Políticas Públicas e Gestão

Inserção e desenvolvimento profissional de docentes universitários iniciantes: necessidade de espaços de discussão pedagógica

Insertion and professional development of starting university professors: the need for spaces for pedagogical discussion

Inserción y desarrollo profesional de docentes universitarios principiantes: necesidad de espacios de discusión pedagógica

Beatriz Maria Boéssio Atrib Zanchet
Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Nadiane Feldkercher
Universidade Federal de Pelotas, Brasil

Inserção e desenvolvimento profissional de docentes universitários iniciantes: necessidade de espaços de discussão pedagógica

Acta Scientiarum. Education, vol. 38, núm. 1, pp. 93-102, 2016

Universidade Estadual de Maringá

Recepção: Setembro 29, 2014

Aprovação: Fevereiro 11, 2015

Resumo: Este texto é decorrente de uma pesquisa que investigou vinte e oito docentes universitários iniciantes, em quatro universidades do sul do Brasil, a fim de apreender suas compreensões sobre espaços para discussões pedagógicas como possibilidade de apoio para o desenvolvimento de suas práticas. A pesquisa partiu do entendimento que os professores, ao iniciarem a docência, precisam inserir-se na cultura universitária e encontrar apoio pedagógico para desenvolver suas aulas, pois, em geral, são recém-doutores, cumprem com a titulação requerida para o ingresso na carreira, porém possuem pouca ou nenhuma preparação pedagógica. A entrevista semiestruturada foi utilizada como procedimento investigativo com questões que procuraram dar conta de conhecer, dentre outros aspectos, desafios, dificuldades e possibilidades de apoio pedagógico apontados pelos docentes quando ingressam na carreira. Os dados de natureza qualitativa compõem o corpo das informações utilizadas na análise. Estudos de Garcia (1999, 2009b), Vaillant e Garcia (2012) dentre outros, sustentam o trabalho. Os resultados mostraram que tanto a formação pedagógica como o desenvolvimento profissional dos professores universitários, desenvolvidos através dos espaços pedagógicos, são bem vindos e requerem uma política global da universidade que valorize as funções docentes como fundamentais para alcançar a qualidade do ensino.

Palavras-chave: docentes universitários iniciantes, formação docente, apoio pedagógico.

Abstract: Current paper is the result of a research on twenty-eight starting university teachers in four universities in southern Brazil and seeks to understand their concern on pedagogical discussion spaces as a possible support for the development of their teaching practice. The research started from the point that starting teachers should insert themselves within higher education culture and find pedagogical support to develop their lectures. As a rule, they have recently obtained a doctoral degree, complying with the required academic title for their tenure, but with scanty or no pedagogical preparation. The subjects answered a semi-structured interview, with issues on the challenges, difficulties and possibilities of pedagogical support pointed out when they started their activities. The quantitative data form the corpus analyzed used in the analysis. The paper is based on studies by Garcia (1999, 2009b), Vaillant and Garcia (2012) and others. Results showed that pedagogical education and professional development of university professors, developed through pedagogical spaces, are essential for and welcomed by these teachers. An overall policy is required that valorizes the teaching tasks as fundamental for achieving teaching quality.

Keywords: starting higher education teachers, teachers´ formation, pedagogical support.

Resumen: Este texto es resultado de una investigación hecha con veintiocho docentes universitarios principiantes, en cuatro universidades del sur de Brasil, a fin de entender sus comprensiones sobre espacios para discusiones pedagógicas como posibilidad de apoyo para el desarrollo de sus prácticas. La investigación partió del entendimiento que los profesores, al iniciar la docencia, necesitan insertarse en la cultura universitaria y encontrar apoyo pedagógico para desarrollar sus clases, pues, en general, son recién doctores, cumplen con la titulación requerida para el ingreso en la carrera, sin embargo poseen poca o ninguna preparación pedagógica. La entrevista semiestructurada fue utilizada como proceso investigativo, con cuestiones que buscan conocer, entre otros aspectos, desafíos, dificultades y posibilidades de apoyo pedagógico señalados por los docentes cuando ingresan en la carrera. Los datos de naturaleza cualitativa componen el cuerpo de las informaciones utilizadas en el análisis. Estudios de Garcia (1999, 2009b), Vaillant y Garcia (2012), entre otros, defienden el trabajo. Los resultados mostraron que tanto la formación pedagógica como el desarrollo profesional de los profesores universitarios, desarrollados a través de los espacios pedagógicos, son bienvenidos y requieren una política global de la universidad que valore las funciones docentes como fundamentales para alcanzar la calidad de la enseñanza.

Palabras clave: docentes universitarios principiantes, formación docente, apoyo pedagógico.

Introdução

A constituição de programas de reestruturação das universidades brasileiras e a criação/implantação de novas universidades se estabeleceram como alternativas para alcançar resultados positivos quanto ao aumento do número de estudantes no ensino superior. As políticas de ampliação do número de vagas nesse nível de ensino fazem parte do rol de investimentos do governo federal na educação desde o final do século passado, movido, principalmente pelas influências internacionais. Procurou-se alcançar a meta proposta pelo Plano Nacional de Educação de 2001 bem como a produção de um conhecimento que impulsionasse melhores índices de desenvolvimento do país.

Em decorrência do aumento do número de instituições de ensino superior e do número de vagas nos cursos de graduação, houve um considerável aumento quantitativo de professores que ingressaram e ainda ingressam na carreira docente. Em geral, são professores ‘jovens’, recém-doutores, que cumprem com os requisitos da titulação requerida para o ingresso na carreira e apresentam expressiva produção científica em sua especialidade. No entanto, quando assumem a docência precisam processar a passagem entre uma formação que privilegia a pesquisa para uma prática significativamente exigente de docência.

O professor, ao iniciar a carreira docente, é impactado por inúmeras exigências, precisando inserir-se na cultura do seu ambiente de trabalho e relacionar-se com seus colegas e alunos. Necessita, também, responder a questões burocráticas da ação docente bem como dos encaminhamentos de projeto de pesquisa, de ensino e de extensão, dentre outras tantas tarefas.

Segundo Garcia (1999, p. 249), ao ingressar na docência superior, o professor precisa se ambientar “[...] a uma nova cultura, normas, rituais, símbolos etc., que devem ser conhecidos (ou reconhecidos) por qualquer professor que nela pretenda sobreviver”. As universidades possuem uma cultura material inserida no espaço e no tempo e o período de iniciação à profissão docente é onde se inicia a inserção na cultura docente, dos conhecimentos, valores e símbolos da profissão, assim como o desenvolvimento de processos que possibilitem ao professor iniciante conhecer criticamente o entorno social onde se situa.

A etapa inicial da carreira docente apresenta peculiaridades que se destacam pelos dilemas e dificuldades vividas pelo professor iniciante. Vários autores salientam esse período caracterizando-o como uma fase de ‘sobrevivência’ e da ‘descoberta’ (Huberman, 2000), como um momento de socialização (Garcia, 1999) ou como um choque com a realidade (Veenman, 1988).

Nos estudos de Feixas (2002) sobre os professores no contexto universitário, a autora explica que, em muitos casos, o local de trabalho não é o que imaginaram e “[...] muitos professores iniciantes se sentem pouco preparados para enfrentar os problemas e suportar a pressão institucional [...]” (Feixas, 2002, p. 1, tradução nossa)1. Em alguns casos, a situação de despreparo para o exercício da docência pode ser uma das razões que os leva a desistir da profissão. O que se percebe é que experiências negativas e frustrantes vividas no contexto do trabalho, tanto em relação ao desenvolvimento da disciplina como na convivência com os alunos e colegas, podem ser definidoras para a continuidade ou não na docência.

Os primeiros anos de docência são vividos com muitas dúvidas e confrontos de toda a ordem, pois os docentes universitários, em geral, possuem um consolidado conhecimento de sua área específica, mas como não tiveram formação para a docência, pouco ou nada conhecem sobre as questões ligadas ao ensino. É preciso considerar que esse processo de converter-se em professor não é tarefa simples, pois exige saberes e conhecimentos que não foram aprendidos na sua formação.

De acordo com Papi e Martins (2010), a fase de iniciação na carreira é um tempo privilegiado para a constituição da docência. Explicam as autoras que

[...] os primeiros anos de exercício profissional são basilares para a configuração das ações profissionais futuras e para a própria permanência na profissão. Podem tornar-se um período mais fácil ou mais difícil, dependendo das condições encontradas pelos professores no local de trabalho, das relações mais ou menos favoráveis que estabelecem com outros colegas, bem como da formação que vivenciam e do apoio que recebem nessa etapa do desenvolvimento profissional (Papi & Martins, 2010, p. 43).

O que se percebe é que as experiências vividas nos primeiros anos da carreira são as que mais impactam a vida profissional de um professor. Ao mesmo tempo são elas que os ajudam a desenvolver percepções sobre o ensino, sobre os alunos, sobre o entorno onde atuam e sobre seu fazer docente. Com essa compreensão Garcia (2009a) defende que o início da docência, além de ser um período marcado por tensões e aprendizagens intensas, é considerado basilar para o desenvolvimento da carreira docente.

Considerando a importância da fase inicial da carreira docente universitária, desenvolvemos uma pesquisa que tentou apreender as compreensões de docentes universitários iniciantes sobre espaços para discussões pedagógicas como possibilidade de apoio para o desenvolvimento de suas práticas.

Desenvolvimento profissional docente: aspectos teóricos

O conceito de desenvolvimento profissional docente, para Garcia (2009b) tem-se alterado com o passar dos anos. Em seus estudos o autor afirma que, em geral, ele é “[...] um processo, que pode ser individual ou coletivo, mas que deve se contextualizar no local de trabalho do docente [...]”, cujo objetivo é contribuir “[...] para o desenvolvimento das suas competências profissionais através de experiências de diferente índole, tanto formais como informais” (Garcia, 2009b, p. 10). Explica o autor que

[...] o professor é visto como um prático reflexivo, alguém que é detentor de conhecimento prévio quando acede à profissão e que vai adquirindo mais conhecimentos a partir de uma reflexão acerca da sua experiência. Assim sendo, as atividades de desenvolvimento profissional consistem em ajudar os professores a construir novas teorias e novas práticas pedagógicas (Garcia, 2009b, p. 11).

Soares e Cunha (2010) consideram que o

[...] desenvolvimento profissional se refere a uma determinada concepção de formação continuada dos professores em exercício, entendidos como profissionais da docência (Soares & Cunha, 2010, p. 35).

Uma das perspectivas do desenvolvimento profissional, segundo as autoras, é a institucional que

[...] pode ser entendida como um conjunto de ações sistemáticas que visam alterar a prática, as crenças e os conhecimentos profissionais dos professores, portanto vai além do aspecto informativo (Soares & Cunha, 2010, p. 35).

No âmbito institucional, Soares e Cunha (2010, p. 35) explicam que as ações para o desenvolvimento profissional “[...] são assumidas não apenas individualmente, elas envolvem todos os profissionais que atuam de forma integrada na instituição [...]”, estreitando, dessa maneira, a “[...] ligação entre desenvolvimento profissional e desenvolvimento organizacional”. Essa relação

[...] pressupõe uma gestão democrática e participativa, capaz de alterar a própria organização, os papéis atuais e futuros dos professores, com base em reflexões críticas e propositivas do grupo [...]

e, como consequência, “[...] garantir, aos estudantes, aprendizagens significativas e crescimento pessoal” (Soares & Cunha, 2010, p. 35).

As iniciativas institucionais podem ser estruturadas na forma de estratégias de apoio e de acompanhamento aos professores novatos na perspectiva do desenvolvimento profissional. Garcia (2009b, p. 19) destaca a necessidade de que os professores possuam um conhecimento pedagógico geral relacionado com

[...] o ensino e seus princípios gerais, com a aprendizagem e com os alunos, assim como o tempo acadêmico de aprendizagem, o tempo de espera, o ensino em pequenos grupos, a gestão de turma.

Também destaca a necessidade do conhecimento por parte do professor

[...] sobre técnicas didáticas, estruturas das turmas, planificação do ensino, teorias do desenvolvimento humano, processos de planificação curricular, avaliação, cultura e influência do contexto no ensino, história e filosofia da educação e aspectos legais da educação (Garcia, 2009b, p. 19).

Que permeiam a docência. Nesse sentido, o apoio pedagógico institucional pode ser uma estratégia que possibilite a formação e o desenvolvimento profissional dos professores.

Considerar o desenvolvimento profissional mais além das práticas da formação e vinculá-lo a fatores não formativos e sim profissionais supõe uma redefinição importante, já que a formação não é analisada apenas como o domínio das disciplinas nem se baseia nas características pessoais do professor como explica Imbernón (2000).

Os estudos de Ramalho, Gauthier e Nuñez (2004) mostram ainda que o desenvolvimento é compreendido como a capacidade de autonomia profissional compartilhada e de gestão educativa dos professores no contexto das mudanças, baseado na reflexão, na pesquisa e na crítica dentre os grupos de trabalho profissional. Elucidam que o desenvolvimento profissional pode ser considerado como um sistema complexo em andamento, sistema que integra o individual, o coletivo local, o grupo profissional, assim como todos os processos que promovem um maior status social, político, ético da categoria profissional.

O desenvolvimento profissional é favorecido quando os professores têm oportunidades de refletir, pesquisar de forma crítica, com seus pares, sobre as práticas educativas; explicitar suas crenças e preocupações, analisar os contextos e a partir dessas informações experimentarem novas formas para suas práticas educativas. Esse processo possibilita a autonomia compartilhada e uma forma de articular teoria e prática, na qual os professores constroem saberes, competências, no contexto da busca de um aperfeiçoamento da prática educativa e, consequentemente, o desenvolvimento curricular atrelado aos projetos e políticas de desenvolvimento global da profissão.

Diante do rol de fatores que configuram a docência universitária e compreendendo que o desenvolvimento de estratégias institucionais voltadas para a formação do docente universitário é fundamental para que esse qualifique sua prática pedagógica e avance no seu desenvolvimento profissional, nossa investigação procurou olhar para professores iniciantes a fim de apreender suas compreensões sobre espaços para discussões pedagógicas como possibilidade de apoio para o desenvolvimento de suas práticas.

Nos caminhos da pesquisa: feitas as escolhas

A pesquisa foi realizada em quatro universidades localizadas no sul do país, devido à possibilidade de melhor acesso aos dados investigativos. Essas Universidades foram escolhidas porque, de alguma forma, expressavam uma preocupação com a formação de seus professores.

Nas quatro universidades selecionadas existem, de formas diferenciadas, estratégias de apoio pedagógico. Em três delas existe um programa de caráter institucional de inserção/formação pedagógica ofertado aos professores. Participar desses programas é obrigatório para os professores iniciantes durante o estágio probatório. Na quarta Universidade existe preocupação em receber os professores que ingressam dando-lhes informações a respeito do plano de carreira e de aspectos institucionais e burocráticos. Entretanto, em tal proposta, não se percebe preocupação com aspectos pedagógicos e de formação para os docentes.

Após contato inicial, por e-mail, com vários professores das quatro Universidades, que possuíam até 5 anos na docência e que tinham sua formação em cursos de bacharelado, definimos uma amostra de 28 docentes, com formação inicial nos cursos de Medicina, Odontologia, Artes Cênicas, Física, Engenharias (Ambiental, Civil, Elétrica, Cartográfica, Florestal, Agrícola, da Computação, Industrial Madeireira e de Minas), Oceanografia, Enfermagem, Agronomia, Meteorologia, Música, Farmácia, Zootecnia e Terapia Ocupacional.

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas no local de trabalho dos professores no período entre os meses de março e julho de 2013. As questões focaram as experiências iniciais na profissão docente; as percepções dos docentes sobre as formas de apoio da instituição; as suas impressões sobre os momentos/espaços destinados à discussão da prática docente e a concepção sobre as formas de integração na cultura universitária.

Os dados de natureza qualitativa compuseram o corpo das informações utilizadas na análise, desenvolvida à luz de alguns estudos sobre a pedagogia universitária, o ensino universitário, os docentes iniciantes e o desenvolvimento profissional. Foram utilizados os princípios da análise de conteúdo, assumindo que esse enfoque, como elucida Bardin (1979)

[...] refere-se a um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens (Bardin 1979, p. 42).

Como o presente trabalho é fruto do desenvolvimento de uma pesquisa mais abrangente, buscamos sintetizar os principais resultados da mesma. Dessa forma, na extensão desse texto optamos por desenvolver uma análise que considerou o grupo de professores iniciantes como um todo e priorizou aqueles dados que tiveram uma maior incidência na fala dos entrevistados. Os resultados são apresentados de maneira geral em dois blocos de análises: um referente aos desafios e dificuldades do início da carreira e outro referente aos espaços de discussão pedagógica para os professores universitários iniciantes.

O ingresso na carreira: desafios e dificuldades dos professores

O início em uma profissão inclui o reconhecimento de sua cultura, do seu estatuto, do lugar que ocupa no ranking social e de trabalho e das peculiaridades sociopolíticas que a caracterizam. Nesse sentido, o período de iniciação à profissão docente representa o tempo em que deve acontecer a transmissão e/ou problematização da cultura docente, dos conhecimentos, valores e símbolos da profissão, assim como a adaptação do professor iniciante ao entorno social onde desenvolve sua atividade. É um período no qual ocorre a transição de ter sido aluno a professor, através de um processo de interação entre a cultura institucional e o conjunto de crenças e concepções sobre o ensino que o professor construiu através das inúmeras experiências vividas enquanto estudante. Nesse período, acontece também, para muitos dos professores, a transição da vida profissional externa à universidade para a docência.

Como já mencionado, entendemos que o exercício da docência compreende atividades de ensino, pesquisa e extensão. Tendo em vista que, em nossa investigação, voltamos nosso olhar para os espaços de discussão pedagógica como propulsores para o desenvolvimento das práticas de ensino desenvolvidas pelos professores iniciantes, os dados coletados e as análises apresentadas priorizam a atividade de ensino desses docentes.

No diálogo com nossos interlocutores, percebemos que no processo de transição por eles vivido estão presentes desafios, dúvidas e dificuldades de distintas naturezas. Ao explicá-lo, os professores mencionaram desde situações enfrentadas na aula até as dificuldades para lidarem com questões extras à suas salas de aula.

Entre os dados apontados pelos entrevistados sobre a aula, apareceram questões sobre como solucionar situações da ordem do relacionamento com os alunos incluindo as dificuldades para lidar com os diferentes perfis sociais e de personalidade. Também mencionaram as dificuldades relacionadas à seleção de conteúdos e adaptação dos mesmos ao tempo da aula, incluindo dúvidas sobre métodos para desenvolver conteúdos, sobre avaliação, sobre procedimentos para reverter o quadro de desinteresse dos alunos e a sua própria desmotivação docente diante desses obstáculos. Algumas das expressões dos entrevistados em relação às dificuldades de sala de aula foram:

A dificuldade no começo é selecionar o conteúdo para ministrar em curto período de tempo e depois é como transmitir essa informação; Dificuldades posso dizer que tive em montar as disciplinas. (professor Leonardo2)

Talvez, as dificuldades relativas à seleção de conteúdos estejam atreladas ou são decorrentes da especialização/aprofundamento que os professores possuem em uma área do conhecimento, perdendo, assim, a visão mais global do assunto que é necessária para o ensino em cursos de graduação.

Vaillant e Garcia (2012) ressaltam que muitos dos problemas mencionados pelos docentes principiantes têm relação com assuntos que outros docentes com maior experiência também enfrentam, tais como gestão da aula, motivação dos estudantes, organização do trabalho pedagógico, insuficiência de material, entre outros. Segundo esses autores, a diferença é que

[...] os professores principiantes experimentam os problemas com maiores doses de incerteza e estresse, devido ao fato de que eles têm menores referências e mecanismos para enfrentar essas situações (Vaillant & Garcia, 2012, p. 123).

Ou ainda, por terem menores referências, as incertezas se manifestam, para os iniciantes, com o caráter de estresse e não como geradora de novas buscas.

Quando indagados sobre situações da prática pedagógica, muitos respondentes afirmaram que ter o domínio aprofundado do conteúdo é condição fundamental para assumir a aula, no entanto, alguns reconhecem que isso não os torna professor. Um deles afirmou que

[...] a prática de sala de aula é muito diferente. Uma coisa é tu saber para ti, outra é tu transmitires para os alunos. Me questiono todos os dias: será que a minha pedagogia está correta? (professor Fernando)

Disse outro respondente:

eu tive quatro disciplinas que eu só vi na graduação, então eu tive que estudar e preparar aula ao mesmo tempo. Então eu chegava para dar as primeiras aulas e não tinha confiança e pleno domínio sobre aquilo que eu estava ensinando. Eu não me sentia 100% segura e até no início eu me culpava muito por isso. (professora Livian)

Nestes depoimentos observamos que é bastante presente entre os docentes entrevistados a concepção epistemológica assentada nas certezas que fundamentam seu pensar/fazer docente que é tão comum entre os professores.

Outro entrevistado disse que

[...] a primeira vez de cada disciplina é um pouco mais difícil, pois mesmo que tu tenhas muito, muito material, o fato de prepara-lo para passar e adequar o conteúdo pela primeira vez para apresentar em aula não é fácil e geralmente a gente acaba passando vários semestres arrumando. (professor Saulo).

Percebemos que o conteúdo específico não gera dificuldades para os professores, pois eles o conhecem sobremaneira, entretanto quando precisam ensiná-lo necessitam de outro tipo de conhecimento que ainda lhes é desconhecido.

Interessante recorrer a Zabalza (2004, p. 11) quando diz que compreender a docência como uma profissão é admitir que “[...] conhecer bem a própria disciplina é uma condição fundamental, mas não é o suficiente”. O autor complementa explicando que o trabalho docente envolve vários tipos conhecimentos e competências que necessitam de uma preparação específica.

Vaillant e Garcia (2012, p. 125) argumentam que o período inicial da carreira docente é um dos momentos de formação esquecidos pelas instituições que os absorvem em seus quadros. Afirmam os autores que esse período constitui-se de “[...] uma etapa na qual as dúvidas, as inseguranças, a ansiedade por ingressar na prática acumulam-se e convivem sem boa vizinhança”. Os autores ratificam ainda que a construção dos conhecimentos e competências profissionais, nessa etapa inicial da carreira, apesar de importantíssimo para sua profissionalização, de forma geral, dá-se com os docentes imersos em uma grande solidão. Essas concepções Vaillant e Garcia (2012) sustentam grande parte das dúvidas e angústias relatadas por nossos entrevistados, apresentadas na sequência.

Para alguns respondentes a estrutura física de alguns cursos, nos aspectos que dizem respeito à limitação de recursos ou à conservação do espaço, interfere no seu desempenho, afetando-o, na medida em que não permite que se estabeleça um ambiente propício à aprendizagem. Expressou um professor:

[...] a maior dificuldade que eu encontrei aqui dentro refere-se à parte mais estrutural. Questão de sala de aula com péssima qualidade, as salas são sujas, às vezes tu tens uma aula prática, vais utilizar a sala de aula, chegas lá e a sala está uma bagunça. (professor Leonardo)

Alguns relataram, também, que o envolvimento com a gestão administrativa lhes impede de cumprir suas atribuições docentes com o mesmo empenho, em razão de ocuparem significativamente suas rotinas com questões ligadas ao cargo que exercem. Essa situação é típica das universidades novas ou dos cursos novos que ainda contam com um número reduzido de docentes que na sua maioria são professores ingressantes. Relatou um professor:

[...] eu estou na gestão e como a universidade é nova tem pouca gente que trabalha na gestão, então tem que se ter esse que papel também. São questões de papeladas, questões das mais diversas ordens da gestão que tem organizar. (professor Fabiano)

Questões burocráticas foram citadas como dificuldades, como manifestaram alguns respondentes: Muitas coisas eu gostaria de saber e a gente não teve essa informação. Por exemplo, tem um relatório de atividade docente que precisa ser preenchido e eu não sei como funciona.

Foram apontados, também, nas respostas, aspectos que envolvem problemas com carga horária excessiva e dificuldades em lidar com o afastamento familiar, por estarem atuando em cidades distantes de onde residem suas famílias. Disse-nos um entrevistado que

[...] para mim foi um grande desafio, principalmente porque eu nunca tinha lecionado e, de repente eu me vi com cinco disciplinas para lecionar de uma vez. A gente chega com uma carga horária imensa. E não tinha experiência docente, e precisava preparar as aulas. Outro mencionou foi um desafio enorme na minha vida, sair da minha cidade, vim para cá, estou sozinho, minha esposa está lá e eu estou aqui. [...] todo o fim de tarde tu pensas que podia estar ali juntos tomando um chimarrão, conversando depois do trabalho. (professor Anderson)

Apesar das dificuldades iniciais, observamos que os professores querem melhorar seu fazer docente e, também, buscar novas soluções e materiais para enriquecimento das aulas. Compreendem que a docência é um exercício que pode ser aprimorado e remeteram à aula e ao convívio com os alunos a possibilidade de aprender a ‘dar aulas’. Percebemos que eles pouco compreendem que a docência requer conhecimentos teóricos específicos e que a prática não se constitui como a única possibilidade para construir conhecimentos para ser professor. Muitos entrevistados alegaram que tiveram alguma experiência docente durante a pós-graduação ajudando os orientadores no preparo de aulas, seminários e apresentações e assumindo, algumas vezes, o desenvolvimento de aulas, e essa condição os ajudou no enfrentamento dos desafios iniciais. No entanto, reconheceram que ela não foi suficiente para subsidiar suas práticas nos aspectos pedagógicos presentes em sala de aula.

Outros relatos trouxeram, ainda, percepções sobre o momento de ingresso, mencionando as diferenças de contexto existentes entre um professor que inicia sua carreira em um curso melhor estruturado e aquele que inicia sua trajetória em cursos mais novos na instituição. Também foram citadas situações de docentes que ingressam na carreira atuando nos seus cursos de origem de formação acadêmica, tendo como pares seus antigos mestres, o que, segundo eles, auxilia no momento de inserção. Uma professora explicou que

[...] como eu já era da casa e já me conheciam [o ingresso] foi mais fácil, mas eu acredito que para uma pessoa que não conhece bem é muito complicado. (professora Mireli)

Outra professora expressou que seu ingresso teve:

[...] dois lados, um lado muito bom e um lado difícil. O lado muito bom é que aqui foi minha casa desde 2007, o meu orientador que foi o mesmo do estágio, mestrado e doutorado e hoje em dia é meu colega de trabalho, ele me deu muito apoio. O lado difícil refere-se ao desafio, pois tem amigos da graduação que são alunos ainda e meus amigos até hoje. A relação que eu passei de amiga para professora, a relação com os alunos que ainda não se formaram e estão aqui. (professora Anita)

Os relatos de nossos entrevistados explicitam vários tipos de experiências de inserção no espaço profissional. Vaillant e Garcia (2012) apresentam quatro modelos, por eles percebidos em suas pesquisas, que são: o modelo ‘nadar ou afundar-se’, que é o que mais prevalece nas instituições educativas, o qual outorga ao professor iniciante a responsabilidade de inserir-se no seu contexto de trabalho isentando a instituição da responsabilidade para tal. É responsabilidade do professor encontrar a maneira mais apropriada para se ajustar à realidade. Há também o modelo ‘colegial’, onde os docentes iniciantes pedem ajuda a pares mais experientes, os quais se transformam em tutores informais. O novo professor é acompanhado por um de seus pares, mesmo que informalmente. O modelo de ‘competência atributiva’ acontece quando alguém experiente ocupa-se e assume-se como mentor do professor novato. Nesse modelo há uma relação hierárquica com um mentor que tem a missão de ajudar a desenvolver certas competências estabelecidas de antemão; e, por fim, o modelo do ‘desenvolvimento profissional’ onde a inserção deve ser um processo coerente e organizado pela instituição e que vá mais além de atividades espontâneas e pontuais (Vaillant & Garcia, 2012). Não entendemos que seja possível enquadrar os colaboradores da nossa pesquisa nestes ou naqueles modelos, porém são constatações que nos permitem refletir sobre os muitos movimentos de inserção no espaço profissional docente.

A perspectiva do desenvolvimento profissional é a proposta desejável; porém, afirmam os autores, encontra-se praticamente ausente nas instituições. Nela

[...] a inserção deve ser percebida como um processo compreensivo, coerente e sustentado, organizado pela autoridade educativa. Os programas de inserção são programas intencionados, que vão muito além de atividades pontuais (Vaillant & Garcia, 2012, p. 126).

Diante das dificuldades para a atuação docente e dos desafios apontados pelos interlocutores, entendemos que é fundamental que as instituições de ensino preocupem-se com a formação de professores novos, como possibilidade para a melhoria da qualidade do ensino.

O que falam os professores sobre a possibilidade de apoio em espaços de discussões pedagógicas?

Os professores entrevistados possuem formação na área específica da qual fazem parte, contudo, nem sempre investem na apropriação e construção dos conteúdos pedagógicos. Nesse sentido, é importante conhecer a percepção dos entrevistados sobre espaços e tempos para a discussão da prática pedagógica. Ao nos debruçarmos sobre suas respostas, observamos que fica explícita, para muitos professores, a necessidade que sentem de momentos para tal discussão. No entanto, há divergências sobre a forma como isso deveria ocorrer: alguns defendem que poderia ser uma iniciativa institucional ampla – nível macro – isto é, para todos os professores da universidade ao mesmo tempo. Outros dizem que deveriam existir estratégias no nível do micro espaço de trabalho – cursos, departamentos, faculdades. Defendem que uma boa alternativa seria a realização de discussões orientadas em seus espaços de trabalho, por entenderem que há diferenças do ponto de vista pedagógico entre as áreas das ciências exatas e ciências humanas, por exemplo.

São feitas reuniões, afirmaram os docentes, mas muitas vezes elas não atendem à expectativa pedagógica dos professores, sendo as discussões direcionadas para aspectos administrativos e burocráticos. Por exemplo, foi manifestado que:

[...] oficialmente a gente não tem espaços para discussão. Nos colegiados de curso e do departamento a gente conversa, mas tem ainda uma barreira... Eu converso com os mais novos, pois a gente tem que se fortalecer. (professora Mireli)

Existem dúvidas sobre como viabilizar esses espaços de discussão, tendo em vista a falta de ‘tempo’ dos docentes para que possam se dedicar a essas questões com maior frequência, dadas as cargas horárias. Soma-se a isso o fato de, nas rotinas de alguns cursos, haver problemas de ordem administrativa com demandas de urgência que impedem que os professores possam ter esses momentos de discussão pedagógica, que acabam ficando em segundo plano, conforme algumas situações relatadas.

Os entrevistados destacaram a necessidade de reflexão pedagógica compartilhada e enfatizaram que

[...] quando se fala em espaços de discussões, é espaço de discutir problemas, mas também de refletir a própria construção como docente, pois determinadas leituras que eu posso fazer podem ter uma visão completamente diferente da que um colega possa ter. É a discussão com ele que vai contribuir para que eu consiga perceber e ver outro prisma. (professora Letícia)

Outro professor apontou que:

não existe nada voltado para metodologia ou didática dentro de uma sala de aula são coisas que poderiam ser oferecidas em uma semana ou em uma tarde. (professora Sabrina)

Alguns professores expressaram a ideia de uma iniciativa institucional que proporcionasse discussões de cunho pedagógico, pois entendem que mesmo que tenham prestado uma prova didática no concurso podem não estar preparados para enfrentar o cotidiano da sala de aula. Disse-nos um entrevistado:

Eu acho que deveria ter alguma coisa específica na Universidade no momento de nos receber para dar algumas instruções, pedagógicas inclusive. Eu acho extremamente relevante, que logo ao entrar, os professores novatos possam ter esse contato com pessoas especializadas em cada área. (professor Saulo)

No mesmo sentido, outros interlocutores disseram

[...] acho que é importante que se tenha uma iniciativa, porque a gente chega em estágios diferentes de experiência de docentes. Eu acho que seria muito bom um núcleo de apoio pedagógico estruturado para ajudar a pessoa; eu pessoalmente acho que teria que ter espaços para discutir mudanças, mas isso nunca foi tocado. Acho que para a maioria das atividades tem bastante discussão que são frequentemente aperfeiçoadas ou mudadas, mas tem algumas como as aulas expositivas que caberia haver mais discussão. (professor Renato)

Entendemos que são os professores iniciantes, na maioria das vezes, que estão em melhores condições de empreender e protagonizar mudanças, de renovar aspectos pedagógicos da instituição, pois chegam com ideias novas e não tem ainda um estilo profissional definido. Têm grande disposição de empreender projetos inovadores e dizem que o período no qual se encontram é ‘bonito’3, repleto de oportunidades, possibilitando o investimento na docência. Da mesma forma, disseram que é um período ‘delicado’ que se constitui em uma fase de construção de conhecimentos de toda ordem e da sedimentação dos mesmos. Assim, entendemos que, se no ambiente de trabalho forem fomentadas discussões e reflexões sobre a prática que empreendem, for dedicado tempo na orientação, na acolhida, no apoio e formação do docente universitário, muitos avanços poderão ser feitos rumo às mudanças que almejamos para a universidade.

Nossos interlocutores mencionaram que quando a acolhida ocorre no espaço macro geralmente se dá através de palestras e conversas que tratam da progressão, plano de carreira e familiarização com o sistema utilizado pelas instituições de inserção de notas e projetos de pesquisa, ensino e extensão. No entanto, poucas menções foram feitas acerca do projeto da instituição, da sua identidade e dos princípios que regem suas ações.

Percebemos que as instâncias superiores das universidades demonstram preocupação em discutir questões referentes à pedagogia e didática universitária. Refletem as respostas dos entrevistados que muitas instituições já estão assumindo a discussão e reflexão das questões pedagógicas. Quanto às características das atividades, explicou uma colaboradora, que houve um curso que foi acessível a todos os docentes da universidade e que

[...] eu optei por fazer, eu acho que me ajudou bastante, fui muito bom, mas nada promovido para os professores ingressantes era geral. (professora Anita)

Muitos professores mencionaram que as atividades de apoio, principalmente as que se realizam no espaço macro, poderiam contemplar temas mais específicos e voltados para os problemas da aula. Quanto ao programa que a sua universidade oferta, um deles afirmou que

[...] é um programa de formação, capacitação, formação continuada, mas os temas que são abordados aí, ás vezes, não são direcionados com a vivência na sala de aula. Eu acho que são temas muito periféricos, que não atende a nossa necessidade imediata. Então, às vezes, aquela dinâmica do professor com o aluno. [...] Então esse tipo de coisa falta, uma coisa mais imediatista, coisa que acontecem na sala de aula. Embora aconteçam essas coisas, os temas nunca são direcionados para isso. (professor Anderson)

Nesta mesma direção, outro professor disse que

[...] a parte pedagógica mesmo, relacionamento professor-aluno isso não existe, você tem que resolver (professor Sandro)

Parece importante que os conteúdos dos programas de formação sejam elaborados a partir das necessidades formativas dos professores e que nas discussões sejam contemplados temas e conteúdos que os professores precisam apropriar-se no seu processo de profissionalização.

Ao comprometer-se com a formação dos professores que ingressam nas universidades, a própria instituição assume a ideia de que a formação para a docência é permanente e pode ocorrer concomitantemente com a atuação. Cabe, neste caso, citarmos os estudos de Garcia (1999, p. 9) para o qual o desenvolvimento profissional “[...] tem uma conotação de evolução e continuidade que, em nosso entender, supera a tradicional justaposição entre formação inicial e formação contínua dos professores”.

A impossibilidade de linearização destas etapas de formação faz-nos compreender que este processo pode apresentar distintas características articulandose aos mais variados contextos e locais. Para Feixas (2004, p. 33), o desenvolvimento do professor é um processo também individual,

[...] cada um segue seu próprio ritmo, portanto não podemos pensar em um coletivo de professores como um coletivo hegemônico, sem que existam diferentes níveis de maturidade pessoal e profissional4.

Certamente, definir estratégias de formação para professores iniciantes, que estão em diferentes estágios do seu desenvolvimento profissional, é um grande desafio para as universidades. Entretanto, essa é uma tarefa necessária e que ganha destaque para melhorar a qualidade do ensino de graduação.

As atividades de acolhimento e apoio aos professores podem tornar-se espaços férteis para repensar, discutir e refletir sobre conceitos e ideias que irão auxiliar os docentes na construção de diferentes metodologias que atendam variadas situações que os professores iniciantes irão enfrentar. Percebemos, através das respostas, que existem espaços para o apoio, acolhimento e formação, e muitas iniciativas são desenvolvidas a partir desses espaços, mas é no processo de articulação dos objetivos destas propostas com as demandas docentes que estes momentos podem, de fato, constituir-se em possibilidade de apoio e acolhimento.

A proposta de inserção defendida por Vaillant e Garcia (2012) está baseada na concepção de tutoria – ou de ‘mentoria’, conforme designado por eles. É um tipo de inserção que, parece abarcar as muitas preocupações descritas por nossos entrevistados, como: a necessidade de tempo para refletir sobre a prática; um volume menor de trabalho que lhes possibilite a construção dos conhecimentos iniciais da carreira; a importância de ter o apoio institucional tanto no campo pedagógico como no administrativo. Enfim, é necessário que os espaços e tempos de discussão não se deem, apenas, por movimentos voluntários, mas através de um projeto institucional de formação docente.

Considerações finais

Foi possível perceber, na pesquisa, um interesse significativo dos professores iniciantes em discutir suas práticas, dividir dificuldades e diferenças, compartilhar frustrações e sucessos. Este parece ser um período em que os docentes estão buscando o seu estilo profissional, período em que estabelecem os valores que vão se constituindo em uma marcante cultura. Percebemos que os docentes que estão no início da carreira vivem uma situação ambígua. Por um lado são responsabilizados pelo sucesso ou fracasso da aprendizagem de seus alunos. Por outro, a preparação que tiveram não responde às exigências da docência e não foram, de fato, para ela preparados. É importante ressaltar que a formação do docente universitário não passa ao largo do paradigma da racionalidade técnica; ao contrário, também foi e é regida por ele, produzindo nesses professores a ideia de que uma disciplina pedagógica, ou a transposição de teorias para os professores, seria capaz de deixá-los aptos a ‘dar uma boa aula’.

Advogamos que, tanto a formação pedagógica, como o desenvolvimento profissional dos professores universitários requerem uma política global da universidade que dignifique e valorize as funções docentes como fundamentais para qualificar o ensino.

Talvez, seja possível supor que, se houvesse a geração de um clima de significativa qualificação da docência, haveria melhores indicadores da qualidade do ensino, sobrepondo-se aos resultados concretos de pesquisas ou aos investimentos em aparatos e em infraestrutura. Poder-se-ia, para isso estimular nos docentes a autorreflexão sobre a tarefa docente e a inserção dos professores da educação superior nos programas de formação pedagógica.

Acreditamos, por fim, que os docentes iniciantes poderiam dedicar-se, nos primeiros anos da carreira, a aprender o exercício da docência, entendendo-a como uma profissão de conhecimentos específicos e que exige sustentação epistemológica. Caso contrário, há um grande risco de que fiquem fortemente limitados à reprodução, perdendo a oportunidade de atuarem como sujeitos protagonistas de outro tipo de educação.

Referências

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Zabalza, M. Á. (2004). O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre, RS: Artmed.

Notas

1 “[...] muchos profesores noveles se encuentran con pocos recursos para hacer frente a los problemas y soportar la presión institucional […]”.
2 Para preservar a identidade dos professores entrevistados, os nomes apresentados no trabalho são fictícios.
3 Termo utilizado por um dos entrevistados.
4 “[…] cada uno sigue su propio ritmo, por lo tanto no podemos pensar en un colectivo de profesores como un colectivo homogéneo, sino que existen diferentes niveles de madurez personal y profesional.”.

Autor notes

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