observamos que a incoerência experimentada no acionamento dos fluxos narrativos habituais no ambiente virtual gera uma abertura que pode ser aproveitada pelo psicólogo independentemente do referencial teórico por ele adotado. Indagamos: (1) a imersão com RV - em ambientes projetados para mindfulness na psicoterapia - poderia, na ocorrência de interrupções nos fluxos narrativos, potenciar interações comunicativas e promover experiências transformadoras em primeira pessoa? E, sendo assim, (2) poderíamos entender que o uso psicoeducativo e a delimitação do campo atencional têm sido o foco do mindfulness com RV?
A junção entre mindfulness e RV na psicologia é recente, impulsionada em parte pela acessibilidade dos equipamentos móveis. O número de projetos de desenvolvimento de sistemas de RV para a saúde mental é crescente, e a literatura científica nesse campo ainda é jovem. Diante desse quadro, optamos por conduzir uma revisão narrativa para: a) traçar um panorama do campo, b) mapear as necessidades que os sistemas de RV para mindfulness procuram cobrir, tanto para o paciente quanto para o psicólogo, c) e tentar encaminhar nossas questões clínicas formuladas acima.
Mindfulness vem sendo empregado tanto na medicina como na psicoterapia pelos efeitos clínicos e terapêuticos observados em diferentes contextos de intervenção. Contudo, nem sempre o paciente tolera a prática. Em nosso cotidiano de trabalho corroboramos as premissas apontadas pelas pesquisas de que mindfulness é de grande ajuda para muitos pacientes e que a dificuldade de seu uso com alguns indivíduos (p. ex. em pacientes com dissociação, reatividade à interocepção ou hipercinéticos, que experimentaram dificuldades para uma regulação atencional eficiente) vem criando uma lacuna terapêutica a ser preenchida.
Na psicologia, a palavra mindfulness é usada para referência a ferramentas baseadas na meditação e também a uma forma de nos relacionarmos com a própria experiência do aqui e do agora. A prática de mindfulness pressupõe uma aproximação vivencial ao conhecimento de si mesmo e do mundo, implicando um processo psicológico que pode ser descrito como uma atenção consciente acompanhada de uma atitude de presença. Como ferramenta clínica, contribui para reduzir o estresse e a ansiedade, prevenir recaídas em depressão, reduzir a reatividade emocional à dor crônica e sua intensidade, facilitar a regulação atencional e estimular a autocompaixão (Chiesa & Malinowski, 2011). A corporificação da experiência e o sentido de presença são eixos importantes no mindfulness, que inclui aspectos sensoriais, comportamentais, cognitivos e afetivos.
O emprego da RV em psicologia vem sendo estudado desde 1980 com os estudos precursores de Schneider em 1982 (Gutiérrez, 2002). Em revisão sistemática sobre a literatura nos últimos 20 anos sobre usos da RV na saúde mental, Freeman et al, (2017) concluem que os trabalhos científicos abordam tratamentos (n = 154), avaliações (n = 86) e desenvolvimento teórico (n = 45). Os transtornos abordados foram ansiedade (n = 192), esquizofrenia (n = 44), abuso de substâncias (n = 22) e transtornos da alimentação (n = 18). Em revisão narrativa sobre a eficácia da RV na saúde mental, Maples-Keller et al, (2017) sinalizam que a RV é promissora para fobias específicas, estresse pós-traumático, ansiedade social, transtorno do pânico, ansiedade generalizada, esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo, dor aguda e crônica, adições, transtornos da alimentação e autismo.
Na literatura sobre pesquisas com RV, o sentido de presença e a corporificação são descritos como processos fundamentais para a imersão em ambientes virtuais. O sentido de presença - entendido como a experiência subjetiva de estar na cena virtual - gera a probabilidade de que o sujeito interaja com o contexto proposto de modo análogo ao que faria em seu cotidiano (Freeman et al, 2017). Na literatura clínica sobre mindfulness, o sentido de presença faz referência à consciência de estar imerso na observação intencionada de processos mentais, emocionais e proprioceptivos, tendo o presente como espaço.
Nesta revisão consideramos a RV como ambiente tridimensional que permite interagir em tempo real, excluindo as acepções do vocábulo virtual associados a ambientes não imersivos.
Estratégia de busca: as buscas foram realizadas entre maio e outubro de 2018 na BVS, sem restringir bases de dados, idioma ou data, com termos em inglês conforme recomendações do portal. As expressões usadas foram: ‘mindfulness’ AND ‘virtual reality’; ‘mindfulness’ AND ‘VR’; ‘meditation’ AND ‘virtual reality’; ‘meditation’ AND ‘VR’; ‘DBT’ AND ‘virtual reality’; ‘DBT’ AND ‘VR’; ‘compassion’ AND ‘virtual reality’; ‘compassion’ AND ‘VR’. Localizamos registros nas bases MEDLINE, LILACS e IBECS.
Critérios de inclusão e exclusão: Incluímos os estudos que tratam de mindfulness e RV como abordagens combinadas ou complementárias, tanto em ambientes específicos para prática de mindfulness como em intervenções que utilizam em conjunto esses dois recursos. Os artigos que combinam RV e o construto Compaixão no contexto do mindfulness foram incluídos, bem como os que tratam conjuntamente da RV e elementos específicos do mindfulness, como o passeio meditativo. Excluímos os artigos que abordam mindfulness e RV como estratégias independentes em estudos de comparação.
Trabalhos selecionados: A busca gerou 60 registros. Os artigos duplicados (n = 19) e os que não cumpriam os critérios de inclusão (n = 29) foram eliminados na análise de título e resumo. Foram incluídos artigos localizados nas referências dos artigos selecionados na amostra gerada com a busca sistemática. No total, foram analisados 23 artigos completos.
A Tabela 1 a seguir reúne os artigos analisados.

Localizamos uma revisão sistemática sobre mindfulness e RV (Modrego-Alarcón et al 2016), cobrindo 10 trabalhos que utilizam a RV para aprendizagem da atenção plena. Os autores concluem que a RV pode facilitar a aprendizagem e a prática de mindfulness em populações clínicas e não-clínicas, e sinalizam a necessidade de estudos controlados randomizados (RCT) e com amostras maiores. Não localizamos metanálises. A maioria dos artigos apresenta estudos pilotos com amostras pequenas. Três apresentam desenho controlado randomizado (um deles utiliza uma amostra de 180 sujeitos (Chen et al, 2018)). Outros descrevem estudos comparativos de condições experimentais ou com grupo controle, mas não cumprem os critérios RCT. Outros apresentam relatos de caso único ou descrevem estudos baseados na prática clínica, investigando a eficácia de tratamentos que incluem RV e mindfulness. Analisamos também artigos sobre protótipos e arquiteturas para mindfulness com RV (VRMF), e artigos de desenvolvimento teórico e validação de constructo.
Os trabalhos analisados procuram verificar a utilidade da RV para introduzir mindfulness no tratamento de transtornos psicológicos ou quadros acompanhados de ansiedade e estresse, como a dor crônica. Os que discutem adaptações de mindfulness com RV em intervenções psicoterapêuticas específicas cobrem: mindfulness na terapia dialética-comportamental (Navarro-Haro et al, 2016, 2017; Gomez et al, 2017); combinação de exposição com RV (VRET) e MF para prevenção de recaídas em adições (Chen et al, 2018); redução de estresse baseado em mindfulness (Wood et al, 2010; Tong et al, 2015; Prpa et al, 2015; Cikajlo et al, 2016, 2017; Bruggeman & Wurster, 2018); terapia baseada na compaixão (Falconer et al, 2014, 2016); mindfulness na terapia cognitivo-comportamental (Wood et al, 2007; Baños et al, 2011; Botella et al, 2013; n = 2). Conforme a classificação do DSM-5, os artigos abordam Transtornos Relacionados a Substâncias; Transtornos Relacionados a Traumas e a Estressores, destacando-se as aplicações para tratamento do subtipo Estresse Pós-Traumático e Transtornos de Adaptação, incluindo o estresse crônico; Transtornos de Ansiedade (especialmente Ansiedade Generalizada); Transtornos Depressivos; Transtorno da Personalidade Borderline e Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) em adultos.
Além das condições nomeadas acima, outros artigos abordam problemas clínicos como dor crônica, fibromialgia, trauma cerebral e queimaduras4. Um dos artigos analisados (Navarro-Haro et al, 2017) aborda a aceitabilidade da RV para mindfulness na Terapia Dialética-Comportamental entre meditadores experientes. Este trabalho é uma aproximação aos estudos de usabilidade e à diferenciação de efeitos em meditadores expertos e novatos, já que boa parte dos sistemas de mindfulness para RV procura facilitar a aprendizagem das técnicas de mindfulness. No que concerne aos efeitos da RV para a consciência propioceptiva com meditadores novatos, o trabalho de Shaw et al, (2012) descreve um estudo aberto com 411 participantes não-clínicos. A instalação, Meditation Chamber, combina RV e biofeedback para uma experiência melhorada e aumentada5, orientada à aprendizagem de habilidades de mindfulness e à experimentação dos benefícios como redução de estresse, ansiedade e dor.
Nos artigos analisados, a junção entre mindfulness e RV é apresentada através (1) da comparação das duas modalidades como estratégias terapêuticas diferentes, (2) do emprego de ambas como complementárias no mesmo tratamento, e (3) do uso combinado em um mesmo sistema/aplicação, com equipamentos móveis ou ambientes imersivos como CAVES e câmaras sensoriais. No consultório, observamos que tais modalidades, como estratégias e ferramentas, devem ser empregadas pelo psicólogo em consonância com a teoria psicológica subjacente à sua prática clínica e atendendo à necessidade de tratamento do paciente, e não como meras técnicas de intervenção.
Quando RV e mindfulness são abordados de forma complementar, mindfulness é usado para ajudar o paciente a regular a psicoativação e para enfrentar, com melhores recursos, a exposição com RV a situações ansiógenas e estressoras. Um dos artigos descreve um programa Prevenção de Recaídas Baseado em Mindfulness (MBRP) combinado com exposição virtual a cenas relacionadas a condutas de abuso de substâncias em sujeitos clínicos (Chen et al, 2018). Na clínica, encontramos que a exposição com RV requer a preparação do paciente e a presença atenta do psicólogo para uma experiência conjunta. O grau de interação entre ambos durante a imersão poderá variar dependendo das necessidades de apoio e regulação, sempre em uma situação conjunta que se beneficia do vínculo terapêutico. Nesse sentido, os sistemas de RV que possibilitam a comunicação entre o psicólogo e o paciente e que contam com dados fisiológicos e parâmetros de configuração flexíveis respondem a necessidades reais da prática clínica.
Outros dois artigos combinam mindfulness com RV para o tratamento do estresse pós-traumático em ex-combatentes (Wood et al, 2010). Descrevem uma arquitetura que combina cenas de combate para exposição que podem ser alternadas com cenas para controle da ativação (meditação e relaxamento), bem como dados fisiológicos para monitoramento da ativação do paciente. O tratamento inclui mindfulness na preparação para a exposição, nas fases intermediárias para a regulação da psicoativação e no término da sessão, para integração. Essa arquitetura, além de proporcionar ao psicólogo informação dos biossensores em tempo real, conta como a possibilidade de habilitar a prática de MF no cenário virtual, abrindo espaço para o contracondicionamento.
A nosso ver, o uso da RV em ambiente de mindfulness como terapêutica complementar para o enfrentamento de situações estressoras torna-se possível, primariamente, pelo vínculo de confiabilidade construído entre psicólogo e paciente no processo de tratamento. Cabe ao psicoterapeuta zelar pelo momento mais propício para o uso do ambiente artificial.
Na forma combinada de RV e mindfulness (VRMF), os estudos cobrem o uso experimental de a) ambientes tridimensionais projetados para MF com RV; b) ambientes imersivos multimodais com dispositivos hápticos que facilitam o sentido de presença ao proporcionar informação sensorial; c) ambientes imersivos com biossensores que facilitam a consciência propioceptiva e d) uso de sensores de bio e neurofeedback6 para interação nas cenas a partir de parâmetros fisiológicos. O biofeedback como fonte de dados que produz mudanças nas cenas procura um grau de interação maior do sujeito com o ambiente virtual. Para o trabalho de regulação atencional, as pesquisas apontam que a interação com parâmetros fisiológicos em tempo real no ambiente virtual facilita o sentido de presença, a consciência e o estado de atenção plena. Contudo, tais recursos ainda estão restringidos aos laboratórios, não sendo habituais em sistemas de RV clínicos disponíveis no mercado. A Figura 1 a seguir sintetiza, de maneira cartográfica, os resultados da análise realizada.

Os artigos analisados descrevem ambientes virtuais para mindfulness desenvolvidos para salas de imersão e para uso com óculos RV e smartphone com possibilidade de administração presencial ou remota. O ambiente Mundo de EMMA (Engaging Media for Mental Health Applications) segue um modelo no qual a imersão ocorre em uma sala com projetores, áudio e tela de grandes dimensões. O software permite que terapeuta e paciente escolham juntos estímulos com valor simbólico para compor o mundo virtual. O sistema terapêutico tem se mostrado útil para a ativação e processamento de emoções em fibromialgia, estresse pós-traumático, luto patológico e transtornos adaptativos (Baños et al, 2011; Botella et al, 2013).
Outra abordagem são os sistemas remotos em nuvem para levar a terapia a mais pessoas e a pacientes com limitações de mobilidade. Dois dos trabalhos analisados (Cikajlo et al, 2016, 2017) apresentam um protótipo que inclui uma interface web para condução em tempo real sessões de mindfulness baseadas em um programa MBSR adaptado para pacientes remotos equipados com óculos de RV e smartphone, individualmente ou em grupo. Durante as sessões remotas conduzidas em tempo real, o paciente vê o terapeuta na cena virtual.
Os demais artigos apresentam sistemas de RV desenvolvidos para usar com smartphones, alguns para uso autônomo pelos pacientes em suas casas (Schroeder et al, 2013) e outros para uso na presença do terapeuta. Os sistemas variam em função dos aspectos psicológicos que buscam potencializar, das metáforas e narrativas nas quais os ambientes virtuais se apoiam, da combinação com biossensores e quantidade de informação proporcionada ao paciente durante a imersão, da flexibilidade que cada plataforma oferece ao psicólogo, com possibilidades de configuração de estímulos e também de avaliação em tempo real. Os artigos analisados refletem a procura pelos formatos, estímulos e variáveis que possibilitem a junção de RV e mindfulness em benefício do paciente.
Observamos, nos artigos analisados, que os sistemas projetados para combinar RV e mindfulness procuram atender necessidades clínicas específicas, como por exemplo a aprendizagem da refocalização da atenção na dor crônica ou o reprocessamento/regulação emocional em pacientes com trauma, entre outros, bem como necessidades do psicólogo, incluindo plataformas flexíveis que permitem (1) configurar parâmetros estimulares em termos quantitativos e qualitativos (simbólicos), (2) obter informação fisiológica para avaliar e monitorar o paciente, (3) dispor de recursos de biofeedback e neurofeedback para treinamento de habilidades específicas dentro da cena, (4) acesso remoto para atribuir tarefas para casa entre sessões e para atender pacientes com limitações de mobilidade.
Juntando as duas modalidades de intervenção, RV e mindfulness, temos a possibilidade de atender demandas clínicas delineadas no diagnóstico e tratamento de enfermidades psíquicas diversas. Os estudos têm demonstrado maior eficácia para os objetivos específicos de tratamento como descritos anteriormente ao mesmo tempo que apontam um número maior de recursos tecnológicos para o acompanhamento dessa evolução.
Em nossa revisão, onze (n = 11) artigos descrevem sistemas que combinam biossensores e dispositivos hápticos com a RV para mindfulness. Os dispositivos hápticos visam produzir uma experiência de imersão enriquecida, potencializando por exemplo o passeio meditativo em pacientes com dor (Schroeder et al, 2013); os elementos sensoriais visam estimular o relaxamento (Amores & Maes, 2017); e os biossensores proporcionam dados fisiológicos que permitem uma maior interação através do biofeedback. Novos óculos virtuais incluem biossensores para interagir com os elementos da cena através das ondas cerebrais (Bernal, Yang, Jain, & Maes, 2018). Enquanto esses sistemas não são comercializados, os protótipos procuram incluir dispositivos sensoriais e biossensores para uma experiência de RV aumentada e melhorada.
Vários dos artigos nesta revisão incluem biofeedback, uma forma de treinamento que permite modificar padrões fisiológicos com ajuda de biossensores. O biofeedback vem sendo utilizado para o alívio de sintomas associados à regulação dos sistemas nervoso autônomo e central como estresse, ansiedade, depressão, dor, hiperatividade e crises epilépticas (Tan, Shaffer, Lyle, & Teo, 2016). Na intersecção com a RV e mindfulness, o biofeedback possibilita uma meditação mais profunda, com um maior sentido de presença, relaxamento e conexão. O neurofeedback, como modalidade específica para treinamento das ondas cerebrais, vem sendo explorado na prática de mindfulness com RV como meio para treinar a atenção e aprimorar a vivência da meditação e de uma menor excitação fisiológica, indicativo de um estado meditativo a partir do qual é possível instalar mudanças (Shaw et al, 2012).
A inclusão de dispositivos hápticos e biossensores parece responder à busca por experiências melhoradas, com maior sinergia sensorial, que facilitem a consciência e a aprendizagem de mindfulness e uma maior apreciação de seus benefícios. Por outro lado, a percepção da calma profunda associada à regulação do sistema nervoso autônomo com técnicas de meditação vem sendo buscada através da inclusão de sensores de biofeedback, principalmente de respiração, conectados a elementos da cena.
Uma das questões relevantes para a pesquisa sobre usos da RV diz respeito às possíveis especificidades das interfaces de RV e seus efeitos terapêuticos. Isso pode ser especialmente relevante para pensar as intervenções baseadas em mindfulness, uma prática fundamentada na introspecção que busca uma consciência propioceptiva capaz de integrar sensações corporais e percepção do campo mental. A inclusão de biofeedback abre um caminho rico nessa direção ao traduzir tanto para o psicólogo como para o paciente seus estados em dados fisiológicos provenientes do sistema nervoso central e do sistema nervoso autônomo. Enquanto os sistemas comercializados não integram interação com biofeedback, o psicólogo conta com dados fisiológicos para monitoramento e para facilitar a metaconsciência, ainda que observando o registro depois da imersão, não em tempo real.
O trabalho de Bernal et al, (2018) apresenta uma plataforma de RV para saúde mental que utiliza um óculos equipado com biossensores. Este trabalho não faz parte da amostra porque apresenta uma plataforma de RV genérica para saúde mental, tanto para avaliação como para intervenção terapêutica, mas não aborda mindfulness. Optamos por mencioná-lo aqui porque enriquece esta discussão com sua perspectiva de arquitetura de sistema.
A arquitetura da plataforma descrita agrega aprendizagem-máquina e gamificação para potencializar vivências mistas, que implica que além dos óculos de RV, o usuário está conectado a sensores que permitem monitorar em tempo real seus estados fisiológicos e cognitivos. Os sensores nos óculos capturam dados de EKG (atividade cardíaca) e EDA (atividade eletrodérmica), informando sobre a ativação psicofisiológica e reação emocional; os sensores de EEG (eletroencefalografia) e EOG (eletrooculografia) informam sobre a atenção e a valência afetiva; os sensores de EMG (eletromiografia) informam sobre as expressões faciais e a valência positiva ou negativa. O neurofeedback é integrado à RV com mindfulness tanto para avaliação como para treinamento.
Combinando neurofeedback e RV, Tarrant et al, (2018a) pesquisaram o efeito de uma sessão breve de mindfulness com RV na ansiedade generalizada. Tanto o grupo experimental com RV como o grupo controle (descanso) relataram diminuição da ansiedade. Embora ambos tenham apresentado aumento na potência das ondas alpha (coerente com maior relaxamento), apenas o grupo RV apresentou uma mudança eletrofisiológica global específica com redução da atividade Beta de alta frequência para Beta de baixa frequência após a intervenção.
O estudo apresenta análise detalhada dos efeitos da sessão de Mindfulness com RV em regiões de interesse específicas do cérebro com sLORETA7. Os autores observaram diminuição significativa da atividade Beta de alta frequência no córtex cingulado anterior (principal mediador entre o sistema límbico e o sistema nervoso autônomo, associado ao estresse, preocupação, rigidez cognitiva e pensamentos obsessivos). Os resultados são relevantes, pois sugerem que a meditação com VR produziu um efeito específico de redução da atividade psicofisiológica associada à ansiedade não obtido com o descanso. Não obstante, os resultados devem ser interpretados ainda com cautela.
Através de estudo de casos, Tarrant e Cope (2018b) investigaram também a intersecção entre neurofeedback, RV e meditação baseada na compaixão (open heart), buscando a validação de construto. Procuraram determinar se um sistema de neurofeedback de consumo (MUSE) usado com ambientes de RV (positivity by healium) poderiam incidir sobre a assimetria frontal gama, uma medida confiável de mudanças nos estados emocionais. Concluíram que a intervenção com RV apresenta potencial terapêutico.
Usando neurofeedback como elemento de treinamento no ambiente virtual, Bruggeman e Wurster (2018) propuseram um estudo sobre mindfulness (MBSR) com indivíduos de baixa memória cognitiva. Introduziram o Hiatus System, cuja expêriencia virtual é criada para que o sujeito possa atingir e manter sua atenção na prática meditativa. Concluíram que a RV com biofeedback de respiração é eficaz para ensinar o paciente a reduzir o estresse.
Sobre isto, Tinga, Nyklíček, Jansen, Tycho e Louwerse (2018) discutem a efetividade do biofeedback respiratório para redução da ativação na meditação com RV para recuperação do estresse. Usaram medidas de EEG e EKG e concluíram que, pese à percepção subjetiva de redução da ativação tanto no grupo experimental como nos grupos placebo e sem feedback, a redução da ativação foi maior no grupo placebo. Com esses achados, sugerem que a RV pode ser eficaz para reduzir a ativação, mas que o uso do biofeedback respiratório precisa ser melhor compreendido. Caberia indagar se o feedback respiratório pôde sugerir um controle ativo da respiração, já que a guia de meditação descrita estava baseada na respiração. Kosunen et al, (2016), ao descreverem o protótipo do ambiente virtual RelaWorld, descrevem os cuidados e ajustes que foram necessários para uma boa experiência do usuário com biofeedback e neurofeedback.
Estudos como o de Tinga et al, (2018) sinalizam a importância de incluir medidas com biossensores e controle experimental, e de identificar as especificidades e mecanismos de cada variável incluída. Considerando nossa experiência clínica, esses resultados apontam para a importância de que o psicólogo possa contar com plataformas clínicas flexíveis que possibilitem ajustes nos parâmetros de biofeedback e que estejam baseadas na mediação do terapeuta. As práticas de mindfulness são uma ferramenta poderosa para a autorregulação, mas nesse processo de aprendizagem é importante que o paciente aprenda a construir a regulação de dentro para fora, permitindo a sincronização corpo e mente, suspendendo e soltando a necessidade de controle e de processamento narrativo.
É importante ressaltar que o trabalho com neurofeedback y biofeedback depende em grande parte da capacidade do paciente de ‘soltar’ a busca do controle. Em uma sessão, o terapeuta experiente pode observar atentamente o paciente e guiá-lo para deixar-se levar e permitir que o corpo (considerando-se especialmente o sistema nervoso autônomo e central) aprenda a se regular a partir da informação dos sensores. A intenção de interferir e controlar gera tensão que dificulta a autorregulação, o que pode fazer parte do quadro clínico como, por exemplo, em transtornos de ansiedade.
As questões norteadoras deste trabalho surgiram na clínica psicológica onde utilizamos a RV como facilitadora da aprendizagem de mindfulness. Os estudos apresentados apontaram para o uso de novas tecnologias como facilitador para pessoas que apresentam alguma dificuldade na imersão no mindfulness. Entendemos que RV facilita essa aprendizagem ao delimitar o foco de atenção, reduzindo a interferência de distratores do ambiente natural. Isso contribui para proporcionar um sentido de presença em entornos imersivos projetados para serem atraentes e interativos. A RV, como tecnologia de imersão e com ambientes para mindfulness, colabora com a tomada de consciência na vivência de mindfulness e com abrir um caminho facilitador para seus benefícios.
No trabalho com pacientes, observamos que a percepção de incoerência nos fluxos narrativos durante a meditação com o suporte da RV gerou um espaço propício para a intervenção psicoterapêutica. Essa experiência, corporalmente percebida, pode promover a reorganização da narrativa até então predominante, facilitando a vivência em primeira pessoa do paciente. Pensamos que o vínculo e a presença atenta do terapeuta são fundamentais para que essas percepções possam ser usadas como aberturas na interlocução terapêutica.
Quanto à nossa questão sobre a importância da percepção da interrupção dos fluxos narrativos no processo de imersão na RV promover experiências transformativas, encontramos respaldo afirmativo no trabalho de revisão apresentado por Riva, Baños, Botella, Mantovani, & Gaggioli (2016) que concluem que a RV é empregada para a exposição controlada e para facilitar a corporificação da experiência, sinalizando caminhos para experiências transformativas em primeira pessoa.
Nossos questionamentos levaram-nos a realizar uma revisão narrativa que delineasse a intersecção entre RV e terapias informadas por mindfulness. Comprovamos que essa é uma associação recente, e que a literatura indexada e revisada ainda não recolhe a variedade de experiências em desenvolvimento, sendo necessários estudos que proporcionem uma melhor compreensão das especificidades da imersão com RV, seus efeitos sobre a experiência e as aberturas terapêuticas que pode propiciar. As neurociências têm feito avanços nesse sentido, assim como trabalhos que concebem a RV como uma tecnologia de simulação e corporificação, que pode interromper o processamento preditivo e, portanto, gerar aberturas para reorganização e reprocessamento (Riva, Wiederhold, & Mantovani, 2020). Vale mencionar também esforços como o modelo em três etapas para o desenvolvimento de tratamentos e ensaios clínicos com RV, que parte do princípio de que a RV apresenta especificidades que exigem adaptações em protocolos usados no setor biomédico (Birckhead et al, 2019).
Se o cenário assim é composto, podemos ter um trabalho interventivo junto a pacientes com diferentes quadros de transtornos mentais, físicos e psicossomáticos, como pudemos acompanhar nos trabalhos analisados. Compreendemos a RV como uma ferramenta que possibilita vivências transformadoras em primeira pessoa (Riva et al, 2016, 2018, 2020; Gaggioli, 2020), com potencial para produzir uma observação desidentificada e corporificada da experiência psicológica, levando à reorganização narrativa a partir de uma vivência que pode facilitar um novo sentido de potência ao ser o paciente protagonista.
Esta revisão apresenta limitações devido a que a maioria dos trabalhos analisados se encontram em fases ainda iniciais, sendo poucos os estudos que cumprem os critérios de controle necessários para avaliar a eficácia baseada em evidências. A revisão narrativa e qualitativa pôde proporcionar, contudo, um panorama da situação atual. Concluímos que a maioria dos artigos aqui discutidos oferecem informação importante para traçar os caminhos para futuros estudos controlados randomizados que permitam uma maior ampliação das perspectivas de tratamento para pacientes cujo perfil se enquadra em terapias mediadas por mindfulness e RV. Nosso olhar está para o paciente que procura auxílio onde em geral tantos outros acompanhamentos falharam, e acreditamos que é por aqui que devemos trilhar nossas futuras pesquisas.
2Email: psicodircebengel@gmail.com3Email: lmoretti.psi@gmail

