FORMAÇÃO DE PROFESSORES
O coordenador pedagógico como articulador da formação de professores e de sua identidade profissional
The pedagogical coordinator as articulator of teacher training and its own professional identity
El coordinador pedagógico como articulador de la formación de profesores y de su identidad profesional
O coordenador pedagógico como articulador da formação de professores e de sua identidade profissional
Acta Scientiarum. Education, vol. 40, núm. 3, e37961, 2018
Editora da Universidade Estadual de Maringá - EDUEM
Recepção: 04 Julho 2017
Aprovação: 07 Dezembro 2017
RESUMO.: Esta pesquisa verificará como se desenvolvem as ações dos coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de Salvador, na gestão da formação continuada de professores, mais especificamente dos que atuam na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Assim, este estudo observará se os coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de Salvador têm desenvolvido ações que favoreçam a formação continuada dos professores da EJA, tendo a escola como o locus desta formação. Desta forma, elegemos para realização desta pesquisa uma abordagem qualitativa e tomamos a pesquisa de campo como procedimento técnico, adotando a entrevista semiestruturada como instrumento de coleta de dados. Os resultados obtidos apontam para a necessidade do fortalecimento do papel do coordenador pedagógico, enquanto articulador da formação continuada de professores e como construtor da própria identidade profissional.
Palavras-chave: coordenação pedagógica, formação continuada, educação de jovens e adultos.
Abstract: This research will verify how the actions of the pedagogical coordinators from the municipal educational system of Salvador concerning the management of continued formation of teachers, more specifically; those who work in the Youth and Adults Education (YAE) are developed. Thus, this study also intends to identify what actions have been developed by the pedagogical coordinators to foster teachers continued formation and if they recognize the school as a privileged space for the continued formation of teachers occur. In this way, we conducted a qualitative approach research and used the field research as technical procedure, adopting the semi-structured interview as data collection instrument. The obtained results show the necessity of strengthening the role of the pedagogical coordinator as an articulator for continued formation of teachers and the constructor of its own professional identity.
Keywords: pedagogical coordination, continued formation, youth and adult education.
RESUMEN.: La investigación pretende verificar cómo se desarrollan las acciones de los coordinadores pedagógicos de la red municipal de enseñanza de Salvador, en la gestión de la formación continuada de profesores, más específicamente de los que actúan en la Educación de Jóvenes y Adultos (EJA). Así, este estudio desea identificar cuáles acciones han sido desarrolladas por coordinadores pedagógicos para fomentar la formación continuada de los profesores y si estos coordinadores reconocen la escuela como espacio privilegiado para que la formación continuada de los profesores ocurra. De esta forma, elegimos para realización de esta investigación un abordaje cualitativo y tomamos la investigación de campo como procedimiento metodológico, adoptando la entrevista como instrumento de recolección de datos. Los resultados obtenidos apuntan a la necesidad del fortalecimiento del rol del coordinador pedagógico, como articulador de la formación continuada de docentes y constructor de la propia identidad profesional.
Palabras-clave: coordinación pedagógica, formación continuada, educación de jóvenes y adultos.
Introdução
Mais do que um direito previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e instituído pela Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica - PARFOR, a formação continuada de professores é hoje uma necessidade, visto que, esses profissionais enfrentam, em suas salas de aulas, novos desafios decorrentes das demandas e da complexidade da sociedade contemporânea, que requer a formação de sujeitos capazes de aprender a aprender continuamente, para lidar com as rápidas mudanças que ocorrem nessa sociedade.
De acordo com os autores Gatti e Barreto (2009) e Gatti e Nunes (2008), em estudo desenvolvido com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), foram identificados os problemas nos cursos de Pedagogia e nas licenciaturas, como sendo os responsáveis pela formação inicial de professores no Brasil, sendo que esses cursos apresentam currículos que muitas vezes não proporcionam uma iniciação em práticas, pois a maior parte dos estágios envolve atividades de observação, não possibilitando ao estudante uma prática efetiva nas escolas. Ainda, segundo mesmos autores supracitados, os cursos de formação inicial nem sempre fornecem os instrumentos fundamentais para um fazer pedagógico crítico e consciente, com a assimilação de conhecimentos psico sócio pedagógicos, além do domínio da área específica de formação. Neste contexto, Gatti e Barreto (2009), ainda, salientam que a formação continuada passou a ser vista como uma formação compensatória destinada a preencher lacunas da formação inicial, que tem levado ao aumento do interesse nos programas de formação continuada de professores.
Contudo, ainda ratificam que, apesar da atenção que a formação continuada de professores tem recebido de políticos, pesquisadores e professores, nos últimos anos, e do elevado número de professores que têm buscado participar de cursos de formação, no Brasil, observamos, por meio das informações obtidas em avaliações nacionais e internacionais, como a do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes da OCDE (PISA), no período de 2000 a 2015, que os resultados alcançados pelos estudantes, do ponto de vista de seu desempenho escolar, não têm sido satisfatórios.
Com isso, assim como os cursos de formação inicial, os cursos de formação continuada de docentes passaram a ser questionados e criticados. Logo, tem-se observado um aprofundamento das discussões sobre a formação continuada e sobre como ela tem contribuído para o desenvolvimento profissional dos docentes e para a melhoria da qualidade dos processos educativos no país. Freitas (2005) salienta:
A ênfase na formação continuada de professores é fruto, portanto, tanto da pressão e da luta dos pro fissionais da área e dos movimentos sociais em geral, quanto da racionalidade econômica que reivindicam a eficiência do ensino público, haja vista as mudanças em curso no cenário global (Freitas, 2005, p. 35).
Muitos autores, como Nóvoa (1991), Estrela (1997), Gatti (1997) e Veiga (1998), enfatizam que os processos de formação continuada que são desenvolvidos, no Brasil, desde os anos 1980, não produziram os efeitos esperados. Dentre os fatores apontados como causadores deste insucesso estão: a dificuldade da formação em massa, a brevidade dos cursos e a dificuldade de fornecer os instrumentos e o apoio necessários para a realização das mudanças esperadas.
Outras razões para o insucesso das formações continuadas de professores, segundo apontam os autores mencionados acima, é a limitada, senão ausente, participação dos professores na definição das propostas de formação e a pouca formulação de projetos que tenham a escola e o seu fazer pedagógico como centro das formações.
Assim, de acordo com Veiga (1998), na década de 1990, a formação continuada passa a ser considerada como um ponto crucial para a construção de um novo perfil de professor. Com isso, o Ministério da Educação (MEC), através da Secretaria de Ensino Fundamental, instituiu os Referenciais para a Formação de Professores (Brasil, 1999), objetivando implementar mudanças nas práticas de formação continuada de professores no Brasil. Este documento propõe que:
A formação continuada deve propiciar atualizações, aprofundamento das temáticas educacionais e apoia-se numa reflexão sobre a prática educativa, promovendo um processo constante de autoavaliação que oriente a construção contínua de competências profissionais. Porém, um processo reflexivo exige predisposição a um questionamento crítico da intervenção educativa e uma análise da prática na perspectiva de seus pressupostos (Brasil, 1999, p. 70).
Podemos afirmar, a partir da citação acima, que as mudanças contidas nos Referenciais, para a Formação de Professores (Brasil, 1999), basearam-se da concepção crítico-reflexiva para o estabelecimento de uma política pública de formação de professores. Essa concepção apoia-se na teoria dos saberes docentes de Tardif (2002) e na teoria do professor prático reflexivo em Zeichner (1993; 1995). Desta forma, podemos observar, nesse período, um movimento de reconceitualização da formação continuada, no qual as propostas de formação passam a estar centradas no potencial de auto crescimento do professor. Neste novo paradigma, que adota a concepção crítico-reflexiva, o protagonismo do professor passa a ser valorizado e a ocupar o centro das atenções e dos projetos de formação continuada, buscando, com isso, superar a lógica dos processos formativos que ignoram as trajetórias percorridas pelos professores em suas vidas profissionais.
Essa nova maneira de entender a formação continuada deu origem a um modelo de formação, denominado por Gatti e Barreto (2009) como oficinas de reflexão; por Imbernón (2009) como trabalho colaborativo; e, por Nóvoa (2009) como comunidades de prática. Rego e Mello (2002) afirmam que, este modelo possui um alto valor formativo e tem produzido efeitos interessantes, pois permite maior aderência à realidade do professor e maior atenção ao seu repertório de práticas em culturas escolares diversas, favorecendo assim a legitimação, ressignificação ou superação desses repertórios.
No modelo de formação de reflexão sobre a prática, os professores se reúnem para estudar, analisar o currículo, refletir e propor mudanças nos conteúdos trabalhados, para elaborar e realizar pesquisas e avaliações internas. Nessa modalidade de formação continuada assume-se que há, por parte dos professores, questionamentos acerca de sua prática pedagógica, de modo que se privilegia a interação nos próprios locais de trabalho.
Sabemos que é no interior da escola que se desenvolve o currículo de formação dos estudantes e, consequentemente, manifestam-se as dificuldades de ensino e de aprendizagem, justifica-se, portanto, que a formação continuada dos professores aconteça nas escolas, tendo a figura do coordenador pedagógico como principal articulador das ações formativas.
Nesse contexto, o presente artigo discute a perspectiva do coordenador pedagógico como gestor da formação dos professores e da construção da própria identidade profissional. O problema desta pesquisa consiste em identificar em que medida as ações desenvolvidas pelos coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de Salvador, têm contribuído para que a formação continuada dos professores da EJA aconteça, colaborando também para a construção da identidade profissional dos coordenadores.
Como objetivo geral da investigação, pretendemos verificar se os coordenadores pedagógicos, da rede municipal de ensino de Salvador, têm desenvolvido ações que favoreçam a formação continuada dos professores da EJA, tendo a escola como o lócus desta formação. Definimos como objetivos específicos, identificar se os coordenadores pedagógicos incluem as ações formativas do corpo de professores em seus planos de ação e se os coordenadores pedagógicos reconhecem ser a escola o espaço privilegiado para que esta formação aconteça. Desejamos com isto, favorecer a discussão sobre o papel do coordenador pedagógico, como principal articulador da formação continuada de professores, no âmbito do espaço escolar.
Assim, o presente artigo está dividido em cinco partes, sendo a primeira destinada à introdução ao tema que será abordado; a segunda parte consiste na apresentação dos procedimentos metodológicos adotados nessa pesquisa e caracterização dos sujeitos; a terceira parte, de caráter teórico, apresenta os principais autores que estudam o papel do coordenador pedagógico na sociedade contemporânea e os principais desafios que estes profissionais enfrentam. Na quarta parte, apresentamos os resultados do estudo realizado na rede municipal de ensino de Salvador, buscando analisar, à luz dos autores apresentados, qual tem sido o papel destes profissionais na formação continuada dos professores, mais especificamente na modalidade da Educação de Jovens e Adultos. Na quinta e última parte, apresentamos as considerações finais do estudo realizado com as referências utilizadas.
Procedimentos metodológicos
Tendo em vista a importância da formação continuada para os professores, especialmente para os que atuam na EJA, devido aos desafios e aos obstáculos apresentados nesta modalidade de ensino, também, levando em consideração que a escola deve ser o local para que esta formação continuada aconteça e, que o coordenador pedagógico deve ser o principal articulador das ações formativas, realizamos esta pesquisa com coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino de Salvador, que atuam em escolas que oferecem a Educação de Jovens e Adultos, com o intuito de identificar quais são as ações que estes profissionais têm realizado para que as formações dos professores aconteçam nas escolas da rede de ensino.
Dessa forma, optamos pela abordagem qualitativa, entendida, nos termos definidos por Deslauriers e Kérisit (2008), como a modalidade que permite ao pesquisador ser, ao mesmo tempo, o sujeito e o objeto de suas pesquisas, produzindo informações aprofundadas e ilustrativas, sejam elas pequenas ou grandes, possibilitando ao mesmo, igualmente, a construção de novas informações. Também, de acordo com Flick (2009), a pesquisa qualitativa é relevante aos estudos das relações, visto que, a pluralização das esferas da vida e a acelerada mudança social, fazem com que os pesquisadores enfrentem novos contextos e perspectivas sociais, obrigando-os a utilizarem estratégias indutivas.
Optamos pela pesquisa de campo, como procedimento técnico, pois se caracteriza pelas investigações em que o pesquisador coleta as informações necessárias à sua investigação, diretamente dos sujeitos envolvidos. De acordo com Gonsalves (2001), a pesquisa de campo exige que o pesquisador tenha um encontro mais direto com a população pesquisada, ou seja, o pesquisador precisa ir ao local onde o fenômeno ocorre para poder reunir um conjunto de informações a serem documentadas. Franco (1985) também salienta que na pesquisa de campo é necessária a observação de fatos e fenômenos, exatamente como ocorrem no real, para então proceder à análise e a interpretação desses dados, com base numa fundamentação teórica consistente, objetivando compreender e explicar o problema pesquisado.
Realizamos uma entrevista semiestruturada, com oito perguntas, como instrumento de coleta de dados, tendo em vista que, segundo Pádua (1997), ela é o procedimento mais usual no trabalho de campo. Ainda, falando sobre a entrevista, o autor afirma:
Por meio dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores. Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeito-objetos da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada (Pádua, 1997, p. 64-65).
Assim, efetivamos as entrevistas semiestruturadas com dezesseis coordenadores pedagógicos da Rede Municipal de Ensino de Salvador, que atuam na EJA, objetivando identificar como estes profissionais têm gerido as ações de formação continuada dos professores, nos horários de reunião coletiva, contribuindo para o fortalecimento e a melhoria das intervenções pedagógicas, que são realizadas por esses profissionais na interação com seus estudantes.
As perguntas junto aos coordenadores versaram sobre: o tempo de experiência que possuem no magistério; quanto tempo atuam na Educação de Jovens e Adultos; sobre a formação inicial que possuem para atuarem como coordenadores pedagógicos e sobre as ações que desenvolvem para promover a formação continuada dos professores da EJA. Também, buscamos durante as entrevistas e visitações às escolas, identificar as principais atividades desenvolvidas diariamente pelos coordenadores pedagógicos da Rede Municipal de Ensino de Salvador.
Observamos que, dos dezesseis coordenadores pedagógicos entrevistados, 75% atuam no segmento EJA I e 25% no segmento EJA II. Dentre os dezesseis coordenadores pedagógicos entrevistados, 94% possuem cursos de pós-graduação na modalidade lato sensu e 6% possui curso de pós-graduação na modalidade stricto sensu. Todos os coordenadores possuem graduação em Pedagogia. Da mesma forma, 62,5 % atuam no magistério entre 11 e 20 anos; 25% possuem de 21a 25 anos de atuação; 12,5% dos coordenadores têm entre 05 e 10 anos de experiência no magistério. Destes coordenadores, 50% atuam na EJA há mais de cinco anos; 25% entre 10 e 15 anos e 25% há mais de 16 anos.
Os procedimentos éticos foram necessários para atender as normas do Comitê de Ética de pesquisa que envolve serem humanos quanto a sua preservação em haver a possibilidade de vivenciar riscos aos participantes: medo, ressentimento, desconfortável, constrangimento e nervosismo. Neste sentido, mesmo com o Termo de consentimento livre e esclarecido autorizando o uso dos dados, resolvemos preservar eticamente os participantes e o lócus da pesquisa. Os entrevistados serão identificados com a nomenclatura ‘Entrevistado e com numeral de 1 a 11’.
Formação continuada, identidade e função do coordenador pedagógico
A educação brasileira tem grandes desafios a enfrentar, quanto à melhoria da qualidade de ensino, que vem sendo ofertado nas escolas públicas e, consequentemente, quanto à garantia de acesso, permanência e sucesso dos estudantes, especialmente na Educação de Jovens e Adultos.
Para que a aprendizagem dos sujeitos dessa modalidade de ensino aconteça é necessário que os professores possuam competências e saberes, que favoreçam situações de aprendizagem, desenvolvendo as habilidades fundamentais para o mundo do trabalho e a vida social, marcada pelas rápidas e constantes transformações científicas e tecnológicas do século XXI. Por essa razão, a formação de professores tem tido grande destaque nas discussões e reformas educativas, nos últimos anos, como salienta Almeida (2005, p. 3, grifo do autor):
A formação de professores tem se constituído em ‘uma das pedras angulares imprescindíveis a qualquer intento de renovação do sistema educativo’, o que nos ajuda a entender a importância que esta temática vem adquirindo nas últimas décadas, em meio aos esforços globais para melhorar a qualidade do ensino.
Dessa forma, segundo Gatti (2008), a partir de meados dos anos de 1990, observamos, no Brasil, a expansão exponencial da oferta de programas ou cursos de educação continuada para professores, impulsionada também pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, lei n. 9.394/96) (Brasil, 1996), que em vários de seus artigos trata da importância da formação continuada. Entretanto, Gatti e Barreto (2009) também salientam que, apesar da produção teórica sobre formação continuada destacar que há avanços a considerar, esses avanços ainda são acanhados, em comparação com as expectativas de elevar o nível de desempenho dos estudantes dos sistemas educacionais.
Para Fusari (1997), durante muito tempo, a formação continuada centrou suas atividades fora do local de trabalho dos professores. Contudo, para o autor, a escola deve ser o espaço para que essa formação aconteça, pois dentro da escola
[...] a formação contínua, exatamente ao contrário da inicial, é infinita enquanto possibilidade de crescimento pessoal-profissional do educador (Fusari, 1997, p. 159).
Nessa perspectiva, Nóvoa (1991) afirma que:
A formação continuada deve estar articulada com o desempenho profissional dos professores, tomando as escolas como lugares de referência. Trata-se de um objetivo que só adquire credibilidade se os programas de formação se estruturarem em torno de problemas e de projetos de ação e não em torno de conteúdos acadêmicos (Nóvoa, 1991, p. 30).
Entendemos, com isso, que é na escola que os saberes, conhecimentos científicos e pedagógicos devem ser mobilizados, favorecendo a troca de experiências e propiciando a reflexão coletiva dos professores sobre a própria prática, o que deverá favorecer a produção coletiva de saberes que auxiliarão a escola na superação dos atuais desafios da sociedade globalizada.
Para Domingues (2014) é função do coordenador pedagógico, ser o articulador da formação continuada dos professores na escola. A autora considera a atividade de formação continuada, desenvolvida pelo coordenador, como sendo um saber-fazer multideterminado, decorrente da formação pessoal, da organização institucional e das políticas públicas. Ainda, de acordo com Domingues (2014) é importante destacar que:
O modo de agir do coordenador pedagógico na condução do projeto formativo pode despertar maior ou menor envolvimento dos participantes. Se o coordenador colocar-se apenas como um controlador e não como um articulador, tenderá a criar um clima desfavorável ao debate e à reflexão, em que os profissionais dirão aquilo que consideram que o coordenador quer ouvir, mas ainda assim farão o que acreditam (Domingues, 2014, p. 121).
Assim, como salienta a autora, as formações iniciais do coordenador pedagógico, juntamente com as suas vivências de outras experiências formativas, terão um grande peso, podendo determinar como a formação continuada dos professores será conduzida. Elas, também, influenciarão sobre o papel que será atribuído ao professor, pelo coordenador, durante a formação continuada, além de, também, influenciar a ação do coordenador, que poderá ser mais prescritiva ou produto das discussões coletivas, e de análise do currículo e da relação da escola com a sociedade.
Já que é, preferencialmente, na escola que a formação deve ser realizada, priorizando a reflexão dos professores sobre as questões que surgem em seu cotidiano, entendemos que isso poderá contribuir para a construção permanente do conhecimento e desenvolvimento desses profissionais, propiciando com isso as mudanças esperadas na realidade de cada escola. De acordo com Libâneo (2003), essa é uma tarefa que envolve o setor pedagógico da escola, mais especificamente o coordenador pedagógico.
Da mesma forma, para Franco (2008, p. 121), o trabalho do coordenador pedagógico deve estar voltado “[...] essencialmente à organização, à compreensão e transformação da práxis docente, para fins coletivamente organizados e eticamente justificáveis”. A autora salienta, também, que cabe ao coordenador pedagógico organizar os espaços, tempos e processos, considerando que as práticas educativas e pedagógicas só poderão ser transformadas, a partir da compreensão dos pressupostos teóricos que as organizam e das condições historicamente dadas. Desta forma, entendemos que as práticas sejam objeto de constantes reflexões e transformações, para que possam realizar o seu papel na emancipação dos sujeitos.
Assim, o favorecimento da troca de experiências entre os professores poderá propiciar mudanças nas relações que esses constroem com a docência, pois a formação continuada, dentro do espaço escolar, proporcionará a esses profissionais a possibilidade de aprender na prática, à medida que refletem sobre o que está sendo feito e trocam experiências com seus pares.
Para Arroyo (2006), a formação continuada do professor da EJA precisa estar voltada para a pesquisa, reflexão e produção teórica do próprio professor. Segundo o autor, assim será possível construir uma teoria pedagógica que se fortaleça a partir dos próprios processos de formação de jovens e adultos. Nesta mesma linha de raciocínio, Freitas e Moura (2010, p. 103) enfatizam a importância de se pensar a formação de professores de EJA tomando como referências as “[...] especificidades que os sujeitos dessa modalidade requerem e os fundamentos teórico-metodológicos que o ensino na referida modalidade requer e exige.”
Contudo, para que o coordenador pedagógico assuma o seu papel na formação de professores, reconhecendo a reflexão sobre a prática, como sendo um caminho de transformação, é importante observar o que diz Imbernón (2009, p. 28):
Ele deixa de ser o fiscal das práticas educativas e o gerente responsável pelas atividades burocráticas e administrativas e se coloca como corresponsável pela sala de aula, pelo trabalho realizado pelo professor e pela qualidade da aprendizagem dos alunos. Ele faz parte do corpo docente e sua função principal vai se dividir entre a formação de professores e a articulação do projeto político-pedagógico. Terá de reconhecer que sua função precípua é a de ser formador e articulador para não se deixar engolir pelas demandas do cotidiano.
Percebemos, então, que cabe ao coordenador pedagógico a complexa tarefa de auxiliar o professor no desenvolvimento do trabalho pedagógico, de forma a contribuir com a melhoria da qualidade do ensino. Para tanto, entendemos ser necessário que o coordenador pedagógico busque formas de gerir situações de formação contínua, por meio da reflexão e da investigação, levando em consideração as necessidades dos professores envolvidos nessas ações de formação, objetivando com isso a adequação e melhoria da qualidade das situações de aprendizagem oferecidas aos estudantes.
Também, devemos ressaltar que o coordenador pedagógico, neste processo, deverá estar atento às suas próprias necessidades de formação continuada e troca de experiências com outros coordenadores, para que possa refletir coletivamente sobre suas práticas, aprimorando-as e fortalecendo a sua identidade, enquanto gestor pedagógico e articulador das ações de formação continuada dos professores.
A função de coordenador pedagógico é relativamente nova, surge em meados da década de 80, período no qual a população foi às ruas exigir mudanças e o país passou por alterações no cenário político. Com o fim da ditadura miliar, alguns estados brasileiros passaram a utilizar o termo ‘coordenador pedagógico’ para designar o profissional que assumiria a função desempenhada, anteriormente, pelo ‘supervisor pedagógico’. De acordo com Vasconcellos (2007), essa mudança acontece porque a atuação do supervisor pedagógico, na memória dos professores, estava vinculada à ação fiscalizadora, controladora e repressora desse profissional. Neste contexto, a função do supervisor permanece sob o amparo legal da Lei 5.692/71 (Brasil, 1971), entretanto a nomenclatura ‘supervisor pedagógico’ passa a ser evitada e começa a entrar em desuso, sendo substituída pela denominação de ‘coordenador pedagógico’.
No ano de 1996, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9394/96) (Brasil, 1996), fica definido que para atuar como coordenador pedagógico é necessário que o profissional tenha formação inicial, em nível superior, em curso de Pedagogia ou de Pós-Graduação. Com isso, estados e municípios que ainda não haviam adotado a figura do coordenador, passaram a instituir essa função em seus sistemas de ensino.
No Estado da Bahia, a função do coordenador pedagógico surge no ano de 1997, com o decreto Lei nº 7.023/97 (Bahia, 1997), que determina a junção das funções do supervisor escolar e do orientador educacional, no cargo de coordenador pedagógico. Em seu artigo 7º o decreto lei determina:
Os atuais cargos de orientador Educacional e Supervisor Escolar, da estrutura do Magistério de 1º e 2º graus do Estado, mantidos os correspondentes quantitativos e nível de classificação, ficam transformados em cargos de Coordenador Pedagógico, cujas especificações abrangerão as atribuições das nomenclaturas ora transformadas, passando as mesmas a serem desempenhadas pelos ocupantes do cargo citado, de acordo com as necessidades dos estabelecimentos de ensino em que estejam lotados.
No município de Salvador, a então Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC), instituiu no ano de 2002 a função de coordenador pedagógico. Na época, essa função poderia ser exercida tanto pelo pedagogo especialista, quanto por um professor escolhido pela comunidade escolar, que possuísse perfil adequado para assumir a gestão do ensino nas unidades escolares. Contudo, por questões legais, estes professores não puderam continuar exercendo a função, visto que, haviam sido aprovados em concurso público para a função de professores. Assim sendo, no ano de 2004, a Secretaria Municipal da Educação de Salvador realizou o primeiro concurso público para o cargo de coordenador pedagógico.
Placco, Almeida e Souza (2011) identificaram em estudo realizado, no período de março de 2010 a março de 2011, que em todas as regiões do Brasil, tanto no âmbito municipal, quanto no âmbito estadual, a figura do coordenador pedagógico foi legalmente instituída. Ao analisar a legislação das cinco regiões brasileiras, no que tange as funções do coordenador pedagógico, as autoras identificaram que:
Estão previstas, como função do coordenador, atividades como avaliação dos resultados dos alunos da escola, diagnóstico da situação de ensino e aprendizagem, supervisão e organização das ações pedagógicas cotidianas (frequência de alunos e professores, andamento do planejamento de aulas - conteúdos ensinados -, planejamento das avaliações, organização de conselhos de classe, organização das avaliações feitas pelos sistemas de ensino - municipal, estadual ou nacional -, material necessário para as aulas e reuniões pedagógicas, atendimento de pais etc.), além da formação continuada dos professores (Placco et al., 2011, p. 240).
Para essas autoras, a legislação existente nos estados e nos municípios, sobre as atribuições dos coordenadores pedagógicos pode, por um lado, favorecer a atuação desses profissionais, visto que, estabelecem e orientam o trabalho que deverá ser desenvolvido por eles. Todavia, por outro lado, poderá ser “[...] dificultadora pelo acúmulo de tarefas que atribui ao CP, o que não lhe permite clareza para priorizar as atividades no cotidiano da escola, especialmente as do eixo da formação” (Placco et al., 2011, p. 240).
Assim, a nosso ver, se por um lado a legislação existente oferece elementos para que os coordenadores pedagógicos construam a sua identidade profissional, por ouro lado, tal legislação poderá também se constituir em uma dificuldade para a construção da identidade dos coordenadores, devido à diversidade de funções que lhes são atribuídas.
Além dessa dificuldade, o coordenador se depara ainda com uma formação inicial inadequada, que não lhe prepara para o pleno exercício de suas funções, dificultando a construção de sua identidade profissional.
Apresentação e análise dos resultados
A Lei nº 8.722/2014 (Salvador, 2014), que dispõe sobre o plano de carreira e remuneração dos servidores da educação, do município de Salvador, garante ao professor, em seu artigo 30, um terço de sua carga horária para a atividade extraclasse, especificando que essas atividades complementares (A.C.), que são destinadas à participação em atividades de formações continuadas e outras programadas pela Secretaria Municipal da Educação - SMED.
O documento O coordenador pedagógico: traçando caminhos para sua prática educativa (Secretaria Municipal da Educação e Cultura [SMEC], 2008, p. 30), por sua vez, explicita que a “[...] responsabilidade formadora do Coordenador Pedagógico está pautada na formação continuada dos profissionais da Escola”. O referido documento, ainda ressalta que as ações de formação desenvolvidas pelos coordenadores pedagógicos devem estar abertas ao saber adquirido no dia-a-dia, e que este saber deve ser refletido e incorporado ao desenvolvimento pedagógico dos professores. O documento supracitado afirma ainda que:
A formação dos docentes e de outros profissionais da Escola pode ser realizada nos momentos das Atividades Complementares (A.C.). Essas se constituem num espaço instituído na escola e garantido no regime de trabalho dos servidores municipais que exercem atividades de docência, que objetiva o planejamento e o replanejamento das atividades pedagógicas, assim como a reflexão sobre ação desenvolvida (SMEC, 2008, p. 30).
Assim sendo, percebemos que, tanto na lei, como em documentos oficiais, elaborados pela Secretaria Municipal da Educação de Salvador, existe a preocupação com a criação de espaços/tempos para que a formação continuada dos professores aconteça nas escolas, dentro dos horários de A.C. Com isso, os horários de atividade complementar seriam momentos coletivos para a reflexão sobre a prática desenvolvida nas unidades de ensino e busca de soluções para os problemas que surgem em cada escola.
Esses momentos de reflexão coletiva sobre a prática, de busca de soluções para os problemas enfrentados pelas escolas e pela formação continuada em serviço, são de fundamental importância, pois, estão acontecendo diversas mudanças nos diferentes cenários educativos, nos modelos educacionais e nas relações humanas que se desenvolvem nas escolas.
Dessa maneira, entendemos que a formação continuada em serviço é vital para os professores na sociedade contemporânea. Contudo, durante as visitas às escolas e através das entrevistas semiestruturadas realizadas com coordenadores pedagógicos, que atuam em escolas da rede municipal na modalidade EJA, foi possível observar que a prática que acontece nas escolas é diferente da que está prevista nos documentos legais e da que é indicada pelos principais teóricos, que abordam as questões da gestão da formação de professores. Isso fica claro na fala de um dos coordenadores entrevistados, que afirmou:
Na verdade, não há tempo para a realização de reuniões com todos os professores, ainda mais na EJA. Os A.C. são sempre individuais. É nesse momento que procuramos fazer o trabalho pedagógico com o professor, olhando o planejamento dele, solicitando atividades que precisam ser reproduzidas para os alunos e procurando saber como está o aproveitamento dos alunos. O trabalho nem sempre é fácil, porque encontramos muitos professores resistentes à nossa ação (Entrevistada 3).
Quando questionados sobre o planejamento de ações voltadas à formação continuada dos professores, apenas um coordenador afirmou realizar tal planejamento, apesar de também informar que nem sempre consegue executá-lo. Já 94% dos coordenadores entrevistados afirmaram não realizar um planejamento para a formação continuada dos professores. Segundo esses coordenadores, no noturno não há tempo para a realização de formações com os professores. Esses coordenadores, também, mencionaram que é muito difícil conseguir o engajamento dos professores, para que participem de formações na escola. Conforme declarou um dos coordenadores entrevistados:
Aqui na escola até já tentamos fazer algumas atividades de formação dos professores, até mesmo porque muitos precisam mesmo de formação. Mas, é muito difícil que o professor se interesse por uma formação na escola. Para eles não tem muito valor. A maioria dos professores acha que é perda de tempo. Com os professores do EJA I é até mais fácil, mas os professores do EJA II acham que eles só precisam ter o domínio da matéria deles e pronto (Entrevistado 11).
Para Vasconcellos (2007), o professor pode rejeitar a figura do coordenador pedagógico e as ações por ele propostas, pois, muitas vezes ainda, o associa à figura do supervisor pedagógico, função criada no contexto da ditadura militar e instituída pela Lei 5.692/71 (Brasil, 1971), que tinha o papel de fiscalizar os professores, atuando de forma, predominantemente, tecnicista e controladora. Entretanto, conforme salienta Souza (2010), em primeiro lugar, o coordenador pedagógico precisa compreender a realidade da forma como ela se apresenta, reconhecendo a sua complexidade; e, em segundo lugar, precisará analisá-la para poder administrá-la junto ao seu grupo de professores. Desta forma, compartilhando a análise de problemas, como a resistência dos professores em participar dos momentos de formação continuada na escola, o coordenador e o grupo de professores poderão buscar juntos formas de superação das dificuldades e definir ações conjuntas que favoreçam a realização das formações no espaço escolar.
Mesmo com as dificuldades enfrentadas nas escolas, 38% dos coordenadores entrevistados salientaram que apesar de não conseguirem realizar a formação continuada dos professores, em suas escolas, buscam promover, com a ajuda de parceiros externos, seminários, oficinas e palestras que atendam aos interesses de professores e estudantes, em momentos como a semana de jornada pedagógica e semana do estudante.
Ao realizarmos as entrevistas, perguntamos aos coordenadores pedagógicos quais eram as principais atividades desenvolvidas por eles, em seu dia a dia na escola. Todos os coordenadores (100%) informaram que realizam o acompanhamento pedagógico dos professores, em horários individuais de A. C.; supervisionam o trabalho realizado em sala de aula; acompanham o rendimento dos estudantes, realizando atendimentos individualizados, quando necessário; elaboram calendários de atividades escolares como: de provas, de projetos e atividades festivas; elaboram relatórios referentes ao desempenho dos estudantes, através do acompanhamento dos diários de classe; realizam a mediação entre a direção da escola e os professores e estudantes, divulgando informes e avisos; e, planejam, promovem e participam de festas e atividades em datas comemorativas.
Durante as entrevistas e visitações às escolas, procuramos identificar as principais atividades desenvolvidas pelos coordenadores pedagógicos em seu cotidiano nas escolas da rede municipal. As visitações ocorreram durante os meses de agosto a outubro de 2017, com a aceitação por parte dos dirigentes das escolas, dos professores e dos alunos.
Observamos que muitos coordenadores pedagógicos realizam atividades que não são de sua competência, como: acompanhamento da entrada e saída dos estudantes; entrega de diários de classe aos professores; controle de disciplina dos estudantes nos corredores da escola e reprografia de atividades, apostilas e avaliações. Como pode ser visto na Figura 1.
Ao analisarmos as principais atividades citadas pelos coordenadores pedagógicos entrevistados, percebemos que esses profissionais não sabem ao certo qual o seu papel no espaço escolar. Assim, atuam, muitas vezes, em desvio de suas funções, deixando em segundo plano sua função de coordenar as atividades pedagógicas e de efetivar a formação continuada em serviço dos professores.

Fonte: Elaboração dos autores, 2017.
Tal situação lembra o que dizem Lima e Santos (2007, p. 79, grifo do autor), ao falar do papel do coordenador pedagógico:
‘Bom-bril’ (mil e uma utilidades), a de ‘bombeiro’ (o responsável por apagar o fogo dos conflitos docentes e discentes), a de ‘salvador da escola’ (o profissional que tem de responder pelo desempenho de professores na prática cotidiana e do aproveitamento dos alunos). Além destas metáforas, outras aparecem definindo-o como profissional que assume uma função de gerenciamento na escola, que atende pais, alunos, professores e também se responsabiliza pela maioria das ‘emergências’ que lá ocorrem, isto é, como um personagem ‘resolve tudo’ e que deve responder unidirecionalmente pela vida acadêmica da escola.
Vale salientar, por exemplo, que apesar de saber que não é seu papel substituir professores ausentes, 13% dos coordenadores realizam essa atividade “[...] para não deixar os estudantes sem aulas” (entrevistado 1, 2017). Também, 88% dos coordenadores informaram que são obrigados a auxiliar na reprodução de atividades, avaliações e apostilas para os estudantes, por falta de pessoal técnico nas unidades de ensino.
A falta de pessoal técnico, nas unidades de ensino, também, tem levado os coordenadores pedagógicos a serem responsáveis pelo agendamento de espaços e de recursos disponíveis nas escolas, como: tabletes, projetores multimídia, biblioteca, laboratório de informática, dentre outros. Durante as visitas realizadas nas escolas, pudemos observar que muitas vezes os coordenadores eram solicitados para a liberação de recursos, materiais ou espaços que seriam utilizados por professores e suas turmas.
Dessa forma, os coordenadores pedagógicos, no cotidiano escolar, se veem obrigados a atender a diversas solicitações e demandas, tendo assim que gerenciar, muitas vezes, tarefas que não lhes cabem. Conforme ressalta Bartman (1998) citado por Lima e Santos (2007, p. 82),
[...] o coordenador não sabe quem é e que função deve cumprir na escola. Não sabe que objetivos persegue. Não tem claro quem é o seu grupo de professores e quais as suas necessidades. Não tem consciência do seu papel de orientador e diretivo.
Com as entrevistas e observações realizadas verificamos que os coordenadores pedagógicos da rede municipal de ensino, que atuam na EJA, enfrentam ainda o desafio de construção da própria identidade profissional e da delimitação do seu espaço de atuação. Para tanto, é necessário que esses profissionais consolidem o trabalho pedagógico que desenvolvem nas escolas e fortaleçam o papel de liderança, na formação continuada dos professores e de protagonista ativo, junto com os professores, na conquista de uma educação de qualidade nas escolas.
Nesse contexto, percebemos que a própria formação continuada, também se constitui num desafio para esses profissionais. Quando questionamos sobre como gerem a própria formação continuada, apenas 25% dos coordenadores relataram que buscam participar de cursos ou outras atividades formativas. E, 75% dos coordenadores disseram que costumam ler livros e revistas especializados em educação e assuntos pedagógicos. Igualmente, 100% dos coordenadores também relatam que não costumam reunir-se com outros coordenadores para trocar experiências ou discutir sobre a prática que realizam em suas escolas. De acordo com Clementi (2005, p. 64):
Muitos coordenadores pedagógicos manifestam iniciativas pessoais de aprofundamento teórico, de envolvimento com suas práticas nas escolas, preocupação diante dos problemas com os quais deparam e, ainda assim, mesmo demonstrando empenho e envolvimento, muitas vezes assumem uma atitude de conformismo diante das insatisfações que sentem, em vez de tentar revertê-las.
Observamos com as entrevistas que apesar do esforço pessoal dos coordenadores para gerir a própria formação continuada, tal esforço muitas vezes não traz o conhecimento necessário para o exercício de suas funções ou o enfrentamento dos problemas que a escola lhes apresenta. Notamos também o isolamento desses profissionais, visto que, não lhes são oportunizados momentos de troca de experiências com seus pares, que lhes permita compartilhar suas dúvidas, inquietações e êxitos.
Considerações finais
As demandas e constantes transformações da sociedade atual exigem, cada vez mais, que os professores, especialmente os da EJA, estejam atentos à necessidade e a importância da formação continuada. Os coordenadores pedagógicos também precisam estar conscientes da relevância do seu papel enquanto articuladores da formação continuada dos professores, privilegiando a escola como o espaço ideal para que essa formação aconteça.
Contudo, ao realizarmos essa pesquisa com coordenadores pedagógicos que atuam na EJA, em escolas da rede municipal de ensino, constatamos que esses profissionais não desenvolvem ações formativas consistentes e efetivas com os professores da EJA e que não buscam promover momentos coletivos de reflexão sobre a prática pedagógica com esses professores. Na maioria das vezes, esses profissionais envolvem-se mais com atividades rotineiras do que com a formação continuada dos professores, perdendo-se também, muitas vezes, em atividades burocráticas ou que não são compatíveis com sua função.
Afirmamos que a realização de um trabalho crítico e reflexivo de formação na escola requer do coordenador pedagógico a consciência de fatores que determinarão o sucesso ou insucesso de sua ação formadora. Ele precisará estar atento à complexidade e a diversidade das situações pedagógicas existentes em sua escola. Caberá assim ao coordenador pedagógico buscar estratégias para envolver a comunidade escolar nas discussões e na busca de soluções para os problemas existentes na realidade que os cerca, construindo um ambiente de relações sociais positivas, com a participação dos diversos atores que compõem a comunidade escolar, estando atentos às contribuições que estes atores apresentem para a melhoria pedagógica da unidade de ensino.
Pelos resultados apresentados, observamos que o trabalho pedagógico deve estar voltado para as demandas que emergem das novas exigências sociais e educacionais, auxiliando na mobilização dos meios materiais e humanos necessários para que os estudantes possam encontrar os caminhos pedagógicos que fortaleçam a aprendizagem, fazendo da escola um lugar onde a ação pedagógica se efetive.
Para tanto, entendemos ser de fundamental importância que os coordenadores pedagógicos não percam de vista que as situações educativas, especialmente na EJA, são complexas e permeadas de conflitos, valores e concepções, demandando assim, um trabalho no qual os objetivos e propósitos estejam bem definidos e claros para todos os atores envolvidos no processo educativo.
Concluímos afirmando que os coordenadores pedagógicos têm pela frente o desafio da construção da própria identidade profissional; do fortalecimento do seu papel de líder e de articulador da formação continuada no ambiente escolar; de mobilizador dos saberes professores para a construção de uma prática pedagógica que seja verdadeiramente emancipatória e possibilite a formação de sujeitos críticos e capazes de viver na sociedade com autonomia.
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