Artigo
Características organizacionais que influenciam o uso (ou não uso) do orçamento em indústrias catarinenses1
Organizational characteristics that influence the use (or non-use) of the budget in santa catarina's industries
Características organizacionais que influenciam o uso (ou não uso) do orçamento em indústrias catarinenses1
Enfoque: Reflexão Contábil, vol. 41, núm. 1, pp. 59-75, 2022
Universidade Estadual de Maringá
Recepção: 05 Abril 2020
Revised document received: 03 Junho 2020
Aprovação: 14 Julho 2020
RESUMO: O estudo tem por objetivo identificar características organizacionais que influenciam a utilização (ou não) do orçamento em indústrias catarinenses. A amostra é composta por 295 indústrias catarinenses, das quais, 258 declararam utilizar o orçamento e 37, que não utilizam. As variáveis analisadas foram ambiente de crise econômica, incerteza ambiental, estratégia, ciclo de vida e tamanho. Como técnica estatísticas empregou-se a análise de frequências e a regressão logística binomial. A partir dos resultados verificou-se que as características organizacionais que influenciam a adoção do orçamento são o tamanho da indústria, considerando a receita bruta operacional e a incerteza ambiental. Já no que diz respeito a adoção da estratégia de custos, a mesma tende a ser utilizada pelas indústrias que não usam o orçamento. Vale ressaltar que no contexto analisado, o orçamento continua sendo uma importante ferramenta utilizada. Por outro lado, as indústrias que não utilizam o orçamento, são indústrias de menor porte e, de acordo com as declarações dos respondentes, as razões de não uso decorrem da falta de recursos humanos, tecnológicos e financeiros para sua adoção. Sendo assim, no contexto das indústrias catarinenses, as razões de não uso do orçamento se relacionam com fatores contingenciais e não por considerarem o orçamento como uma ferramenta inadequada para o contexto em que estão inseridas.
Palavras-chave: Orçamento, Não Orçamento, Beyond Budgeting, Sistema de Controle Gerencial, Características Organizacionais.
ABSTRACT: The study aims to identify organizational characteristics that influence the budget utilization (or not) in Santa Catarina's industries. The sample is made up of 295 industries in Santa Catarina, of which 258 declared using the budget and 37, which they do not use. The analyzed variables were environment of economic crisis, environmental uncertainty, strategy, life cycle and size. As statistical technique, frequency analysis and binomial logistic regression were used. From the results it was verified that the organizational characteristics that influence the adoption of the budget are the size of the industry, considering the gross operating revenue and the environmental uncertainty. As far as the adoption of the cost strategy is concerned, it tends to be used by industries that do not use the budget. It is noteworthy that in the analyzed context, the budget continues being an important tool used. On the other hand, industries that do not use the budget are smaller industries and, according to the respondents' statements, the reasons for non-use are due to a lack of human, technological and financial resources for their adoption. Thus, in the context of the industries of Santa Catarina, the reasons for not using the budget are related to contingency factors and not considering the budget as an inadequate tool for the context in which they are inserted.
Keywords: Budget, No Budget, Beyond Budgeting, Management Control System, Organizational Characteristics.
1 INTRODUÇÃO
O uso do orçamento nas organizações impulsiona a gestão a traçar um planejamento futuro, metas e objetivos. Além disso, o orçamento contribui por possibilitar um direcionamento organizacional à prevenção e solução de problemas, à elaboração de políticas futuras e melhoria da tomada de decisões. Deve-se considerar que o orçamento é uma ferramenta gerencial aplicável a diversas áreas da organização (departamentos, fábrica, divisões), bem como, nas atividades organizacionais (vendas, produção, pesquisa, compras) (HANSEN e MOWEN, 2001).
Nesse sentido, Anthony e Govindarajan (2002) consideram que o orçamento é um plano gerencial cuja hipótese implícita é de que, com base em suas informações, os gestores podem tomar decisões positivas para obtenção de metas e resultados. Os autores ainda ressaltam que o orçamento auxilia o planejamento, a coordenação das atividades organizacionais, a definição das responsabilidades dos gestores, a limitação de gastos, a determinação do desempenho organizacional e a avaliação do desempenho dos executivos.
Por mais que diversos estudos indiquem que o orçamento é a ferramenta de gestão mais disseminada entre os pesquisadores e praticantes (por exemplo, Libby e Lindsay (2010) e Østergren e Stensaker (2011)), nos últimos anos sua prática tem sido questionada e abordagens alternativas para controle de gestão, como o Beyond Budgeting, têm ganhado destaque. Nesse sentido, estudos sugerem que as organizações devem abandonar o orçamento tradicional como opção para otimizar os processos de planejamento e controle de desempenho (ØSTERGREN e STENSAKER, 2011; BBRT, 2017).
Para compreender o conceito de Beyond Budgeting é relevante salientar que muitos de seus defensores estão congregados no Beyond Budgeting Round Table (BBRT), grupo que surgiu na Europa no final da década de 1990 e constitui-se de um fórum no qual são discutidos questões como os custos com o processo orçamentário tradicional e sua utilização como instrumento de avaliação de desempenho individual. Tais questionamentos remetem à busca de alternativas de planejamento e gestão, que incluem o abandono do orçamento. Sendo assim, de acordo como o BBRT (2017), Beyond Budgeting é um modelo de gerenciamento mais adaptável que instiga os gestores a repensarem a forma como administram as organizações em um mundo pós-industrial, para o qual os modelos de gestão inovadores representam a única vantagem competitiva sustentável. Ainda, trata de liberar as pessoas da burocracia e dos sistemas de controle sufocantes, confiando mais nas informações, indo “além do orçamento” tradicional (BBRT, 2017).
Quanto ao uso (ou não uso) do orçamento, é relevante destacar que fatores do ambiente (externo e interno) podem influenciar tal opção. Nesse sentido, estudos têm destacado que características organizacionais como a incerteza ambiental, a postura estratégia, o estágio de ciclo de vida, o tamanho da organização e as incertezas decorrentes de crises econômicas são importantes variáveis que devem ser analisadas no contexto do uso do orçamento nas organizações (JANKE, MAHLENDORF e WEBER, 2014; BECKER, MAHLENDORF e SCHÄFFER et al., 2016).
Por sua vez Hope e Fraser (2003), ao criticarem o uso do orçamento, mencionam que o processo orçamentário é desgastante, custoso, adiciona pouco valor aos usuários, é desconexo com o ambiente competitivo e sua informação econômica facilita o comportamento disfuncional e não ético. Também frisam que em mãos erradas, os contratos acabam proporcionando resultados indesejáveis em todos os níveis da empresa. Por isso, muitas vezes o problema não está relacionado com o processo orçamentário, mas sim, ao seu uso por pessoas incapacitadas. O que chama a atenção é que Hope e Fraser (2003) fazem uma analogia do processo orçamentário com um vírus, por acreditarem que o mesmo traz consequências prejudiciais para a organização.
Por outro lado, Sandalgaard e Bukh (2014) expressam dúvidas sobre o Beyond Budgeting e fazem o seguinte questionamento em relação ao uso do orçamento, criticado por Hope e Fraser (2003): se os orçamentos são inadequados para o ambiente de negócios, por que ainda são amplamente utilizados atualmente? Nesse mesmo sentido, Libby e Lindsay (2007) aduzem que, mesmo havendo críticas ao orçamento tradicional, as mesmas estão longe de serem e se tornarem universais.
Considerando as críticas e dúvidas relacionadas à utilização do orçamento tradicional, usando inclusiveo Beyond Budgeting como uma das críticas ao orçamento tradicional, o estudo busca preencher a lacuna de pesquisa no que tange as características organizacionais que determinam um ou outro tipo de opção por parte das organizações. Diversos pesquisadores têm se dedicado ao tema, contudo nenhum realizou uma análise das características das empresas que utilizam o orçamento tradicional, comparativamente àquelas que não utilizam. Oliveira (2018) comenta que, mesmo que existam diversos tipos de orçamento e que o seu uso traga diversos benefícios às empresas, algumas empresas podem apresentar limitações que decorrem da falta de cultura orçamentária da empresa, inflexibilidade e ajustes demorados, além de custo de implementação e operacionalização e por conta disso, acabam não utilizando o orçamento. Para tanto, entende-se que é interessante olhar também para essas empresas e compará-las as que utilizam, identificando características que possam interferir, influenciar.
Por mais que estudos nacionais relacionados ao orçamento (ver por exemplo: Leite (2008), Frezatti et al. (2010), Chagas e Araújo (2013), bem como, Panosso et al. (2017)) tenham comentado sobre empresas que não usam essa ferramenta, o foco de tais pesquisas tem sido somente o uso do orçamento, o que indica uma lacuna de pesquisa que merece investigação. Decorrente disso o estudo centra atenção na seguinte questão de pesquisa: quais características organizacionais influenciam a utilização (ou não) do orçamento? Com vistas a responder essa questão, tem-se por objetivo identificar características organizacionais que influenciam a utilização (ou não) do orçamento em indústrias catarinenses.
O estudo justifica-se por observar o uso (ou não uso) do orçamento em um contexto específico. Embora não seja possível afirmar que as empresas investigadas que não usam o orçamento o tenham abandonado, a pesquisa fornece evidências sobre as razões para o seu uso (ou não uso) a partir de fatores que ampliam o entendimento sobre a prática orçamentária nas indústrias catarinenses.
A escolha do setor industrial está pautada em Miller e O’Leary (2007), Messner (2016) e Bromwich e Scapens (2016). Miller e O’Leary (2007) além de considerarem importante investigar um único setor econômico, aduziram que o setor industrial tem comportamento distinto, em relação as decisões de orçamento no curto, médio ou longo prazo. Messner (2016) destaca a necessidade de pesquisas relacionadas às práticas adotadas na gestão, especialmente no que se refere ao orçamento, em empresas do setor industrial. Bromwich e Scapens (2016) afirmam que o setor industrial, por receber pouca atenção dos pesquisadores, constitui-se uma oportunidade para estudar os efeitos gerenciais do orçamento.
Ao focalizar uma única região geográfica o estudo minimiza as diferenças culturais existentes entre as diversas regiões brasileiras que podem, em certa medida, influenciar o perfil dos gestores, principalmente nas pequenas e médias empresas. A escolha do Estado de Santa Catarina como amostra justifica-se pela diversificação de seu polo industrial (FIESC, 2016) e por ser o segundo Estado brasileiro cuja indústria detém o maior percentual de participação no Produto Interno Bruto.
A pesquisa avança por centrar atenção especificamente nas características organizacionais que podem influenciar o uso ou o não uso do orçamento, diferenciando-se em decorrência dos fatores analisados (ambiente, incertezas ambientais, estratégia, ciclo de vida e tamanho). Contribui para a literatura da área ao ampliar o entendimento do porquê determinado fator se aproxima mais de um ou outro (uso/não uso). Além disso, em um contexto de questionamentos sobre a contemporaneidade do orçamento, contribui por apresentar um diagnóstico da preferência dos gestores das indústrias catarinenses. A relevância teórica também decorre da expansão dos achados sobre o orçamento e o não uso do orçamento em empresas brasileiras, especificamente indústrias, analisando características que podem explicar o uso ou não o orçamento em sua gestão.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 ORÇAMENTO
O orçamento é considerado uma ferramenta gerencial importante para auxiliar as organizações na definição e na realização dos objetivos organizacionais, por meio de planejamento, controle, alocação de recursos, orientação, direcionamento e coordenação das atividades, comunicação de objetivos e avaliação de desempenho gerencial. Além disso, Warren, Reeve e Fess (2006) salientam que o uso do orçamento auxilia o estabelecimento de metas específicas, a execução de planos para o atingimento dessas metas, bem como, a comparação dos resultados com o planejado. Por meio do orçamento, as organizações conseguem traçar um percurso, formando seus planos para auxiliar a operacionalização das atividades e tomar decisões durante determinado período, visando a redução de resultados negativos e aumento dos positivos (WARREN, REEVE e FESS 2006).
De acordo com Padoveze e Taranto (2009), o orçamento é um processo formal de planejamento e pode ser considerado uma das ferramentas mais importantes de controladoria e contabilidade gerencial, em que o controller e os demais gestores devem se atentar e despender tempo e foco para sua elaboração e seu acompanhamento, tendo em vistas seus reflexos na gestão.
O processo orçamentário pode ser elaborado de duas formas: bottom-up (de baixo para cima) ou top-down (de cima para baixo), sendo que na perspectiva bottom-up o mesmo é proposto pelas áreas e avaliado e validado pela alta administração e, por outro lado, na perspectiva top-down, é definido a partir das decisões da direção da empresa (FREZATTI et al., 2013). Nesse mesmo sentido, Frezatti et al. (2014) preconizam que o top-down inibe a participação dos colaboradores das mais diversas áreas, mesmo que responsáveis pelo processo orçamentário, devido ao fato de que as metas acabam sendo impostas sem discussão ou negociação prévia.
Segundo Sivabalan, Booth e Malmi et al. (2009), o orçamento pode ser considerado um dos controles financeiros formais que representam uma expectativa financeira aos gestores como um todo na organização. Também pode ser utilizado para o monitoramento, progresso e desempenho organizacional (SIVABALAN, BOOTH e MALMI et al., 2009).
Na mesma perspectiva, Laitinen, Länsiluoto e Salonen (2016) apontam que o orçamento pode ser utilizado de maneira diferenciada, visando melhorar o desempenho organizacional. Além do mais, em períodos nos quais o ambiente sofrer mais oscilações, o orçamento auxilia a gestão no processo decisório reduzindo as incertezas (HOPWOOD, 2009). Cabe ainda destacar que o orçamento pode sofrer modificações em relação às finalidades para o qual foi estabelecido, devido as alterações ocorridas no ambiente externo e nas práticas e políticas organizacionais (ANTHONY e GOVINDARAJAN, 2002).
No que tange as alterações do ambiente externo, Anthony e Govindarajan (2002) aduzem que aquelas que dizem respeito as atividades econômicas afetam a quantidade de vendas (por exemplo, a demanda esperada para determinados produtos); valor de materiais e serviços terceirizados; níveis salariais; custos de atividade (como marketing, administração, pesquisa e desenvolvimento); nos preços de venda (baseados nos custos). Já em relação às alterações das práticas e políticas organizacionais, o orçamento pode sofrer modificações nos custos relacionados a produção (devido a novos equipamentos ou métodos); despesas discricionárias (alteração da carga de trabalho) e da participação da organização no mercado, bem como, na composição de sortimento de vendas (ANTHONY e GOVINDARAJAN, 2002).
Sabe-se que diversos fatores podem influenciar o uso ou não uso do orçamento. Nesse sentido, Janke, Mahlendorf e Weber (2014) examinaram se os efeitos decorrentes da crise econômica europeia afetaram o uso do Sistema de Controle Gerencial (SCG), analisando para variáveis como: ambiente de crise, incerteza ambiental, estratégia, ciclo de vida e tamanho. Para os autores, o ambiente de crise estimula o uso mais interativo do SCG, ou seja, são utilizadas mais informações, previsões e orçamentos para tomar decisões mais assertivas. Becker, Mahlendorf e Schäffer et al. (2016), também no contexto da crise econômica europeia, verificam a importância de diferentes funções orçamentárias as quais podem ser afetadas por uma crise econômica. Concluem que o ambiente de crise demonstra a importância das funções orçamentárias de planejamento e alocação de recursos, por sua vez, o uso do orçamento para avaliação de desempenho tende a diminuir.
No que diz respeito às incertezas ambientais, Chenhall (2003) enfatiza que há diversas incertezas decorrentes do ambiente, as quais exigem maior experiência por parte dos gestores com o uso do orçamento, para saber lidar da melhor forma em cada situação. Para Becker, Mahlendorf e Schäffer et al. (2016), crises certamente aumentam a incerteza econômica em comparação a situação em que não há crise. Isso por que, de acordo com Janke, Mahlendorf e Weber (2014), nos momentos em que se têm poucas incertezas, todas as informações necessárias para o desempenho da tarefa estão presumivelmente disponíveis, sendo possível pré-planejar as tarefas. Por outro lado, em situações altamente incertas, as tarefas provavelmente não podem ser pré-planejadas, uma vez que a maioria das informações necessárias serão adquiridas e processadas quando a tarefa for realizada.
Estratégias são meios pelos quais gestores podem influenciar a natureza do ambiente externo, as tecnologias da organização, os arranjos estruturais, a cultura, bem como, o SCG (CHENHALL, 2003). As estratégias, segundo Porter (1980), podem ser tipificadas em três abordagens genéricas: enfoque, diferenciação e liderança em custos. A estratégia de enfoque consiste em especializar-se em alvos específicos. A estratégia voltada à diferenciação, tem como orientação empresarial procedimentos padronizados, avaliação descentralizada e orientada para resultados, estrutura e processos flexíveis e atenção dirigida para a inovação. Por sua vez, a liderança em custos tem preferência quando os clientes são mais sensíveis ao preço, com vistas à vantagem competitiva por meio de uma política sustentável de custos baixos. No estudo, centra-se atenção às estratégias de diferenciação e de liderança em custos, pois foram as utilizadas por Porter (1984), bem como, por Becker, Mahlendorf e Schäffer et al. (2016), autores utilizados como base para a construção do instrumento de pesquisa.
Em relação ao ciclo de vida, Chenhall (2003) aduz que os estágios do ciclo de vida de maturidade e declínio são uma preocupação, exigindo novas iniciativas e a alteração das estruturas de custos. Além disso, tais estágios aumentam o risco operacional e requerem maior investimento de capital. Para Chenhall (2003), poucos trabalhos investigaram como os SCG são mais adequados, nos diversos ciclos de vida das empresas.
No que diz respeito ao tamanho das organizações e sua relação com o uso de SCG, Chenhall (2003) aduz que o aumento do tamanho permite as organizações melhorarem sua eficiência e seu nível de especialização. Quanto maior for a organização, melhor tende a ser sua capacidade de controlar seu ambiente operacional e, quanto mais técnicas de produção, menores serão as incertezas. Ainda para o autor, quanto maior o tamanho da empresa, mais propensas serão ao uso do orçamento e de controles sofisticados.
Estudos como o de Leite (2008), Frezatti et al. (2010), Chagas e Araújo (2013), bem como, Panosso et al. (2017) sobre orçamento desenvolvidos no Brasil, trazem resultados interessantes que merecem ser explorados e relacionados com a presente pesquisa. O estudo de Leite (2008) buscou descrever as práticas de orçamento empresarial de indústrias localizadas no Estado do Paraná e verificou que o orçamento era utilizado por 90,48% das indústrias pesquisadas tendo em vista a estimativa dos lucros, o retorno do investimento e a situação financeira. Os demais, 9,52% não utilizavam o orçamento e justificaram que era devido ao porte da empresa, por não considerar importante e por conta de o mercado de atuação sofrer constantes mudanças.
Frezatti et al. (2010) considerou a partir do seu estudo que o controle orçamentário auxilia os gestores nas suas atividades e prioridades, orientando-os sobre o desempenho. Isso pois, a operacionalização orçamento ocorre a partir do confronto entre o previsto e o realizado, sendo que as variações são importantes e devem ser analisadas e, quando possível, ajustadas. Assim, possibilita direcionar a organização aos seus objetivos estratégicos. Verificaram que a inexistência do orçamento, tanto na fase do nascimento, quanto no declínio, provoca uma reflexão relevante sobre as possibilidades perdidas por uma organização que não prioriza a existência dessa ferramenta. Até porque, o orçamento constitui um dos pilares do processo de governança de uma organização e sua existência sem plenitude, pode trazer consequências na gestão e em seu desenvolvimento.
Com o intuito de investigar como as indústrias calçadistas do polo de Campina Grande - PB utilizam o orçamento empresarial no processo de gestão, Chagas e Araújo (2013) analisaram as contribuições e limitações das práticas orçamentárias no desempenho de tais empresas. Os autores verificaram que as características das indústrias não influenciam no planejamento ou adoção de práticas orçamentárias. Também verificaram que em empresas que não fazem uso de práticas orçamentárias, isso ocorre pela dificuldade de implantação do orçamento, de acordo com a resposta dos gestores, mas ressaltam que, mesmo assim a empresa consegue se manter no mercado.
Panosso et al. (2017) buscaram investigar a influência do conhecimento, utilização e grau de importância empregado às ferramentas de controle gerencial no desempenho das organizações de cunho industrial com atuação no estado do Paraná. Para tanto, os gestores foram questionados quanto ao conhecimento das ferramentas, importância e utilização destas, e os autores constataram que a maioria dos gestores as conhecem, mas muitas empresas não conhecem todos os benefícios que podem ser gerados ou não exploram o suficiente. Contudo, das ferramentas de controle gerencial, o orçamento ainda é o mais utilizado por essas indústrias, o que corresponde a 62,4% das empresas pesquisadas, sendo que 1,3% responderam que não a utilizam e outros 57,7% não informaram. Apenas um gestor respondeu não conhecer o orçamento e um não o considera importante, possivelmente o mesmo respondente. Ademais, os autores verificaram que o orçamento influencia no desempenho das empresas e consideram que uma empresa sem informações e sem controle gerencial, pode ter dificuldades de atuação no mercado.
2.2 CRÍTICAS AO USO DO ORÇAMENTO TRADICIONAL
Devido à insatisfação em relação ao orçamento, na década de 1990, diversos executivos organizaram-se com intuito de encontrar soluções para os problemas decorrentes do uso do orçamento (HOPE e FRASER, 2003). Dessa inquietação, surgiu a abordagem que é conhecida hoje como Beyond Budgeting, como uma crítica ao orçamento tradicional, contextualizado na seção anterior. De acordo com Hope e Fraser (2003) o Beyond Budgeting se propõe a evidenciar um modelo de gestão sem a existência do orçamento anual nas organizações, identificando três principais causas para os problemas relacionados ao uso do orçamento: processo longo, o qual envolve o tempo de muitos executivos; a defasagem entre o orçamento e o ambiente competitivo e; a manipulação de números os quais teriam atingido níveis inaceitáveis.
Por mais que o orçamento é visto como a “espinha dorsal da gestão empresarial” (SCHÄFFER e ZYDER, 2003), há diversas críticas ao sistema orçamentário tradicional apresentada por outros autores como Hansen, Otley e Van Der Stede (2003), Neely, Bourne e Adams (2003), Schäffer e Zyder (2003), Player (2003), Rickards (2006). Isso porque os autores consideram que o orçamento tradicional não é suficiente para um ambiente que muda constantemente, devido ao fato de ser um modelo burocrático, suscetível a interesses diversos, seu processo de elaboração e controle ser oneroso, tender a focalizar a redução de custos ao invés de criação de valor, centrar atenção para a tomada de decisão e não para as iniciativas.
Além disso, o orçamento pode ser influenciado por jogos de interesses, política e negociações intermináveis, reuniões tensas, cujos gestores tendem a reduzir suas metas e inflar seus resultados (NEELY, BOURNE e ADAMS, 2003). Player (2003) constatou que de 80% a 90% das empresas apresentavam insatisfação com seus processos de planejamento e orçamento e que, diretores financeiros indicaram que a reforma orçamentária seria a principal prioridade. Para Rickards (2006), os orçamentos tradicionais ignoram a turbulência dos mercados e levam à um comportamento antiético de gestão.
Por mais que o Beyond Budgeting tenho surgido como uma tentativa de melhoria, Schäffer e Zyder (2003) consideram que, em seu estágio atual, o mesmo não é capaz de suprir as deficiências do orçamento tradicional, ou seja, não resolve a maioria dos problemas expostos a partir das críticas levantadas. Entretanto, o Beyond Budgeting apresenta benefícios relacionados ao fato de usar padrões de orçamento relativo, ao invés de fixo, e a reconstrução do sistema orçamentário a partir de uma base sofisticada (HANSEN, OTLEY e VAN DER STEDE, 2003; DE WAAL, 2005).
Nesse mesmo sentido, Libby e Lindsay (2007) realizaram um estudo nos Estados Unidos com intuito de averiguar se as empresas estariam dispostas a abandonar o orçamento, ou seja, não o utilizar. A partir de questionários, verificaram que a metade dos executivos concordam que o orçamento é indispensável. Quase 30% concordam, e o mesmo percentual discordam, que os orçamentos consomem muito tempo. Além disso, mais da metade concordam que o orçamento demora para detectar problemas e 65% que não é confiável para mensurar o desempenho. Pouco mais da metade dos respondentes discordam que é desatualizado e 76% discordam que falta rigor no processo. Por fim, 70% concordam que este agrega valor à empresa. Para a maioria dos respondentes não é possível gerir os negócios sem orçamento. Os executivos declararam preferir melhorar o processo de orçamento já utilizado.
Alguns anos mais tarde, Libby e Lindsay (2010) desenvolveram uma nova pesquisa e verificaram que 79% dos gestores usam o orçamento para controle e apenas 1% dos que usam planejam abandoná-lo, visto que a maioria entende que o mesmo agrega valor para a empresa. Por fim, concluem que o orçamento continua desempenhando um papel fundamental nas empresas e, a maioria não tem planos de abandoná-lo.
Østergren e Stensaker (2011) inferem que a primeira regra para a empresa agir na ausência de orçamentos, é ter metas com enfoque mais estratégicas e baseadas em grandes ambições, se concentrando na criação de valor. Ademais, dar maior atenção à imagem da empresa perante as demais, visto que o orçamento acabou sendo considerado uma espécie de jogo. Por fim, é importante a alocação dinâmica de recursos, para obter recursos financeiros.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para obter contato com tais indústrias, adquiriu-se um catálogo com informações de aproximadamente 6.400 indústrias catarinenses. O referido catálogo é comercializado pela Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC) e contém 3.097 endereços eletrônicos. Devido a muitos endereços estarem incorretos, a taxa de respondentes foi baixa.
Dessa forma, na sequência optou-se por encaminhar o questionário via LinkedIn®, no qual, a busca por respondentes foi realizada a partir das seguintes palavras-chave: “Santa Catarina”, “Indústria” e perfis: “Gestor”, “Diretor administrativo”, “Diretor financeiro”, “Gerente”, “Contador”, “Controller”, “Coordenador”, “Presidente” e “Supervisor”. Do total recebido, dois questionários foram considerados inválidos, pois não atendiam o proposto da pesquisa. Vale ressaltar que a coleta de dados foi do período de maio de 2017 a junho de 2017.
O instrumento de pesquisa foi adaptado de Becker, Mahlendorf e Schäffer et al. (2016), e como forma de medição, adotou-se a escala intervalar de 0 a 10 pontos pois a mesma toma por base dois extremos de verificação, sendo uma medida adequada para ordenar percepções, o que possibilita medir a intensidade de manifestação de cada variável (COSTA, 2011). Tendo em vista que o questionário estava na língua inglesa, procedeu-se a tradução para o português, esse procedimento foi realizado por um profissional especialista na área. Para validar o questionário, realizou-se um pré-teste com pesquisadores com experiência profissional na área e/ou, familiaridade com a área gerencial.
Além disso, o pré-teste foi realizado com profissionais que apresentavam características semelhantes aos da área foco da pesquisa, com o intuito de ser uma linguagem compreensível para os respondentes. Este questionário foi composto por 50 questões, aplicado por meio do Google Docs e enviado por e-mail. O Quadro 1 apresenta as variáveis do estudo, indicando a categorização e estudos correlatos que adotaram tais variáveis.
Ressalta-se que para a variável estratégia, utilizou-se somente os extremos da tipologia de Porter (1980), que são custos e diferenciação. Além destas varáveis apresentadas na Tabela 1, foi questionado o cargo dos respondentes e a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) de cada empresa, bem como, havia uma questão aberta sobre as razões para o uso, ou não do orçamento na empresa. Posteriormente, os dados foram tabulados em planilhas eletrônicas (Excel). Para a análise dos dados, inicialmente realizou-se a caracterização dos respondentes por meio de análise de frequência. Após, utilizou-se a técnica de regressão logística binomial a partir do software estatístico SPSS®.
4 ANÁLISE DOS DADOS
A seguir, a análise dos dados foi dividida em duas seções, uma que corresponde ao perfil dos respondentes e das indústrias analisadas. A população corresponde a 297 indústrias catarinenses, das quais, 258 utilizam o orçamento e 37 não utilizam o orçamento. Apresentado pela frequência absoluta e relativa, e na outra seção evidencia-se a regressão logística binomial.
4.1 PERFIL DOS RESPONDENTES
Em relação ao perfil dos respondentes (indústrias catarinenses pesquisadas), questionou-se o cargo que ocupavam no momento da realização da pesquisa. Na Tabela 1 são apresentadas as respostas.
Nota-se que em relação ao cargo, há uma similaridade, pois a maioria dos respondentes (34,92%) são gerentes, tanto os que se utilizam do orçamento, quanto aqueles que não utilizam o mesmo. Contudo, há uma diferença no que tange ao cargo de contador e controller, visto que, os mesmos atuavam somente em indústrias que utilizam orçamento. Tal fato, pode estar relacionado com o porte da empresa, variável a ser analisada na sequência. A partir da Tabela 2, apresenta-se o tamanho das indústrias pesquisadas.
É possível perceber que em relação ao tamanho das indústrias, as que utilizam orçamento são em sua maioria de maior porte (medido pelo faturamento), ou seja, possuem uma receita operacional bruta maior que R$ 3,6 milhões e menor ou igual a R$ 300 milhões, representando 47,67%, sendo estas as indústrias de médio porte. Já as que não utilizam orçamento, possuem na maioria (37,84%) receita operacional bruta maior que R$ 360 mil e menor ou igual a R$ 3,6 milhões, ou seja, são indústrias de pequeno porte. Ainda, 35,14% das que não utilizam orçamento são consideradas microempresas, por terem uma receita operacional bruta menor ou igual a R$ 360 mil. E ainda, os dados revelam que todas as empresas com faturamento acima de R$ 300 milhões declararam usar o orçamento.
Alguns dos respondentes expressaram o motivo de não utilizarem o orçamento. Dessa forma, as respostas que corroboram com estes achados são: i) o fato de ser uma empresa pequena e não apresentar a necessidade de ter essa forma de controle; ii) ser uma empresa familiar e os proprietários tomarem as decisões, sendo uma destas decisões, a falta de interesse em ferramentas de gestão, como no caso, o orçamento.
Na Tabela 3 apresenta-se a classificação segundo o código de Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) das indústrias catarinenses investigadas, contudo, apresenta-se somente os cinco CNAEs com maior frequência relativa (%).
Verifica-se que as indústrias que utilizam o orçamento e as que não utilizam apresentaram três classificações diferentes. Nota-se que indústrias que possuem o CNAE com a descrição: “Fabricação de produtos têxteis” (13,95%; 24,32%) e “Fabricação de produtos de borracha e de material plástico” (12,4%; 8,11%) ficaram entre as que mais se utilizam de orçamento, bem como, as que não utilizam o orçamento. Isso pois, na Tabela 4 são apresentadas só os cinco CNAEs com maior percentual.
Na Tabela 4, sumarizam-se as respostas em relação a estratégia das indústrias que utilizam o orçamento e que não utilizam o mesmo, ressaltando que, no estudo, centrou-se atenção somente nas estratégias de diferenciação e liderança em custos. Questionou-se como o respondente melhor descreve a ênfase estratégica de sua empresa em relação a 17 questões com escala likert de 10 pontos em relação ao grau de importância, considerando que no que tange o custo (a estratégia é o menor preço e baixo custo) e a diferenciação (a estratégia se caracteriza pela oferta de produtos superiores. Ex: pela qualidade, imagem).
No que tange a estratégia, os resultados surpreendem. Isso por que, percebe-se que a maioria dos respondentes das empresas que adotam o orçamento (66,67%), veem como a melhor estratégia, a diferenciação. Em relação as que não usam o orçamento, a maioria das indústrias utiliza a estratégia de custo (78,38%), fato que também pode ser explicado pela variável tamanho, visto que as que tendem a não utilizar orçamento são de menor porte. Um dos respondentes que não utiliza orçamento na indústria em que atua descreveu que “a indústria utiliza uma média de mercado para determinar o custo, pois há uma grande gama de concorrentes na cidade e região”, o que também contribui para explicar o fato de utilizarem a estratégia de custos.
Para outros respondentes, a não utilização se deve à indústria ser presidida pelos proprietários e outro complementa que “a empresa possui o mesmo formato de quatro décadas anteriores, sem atualização e preocupação com a inovação por parte dos responsáveis”. Outros pontos elencados foram a ausência de comprometimento dos gestores e de orientação à resultados; resistência por parte dos acionistas; falta de controles, de pessoas, de planejamento estratégico; pouca profissionalização na área; cultura e ainda a preocupação de apenas atender o fisco, sem ter tempo hábil para estudar e se especializar em controles específicos como o orçamento. O resultado corrobora com Becker, Mahlendorf e Schäffer et al. (2016), visto que, segundo os achados dos autores, empresas que se utilizam do orçamento apresentam maior preocupação com a estratégia e buscam maior diferenciação. Conforme a Tabela 5, identifica-se as respostas em relação ao ciclo de vida das indústrias catarinenses pesquisadas.
Ao analisar o ciclo de vida das indústrias pesquisadas percebe-se que tanto as indústrias que utilizam o orçamento, quanto aquelas que não utilizam, estão com maior concentração nas fases de nascimento e de crescimento. Sendo assim, são indústrias que estão buscando marcar seu espaço para se tornarem viáveis. Percebe-se que dois terços das indústrias que não utilizam o orçamento estão na fase do nascimento (32,43%) e declínio (32,43%). O resultado vai ao encontro dos achados de Frezatti et al. (2010) que verificaram que a inexistência do orçamento, tanto na fase do nascimento, quanto no declínio (justamente as duas fases verificadas na presente pesquisa), provoca uma reflexão relevante sobre as oportunidades que a organização possa ter perdido por não ter priorizado a ferramenta, esta que possibilitaria direcionar a empresa aos seus objetivos estratégicos.
Este resultado pode ser explicado a partir das observações dos respondentes que não utilizam o orçamento, pois alguns destacaram que são indústrias ainda em início de operação; o processo é burocrático; estão em fase de implantação, reestruturação da empresa. Da mesma forma, os gestores que responderam a pesquisa de Leite (2008) sobre o uso do orçamento, justificaram que o fato de não usá-lo se daria por conta do porte da empresa, por não considerar sua importância e por conta de o mercado de atuação sofrer constantes mudanças. Libby e Lindsay (2010) também afirmaram que a metade dos executivos que responderam a pesquisa concordavam que o orçamento é indispensável, o que explica o fato de algumas empresas ainda não utilizarem o orçamento.
4.2 CARACTERÍSTICAS ORGANIZACIONAIS
A partir da Tabela 6, apresentam-se os coeficientes estimados do modelo binominal, obtido a partir da regressão logística. Classificou-se como o grupo que que adota o não orçamento (0) e àquele que utiliza o orçamento (1).
Observa-se que o modelo foi significativo ao nível de 5% com capacidade de explicação de 30,6% das variações registradas na variável dependente. Os resultados revelam que as variáveis incerteza ambiental, estratégia e tamanho apresentaram significância, porém, a incerteza ambiental e o tamanho tiveram relação com o uso do orçamento, tendo em vista que a relação foi positiva, e a estratégia teve relação com o não uso do orçamento, pois sua relação foi negativa. Percebe-se que a incerteza ambiental e a estratégia foram significantes ao nível de 1% e o tamanho ao nível de 10%. Sendo assim, entende-se que quanto maior for a percepção de incerteza que os gestores possuem em relação ao ambiente e quanto maior o tamanho da empresa, maior tenderá a ser a opção pela utilização do orçamento. Já quanto menor for o uso de estratégia de diferenciação, maior tende a ser a não utilização do orçamento.
Este resultado vai ao encontro dos achados de Chenhal (2003), este que afirma que o tamanho interfere na complexidade das operações e requer o uso ferramentas gerenciais. Isso porque, conforme Merchant (2007), a partir do momento que as organizações vão crescendo, o gestor necessita lidar com um volume maior de informações, sendo imprescindível a utilização de um controle de gestão diferenciado e eficiente.
O fato de que quanto maior for a percepção de incerteza que os gestores possuem em relação ao ambiente e quanto maior o tamanho da empresa, maior tenderá a ser a opção pela utilização do orçamento, corrobora com os achados de Jokipii (2010), que verificou que uma maior incerteza percebida no ambiente influencia diretamente a necessidade de maiores controles internos. Da mesma forma, coadunam com os resultados de Gosselin (2011), que verificaram que quando a incerteza for alta, os controles também deverão ser mais eficazes, influenciando nos sistemas de controle gerencial, como no caso do presente estudo, no orçamento. Jangga, Ali e Ismail et al. (2015) consideram que o nível de incerteza é um termômetro para a organização, considerando que as mesmas devem ser trabalhadas constantemente objetivando sua redução. Também Schechter e Asher (2012) destacam que para lidar com a incerteza são imprescindíveis as informações internas que auxiliam a tomada de decisões, visando a vantagem competitiva, bem como, o alcance das metas para a continuidade.
Diante dos achados constata-se que quanto maior forem as incertezas provenientes do ambiente e o tamanho das indústrias pesquisadas, mais essas tendem a adotar o orçamento como uma ferramenta gerencial. Leite (2008) inclusive verificaram em seu estudo que, mesmo que sejam poucas as empresas que não utilizam o orçamento, isso se deve também devido ao porte da empresa, o que condiz com os resultados obtidos na presente pesquisa.
Os achados também são similares aos observados por Libby e Lindsay (2007) e Libby e Lindsay (2010) permitindo expandir as inferências para um contexto diferente, assim como, contrariam as pesquisas que defendem o abandono do orçamento. Embora autores como Hope e Fraser (2003) critiquem o orçamento tradicional e o considerem desconexo com o ambiente competitivo, no contexto analisado os achados são divergentes.
Constatou-se que todas as empresas de grande porte utilizam o orçamento; que as de menor porte tendem a não utilizar o orçamento. Tais empresas de menor porte, tendem a focar na estratégia de custos ao invés da diferenciação, pois se preocupam em continuar no mercado, a partir dos preços mais baixos que a concorrência, esta que se preocupa muitas vezes com a diferenciação dos produtos, fazendo dessa diferenciação, a sua maior estratégia de venda e sucesso organizacional. Para tanto, entende-se que cada tipo de indústria acaba adotando o que melhor lhes convém, de acordo com seu porte. A partir das respostas sobre os motivos para o não uso do orçamento, criou-se uma nuvem de palavras, conforme Figura 1 a seguir, com a finalidade de demonstrar claramente as palavras que ficaram mais evidentes.
Percebe-se que as palavras com maior destaque foram: empresa, orçamento, produtos, falta, mercado, familiar, utilizar, flutuação, venda, plano, ausência, pequena, reestruturação, presidência, proprietários, dentre outras palavras. Sendo assim, decorrente das respostas qualitativas, o não uso do orçamento está relacionado, principalmente, com a centralização do poder pelos gestores (proprietário, presidentes), contudo algumas respostas consideram a “incapacidade administrativa da presidência” e ainda, nesse mesmo sentido, “o presidente tem uma visão antiquada”. Outro ponto que chama a atenção é a falta de recursos como “falta de controles”, “falta de pessoal”, “falta de planejamento estratégico formalizado e pouco profissionalismo nesta área” e, “falta de profissionalização”; o fato da empresa estar iniciando no mercado e ser pequena de acordo com as seguintes afirmações “a empresa [está] iniciando o negócio e ainda é pequena”, “em função do tamanho” e “trata-se de pequena empresa familiar” ao ponto de não ser julgado necessário sua utilização a partir dos seguintes dizeres: “não é possível planejar um orçamento, devido a grande flutuação do mercado de máquinas sob encomenda”, “por termos muitas vezes que atender ao fisco, não tendo tempo hábil para um estudo de orçamento”, dentre outras falas.
Tais respostas corroboram com os achados de Chagas e Araújo (2013) que também verificaram que em empresas que não fazem uso de práticas orçamentárias, os gestores responderam que isso ocorre pela dificuldade de implantação do orçamento, mas consideram que mesmo assim a sua empresa consegue se manter no mercado. Da mesma forma, no estudo de Leite (2008) os respondentes justificaram que não utilizavam o orçamento devido ao porte da empresa, por não considerar importante e por conta de o mercado de atuação sofrer constantes mudanças.
No presente estudo 14,34% das indústrias catarinenses que responderam a pesquisa não utilizam o orçamento. Semelhante ao estudo de Leite (2008), também realizado com indústrias, sendo que em sua pesquisa 9,52% não utilizavam o orçamento. Já no estudo de Panosso et al. (2017) os autores constataram que o orçamento ainda é a ferramenta gerencial mais utilizada pelas indústrias pesquisadas, sendo que apenas 1,3% responderam que não utilizam o orçamento.
Os resultados podem ser embasados em Panosso et al. (2017), os quais consideram que é importante que as empresas utilizem o orçamento, pois o mesmo influencia no desempenho das empresas e uma empresa sem informações e sem controle gerencial, como é o caso do orçamento, pode apresentar dificuldades de atuação no mercado. Da mesma forma, Frezatti et al. (2010) ressaltam que o controle orçamentário auxilia os gestores nas suas atividades e prioridades, orientando-os sobre o desempenho e é um dos pilares do processo de governança de uma organização.
Os resultados podem ser explicados por Chenhall (2003), que enfatiza que as incertezas ambientais exigem mais experiência por parte dos gestores, a partir do uso do orçamento, para saber lidar da melhor forma em cada situação. Já o tamanho, Chenhall (2003) destaca que maiores empresas tendem a ter mais poder no controle de seu ambiente e, quanto mais técnicas e controle, menores serão as incertezas. Sendo assim, quanto maior o tamanho da empresa, maior a possibilidade de utilização de orçamento (Chenhall, 2003), o que explica justamente o fato e as respostas sobre a não utilização do orçamento tradicional.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em relação ao perfil dos respondentes das indústrias catarinenses pesquisadas, os resultados demonstram que a maioria dos respondentes são gerentes, tanto os que atuam em empresas que usam orçamento, quanto naquelas que não usam. Nota-se ainda que as maiores indústrias, em sua maioria, se utilizam mais de orçamento comparativamente às menores, sendo que não houve participação de respondentes que atuam em indústria com receita operacional bruta acima de R$ 300 milhões que não utiliza o orçamento. Tais achados são relevantes, pois sugerem que, para o contexto analisado, quanto maior o volume de faturamento, independentemente de outras variáveis, maior será a utilização do orçamento.
Como resultado da análise pelo CNAE das indústrias pesquisadas, conclui-se que a atividade industrial não se apresenta como uma característica que diferencia as empresas quanto ao uso (ou não) do orçamento. No que se refere ao posicionamento estratégico, embora o estudo tenha se limitado a analisar duas das tipologias de Porter, constatou-se que a estratégia de liderança em custos tende a enfatizar o não uso do orçamento, enquanto a estratégia de diferenciação prioriza seu uso. Tais resultados divergem de estudos anteriores e indicam a necessidade de novas pesquisas.
Ainda, os resultados revelam que quanto maior for a incerteza ambiental percebida pelos gestores e o tamanho da indústria catarinense, maior a necessidade de utilizar o orçamento. Contudo, quanto menor for o uso de estratégia de diferenciação, maior tende a ser a não utilização do orçamento. Diante dos resultados encontrados, pode-se concluir que as características organizacionais que influenciam a adoção do orçamento são o tamanho da indústria, considerando a receita bruta operacional e a incerteza ambiental. Já a estratégia de custos é característica das indústrias que não usam orçamento. Decorrente disso, conclui-se que o orçamento continua sendo uma ferramenta relevante para o contexto gerencial das indústrias catarinenses pesquisadas, principalmente quando se trata de incerteza ambiental e de tamanho.
Por outro lado, as empresas que não utilizam o orçamento tendem a ser indústrias menores e, de acordo com os resultados, pode-se concluir que as mesmas que não usavam o orçamento, tanto por conta do tamanho, quanto decorrente de questões operacionais, como por exemplo, falta de recursos humanos, tecnológicos e financeiros. Diversos entrevistados relataram que gostariam de utilizar, que sentiam a necessidade e importância de se ter um orçamento na indústria.
Dentre as limitações do estudo, destacam-se a limitação geográfica e o uso de apenas duas tipologias estratégicas. Novos estudos podem ampliar o universo de pesquisa, incorporar novos instrumentos de tipificação da estratégia, ampliar o setor e comparar os resultados entre os setores.
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Notas
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