FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Estratégias de desenvolvimento profissional docente em universidades públicas: similaridades e diferenças

Faculty professional development strategies in public universities: similarities and differences

Estrategias de desarrollo profesional docente en universidades públicas: similitudes y diferencias

Paula Trindade da Silva Selbach
Universidade Federal do Pampa, Brazil
Maria Beatriz Luce
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brazil

Estratégias de desenvolvimento profissional docente em universidades públicas: similaridades e diferenças

Acta Scientiarum. Education, vol. 40, núm. 4, e32371, 2018

Editora da Universidade Estadual de Maringá - EDUEM

Recepção: 20 Junho 2016

Aprovação: 12 Abril 2017

RESUMO. : Neste estudo buscamos compreender o processo de definição das principais estratégias desenvolvidas pelos movimentos de formação pedagógica em cinco universidades públicas do Brasil. Especificamente, pretendemos saber como ocorre a articulação da pedagogia universitária com as diferentes áreas do conhecimento, descrever as estratégias desenvolvidas e perceber as condições que facilitam e/ou dificultam seu empreendimento. A pesquisa contou com a colaboração de sete gestores que participavam da organização e planejamento dessas estratégias. Os resultados revelaram que: as principais estratégias utilizadas são palestras, seminários e oficinas; apenas uma das instituições utiliza atividades mediadas por tecnologias, como a teleformação; as universidades evidenciaram dificuldades para constituir e fortalecer grupos que congreguem docentes e técnicos para o enfrentamento de questões da prática de ensino, em face das especificidades da instituição; pouco foi mencionado sobre organizar e valorizar grupos internos com este objetivo, o que permite supor que não estejam contando com pesquisadores especializados ou considerando suficientemente a literatura e experiências deste escopo. Ao final, apontamos que novos estudos poderiam aprofundar o conhecimento sobre os impasses e seus condicionantes, assim, auxiliar no desenvolvimento de alternativas, inovações organizacionais e programáticas para melhorar os processos de ensinar e aprender na educação superior brasileira.

Palavras-chave: palestras, seminários, oficinas, teleformação.

ABSTRACT. : This study aims to understand the strategy definition processes in faculty development movements of five Brazilian public universities. Specifically, we wanted to know about the articulation of university pedagogy with different areas of knowledge, describe the strategies developed and realize conditions that facilitate and/or hinder their development. Seven academic administrators involved in the organization and planning of these strategies collaborated in this research. The results revealed that the main strategies used are lectures, seminars and workshops; and that only one of the institutions uses activities mediated by information and communication technologies such as teleducation. The interviewees mentioned that the universities have difficulties in establishing and strengthening pedagogical advisory groups to bring together teachers and staff to address teaching practice issues, given the specificities of the institution. In fact, little was mentioned about organizing and enhancing internal groups for this purpose, which may suggest that they are not relying on specialized researchers or sufficiently considering the literature and experiences in this field. At the end, we point out that further studies could provide more insight into the impasses and their conditioning factors, thus, could help in the development of organizational and programmatic alternatives or innovations to improve teaching and learning processes in Brazilian higher education.

Keywords: lectures, seminars, workshops, teletraining.

RESUMEN. : En este estudio buscamos comprender el proceso de definición de las principales estrategias desarrolladas por los movimientos de formación pedagógica en cinco universidades públicas de Brasil. En concreto, pretendemos saber cómo ocurre la articulación de la pedagogía universitaria con las diferentes áreas del conocimiento, describir las estrategias desarrolladas y percibir las condiciones que facilitan y / o dificultan su emprendimiento. La investigación contó con la colaboración de siete gestores que participaban en la organización y planificación de esas estrategias. Los resultados revelaron que: las principales estrategias utilizadas son conferencias, seminarios y talleres; sólo una de las instituciones utiliza actividades mediadas por tecnologías, como la teleformación; las universidades evidenciaron dificultades para constituir y fortalecer grupos que congreguen docentes y técnicos para el enfrentamiento de cuestiones de la práctica de enseñanza, en vista de las especificidades de la institución; poco se mencionó sobre organizar y valorar grupos internos con este objetivo, lo que permite suponer que no estén contando con investigadores especializados o considerando suficientemente la literatura y las experiencias de este ámbito. Al final, apuntamos que nuevos estudios podrían profundizar el conocimiento sobre los impasses y sus condicionantes, así, auxiliar en el desarrollo de alternativas, innovaciones organizacionales y programáticas para mejorar los procesos de enseñanza y aprender en la educación superior brasileña.

Palabras-clave: conferencias, seminários, talleres, teleformaciones.

Introdução

As discussões acerca da formação docente evoluíram nos últimos anos no sentido de superar a dicotomia entre formação inicial e formação continuada. Estudos como os de Marcelo (2009) aprofundam o conceito de ‘desenvolvimento profissional’, fornecendo interessantes subsídios para investigações e propostas de formação pedagógica dos professores. Nesse sentido, formação inicial, formação continuada e formação desenvolvida no local de trabalho ou fora dele fazem parte de um processo que não pode ser fragmentado.

Os professores que atuam no nível superior também precisam assumir a incompletude da sua formação pedagógica, da sua formação para o ensino, contrariando, inclusive, o exposto no Artigo 66 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, tão criticado em muitos estudos por mencionar apenas os programas de pós-graduação para a formação do professor de magistério superior, “[...] prioritariamente em programas de mestrado e doutorado” (Lei n. 9.394, 1996). Desponta, neste caso, a pedagogia universitária “[...] como um espaço de conhecimento orientado para a compreensão dos processos de formação que se dão na universidade” (Lucarelli, 2012, p. 141).

De outra parte, importa considerar que o Plano Nacional de Educação (PNE) (Lei n. 13.005, 2014), ao reforçar na Meta 12 o compromisso de continuar ampliando o ingresso neste nível de ensino, implica igualmente a Estratégia 5, “[...] ampliar as políticas de inclusão e de assistência estudantil dirigidas aos (às) estudantes de instituições públicas [...]”, de modo a “[...] reduzir as desigualdades étnico-raciais e ampliar as taxas de acesso e permanência na educação superior [...]” (Lei n. 13.005, 2014). O Plano reafirma o compromisso desencadeado na última década através de políticas nacionais, como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI e o Programa de Expansão das Universidades, para além da expansão da educação superior, a democratização do acesso e a democratização do conhecimento (Decreto n. 6.096, 2007).

Com tais políticas públicas, tornam-se mais complexos os processos de ensinar e aprender na universidade. Os docentes são desafiados a lidar na sua prática pedagógica com um perfil mais diferenciado de estudantes, incluindo os que até então não alcançavam esse nível de ensino.

Diante dessa realidade, muitas universidades buscaram ampliar os espaços para a discussão dos processos de organização do ensino, dos currículos e da aprendizagem dos estudantes e dos novos e antigos professores. Coordenadorias, núcleos e programas voltados ao desenvolvimento profissional docente, centrados nas questões pedagógicas, tomaram vulto em muitas Instituições Federais de Educação Superior (IFES) nos últimos anos. No bojo desse movimento, são definidas as estratégias institucionais para favorecer o desenvolvimento profissional, como palestras, cursos e oficinas.

Estratégias são “[...] um processo regulável, sujeito a certas regras que asseguram certa tomada de decisões em função do momento e da situação” (Ruiz, 2007, p. 35). Essa concepção nos remete a refletir sobre as características dos contextos em que as ações de formação se organizam e se sistematizam.

No presente estudo, não buscamos apenas identificar as estratégias adotadas nesse movimento de desenvolvimento profissional docente, mas também as ações e condições anteriores que conduziram ao seu delineamento. Pretendemos desvelar as questões determinantes que levam a priorizar as estratégias mais empreendidas nas universidades federais pesquisadas: trazer à tona questões suscitadas pelo fato de que algumas estratégias já conhecidas não são em geral colocadas em prática. Em face disso, objetivamos compreender o processo de definição das principais estratégias constantes das propostas de formação pedagógica em cinco universidades públicas do Brasil. Especificamente, buscamos saber como ocorre a articulação das coordenadorias, núcleos e programas com as diferentes áreas do conhecimento, descrever as estratégias desenvolvidas pelas instituições e perceber as condições que facilitam e/ou dificultam o empreendimento de distintos modelos de estratégias.

O estudo está dividido em cinco partes. Primeiramente, é apresentada a literatura atual sobre as principais estratégias de formação docente. A seguir, explicamos os caminhos metodológicos utilizados para abordar as cinco universidades que fizeram parte do estudo. Os resultados são divididos em dois focos distintos e complementares, nos quais, inicialmente, apresentamos as ações e condições preliminares que teriam contribuído para a definição das estratégias e, depois, a descrição das estratégias. Por fim, as considerações finais, com uma síntese em similaridades e diferenças encontradas neste estudo e um comentário que poderá interessar a pesquisadores e ao planejamento de inovações organizacionais e programáticas para melhorar os processos de ensinar e aprender na educação superior brasileira.

Estratégias de formação docente: possibilidades e processos de construção

O contexto social, histórico e cultural em que se situa determinada instituição relaciona-se diretamente com o trabalho acadêmico, interferindo nas diferentes práticas universitárias, inclusive nas práticas pedagógicas (Nepomneschi, 2000). Portanto, conhecer esse contexto e tentar compreendê-lo é tarefa inerente a qualquer processo de desenvolvimento profissional docente. Há que se considerar que as questões culturais e sociais estão em permanente mudança e se alteram conforme muitos fatores, não constituindo realidades imutáveis. Sem essa disposição de conhecer as diferentes realidades, as propostas de formação em qualquer universidade e em qualquer programa podem ficar limitadas, pois além do que se tem conhecimento como geral e comum à docência, cada instituição impõe seus próprios obstáculos, desafios, possibilidades e condições facilitadoras.

Pimenta e Anastasiou (2010, p. 122) também colocam o “[...] conhecimento da realidade institucional [...]” como condição para o desenvolvimento da pedagogia universitária. Sugerem proceder “[...] um diagnóstico dos problemas presentes na realidade em questão, os quais serão considerados como ponto de partida da discussão coletiva da proposta a ser posta em ação”. Portanto, qualquer iniciativa que se preocupe com o desenvolvimento profissional dos professores deve ter uma de suas preocupações centrais no conhecimento da realidade. Estratégias inovadoras de ensino e aprendizagem não são garantia de sucesso na prática pedagógica. Um dos motivos pode ser o desconhecimento da realidade da instituição e do contexto de seus alunos.

Contudo, conhecer a realidade institucional é uma tarefa complexa tanto para os docentes quanto para os demais profissionais que nela se envolvem. Como tal, dificilmente se realizará bem através de breves diálogos e observações, pois a realidade se revela em ações e atos tácitos, que nem sempre são explícitos e compreendidos imediatamente. Muitas vezes requer dos agentes que coordenam esses movimentos e também dos professores um tempo de observação dessa instituição e de seus alunos. O acompanhamento do cotidiano dos docentes no interior dos departamentos e cursos tem sido valiosa possibilidade de apreender esta realidade, mas requer ‘tempo’.

O tempo é elemento importante a ser considerando em qualquer processo de formação, tornando-se aliado das atividades desenvolvidas pelos agentes coordenadores. O diagnóstico dos problemas e desafios da prática pedagógica demanda tempo. Como escrevem Pimenta e Anastasiou (2010, p. 110), “[...] um processo de preparação pedagógica deve estabelecer objetivo, etapas, encaminhamentos, ao longo de um tempo preestabelecido, em relação aos problemas diagnosticados e transformados em metas”.

Corrobora com essa discussão Hevia (2000), ao apresentar as diferentes modalidades em que atua o assessor pedagógico, mas que podem ser generalizadas para os demais agentes que coordenam as propostas pedagógicas. Na concepção de Hevia (2000), as tendências de formação do docente universitário se dividem em duas modalidades, que denomina de ‘explícitas’ e ‘incidentais’. As modalidades explícitas compreendem os tipos ‘formais’ (programas formais) e ‘informais’ (cursos, oficinas). Já as modalidades incidentais referem-se aos tipos de formação que se voltam para o “[...] apoio pedagógico aos departamento/cursos e aos docentes [...]” e a “[...] promoção e o desenvolvimento de inovações” (Hevia, 2000, p. 103).

O que caracteriza os tipos de formação informais, como os cursos e oficinas, são as ‘demandas pontuais’ e a ‘duração breve’, porque não requerem sistematização dos conteúdos a serem abordados. São problemas específicos e desafios pontuais determinados pelos mais diversos setores da universidade. Para Hevia (2000, p. 104), esses momentos de formação merecem um olhar especial por parte do assessor pedagógico, considerando que “[...] em muitos casos são um primeiro passo na formação sistemática que oferecem os programas formais e geralmente representam a possibilidade de consolidação destes”. A autora reforça essa relação entre os tipos de formação, informais e formais, sinalizando a possibilidade de maior sistematização e organização dos conteúdos, que farão parte do processo formativo e que constituem alternativa para ampliação do marco teórico. O que caracteriza os programas formais é seu ‘caráter sistemático e integral’ além de ‘ampla duração’, possibilitando o aprofundamento de concepções teóricas face aos problemas dos contextos específicos e sua reinterpretação.

Os programas formais configuram-se como um dos tipos de formação do professor universitário e sendo assim uma das muitas dimensões da atuação dos agentes coordenadores. Hevia (2000, p. 104) argumenta que os momentos mais individualizados, implícitos da assessoria, merecem destaque, e que “[...] o apoio pedagógico aos departamentos ou cursos tem como finalidade primária contribuir para o melhoramento do processo educativo [...]”, que é o principal objetivo de qualquer iniciativa de formação.

Outra importante consideração refere-se ao tempo para encontrar possibilidades de transformar o apoio pedagógico incidental em apoio explícito, que seja sistematizado e ocorra através dos programas ou coordenadorias. Muitas práticas pedagógicas inovadoras não são problematizadas e socializadas por falta de tempo para que sejam discutidas. O gestor também pode procurar professores que estejam desenvolvendo essas práticas e dar-lhes notoriedade, com possibilidade de reflexão aos demais colegas. Contudo, isso requer investimento de tempo e esforços objetivos.

As estratégias podem ser individuais ou coletivas. Como coloca Ruiz (2007), as estratégias são escolhidas pelos agentes pedagógicos, técnicos ou demais responsáveis por esses programas juntamente com os professores. Tal escolha depende da situação e deve ser acordada com os professores.

Muitas vezes os docentes podem procurar os núcleos ou programas motivados por dificuldades específicas ligadas a uma situação de sua prática pedagógica. Nesses casos, as estratégias individuais têm muita relevância. A partir dos estudos de Ruiz (2007), pode-se explicar algumas dessas estratégias individuais que desenvolvem esse sentido, como o portfólio, estudos de caso e teleformação.

O portfólio define-se por “[...] uma coleção de documentos que argumenta convincentemente que uma pessoa é competente ou tem progredido na sua formação como docente” (Ruiz, 2007, p. 48). Através da compilação e organização de documentos, como o planejamento do professor, a avaliação dos alunos e a reflexão de ambas as partes envolvidas nesse processo, o professor tem a oportunidade de analisar os aspectos de sua prática que podem levar ao melhoramento dos processos de ensino e aprendizagem.

Os estudos de caso possibilitam aos docentes, juntamente com os agentes coordenadores desses programas, que examinem de “[...] forma mais completa possível, situando no tempo e no espaço, um aspecto, uma questão, ou alguns acontecimentos” (Ruiz, 2007, p. 49). Ensejam ao professor descrever uma situação, compreender os fatores que dificultam o sucesso dos processos de ensino e aprendizagem e que ele altere o que lhe for possível. Em ambas estratégias - portfólio e estudo de caso - o distanciamento necessário para compreender e refletir sobre a própria prática costuma ser realizado com auxílio de um assessor ou entre pares.

Outra estratégia com a participação de agentes externos refere-se à teleformação, que inclui a possibilidade de assessoramento individual, através de diálogos entre o assessor e o professor por meio de ferramentas como correio eletrônico privado ou ambiente virtual. Será assessoramento coletivo através de chats ou ambientes de atividades colaborativas em que participem assessores ou agentes coordenadores e professores (Ruiz, 2007).

Proporcionar formação individual sobre aspectos específicos da prática pedagógica de um professor é importante preocupação dos movimentos de desenvolvimento profissional, mas nem sempre o suficiente para impactar positivamente na formação geral do aluno. Muitas vezes alguns problemas que parecem específicos têm, na verdade, relação com problemas mais amplos de determinado curso ou instituição. Melhores alternativas requerem mobilização mais ampla da comunidade acadêmica.

Essa análise se alia às discussões de Lucarelli (2000), para quem a construção da didática universitária específica tem efeito na articulação da prática pedagógica que se desenvolve no espaço micro (sala de aula) com as questões macro, referentes ao acordado nos cursos, aos objetivos do processo de desenvolvimento profissional docente e também ao que tem relação com outras instâncias da instituição na qual o curso está inserido. A autora destaca que a perspectiva institucional, sua história e seu presente têm real determinação na didática universitária.

Marcelo Garcia (1999, p. 139) assevera que o conceito de desenvolvimento profissional “[...] refere-se à possibilidade de superar a concepção individualista e celular das práticas habituais de formação permanente”. Assim, é importante alterar a dinâmica do trabalho, pois o desenvolvimento profissional, além de não ser previsível, dependendo da trajetória de cada docente, também é dependente das escolhas e das relações com os pares que o professor estabelece durante esse processo.

Ruiz (2007, p. 64) reforça essa perspectiva ao explicar que “[...] a constituição de equipes de trabalho é fundamental para se adentrar no institucional, para combater o trabalho isolado”. Destaca-se, assim, a dimensão institucional de qualquer assessoria ao docente. A consideração da visão do outro sobre os aspectos institucionais e sobre os conteúdos da formação que constituem área de conhecimento geram o processo de trabalho coletivo, superando o trabalho isolado. Atualmente, muitos estudos apontam o trabalho coletivo como de maior possibilidade para se fazerem os avanços pedagógicos e contribuir para a aprendizagem pela integração curricular.

Para repensar as alterações nos currículos dos cursos e na prática pedagógica de modo a atingir a formação dos alunos, desponta, como alternativa, a existência de espaços de discussão e reflexão que coloquem em foco as questões relativas ao ensino. Como já mencionado, o diálogo formativo não ocorre em pausas de reuniões burocráticas, nem em corredores ou intervalos de aula. Ao contrário, demanda tempo, disponibilidade dos envolvidos e lugar apropriado. Nesse contexto, a coordenação de grupos de trabalhos ganha conotação relevante. Equipes docentes devem discutir coletivamente metas bem definidas sobre o perfil de egresso que pretendem formar e sobre os principais objetivos do curso, para que os professores se movam em torno de um projeto que é construto coletivo e assim definam o papel que cabe a cada um não só na sua elaboração, mas no seu desenvolvimento.

Esses conhecimentos, quando se tornam propostas institucionais, são verdadeiros desafios para o docente que em sua história desenvolveu trabalhos isoladamente, individualmente. É frequente que um docente como tal contraponha-se à ideia de seu comprometimento com o processo formativo dos alunos, porque costuma limitar seu trabalho à sala de aula e tem a concepção de que basta a cada um desempenhar bem sua atividade. Contudo, sabemos que o compromisso com o projeto formativo dos alunos não se dá somente na sua execução em sala de aula, numa perspectiva de trabalho isolado. Sua execução e avaliação têm âmbito bem mais complexo. O trabalho em equipe pressupõe que se transite de professor de turma ou de grupo, a professor da instituição (Zabalza, 2004). Depreende-se que o desenvolvimento profissional do docente não se constrói em torno do grupo a que atende ou da disciplina que leciona, mas em torno do projeto formativo do qual faz parte.

Os argumentos, portanto, são de aliar estratégias individuais e coletivas nos processos de formação docente. Como exemplos de estratégias coletivas citam-se a investigação-ação e a oficina para análise da prática. A investigação-ação pode ser desenvolvida individualmente, ou com grupo misto de professores. As atividades que compõem essa estratégia fazem parte de um processo cíclico em que primeiramente as necessidades são identificadas, para depois o grupo escolher e planejar as melhores alternativas a partir dessas dificuldades. Posteriormente, é realizada a avaliação que pode identificar novas necessidades (Ruiz, 2007).

As oficinas para a análise da prática trazem a possibilidade de observação mútua. Nesse caso, a observação é ponto de partida para interrogar e analisar a prática. A participação dos alunos nessas estratégias também é condição interessante. Ruiz (2007, p. 51) aponta que os professores têm a possibilidade de serem avaliados pelos alunos “[...] através de um questionário em que eles reconhecem aqueles aspectos sobre o que eles consideram importante trabalhar”. A partir da análise desses questionários, os professores refletem sobre as alternativas para sua prática, em conjunto com outros colegas. Segundo Ruiz (2007), é primordial entre os professores de determinado curso ou departamento a colaboração entre os grupos. Essa estratégia é exemplo de processo de formação assessorado por colegas.

Encaminhamentos metodológicos

Empreender esforços numa pesquisa qualitativa nos permitiu definir estratégias e procedimentos, que levaram em consideração as experiências do ponto de vista dos informantes, tentando entender o sentido, o significado e os sentimentos que tais experiências provocaram e provocam para os sujeitos da pesquisa. Bogdan e Biklen (1994, p. 48) explicam que os investigadores qualitativos “[...] tentam analisar os dados em toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto possível, a forma em que estes foram registrados ou transcritos”. O principal desafio foi conduzir a pesquisa em cinco universidades sem desconsiderar que as instituições possuem realidades específicas e que, mesmo as universidades recém instituídas, já possuem uma história, uma cultura própria, uma identidade em construção.

Nessa perspectiva, optamos por desenvolver esta pesquisa através da estratégia de estudo de casos múltiplos. Yin (2010) esclarece que os estudos de caso representam a estratégia escolhida principalmente quando se colocam questões do tipo ‘como’ e ‘por que’. Para o autor, “[...] o estudo de caso não é uma tática para a coleta de dados nem meramente uma característica do planejamento em si, mas uma estratégia de pesquisa abrangente” (Yin, 2010, p. 33). Dentre as vantagens dos estudos de casos múltiplos, em relação a estudo de caso único, pode-se citar a possibilidade de reforçar os achados ou encontrar diferenças contrastantes entre os casos e suas variáveis. Esse processo é denominado de replicação, que pode ser literal ou teórica. Conforme Yin (2010, p. 78), “[...] cada caso deve ser selecionado cuidadosamente para que (a) possa predizer resultados similares (uma replicação literal), ou (b) possa produzir resultados contrastantes, mas para razões previsíveis (uma replicação teórica)”. Estes últimos auxiliam na complementação da estrutura teórica, tornando-se “[...] o veículo para a generalização de novos casos”.

A pesquisa realizou-se em cinco universidades públicas do Brasil, cada uma tratada como um caso. Quatro dessas instituições são mais antigas. A quinta foi implementada no bojo das políticas de expansão da educação superior entre os anos de 2006 e 2008 e se localiza em região de menor desenvolvimento econômico e educacional. Das quatro universidades consolidadas, uma está na capital do estado e as outras três em cidades do interior. De modo a preservar a identidade dos gestores que contribuíram com a pesquisa, os nomes da instituição e dos programas, núcleos ou coordenadorias foram preservados e são apresentados na Figura 1, da forma como faremos referência no texto.

Após um primeiro mapeamento dos documentos disponibilizados nos portais eletrônicos das universidades, localizamos os gestores responsáveis pelos programas institucionais de formação docente, convidados a contribuir com a pesquisa através de entrevista. Foram realizadas sete (7) entrevistas entre gestores, professores, pedagogos e técnicos responsáveis pela organização e planejamento das propostas de desenvolvimento profissional docente. Este instrumento possibilitou que os participantes da pesquisa explicassem o processo de definição das estratégias, de acordo com o Projeto de Pesquisa Nº 22225, aprovado pelo Comitê de Ética UFRGS. A Figura 1 apresenta as propostas identificadas em cada universidade.

Dos dados obtidos, foi possível definir categorias e subcategorias. Primeiramente, a relação unidades/cursos, que ocorre na reunião das esferas superiores e visita às unidades. A categoria ‘estratégias’ tem as subcategorias ‘oficinas, palestras/seminários’ e ‘teleformação’, que serão desenvolvidas a seguir.

Mapeamento das Universidades
Figura 1.
Mapeamento das Universidades

Fonte: Elaborado pelas autoras (maio /2017).

O processo de definição das estratégias: entendendo contextos e cenários

Ruiz (2007) define o termo ‘estratégia’ de assessoramento pedagógico como processo regulável que está sujeito a certas regras, considerando contextos, situações e momentos vivenciados pelos envolvidos nesse processo: agentes coordenadores, assessores e professores. Dessa forma, tão importante quanto olhar para as estratégias é olhar para o contexto, ações e condições que colaboram para sua definição, justificando as decisões por determinados modelos em detrimento de outros.

Uma dessas ações preliminares refere-se à articulação das propostas de desenvolvimento profissional com as unidades e cursos, onde estão lotados os docentes, porque denota o interesse na aproximação com esses espaços da instituição para o comprometimento com a formação. Como já demonstram estudos recentes, essa articulação tem especial importância para a aproximação com outras áreas do conhecimento no sentido de estabelecer diálogos, ouvir as demandas, condição importante que facilita o desenvolvimento de didáticas específicas (Lucarelli, 2000, 2012).

Ao considerar os contextos e as situações, observamos similaridades entre as universidades, nas ações preliminares que interferem na definição das estratégias e, nesse sentido, os gestores foram convidados a expor sobre a relação com as unidades/cursos. A partir dessa categoria, foi possível detectar em suas falas que as reuniões das esferas superiores são lócus privilegiados para se observar demandas e sensibilizar para questões acerca do ensino na relação com as questões do curso.

As articulações com a base organizacional também são estabelecidas através dos coordenadores de cursos, além de diretamente com as unidades acadêmicas. O gestor da U3 relata que “[...] no nosso caso aqui, é via coordenador de curso, via colegiado de curso, basicamente. São relacionamentos com as unidades acadêmicas, com as faculdades e com os cursos” (U3-Ea). No mesmo sentido, explica um colaborador da U4,

[...] nós temos, assim, uma vez por mês o nosso [...] comitê de graduação da [Universidade], já está instituído no nosso estatuto, [...] aí, uma vez por mês temos reuniões com todos os coordenadores de curso, tanto presencial como a distância. Nesta reunião, nós tratamos de assuntos diversos (U4-a).

Ainda na U4, durante essas reuniões há discussões sobre questões trazidas pelos coordenadores de cursos às quais o gestor busca tecer orientações, sendo que, dentre as temáticas, as questões pedagógicas são abordadas: “[...] abrimos também um momento para relatos, para que eles falem das suas angústias e também para que a gente fique sabendo o que é que está acontecendo nas coordenações de curso” [U4-Ea].

A U5, uma universidade multicampi, explica que as ações da coordenadoria também ocorrem a partir de núcleos presentes em cada campus. Como esses núcleos têm a atribuição de desempenhar essas atividades nos campi, o gestor diz que

[...] há um trabalho de gabinete muito próximo aos coordenadores acadêmicos; temos mensalmente reuniões com os coordenadores acadêmicos e sempre digo para essa equipe que eles são a [Pró-Reitoria de Graduação] no campus e que, consequentemente, o núcleo faz parte da coordenação acadêmica. [Assim], nós temos a presença da [coordenação acadêmica geral] também nos campus (U5-Ea).

Ressaltamos, no caso dessa universidade, a importância da interlocução com os coordenadores acadêmicos, que são os professores-gestores responsáveis pelos núcleos nos campi. Considerando que os docentes à frente dos núcleos são oriundos de diferentes áreas, ressalta-se o quão propícia para a construção das estratégias de formação pode ser a relação desta pró-reitoria com esses profissionais.

Na U2, o gestor entrevistado, que tinha a intenção de revitalizar o Programa 2, colocou que o momento era de sensibilização junto às unidades. A Pró-Reitoria de Graduação e uma equipe da área de educação na universidade estavam se dedicando à tarefa: “Conversamos com os dirigentes da unidade, marcando essas reuniões com coordenadores e chefes de departamento para convidar, porque é um convite [...] para elaborar o projeto” (U2-Ea).

Percebemos que a maioria dos pró-reitores das universidades respondentes aproveita o momento de reunião que congrega esferas superiores e gestores das unidades, faculdades, cursos e departamentos, para realizar orientações acerca do ensino universitário. Os gestores relatam esses momentos como tentativa de sensibilizar os demais dirigentes para essas atividades, reconhecendo-os como aliados desse processo (Feixas, 2004). Muito embora essas reuniões tenham outros assuntos em pauta, e as relações não sejam diretas com os programas, núcleos ou coordenadorias, percebemos que podem ser momentos privilegiados para observar e ouvir as preocupações dos professores e, assim, contemplá-las nas estratégias dos movimentos de desenvolvimento profissional docente.

Uma leitura das disposições hierárquicas das universidades, realizada por Zabalza (2004, p. 94), demonstra que “[...] nas universidades, principalmente nas grandes, as estruturas hierárquicas superiores encontram-se muito distanciadas das inferiores; [...] é praticamente inviável transferir as decisões assumidas como instituição a todos os seus membros”.

Essa estrutura condiz com a que se encontra nas universidades brasileiras. Nesse sentido, cabe o que diz Zabalza (2004) sobre a possibilidade da atuação dos ‘líderes intermediários’ para fazer com que as decisões não cheguem abruptamente nas instâncias hierarquicamente inferiores, posto que “[...] o papel dos que lideram as instâncias intermediárias (faculdades, departamentos, institutos, grupos de pesquisa) é fundamental na realização dessa integração institucional” (Zabalza, 2004, p. 94). Reside nas reuniões das esferas superiores essa possibilidade utilizada pelos gestores das U2, U3, U4 e U5.

Outra dimensão que emanou das falas dos respondentes na tentativa de articulação com unidades, cursos e departamentos refere-se a visitas às unidades que são realizadas para ouvir as demandas, na busca do alinhamento das preocupações dos docentes com as ações/estratégias das propostas. Ao serem confrontados com as diferentes realidades, situadas em determinado tempo e espaço, os conhecimentos pedagógicos se reconfiguram. Para Pimenta e Anastasiou (2010, p. 83), “[...] o retorno autêntico à Pedagogia ocorrerá se as ciências da educação deixarem de partir de saberes constituídos e começarem a tomar a prática dos formados como ponto de partida (e de chegada)”.

Como diz o respondente da U4,

[...] nós fomos às unidades, nos reunimos com os professores e a gente fez um levantamento [...] do que já tinha acontecido do programa. Complementa a técnica que a gente tenta fazer algo assim, que atinja diferentes unidades, as diferentes áreas do conhecimento [U4-Eb].

Na mesma perspectiva, outro gestor colabora:

[...] nós começamos a fazer reuniões com as unidades acadêmicas para sentir as suas demandas. Então sentimos, por exemplo, [...] que os professores ingressantes entre 2010 e 2014 sentem a falta de novas metodologias, de alguém que mostre como fazer uma aula, uma avaliação [U4-Ea].

As universidades que mais recentemente têm unidades fora de sede ainda estão articulando suas iniciativas: “Nós vamos fazer o [Programa 4] aqui e nos campi” [U4-Ea]. O gestor explica que as capacitações não foram realizadas porque ainda estão esperando a contratação do pessoal técnico que vai facilitar essa comunicação. Pretendem que as atividades do Programa 4 sejam realizadas “[...] e em cada campus nós vamos ter um pedagogo justamente para trabalhar junto aqui com a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, para fazer o acompanhamento acadêmico e também trabalhar com a gente [na] formação docente também” [U4-Ea].

Esse tipo de desafio já tem sido enfrentado pela U5, que nasceu multicampi. Refere-se a montar uma política de desenvolvimento profissional docente, considerando as especificidades das diferentes áreas do conhecimento que caracterizam o contexto institucional de cada campus. Nesse sentido, pensam os programas para o desenvolvimento profissional docente como núcleos, pois como reconhece um dos entrevistados: “[...] é evidente a lacuna [...] é evidente que a gente nunca vai dar conta da demanda local de cada um dos campi. Eu falo do dia-a-dia, do que cada campus está precisando discutir nesse momento, nesses cursos” (U5-Ea).

Como aponta Lucarelli (2012), os assessores e também os agentes coordenadores se constituem como profissionais na relação com essas áreas, construindo didáticas específicas. Para além das visitas in loco, a U5, por ter a característica descentralizada, preocupou-se em implantar os núcleos nos campi onde se revelam os desafios de construção desses espaços para que, como já foi dito por Cunha et al. (2010), se constituam em lugares de desenvolvimento profissional desses docentes: “A gente tem tentado pela coordenadoria essa construção de rede de parceria com os núcleos, é a reconfiguração do núcleo que impacta na coordenadoria, [...] e não mandar a política de apoio para que eles executem” (U5-Eb).

Nessa mesma dimensão, de visita às unidades, outro aspecto abordado nas entrevistas referiu-se às universidades que se expandiram recentemente para outros municípios. Em todas foi apontada a complexidade de operacionalizar as propostas fora da sede.

As estratégias

Quanto às estratégias adotadas pelos movimentos de desenvolvimento profissional docente, nas instituições que fizeram parte do estudo notamos que existem similaridades. Estratégias que requerem a atuação sistemática de profissionais externos, como ‘ciclos de estudos’ e ‘estudos de caso’ (Ruiz, 2007), não foram relatadas pelos entrevistados. Foi salientado que os técnicos e pedagogos que poderiam desempenhar tais funções não possuem preparo ou legitimidade perante os docentes para realizar as tarefas de assessoria. Quanto aos docentes experientes, por razões de tempo e comprometimento com outras atividades, a figura de professor mentor também foi pouco citada como possibilidade de contribuição.

Por outro lado, percebemos a participação dos professores experientes nas propostas de desenvolvimento profissional docente em quatro das universidades, na forma de palestras, seminários e oficinas. Nesse sentido, as propostas contam com a colaboração de professores da própria universidade ou professores externos. Os professores são convidados por experiência reconhecida no magistério superior, sejam ligados à área de Educação ou a outras áreas do conhecimento. Trazem consigo a legitimidade para falar aos colegas professores universitários, por estarem mais ligados às questões da prática pedagógica de determinada área do conhecimento, à pedagogia ou a alguma didática específica. São essas as funções que encontramos mais próximas à do professor mentor, que deveriam ocorrer com caráter de continuidade, mas, dessa forma, limitam-se ao momento das palestras e oficinas.

A U1 tentou investir recentemente no comprometimento dos cursos/departamentos, por meio de um professor que acompanharia o projeto desenvolvido pelos docentes iniciantes, a partir das atividades de um módulo do Programa 1. Essa proposta foi realizada em determinado ano e revisada, considerando a dificuldade de comprometimento dos professores experientes. Visava à maior integração entre ingressantes e os demais professores dos próprios departamentos: “Se tinha a ideia de que ele montava um projeto e que seria orientado. Mas... quem é que vai orientar esse professor?” (U1-Ea). Em que pese as possibilidades de atuação desse profissional, “[...] atuando como modelo e apresentando suas destrezas em classe” (Ruiz, 2007, p. 42) e assim auxiliando no desenvolvimento do professor novo, poucos professores experientes se dispuseram a essa atividade. Ficou em aberto a investigação das condições em que essa proposta foi experimentada, assim como os motivos da baixa adesão.

Portanto, as propostas de desenvolvimento profissional docente ocorrem nas universidades estudadas basicamente a partir de estratégias como oficinas ou palestras/seminários e apenas na U1 a ‘teleformação’ é utilizada.

Nessa Universidade, através das oficinas que costumam ocorrer, as unidades acadêmicas foram convidadas a apresentar suas propostas para o ensino de áreas específicas. Nas palavras do gestor,

[...] se transformou esse módulo em uma coleção de oficinas [...] se chama todas as unidades para ver o que têm a oferecer e tudo o mais que possam fazer [...] em função das suas disciplinas... [Mas] não é um programa que acontece antes dele [o professor] entrar ... Ele entrou na universidade, já está dando aula e está fazendo (U1-Ea).

Através da Plataforma Moodle, é realizado o acompanhamento das atividades pelos docentes que ministraram as oficinas do referido módulo. Assim sendo, a U1 foi a única que relatou utilizar a estratégia de assessoramento, classificada por Ruiz (2007) como teleformação.

Como as oficinas da U1 contam com a presença do professor voltado a pequenos grupos de docentes, “[...] que se dispõe a desenhar ambientes de aprendizagem e interação [...]”, essas estratégias se viabilizam e ganham forma nessa universidade (Ruiz, 2007, p. 55). Na U5, por exemplo, um dos projetos traz como possibilidade atividades que são postadas na plataforma Moodle e ficam a cargo dos técnicos dos núcleos. Contudo, tal estratégia não foi relatada nas falas dos entrevistados, nem constam em registros escritos as possíveis tentativas de implementação. Essa é uma técnica que requer a presença de um assessor e, talvez por isso, detectada apenas na U1 em que os docentes assumem esse papel (Ruiz, 2007).

Vale ressaltar, conforme estudos de Hevia (2000, p. 114), que as oficinas ocorrem a partir de demandas pontuais, o que as caracteriza como estratégias de “[...] modalidade explícita”. As oficinas não têm o mesmo caráter das oficinas para a análise da prática, apresentadas no estudo de Ruiz (2007), pois não ocorrem nos processos de ensino e aprendizagem em que os professores sejam avaliados por seus alunos e a partir da observação mútua dos pares. No caso de duas das universidades estudadas, as oficinas são grupos de trabalho focados em um assunto específico. No caso da U1, os docentes, após essas discussões, elaboram um Plano de Trabalho para ser desenvolvido em aula. Contudo, como revelam os entrevistados, no momento da aula o docente desenvolve as funções isoladamente.

Um entrevistado da U4 relata que os professores “[...] se engajam mais é nas atividades de oficina, onde os grupos são menores ou que têm temáticas mais próximas da prática. Nós tivemos uma oficina sobre gestão de sala de aula” (U4-Eb).

As oficinas também são utilizadas na U5, tendo como convidada uma professora externa para desenvolver curso de formação pedagógica para o programa institucional de desenvolvimento profissional. As atividades se desenvolveram nos campi e também serviram para a capacitação dos técnicos e pedagogos dos próprios núcleos. Conforme relato,

[...] esse curso foi focado em plano de ensino, [...] então, eles vão percebendo essa coisa metodológica, objetiva mesmo, didática. Vão percebendo que é um campo a ser conhecido, que é um campo a ser estudado. [Entendem] o que está posto atrás e então eles querem muito essa formação que é mais de fundo mesmo (U5-Eb).

Os seminários que congregavam os docentes de todos os campi foram temporariamente suspensos na U5 com a ideia de substituí-los por seminários reunindo cursos de áreas afins. Importa salientar que esses seminários coletivos não foram suspensos definitivamente, até porque estão previstos nos projetos que originaram a própria coordenadoria.

O investimento atual da gestão da U5 é na criação de estratégias que se relacionem mais diretamente à prática docente, podendo os seminários coletivos ser retomados posteriormente. O gestor explica que “[...] em função disso, no ano que passou, nós tomamos a decisão de não fazermos o seminário, mas estamos ofertando um curso de formação pedagógica nos campi” (U5-Ea). Outro respondente reitera que, considerando a organização multicampi dessa universidade, “[...] vai investir na descentralização, em polos, e tentar fazê-lo mais científico, em forma de produção mesmo” (U5-Eb).

A U3 investe em seminários/palestras. Momentos coletivos através de palestra foram relatados como estratégia produtiva pelo Pró-Reitor da U3. Na visão do gestor, a palestra possibilitou contato com professores de instituições de fora do Brasil: “A palestra dela foi muito boa. [...], foi para a equipe nossa, daqui, para professores e para estudantes da pós-graduação. Foi sobre Pedagogia Universitária. Eu venho tentando até estabelecer alguma forma de contato permanente” (U3-Ea).

O Programa da U4 também realiza muitas atividades de formação através de palestras. Conforme traz o interlocutor, pode ser “[...] uma palestra específica que o professor até nos sugere e a gente ajuda a trazer essa pessoa. Então, a gente também faz essas parcerias” (U4-Eb). Na U5, o desafio é fazer com que os núcleos passem a propor estratégias relevantes aos campi.

Verificamos que as cinco universidades que fizeram parte do estudo têm ou tiveram recentemente professores da área da educação ou professores que demonstram sucesso no desenvolvimento de aulas em áreas específicas como colaboradores das propostas de desenvolvimento profissional docente, no processo de planejamento e na execução das estratégias. Conforme Vieira (2013, p. 150), “[...] o papel dos docentes da área da Educação pode ser especialmente importante por deterem um conhecimento educacional especializado, podendo assumir funções de assessoria pedagógica”. Esses profissionais ministram as oficinas e palestras na U1, U3, U4 e na U5. Na U1, as técnicas contam com a colaboração dos docentes da área de Educação para ministrar as oficinas do ‘módulo pedagógico’ do Programa.

Igualmente na U3, o gestor afirma que “[...] a [área de Educação] tem contribuído muito nesta gestão [...]” e informa que uma professora vai inclusive apresentar projeto de ação para a universidade pensar a área de Pedagogia Universitária. Professores externos desenvolveram palestras.

Como coloca outro entrevistado: “Em geral conta-se com a participação de outras pessoas, da própria instituição ou de outras instituições para dar conta das atividades, assim, para nos auxiliar nisso” (U4-Eb). A U5 também aciona professores internos e externos para dar conta das atividades dos programas e, na U2, embora as atividades no momento da entrevista estivessem em processo de planejamento, no próprio planejamento os professores da área da educação contribuíam com a proposta.

Similaridades, diferenças e considerações finais

Ao final deste estudo é oportuno retomarmos as considerações de Yin (2010) sobre os estudos de casos múltiplos na tentativa de refletir sobre o que foi possível apreender nas análises feitas e sobre replicações literais e teóricas.

As estratégias utilizadas pelas universidades estudadas para o desenvolvimento profissional de seus professores evidenciam certas similaridades entre os casos estudados e, interessante notar, algumas divergências em relação aos estudos de Ruiz (2007), em que se ocupou da caracterização das estratégias utilizadas no processo de desenvolvimento profissional. Diferentemente do que aponta a autora, as oficinas de formação pedagógica não envolvem os processos que ocorrem durante a prática pedagógica, tampouco os pares e os discentes, no sentido de criar grupos de estudo no processo de implementação de novas práticas. Nos casos das U1, U4 e U5, as oficinas relacionam-se com a área de conhecimento dos docentes e ganham caráter pontual, organizadas formalmente, como coloca Hevia (2000).

Percebemos que na Universidade 3 o processo de relação com unidades era restrito ao relacionamento destas com as esferas superiores, da reitoria com os diretores de faculdades/unidades. Não foram mencionados, em nenhum momento, visitas ou contato mais direto com professores nas/das unidades acadêmicas. Em consequência, nessa universidade as estratégias são mais esparsas e ficam apenas concentradas em alguns seminários.

Quanto mais estreita a relação com os professores em áreas específicas, mais demandas se apresentam e se passa a atender a essas demandas, ficando as oficinas como alternativa destinada a grupos menores e com temáticas pontuais. No entanto, as oficinas carecem de acompanhamento e intervenção sistemática nas ressignificações ‘da’ e ‘para a’ prática pedagógica.

Uma das replicações literais é que se torna mais fácil operacionalizar propostas pontuais e de um só turno de palestras ou oficinas. Um acompanhamento mais diário requer profissionais preparados e dispostos a tal.

As diferenças contrastantes entre os casos estudados foram observadas na U1. Contrariamente às demais, a relação com as faculdades e departamentos apresenta-se de forma mais consolidada. Pouco é mencionado acerca da relação com as esferas superiores como determinante para a definição das estratégias. Os professores das diferentes áreas do conhecimento assumem conjuntamente os processos de formação, orientando novos docentes nos processos de teleformação, estratégia mencionada apenas nessa instituição, além de seminários/palestras e oficinas.

Apontamos que uma das justificativas coincide com estudo de Cunha (2014), ao demonstrar o amadorismo recorrente característico das ações institucionais pertinentes aos processos de formação continuada dos docentes de Ensino Superior. Assim, são ainda incipientes as “[...] iniciativas fundamentadas em reflexões teóricas sobre o sentido da formação, suas condições relacionadas a um adulto que aprende no contexto do trabalho” (Cunha, 2014, p. 38).

Os entrevistados responsáveis pela organização dessas atividades mencionaram que as discussões sobre as possibilidades de atuação nas diferentes áreas são ganhos inerentes a essa dinâmica. Essa compreensão é importante para o desenvolvimento das didáticas específicas, como bem coloca Lucarelli (2007). Contudo, no geral, essa relação cessa no desenvolvimento das estratégias, pois nenhuma ação de acompanhamento posterior dessas atividades foi relatada. As universidades demonstram dificuldades para o fortalecimento de grupos de assessoria interna que tencionem as questões da prática com as especificidades de cada universidade, de cada centro, unidades ou campus, uma replicação literal que merece ser aprofundada em prol do desenvolvimento profissional do docente universitário.

Os entrevistados não mencionaram sobre organizar e valorizar grupos internos com esse objetivo, o que permite supor que não estejam contando com pesquisadores especializados ou considerando suficientemente a literatura e experiências desse escopo. Nesse sentido, importa chamar a atenção de que, sem a construção desses momentos de estudo, é possível que as estratégias existentes não sejam reconfiguradas, assim como o empreendimento de novos modelos oriundos das estratégias incidentais que compreendem as demandas específicas dos cursos, como traz Hevia (2000). Ademais, reflexões que possibilitem a articulação dos conhecimentos teóricos com as vicissitudes da prática, além de favorecem o desenvolvimento profissional docente também contribuem para o desenvolvimento da área da pedagogia universitária.

Ao final, apontamos que novos estudos realizados em grupos de pesquisa da área de Educação e em linhas específicas dos programas de pós-graduação poderiam aprofundar o conhecimento sobre impasses e condicionantes desses movimentos e assim auxiliar no desenvolvimento de alternativas, inovações organizacionais e programáticas para melhorar os processos de ensinar e aprender na educação superior brasileira. Esta é, por certo, uma temática ainda carente de estudos e se agrava face às novas políticas e demandas atuais de democratização da educação.

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Autor notes

INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES Paula Trindade da Silva Selbach: Professora Adjunta II na Universidade Federal do Pampa, atua nos componentes curriculares Didática e Políticas Públicas. É professora permanente do Mestrado Profissional em Educação na mesma instituição. Pesquisa na área de Gestão e Políticas Públicas do Desenvolvimento Profissional Docente no âmbito da Educação Superior e Educação Básica da Universidade Federal do Pampa. Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2015). E-mail: paulatrinds@gmail.com ORCID. https://orcid.org/0000-0003-2232-4156 Maria Beatriz Luce: Professora Titular de Política e Gestão da Educação e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mediante convênio da UFRGS com a Unipampa, é também docente permanente do Mestrado Profissional em Educação da Universidade Federal do Pampa. Ph.D. em Educação pela Michigan State University, EUA (1979). E-mail: lucemb@ufrgs.br ORCID. https://orcid.org/0000-0003-1842-164X NOTA: As autoras Paula Trindade da Silva Selbach e Maria Beatriz Luce foram igualmente responsáveis pela elaboração do projeto de pesquisa, concepção, análise, interpretação dos dados; redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito e, ainda, aprovação da versão final a ser publicada.
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