Artigo

A vivência na pós-graduação à luz de Vigotski: o que dizem e sentem os alunos de ciências contábeis?1

The graduate course experience through a Vigotskian analysis: what do accounting students say and feel?

Marcia Maria dos Santos Bortolocci Espejo
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brazil
Sara Daniel da Silva
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brazil
Agnes Akemi Yahiro
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brazil
João Paulo Resende de Lima
Universidade de São Paulo, Brazil
Elisabeth de Oliveira Vendramin
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brazil

A vivência na pós-graduação à luz de Vigotski: o que dizem e sentem os alunos de ciências contábeis?1

Enfoque: Reflexão Contábil, vol. 41, núm. 2, pp. 23-41, 2022

Universidade Estadual de Maringá

Recepção: 21 Fevereiro 2020

Revised document received: 07 Janeiro 2021

Aprovação: 30 Junho 2020

RESUMO: A Pós-graduação representa um momento de oportunidades e dificuldades para os estudantes, especificamente para os que estão matriculados em cursos em consolidação, visto que as cobranças e preocupações acerca da qualidade do curso estão fortemente presentes. O objetivo do presente artigo é identificar as expectativas, oportunidades, dificuldades e impactos, pela perspectiva de mestrando, gerados pela vivência em programas de Pós-graduação acadêmicos em Ciências Contábeis recém-implementados. Para tal, utilizou-se de uma abordagem qualitativa, no qual foram coletados 44 questionários com seis perguntas fechadas, relacionadas à identificação pessoal e dez abertas, relacionadas à vivência dos mestrandos. Enquanto pesquisas anteriores analisaram as experiências vividas pelos discentes, o presente estudo contribui com a literatura ao adotar uma nova perspectiva, o conceito de vivência na perspectiva Vigotskiana. Os resultados indicam que a Pós-graduação acadêmica representa para o Sujeito Coletivo a oportunidade de ampliar os conhecimentos e qualificação, além da expectativa de ingresso na carreira acadêmica. Sobre as dificuldades, o Sujeito Coletivo apontou problemas na adaptação, infraestrutura, bem como a falta de preparo do corpo docente, a exigência do domínio da língua inglesa e altas demandas de tempo. O presente estudo contribui com a literatura ao adotar uma nova perspectiva, o conceito de vivência na perspectiva Vigotskiana.

Palavras-chave: Pós-graduação, Discurso do Sujeito Coletivo, Vigotski, Vivência, Ciências Contábeis.

ABSTRACT: The graduate course represents a time of opportunities and difficulties for students, specifically for those enrolled in consolidation courses since the charges and concerns about the course's quality are strongly present. This article's objective is to identify the expectations, opportunities, difficulties, and impacts, from the perspective of master's degrees, generated by the experience in academic Postgraduate programs in recently completed Accounting Sciences. For this purpose, we adopted a qualitative approach, in which we got 44 answered questionnaires with six closed questions related to personal identification and ten open ones related to the master's degree experience. While previous surveys analyzed the students' experiences, the present study contributes to the literature by adopting a new perspective, the concept of experience in the Vygotskian perspective. The results indicate that the Academic Post-graduation represents the opportunity to broaden knowledge and qualification for the Collective Subject, besides the expectation of entering the academic career. Regarding the difficulties, the Collective Subject pointed out problems in adaptation, infrastructure, the lack of preparation of the faculty, the demand for mastery of the English language, and high demands of time. This study contributes to the literature by adopting a new perspective, the concept of living, from the Vygotskian perspective.

Keywords: Graduate Courses, Collective Subject Speech, Vigotski, Experience, Accounting.

1 INTRODUÇÃO

A pós-graduação stricto sensu em Ciências Contábeis no Brasil pode ser considerada recente - visto que ainda fará 50 anos desde o primeiro curso de mestrado - e desde 2007 vem passando por um processo de expansão no número de cursos de doutorado. Tais cursos de Pós-Graduação Stricto Sensu têm sido uma opção para os profissionais e graduados suprirem a carência de especialização, e assim, buscarem conhecimento e qualificação. Contudo, o ingresso e a vivência na pós-graduação proporcionam perspectivas positivas e negativas, pois refere-se a um período intenso de adaptação às rotinas das atividades demandadas, pois exige autonomia, disciplina e habilidades que muitas vezes não são requeridas na graduação (ALTOÉ; FRAGALLI; ESPEJO, 2014).

A expansão da pós-graduação em Contabilidade no país, culminou em pressões e competitividade em razão da cobrança pelo aumento de produção, pois observa-se, com base nos critérios da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) até dezembro de 2018, o incentivo às produções científicas, reforçando nos Programas a preocupação por produtivismo, resultando em impactos não somente nos docentes, como também nos discentes. A avaliação da CAPES pontua os cursos de 1 a 7 por meio de cinco critérios: (i) proposta do programa, (ii) corpo docente, (iii) corpo discente, teses e dissertações, (iv) produção intelectual e, (v) inserção social. Cada um desses cinco tem peso diferente sendo 0%, 20%, 35%, 35% e 10% respectivamente (SOARES; CASA NOVA 2015).

A preocupação com nota do curso deve-se pelo fato de que tal nota influencia diretamente diversos aspectos como o financiamento de projetos de pesquisa, número de bolsas para os discentes e reputação do programa, além de influenciar a consolidação dos Programas (ALTOÉ; FRAGALLI; ESPEJO, 2014).

Estudos sobre os discentes de pós-graduação stricto sensu em Contabilidade avaliaram suas percepções e motivações para cursar um mestrado e/ou doutorado (AVELINO; CUNHA; NASCIMENTO, 2013; BARTH; ENSSLIN; BORGERT, 2016), o custo de oportunidade gerado pelo curso (MEURER; SOUZA; COSTA, 2018), o desenvolvimento de suas identidades acadêmicas e o impacto causado pelo produtivismo (LIMA; VENDRAMIN; CASA NOVA, 2018). Apesar de muitos elementos da experiência de cursar uma pós-graduação serem inerentes ao processo como um todo, cada área possui suas particularidades nos processos de socialização dos estudantes e construção de conhecimento, formando assim tribos únicas (BECHER; TROWLER, 2001).

Considerando que os estudos acerca da experiência de estudantes de pós-graduação focaram em programas mais consolidados, essa pesquisa busca preencher uma lacuna na literatura com relação a análise da vivência de estudantes em programas em fase de consolidação. Para esse estudo, são considerados programas de pós-graduação recém-implementados, os programas criados após a última avaliação quadrienal da CAPES, realizada em 2017.

Assim, a questão de pesquisa configura-se: Quais as expectativas, oportunidades, dificuldades e impactos na vida dos mestrandos foram proporcionados pela vivência em Programas de Pós-Graduação acadêmicos em Ciências Contábeis recém implantados? Dessa forma, o objetivo geral consiste em identificar as expectativas, oportunidades, dificuldades e impactos, pelas perspectivas dos mestrandos, que foram gerados pela vivência em mestrados acadêmicos em Ciências Contábeis que ainda não completaram um ciclo de avaliação quadrienal da CAPES.

Nesse sentido, são objetivos específicos da pesquisa: (a) compreender o significado de um Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis para os mestrandos; (b) explicitar as expectativas dos mestrandos que participam dos cursos de mestrados em Ciências Contábeis recentemente implementados; (c) descrever as oportunidades declaradas pelos mestrandos que ingressaram nos cursos de mestrados em Ciências Contábeis recentemente implementados; (d) evidenciar as dificuldades percebidas pelos mestrandos que iniciaram os cursos de mestrados em Ciências Contábeis recentemente implementados; e (e) desvelar os impactos gerados na vida dos mestrandos por vivenciarem cursos de mestrados em Ciências Contábeis recentemente implementados.

A presente pesquisa justifica-se por investigar as transformações biossociais que ocorrem na vida do discente e das pessoas ao seu redor por vivenciar um curso de mestrado acadêmico em Ciências Contábeis recentemente implementado, visto que a avaliação quadrienal da Capes não mede esses impactos. Além disso, a pesquisa pode verificar as expectativas dos pós-graduandos quanto às contribuições para a consolidação da área contábil, bem como pode revelar doenças físicas e psicológicas advindos na Pós-Graduação.

O presente estudo contribui com a literatura ao adotar uma nova perspectiva acerca dos discentes, pois enquanto os trabalhos anteriores analisaram as experiências vividas pelos discentes, o presente trabalho adota o conceito de vivência na perspectiva Vigotskiana para analisar as mudanças e expectativas dos discentes. Nessa perspectiva são integrados diversos aspectos da vida psíquica e sua interação com o meio, dessa forma, “[a]s vivências são um conceito-coringa que delimita a nossa relação com o mundo desde o nascimento, relação que se complexifica com a estruturação dos sistemas psicológicos terciários (como consciência e personalidade)” (TOASSA; SOUZA, 2011, p. 765).

Além disso o trabalho analisa tal vivência situada em programas em processo de estabilização, o que pode gerar mais estresse e cobrança nos discentes por serem as primeiras turmas. Para a prática o trabalho discute aspectos essenciais da vivência de discentes, assim, docentes e coordenadores de PPGs podem utilizar os resultados da pesquisa para analisar como podem melhorar a vivência de seus discentes e assim melhorar seu bem-estar e saúde mental - principalmente pelo fato de o conceito de vivência ser biossocial.

Para a realização da pesquisa adotou-se uma abordagem qualitativa de pesquisa com uso de questionários para a coleta de dados. Os questionários foram aplicados aos programas recém instalados na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e Finanças (FUCAPE).

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A categoria essencial nesta pesquisa é ‘perejivânie’ (vivência), palavra derivada da língua russa, que consiste em uma “experiência acompanhada por sentimentos e comoções vividos”, que inclui sensações e percepções, implicando o modo pelo qual o mundo afeta o indivíduo, relacionando este com o sentido que ele atribui à sua experiência no mundo externo como também consigo próprio (TOASSA, 2009, p. 55).

Nesse sentido, vale-se ressaltar que vivência e experiência possuem significados distintos para Vigotski (2006), uma vez que a vivência essencialmente refere-se às sensações e percepções que levam o indivíduo à inserção no mundo, tendo sempre um significado emocional forte para a pessoa. Já a experiência pode ou não marcar a vida de um indivíduo, ou ainda, pode apenas designar como uma lembrança. Assim, o sujeito pode ter diversas experiências na sua vida, entretanto, apenas algumas consistem em vivências (TOASSA, 2009).

Ademais, Marques e Carvalho (2014, p. 45) evidenciam que a vivência na perspectiva Vigotskiana “é a verdadeira unidade dinâmica da consciência, ou seja, a vivência é o que permite compreender como cada pessoa se relaciona com o mundo e como esse mundo é subjetivado”, portanto, mesmo que vários indivíduos participam do mesmo meio, a vivência não pode ter as mesmas atribuições de sentidos e afetos para todos eles.

Toassa e Souza (2011, p. 762) expõem que, para Vigotski, vivenciar “é participar de uma realidade impactante”, pois engloba a forma como uma situação é percebida pelo indivíduo, o modo que este a interpreta, e ainda, a maneira em que o sujeito reage emocionalmente frente a este contexto, levando em consideração que nesse processo encontram referências externas e internas, como o corpo, o meio e representações e funções psíquicas.

Perejivânie está relacionada a um complexo vínculo de processos psicológicos, englobando emoções, cognição, memória e desejo, na qual uma experiência coletiva é internalizada pelo indivíduo e este se transforma por meio dela, ou seja, esta experimentação profunda favorece o crescimento do sujeito e contribui em quem ele pode se tornar, constituindo-se em sustentação para o desenvolvimento intrapessoal; além disso, o modo como o sujeito delimita e interpreta essas experiências, refletem em suas vindouras experiências, pois envolve a maneira de como o social influencia o indivíduo, mas não de forma determinista e sim uma intervenção relativa, visto que o sujeito reconhece estes impactos sociais, uma vez que essas circunstâncias atingem profundamente a percepção do indivíduo frente ao que ele vive (LIBERALI; FUGA, 2018).

Pessoa e Alberto (2015) utilizaram o conceito de vivência, na perspectiva Vigotskiana, para analisar as vivências de jovens em uma experiência de formação profissional no Programa Jovem Aprendiz (PJA), e concluíram que as vivências no PJA exerceram nos jovens a percepção de oportunidades e a interpretação de aproveitar essa oportunidade para adquirir formação profissional, e assim, conquistar o primeiro emprego; o que gerou nos indivíduos a reação de sofrimento em vista da responsabilidade em não falhar.

Por fim, Vigotski (2006) destaca que que as vivências formam conexões do indivíduo consigo mesmo ao adquirir sentido, dessa forma, ao vivenciar determinada experiência o sujeito se reestabelece como indivíduo. Por fim, Vigotski (2006, p. 382) destaca que

A vivência tem uma orientação biossocial, é algo intermediário entre a personalidade e o ambiente, o que significa a relação da personalidade com o ambiente, revela o que significa o momento dado à personalidade. [...] Vemos, então, que a vivência reflete, por um lado, o meio em seu relacionamento comigo e com o modo como o vivo e, por outro, as peculiaridades do desenvolvimento do meu próprio "eu" são reveladas. Na minha experiência, a extensão em que todas as minhas propriedades que foram formadas durante o meu desenvolvimento em um determinado momento são manifestadas.

Assim, levando em consideração que na Pós-graduação o discente passa por um período intenso de adaptações e é impactado por esta nova realidade, corrobora com o que Toassa e Souza (2011, p. 762) explicitam que, na visão de Vigotski, vivenciar “é participar de uma realidade impactante”, devido as particularidades da área de contabilidade ser recente e estar em expansão.

2.1 A PÓS-GRADUAÇÃO EM CONTABILIDADE NO BRASIL: CONTEXTO E HISTÓRICO

Na década de 70, foram implementados os primeiros Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu em Contabilidade no Brasil. O primeiro foi o Programa de Mestrado da Universidade de São Paulo, na Faculdade de Economia, Administração e Negócios. Em seguida, em 1977, foi criado o Programa de Mestrado em Ciências Contábeis da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro (PELEIAS et al., 2007). Já em 1978, o programa da FEA/USP evoluiu e iniciou o Programa de Doutorado em Ciências Contábeis, o único até 2007.

Na década de 1980 não foi criado nenhum Programa Stricto Sensu em Contabilidade no país. Já em 1990 e início do século XXI começaram a surgir novos Programas e um dos motivos, apontados por Peleias et al. (2007), é a atuação de professores doutores sem formação na área de Ciências Contábeis nos Programas Stricto Sensu em Contabilidade, o que ocorria devido à restrição de haver apenas um Doutorado na área no país e contribuir para minimizar a endogenia do corpo docente desses Programas.

A partir de então, o número de Mestrado e Doutorado cresce e totaliza hoje 33 Programas avaliados pela CAPES no quadriênio de 2012-2015 (CAPES, 2019). Os programas aprovados após a última avaliação da CAPES são: o Programa de Mestrado da UFRGS, no Rio Grande do Sul, criado em 2016 e os Programas da UFMS - Mato Grosso do Sul, da FUCAPE - Maranhão e da FURG também no Rio Grande do Sul implementados em 2017.

Vale-se destacar que há uma concentração dos Programas de Pós-Graduação principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país, bem como no litoral brasileiro. Acrescenta-se, que apesar da recenticidade da área, há diferenças de consolidação, no entanto, a avaliação quadrienal da Capes não leva em consideração as particularidades dos Programas novos, visto que se utiliza da mesma “régua” dos cursos mais consolidados para a pontuação dos Programas. Outro ponto a ser destacado sobre a avaliação da CAPES é o fato de a área de Ciências Contábeis estar inserida na mesma que Administração de Empresas e Administração Pública que são áreas maiores e mais consolidadas, dessa forma, a régua da área é aplicada da mesma forma para programas em diferentes etapas de maturidade.

A maior parte dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Contábeis é ofertada pelas universidades públicas, porém, independentemente de os cursos serem públicos ou privados, a CAPES os regulamenta, sendo, desde 1976, constituído o Sistema de Avaliação da Pós-Graduação que visa o aprimoramento da pesquisa no país (ALTOÉ; FRAGALLI; ESPEJO, 2014). Com a criação dos Programas Stricto Sensu no país houve concomitantemente o crescimento da produção científica brasileira na área (PELEIAS et al., 2007), pois o corpo docente (20%), o corpo discente (35%) e a produção intelectual (35%) são os critérios de maior peso na avaliação quadrienal da CAPES.

Por conta disso, existe uma grande expectativa quanto ao desempenho dos alunos ingressantes, estes, por sua vez, encaram desafios desde o processo seletivo até nas adaptações de rotinas e mudanças de hábitos, uma vez que o pós-graduando necessita de tempo, esforço e energia para desempenhar as atividades demandadas, sendo todas estas modificações, por diversas vezes, responsáveis em causar estresse (ALTOÉ; FRAGALLI; ESPEJO, 2014; REZENDE et al., 2017).

Destaca-se que em dezembro de 2018, houve aprovação de uma nova proposta para ficha de avaliação formulada pela Capes. As mudanças tiveram como motivação principal aumentar a qualidade da formação de doutores e mestres. O novo documento pretende ser usado na avaliação quadrienal de 2021 (CAPES, 2019).

A nova ficha foca em três quesitos: Programa, Formação e Impacto na Sociedade. No quesito Programa, pretende-se avaliar o funcionamento, estrutura e planejamento do programa de pós-graduação em relação ao seu perfil e seus objetivos. Quanto ao quesito “Formação”, a análise abrange aspectos como qualidade das teses, dissertações, produção intelectual de alunos e professores e das atividades de pesquisa, bem como a avaliação do egresso. Já em relação ao Impacto na Sociedade, a avaliação tem a intenção de verificar o caráter inovador da produção intelectual, os efeitos econômicos e sociais do programa, internacionalização e visibilidade (CAPES, 2019).

Apesar da mudança destacada, esse estudo foi aplicado enquanto estava vigente a avaliação quadrienal da Capes de 2017. No modelo vigente em 2017 e em versões anteriores a ficha de avaliação se pautava em cinco itens, sendo que dois desses itens (corpo discente, teses e dissertações; produção intelectual) concentrava 70% da nota do programa (SOARES; CASA NOVA, 2015). Esses modelos foram amplamente criticados por privilegiar a produção científica na forma de artigos e incentivar o chamado produtivismo acadêmico (ALCADIPANI, 2011) deixando de lado aspectos como a formação e o domínio do conteúdo específico da área (SLOMSKI et al., 2014).

2.2 VIVENDO A PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS CONTÁBEIS: O QUE DIZEM ESTUDANTES E EGRESSOS?

Conforme destacado anteriormente o interesse em analisar as experiências e vivências dos estudantes de pós-graduação stricto sensu dá-se, geralmente, pelos impactos que tal curso tem sobre o indivíduo. Avelino, Cunha e Nascimento (2013) discutiram a intenção de alunos de graduação em ingressarem nos cursos de pós-graduação em Contabilidade. A pesquisa demonstra que os respondentes da pesquisa percebem a importância de cursar a pós-graduação, além de identificar que os respondentes cursariam tal nível de ensino buscando principalmente satisfação pessoal, valorização profissional e preenchimento de possíveis lacunas identificadas na graduação.

Costa Sousa e Silva (2014) percebendo a falta de formação específica para o processo de orientação acadêmica em cursos de mestrado e doutorado - assim como destacado por Casa Nova (2014) - propõem um modelo em que o/a orientador/a assume três papeis: pesquisador, professor e profissional. Nesse mesmo modelo os autores afirmam que é necessário que o/a orientador/a deve desenvolver as competências intelectuais, sociais, contextuais, emocionais, morais e políticas em seus estudantes.

Barth, Ensslin e Borgert (2016) analisaram os benefícios percebidos por egressos do curso de mestrado da Universidade Federal de Santa Catarina a partir da Teoria do Capital Humano. Os resultados mostram uma mudança significativa na renda de quase metade dos participantes da pesquisa (44%), além de destacar os benefícios financeiros efeitos para três perfis específicos: mestres que possuem também o doutorado; mestres com cargos públicos que remuneram mais por possuir títulos; e mestres que auferiam rendas baixas antes do mestrado e hoje atuam somente na docência

Meurer, Souza e Costa (2018), a partir de entrevistas e questionários com 12 mestrandos, analisaram o custo de oportunidade envolvido na decisão de cursar o mestrado em Contabilidade. Dentre os resultados encontrados desataca-se o fato de que os entrevistados percebem a decisão de cursar o mestrado como financeiramente inviável no curto prazo, além de alterações na rotina e até mesmo no aspecto econômico da vida dos estudantes.

Rezende et al. (2017) analisaram a relação entre desempenho acadêmico e o estresse em programas de pós-graduação em Contabilidade no Brasil. Os resultados indicam que a linha de pesquisa, a condição de bolsista e a idade do programa influenciam de maneira significante o nível de estresse dos estudantes do programa. Os autores ainda afirmam que o desempenho acadêmico atual do estudante é influenciado pelo desempenho anterior e pelo nível de estresse. Nesse sentido, para lidar com o estresse causado os estudantes precisam desenvolver estratégias de resiliência (GROEN; SIMMONS; TURNER, 2019).

Lima, Vendramin e Casa Nova (2018) analisaram o processo de socialização de mulheres em programas de doutorado em Contabilidade no Brasil. Os autores destacam que tal processo de socialização não foi pensado para mulheres, assim, a construção de suas identidades profissionais é realizada de maneira mais difícil e por caminhos não tradicionais. Os autores ainda destacam o ambiente acadêmico, a convivência com os pares e professores como elementos que podem facilitar ou dificultar a permanência e o (in)sucesso de tais estudantes. Por fim ressaltam a importância da relação com o/a orientador/a durante a pós-graduação assim como fazem Massi e Giordan (2017) e Miranda, Lima e Araujo (2019).

Já no contexto internacional Malsch e Tessir (2015) destacam como as cobranças por produção científica prejudicam o processo de construção da identidade profissional de acadêmicos em começo de carreira. Raineri (2015) também critica essa cobrança por produção de artigos nos cursos de doutorado e afirma que essa cobrança diminui o potencial reflexivo dos estudantes. Por fim, Pelger e Grottke (2015) expressam a preocupação com a continuidade dos cursos de pós-graduação em Contabilidade nos moldes atuais em que os programas exigem muitas disciplinas obrigatórias e publicações em periódicos específicos - os chamados de alto impacto.

A partir dos estudos aqui apresentados observa-se que as mudanças vivenciadas nos programas de pós-graduação são múltiplas, complexas e influenciadas por diversos fatores. Entretanto, é possível observar fatores em comum como o estresse advindo das cobranças e da condição de bolsistas, além dos estresses relacionados às identidades marginalizadas. Por fim, destaca-se a importância do/da orientador/a nesse processo de pós-graduação e as diversas críticas ao modelo produtivista vivido atualmente.

3 METODOLOGIA

A pesquisa qualitativa com abordagem exploratória, teve por objetivo identificar as expectativas, oportunidades, dificuldades e impactos, pelas perspectivas dos mestrandos, que foram gerados pela vivência em mestrados acadêmicos em Ciências Contábeis que ainda não completaram um ciclo de avaliação quadrienal da CAPES. Dessa forma, caracteriza-se também como um estudo descritivo, uma vez que visa identificar particularidades, com base na perspectiva Vigotskiana, da vivência dos mestrandos nos cursos recém implementados, por meio do Discurso do Sujeito Coletivo.

3.1 PROCEDIMENTOS DE COLETA DOS DADOS

Após contato via e-mail com os Programas de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da UFMS, FURG, UFRGS e FUCAPE Maranhão, que compreendem os cursos recentemente implementados e que não completaram um ciclo de avaliação quadrienal da CAPES, para esclarecimento dos objetivos da pesquisa, foi solicitado os e-mails dos mestrandos regulares, constituída assim, a população da pesquisa em 101 pós-graduandos. Dessa forma, o instrumento de coleta dos dados foi disponibilizado via internet por meio do Google Forms entre os dias 28/05/2018 e 17/06/2018, sendo obtidas respostas de 44 mestrandos, o que representam 44% da população-alvo.

O questionário foi desenvolvido pelos autores com base na literatura apresentada no referencial teórico. O instrumento foi composto por questões abertas e fechadas que abrange questões de identificação, como idade, sexo, estado civil, ocupação, ano de ingresso no PPGCC e IES, bem como a representatividade do PPGCC para o mestrando, e por fim, indagações relativas às expectativas, oportunidades e dificuldades em participar de um curso de mestrado em Ciências Contábeis recentemente implementado, bem como os impactos nas dimensões pessoal, familiar, profissional, acadêmica, espiritual, esportiva/lazer e outras.

O pré-teste foi aplicado em um curso de Pós-Graduação em Ciências Contábeis no Brasil com dois alunos especiais, isto é, estudantes que realizam disciplinas individuais, porém não estão matriculados no Programa. Com base nas dificuldades e sugestões relatadas, o instrumento de coleta dos dados sofreu as devidas modificações e transformou-se na versão final do questionário.

3.2 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS

Para a tabulação e análise dos 44 questionários empregou-se a metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) proposta por Lefèvre e Lefèvre (2006), que não é uma representação social em si, mas visa estabelecer, em forma de discurso, uma camada dela. Dessa forma, para o resgate desta camada discursiva, é essencial definir as etapas metodológicas a fim de assegurar o rigor e padronização dos procedimentos. Assim, o DSC constitui na auto expressão da opinião coletiva, evidenciado na primeira pessoa do singular, pois reflete a maneira natural da realização das opiniões e representações sociais (LEFÈVRE & LEFÈVRE, 2006).

As etapas a serem seguidas na elaboração do DSC são denominadas de operadores, que compreendem: Expressões-chave, Ideias Centrais, Ancoragens, e o DSC propriamente dito. As Expressões-chave são trechos das declarações dos participantes em que os pesquisadores destacam como os mais relevantes nos discursos. As Ideias Centrais envolvem os sentidos que compõem as Expressões-chave, como também semelhanças de sentido no conjunto de discursos de diferentes sujeitos, tendo o papel de distinguir e classificar os diversos sentidos. Já as Ancoragens são expressões sucintas que possuem ideologias, valores e crenças, quando incluem afirmações genéricas nas declarações individuais ou agrupadas (ALVÂNTARA & VESCE, 2008).

Para Alvântara e Vesce (2008), o DSC objetiva retratar um posicionamento sobre um tema, considerando a dimensão social e cultural, de forma a reunir diversas respostas e destacar elementos comuns que formam o discurso coletivo, consistindo em depoimentos sintetizados relacionados às Representações Sociais que configuram um determinado grupo. Dessa forma, por meio da utilização do Microsoft Excel 2010, foi criada a categorização, que se baseia na análise e agrupamento das respostas dos questionários que possuem o mesmo sentido, de forma a preservar a opinião de cada participante.

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Com a uso da metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo, primeiramente, as respostas dos questionários foram lidas e transcritas literalmente, logo depois destacadas e categorizadas, para assim compor o Discurso em relação à Vivência, na perspectiva de Vigotski, em participar de um curso de mestrado recentemente implementado. Dessa forma serão apresentadas e discutidas as particularidades quanto a representação que Programa de Pós-Graduação tem para os mestrandos, bem como as Expectativas, Oportunidades, Dificuldades e Impactos em participar de um curso de mestrado em Ciências Contábeis recentemente implementado.

4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS RESPONDENTES

Essa pesquisa obteve 44 respondentes. Dentre os respondentes, 25 são do sexo feminino (57%) e 19 (43%) masculino. Com relação à faixa etária, quase 50% está acima da faixa de 35 anos (45%), quanto 9,1% possuem menos de 25 anos, 32% entre 25 a 29 anos, 14% e entre 30 a 34 anos. Quanto ao estado civil, 52% estão casados ou com união estável, 43% solteiros, 5% separados ou divorciados, e nenhum dos respondentes declarou ser viúvo.

Quanto às Instituições de Ensino Superior, houve 18 respondentes da UFMS, 11 da FURG, 10 da FUCAPE e 05 da UFRGS, sendo que 6 mestrandos (13%) ingressaram no programa em 2016, 17 (39%) em 2017 e 21 (48%) em 2018. Ainda, do total de discentes, 11 são Estudante Bolsista (25%) e os demais 33 (75%) exercem alguma outra ocupação além de participar do programa. A categoria dos não bolsistas compreende discentes que são também: Empregados (70%), Empresários (18%), Autônomos (6%) e Estudantes que não exercem outra ocupação, mas não são bolsistas (6%).

Nos próximos tópicos estão elencados os discursos coletivos relativos a cada categoria de análise. Cabe observar que a construção do discurso do sujeito coletivo, em alguns tópicos, por haver uma diferença de relato, uma das opiniões está sublinhada, de modo a diferenciá-las.

4.2 SIGNIFICAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO PARA O SUJEITO

Nesta categoria de análise, foi investigado o significado do Programa de Pós-graduação na vida do pós-graduando.

DSC 1: O mestrado significa pra mim uma grande oportunidade de expandir meus conhecimentos, de me capacitar e crescer profissionalmente, e que ‘abre a porta’ para o ingresso na carreira acadêmica. Estar no mestrado representa uma realização pessoal, uma conquista!

A representatividade do Programa de Pós-Graduação em Ciências Contábeis para o mestrando evidencia as motivações, identificadas no estudo de Avelino, Cunha e Nascimento (2013), em que os estudantes pretendiam ingressar na pós-graduação visando a qualificação profissional e satisfação pessoal.

Por meio do DSC 1 percebe-se a expectativa do sujeito em que seu título de mestre “abra as portas” da carreira acadêmica. Esta relação entre o curso de mestrado e a carreira acadêmica, é reforçada no trabalho de Lima, Vendramin e Casa Nova (2018) em que os autores afirmam que é esperado que durante cursos de mestrado e doutorado os discentes desenvolvam sua identidade acadêmica. Observa-se, portanto, que o sujeito entende e espera que o mestrado sirva como um rito de passagem para ingresso e socialização na carreira acadêmica.

Com relação às expectativas e oportunidades que os discentes percebem ao participar de um curso de mestrado recém implantado, encontra-se o Discurso do Sujeito Coletivo 2:

DSC 2: O programa de pós graduação em Ciências Contábeis é uma porta aberta para que eu possa iniciar a docência, seguir a carreira acadêmica. A partir do mestrado, serei capaz de ampliar meu conhecimento na área e melhorar meu currículo, e assim, acredito que surgirão novas oportunidades de crescimento profissional.

Devido a competitividade do mercado de trabalho, tanto acadêmico quanto profissional, a pós-graduação tem sido um meio para a busca de qualificação e expansão do conhecimento para conquistar melhores oportunidades de inserção e crescimento profissional (SCHILLINGS, 2005). Destaca-se a expectativa de aprendizagem para a docência durante o mestrado, o que é compreensível visto que a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) afirma que a preparação para a docência será realizada preferencialmente em cursos de pós-graduação stricto sensu.

DSC 3: Além disso, o mestrado gera a oportunidade de trocar experiências com os colegas e professores, e também de conhecer pessoas novas, porque isso tudo contribui para a expansão de conhecimento profissional e pessoal, e para a criação de network.

Ressalta-se que essa interação com outros indivíduos tem relação com a vivência, na perspectiva de Vigotsky, pois a experiência coletiva é internalizada pelo sujeito e este se transforma por meio dela, favorecendo também o desenvolvimento intrapessoal. A interação com os pares e professores é analisada por Vigotsky no conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, em que os pares atuam como mediadores da aprendizagem - principalmente aqueles com maior experiência e conhecimento daquele assunto (VIGOTSKY, 1978). Ainda, vale destacar que no estudo de Groen, Simmons e Turner (2019) a capacidade e a vontade dos estudantes em relacionarem-se com outras pessoas (networking) foi ferramenta essencial para a formação da resiliência dos participantes da pesquisa.

DSC 4: Espero desenvolver pesquisas e participar de eventos científicos para poder contribuir na avaliação interna e externa do curso, e também, retornar para a sociedade o investimento aplicado em mim.

Observa-se que os pós-graduandos têm a preocupação em cumprir com os requisitos da avaliação da Capes, visto que a pressão recaída sobre os docentes também se estende para os mestrandos no que se refere ao cumprimento dos critérios estabelecidos pela Capes para avaliar os Programas de Pós-Graduação, como visto nos estudos de Altoé, Fragalli e Espejo (2014) e Soares e Casa Nova (2015). Outro ponto de destaque é a consciência e preocupação de retornar à sociedade o conhecimento o investimento aplicado no discente, visto que como discutido anteriormente a maior parte dos PPGs estão localizados em Universidades Públicas.

DSC 5: Será uma realização compor o pequeno número de pessoas que tem mestrado em Contabilidade no Brasil. E a sensação de estar em um curso de mestrado recentemente implementado é de que sou uma parte importante da história.

Este trecho do DSC demonstra o orgulho dos pós-graduandos no pioneirismo, em participar de um curso de mestrado em Ciências Contábeis recentemente implementado no Brasil, além da importância em contribuir para a consolidação da Contabilidade no país, tendo em vista a recenticidade da área.

4.3 DIFICULDADES PERCEBIDAS PELO DISCENTE NA PARTICIPAÇÃO DE UM CURSO DE MESTRADO RECENTEMENTE IMPLEMENTADO

Nesta categoria de análise foram evidenciadas as dificuldades percebidas pelos pós-graduandos em participar de um curso de mestrado em Contabilidade recém implantado.

DSC 6: Por ser um curso novo, o Programa de Pós-Graduação ainda está se adaptando, então tem alguns problemas na infraestrutura, como poucas salas de estudos, mau funcionamento do projetor, e também, normas ainda não bem estruturadas, ou ainda, para uns professores falta a prática da pesquisa acadêmica, para outros é a primeira vez ministrando aulas na Pós, e até alguns professores sem preparo adequado para serem orientadores.

Vale sugerir para a Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Ciências Contábeis (ANPCONT) realizar uma observação diferenciada para os Programas mais novos, pois a CAPES enquanto avaliadora usa a mesma régua e padronização; porém, como indicam os achados deste estudo, as dificuldades na infraestrutura, muitas vezes relacionadas à falta de recursos, bem como os problemas na estruturação das normas, e ainda, na preparação docente - que reproduz modelos mentais construídos ao longo de sua trajetória - impactam na vida dos egressos e da comunidade, no entanto, esses efeitos deveriam ser levados em consideração.

Como mostrado por estudos anteriores a infraestrutura física do local de aprendizagem é um dos fatores que influencia o desempenho e rendimento acadêmico discente, dessa forma, é preciso que as IES dediquem tempo adequado para resolver tais questões. Especificamente na questão da orientação é perceptível na literatura nacional que a discussão sobre tal aspecto da formação docente ainda é recente e incipiente (MASSI; GIORDAN, 2017).

Ainda segundo Costa, Sousa e Silva (2014) falta não apenas formação para a orientação acadêmica, mas também definir uma carga de dedicação específica para a orientação e visando superar a formação fragilizada para a orientação os autores propõem um modelo de orientação que poderia e deveria ser discutido com novos orientadores. Casa Nova (2014) destaca ainda a importância da coorientação na aprendizagem do “ser orientador”.

DSC 7: Ainda, seria proveitoso se tivesse maior aproximação de pesquisadores de outras universidades, então, em alguns momentos parece que o Programa ainda não tem uma “cara”, parece que somos “cobaias”. Não consigo elencar as dificuldades, porque a coordenação do curso, os professores estavam preparados para os obstáculos iniciais do curso, então acredito que não chegou a impactar negativamente os mestrandos.

A sensação dos mestrandos em serem “cobaias” pode estar relacionada ao fato do curso ser recentemente implementado e estar em fase de adaptação. Ainda, é essencial a cooperação e apoio de Programas mais consolidados para trabalhar em conjunto com os cursos recém implantados. Por outro lado, há o discurso de que as dificuldades não afetam os pós-graduandos, pois são resolvidas pela coordenação do curso e pelos docentes.

Destaca-se ainda a afirmação de que “o Programa ainda não tem uma ‘cara’”. Tal afirmação destaca a importância do desenvolvimento de uma identidade organizacional para o programa e a importância de não apenas replicar modelos que dão certo em outras universidades, mas levar em consideração as particularidades da região em que o programa se insere, da formação e atuação do corpo docente e das necessidades regionais que podem ser utilizadas como possibilidades de pesquisa e de diferencial para atuação do programa.

DSC 8: Conciliar o mestrado, vida pessoal e profissional é desafiante, pois o curso exige leitura intensa, maior compreensão e interpretação, sem contar que não ter o domínio da língua inglesa é complicado, porque a maior parte dos artigos que precisam ser lidos estão em inglês. Outra dificuldade é em relação à pesquisa, pois acaba sendo exigida muita produção de artigos, e isso resulta em perda de tempo e artigos com pouca qualidade. No mestrado precisa ter muita disciplina e planejamento, às vezes falta tempo para me dedicar como gostaria aos estudos.

Ressalta-se ainda, que alguns mestrandos da universidade particular relataram dificuldades financeiras, em razão do preço do curso. Este achado se relaciona com os resultados da pesquisa de Meurer, Souza e Costa (2018) em que a renda, neste período, é impactada de forma negativa. Outros pós-graduandos mencionaram o tempo gasto no deslocamento para assistir às aulas presencialmente, por depender de transporte público ou morar em outra localidade. Ainda, os mestrandos que possuem emprego relataram a dificuldade em conciliar o mestrado com a vida profissional e pessoal.

Acrescenta-se que este trecho do DSC tem relação com os resultados do estudo de Groen, Simmons e Turner (2019) em que uma das técnicas utilizadas por estudantes para diminuir o estresse e desenvolver a resiliência consistia na capacidade de auto-organização dos estudos e também da vida profissional, assim, os discentes organizaram timeslots para as atividades de acordo com a relevância, Google Calendar sincronizado com celular, planejador com divisão diária, para assim, ter controle e gerenciamento do tempo.

Destaca-se ainda que a necessidade de leituras e domínio de outros idiomas acaba sendo reflexo das exigências de internacionalização por parte dos programas e também por integrar os requisitos da nova ficha de avaliação da Capes. Apesar da importância de conhecer pesquisas desenvolvidas em outros países muitas vezes o idioma se torna uma barreira e gera inclusive uma marginalização de pessoas e países que não têm o inglês como primeira língua.

Por fim, observa-se a reclamação acerca do produtivismo que segundo Malsch e Tessier (2015) pode resultar na fragmentação das identidades de novos acadêmicos, além de instaurar um clima de competição que pode levar ao sentimento de culpa, fracasso e desalojamento caso o discente não sinta que está produzindo tanto quanto deveria. Tais sentimentos relacionados à cobrança exacerbada podem ter impactos negativos sobre à saúde mental e bem-estar do corpo discente e levar até mesmo ao abandono não apenas do curso, mas também da carreira acadêmica.

DSC 9: E em alguns momentos me deparei com estresse, choro, ansiedade, insônia, baixa autoestima, um sentimento de incapacidade, de sobrecarga.

Observa-se que os impactos negativos na saúde mental dos mestrandos corroboram com a pesquisa “A “Dor do Crescimento”: Um Estudo sobre o Nível de Estresse em Pós-Graduandos de Contabilidade” de Altoé, Fragalli e Espejo (2014). Vale acrescentar que, segundo o estudo de Santos e Alves Júnior (2007) e de Rezende, Miranda, Pereira e Cornacchione Junior (2017), o desempenho do pós-graduando pode ser influenciado pelo estresse experienciado no mestrado, e conforme a pesquisa em questão, não é privilégio de Programas novos, mas sim de toda trajetória na pós-graduação.

Destaca-se que os novos Programas de pós-graduação podem estar reproduzindo modelos dos antigos, por ser um padrão que a Capes reconhece de certa forma, materializada em conceitos superiores dos cursos mais consolidados. No entanto, quando se reproduz modelos, refletem-se aspectos positivos e negativos, e a saúde dos pós-graduandos continua sendo afetada.

4.4 IMPACTOS GERADOS NA VIDA DO MESTRANDO POR VIVENCIAR CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIAS CONTÁBEIS RECENTEMENTE IMPLEMENTADO

Nesta categoria de análise foram evidenciados os impactos nas dimensões pessoal, profissional, acadêmica, familiar, espiritual, esportiva/lazer e outras gerados na vida dos pós-graduandos por participar de um curso de mestrado em Contabilidade recentemente implementado.

DSC 10: A vivência no mestrado gera um impacto positivo na minha vida profissional, por mais que seja necessário ajustar os horários, o curso proporciona agregação de conhecimento, qualificação e abertura de novas perspectivas e oportunidades. Como sou bolsista, não trabalho, então dedico-me exclusivamente ao mestrado.

Observa-se que para o discente que desempenha uma ocupação como estudante e empregado ou ainda empresário ou autônomo, apesar da necessidade do gerenciamento do tempo para conciliar estudo e trabalho, o mestrado possibilita um avanço positivo, pois permite ampliação do conhecimento, proporcionando novos horizontes na vida profissional. Por outro lado, os bolsistas dedicam-se exclusivamente ao curso com certas obrigações para cumprir os requisitos da avaliação quadrienal. A posição de bolsista, atualmente, tem se mostrado uma preocupação a mais para os discentes, visto que a cada dia que passa o orçamento destinado à pesquisa no Brasil diminui, o que influencia diretamente os alunos bolsistas. O trabalho de Rezende et al. (2017) mostra que a condição de bolsista está relacionada de maneira significativamente estatística com o stress.

DSC 11: A vida acadêmica também é impactada positivamente, apesar de ser intensa, sou estimulado a questionar, buscar saber o porquê, a desenvolver meu senso crítico, e com isso, já percebo a evolução do meu crescimento, do meu aprendizado. Vivencio mais o lado acadêmico, aprendendo as técnicas de pesquisas e de docência, o que oportuniza o trabalho como docente. Ainda que tenha muita cobrança por leituras e produção de artigos, o crescimento é imenso, e mesmo assim, reconheço que não sei nada, mas acredito que o importante mesmo é aprender como buscar o conhecimento.

Destaca-se a importância da pós-graduação como um período de transformação para a inserção na docência e pesquisa acadêmica, visto que quem decide seguir esta carreira deve ter a compreensão de que no futuro será um agente transformador na sociedade, tanto do exercício da docência quanto pelos resultados das pesquisas científicas, ou ainda, essencialmente pelo exemplo aos alunos (ESPEJO, 2019).

DSC 12: Na questão de tempo tive que me organizar para estabelecer minhas prioridades, e com isso, o tempo com a família e amigos foi reduzido para eu poder me dedicar aos estudos, inclusive nos finais de semana, e isso deixa algumas pessoas bem chateadas, não entendem minha ausência. Então, meus relacionamentos foram impactados, como a família e amigos. Minha família me apoia e me incentiva a continuar, é difícil este distanciamento, mas sei que é necessário e que depois colherei os frutos. Por outro lado, a vivência no mestrado me fez aproximar de novas pessoas, fiz novas amizades que quero levar para vida toda, comecei a admirar pessoas que impactam positivamente minha vida, não só acadêmica. Inclusive a boa relação com o orientador me incentiva a ser cada dia melhor e me auxilia em muitos momentos.

No que tange a relação orientador-orientando observamos duas perspectivas: de um lado tem-se o relato do despreparo do professor para ter a função de orientar, e do outro, percebe-se que o orientador e o mestrando têm uma relação positiva, saudável. A relação entre orientador-orientando é um dos principais fatores de sucesso ou falha durante um curso de pós-graduação stricto sensu (ZHAO; GOLDE; MCCORMICK, 2007).

Tal relação é de extrema importância, pois “o processo de construção do conhecimento não é uma atividade isolada, e necessita da interação entre os sujeitos professor orientador e aluno orientado” (LEITE FILHO; MARTINS, 2006, p. 100). Destaca-se que tal relação deve permitir ao estudante desenvolver a sua autonomia, mas que deve ser acompanhado pelo orientador, visto que dar autonomia não é o mesmo que não orientar (COSTA; SOUZA; FILHA, 2014).

Da mesma maneira que o orientador desempenha um papel importante por acompanhar o estudante durante todo o processo, os professores das disciplinas também possuem um papel importante na formação desse estudante. Lima, Vendramin e Casa Nova (2018) demonstram que os docentes podem inflamar ainda mais o clima de competitividade existente no curso de mestrado e, como visto anteriormente, tal clima pode prejudicar não só o andamento do curso, mas também a saúde mental dos discentes. É preciso que os docentes tenham consciência da importância e da responsabilidade do seu papel, mas ao mesmo tempo tenham a humildade de reconhecer que seus alunos não receptores vazios, pois como afirma Freire (2012) “quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”.

DSC 13: A minha participação no Programa é uma realização, um sonho. A minha família sente orgulho de mim, e estar no mestrado faz com que eu influencie outras pessoas a estudarem. Esse período foi de crescimento pessoal, um impacto positivo na minha vida, porque amadureci, comecei a enxergar a importância das críticas, construir uma visão crítica das coisas, saber lidar com a solidão, porque este é um processo de certa forma solitário.

Na perspectiva Vigotskiana, a vivência atribui-se às percepções que levam o sujeito à inserção no mundo, gerando um significado emocional forte para o indivíduo, possibilita também “compreender como cada pessoa se relaciona com o mundo e como esse mundo é subjetivado”, contribuindo assim, no desenvolvimento intrapessoal (MARQUES; CARVALHO, 2014, p.45). Nesse sentido, o período da vivência no mestrado é solitário, período em que o discente reflete sobre suas escolhas, momento de encontro consigo mesmo, pois a pós-graduação refere-se a um acerto de contas pessoal, pois se o discente durante o curso da graduação não desenvolveu o hábito da leitura, da escrita, de uma língua estrangeira como o inglês, terá que dedicar-se muito mais para ter um bom desempenho na pós-graduação (ESPEJO, 2019).

DSC 14: Em razão das atividades do mestrado, tive que abrir mão de alguns momentos de lazer, considero que houve um impacto negativo nesta dimensão, pois raramente tenho tempo de lazer. Por enquanto consigo equilibrar o tempo, então esta parte não foi afetada. Quanto à saúde física, estou uma pessoa sedentária, por causa do pouco tempo disponível, desde que comecei o mestrado tive que renunciar das atividades físicas que antes eram realizadas regularmente, sinto as consequências negativas disso, como aumento do peso e inchaço. Consigo balancear meu tempo e pratico atividades físicas regularmente, e isso tem me ajudado muito a enfrentar situações difíceis, pois me distrai, tira o estresse, me faz muito bem.

Neste sentido, destaca-se a pesquisa de Groen, Simmons e Turner (2019) “Developing Resilience: Experiencing and Managing Stress in a US Undergraduate Construction Program”, em que devido aos altos níveis de estresse experienciado pelos estudantes, estes procuravam maneiras para controlá-lo e estimular a resiliência. Os estudantes participantes da investigação vivenciaram estressores diários, por exemplo, em relação aos estudos acadêmicos, relacionamentos pessoais, e afirmaram que o estresse foi crucial para desenvolver a resiliência. As maneiras para driblar os estressores e contribuir para construção da resiliência foram: fazer atividade física, dedicar ao hobby, networking, auto-organização, transferir habilidades entre os ambientes acadêmicos e profissionais, refletir sobre o crescimento pessoal, ter atitudes positivas.

DSC 15: Também tive impactos na saúde mental, sentimento de desespero, de nunca achar o que faço bom o bastante, insegurança e muito estresse; parece que minha cabeça não desliga, sinto dificuldade para dormir, e precisei até de acompanhamento psicológico. Sinto-me alegre por saber que estou me encontrando profissionalmente, consigo conter o nervosismo na hora de falar em público.

Estudos apontam que a saúde mental dos pós-graduandos é afetada devido à adaptação no contexto acadêmico que abrange diversos aspectos como mudanças e pressões (ALTOÉ; FRAGALLI; ESPEJO, 2014; SANTOS; ALVES JÚNIOR, 2007; REZENDE et al., 2017) e que os impactos negativos influenciam o desempenho acadêmico. Essas diversas pressões aplicadas ao corpo discente e ao corpo docente podem ser vistas como consequência do processo de neoliberalização e gerencialismo das universidades que aumentam ainda mais a cobrança por maior e melhor performance acadêmica, tanto em sala de aula, quanto em relação às publicações (LAW; YE; CHEN; LEUNG, 2009; FANGHANEL, 2012; HORTON; TUCKER, 2013).

Além de aumentar os níveis de estresse, ansiedade e mal-estar entre os acadêmicos tais pressões, ainda ameaçam a produção do conhecimento (GENDRON, 2008), a construção das identidades profissionais relacionadas à academia (KNIGHTS; CLARKE, 2014; LIMA; VENDRAMIN; CASA NOVA, 2018) e aumentam os conflitos entre a vida acadêmica e demais aspectos profissionais e familiares (LIMA et al., 2019). Por fim, destaca-se que além de comprometer a saúde mental, diversos aspectos da vida dos estudantes e a própria produção do conhecimento, tais cobranças podem influenciar diretamente na saúde física como mostra um dos entrevistados de Lima e Araujo (2019, p.68) “[quando eu] estava no mestrado... um rapaz enfartou depois de uma prova. E, da turma que entrou, acho, que treze, e saíram oito”.

DSC 16: Em relação ao espiritual, o tempo na igreja diminuiu, mas meu contato com Deus não, pois Ele me sustenta quando penso em desistir, me dá equilíbrio. Acredito que Deus abriu as portas para eu chegar até o mestrado, a fé aumentou e tenho certeza de que Deus guia os meus passos. A palavra é gratidão. Gratidão pela oportunidade. Sinto-me contemplado por estar no mestrado. O preparo espiritual é essencial neste período, porque dá força, direciona os pensamentos e energia para as atividades que precisam ser realizadas. Como forma de abstrair, busquei auxílio na meditação, budismo e yoga. Não houve impacto na dimensão espiritual.

Como explicitado nos estudos de Altoé, Fragalli e Espejo (2014), Soares e Casa Nova (2015) e também nos DSCs desta pesquisa, a vivência no mestrado é marcada por impactos positivos e negativos que afetam profundamente a vida dos pós-graduandos e das pessoas ao seu redor nas diversas dimensões, como a vida pessoal, acadêmica, profissional, familiar, relacionamentos, saúde mental e física e também a espiritualidade. Apesar de tratar-se de um período difícil, observa-se o reconhecimento de que é privilegiado, como no trecho “A palavra é gratidão. Gratidão pela oportunidade”. Observa-se que a espiritualidade é tida como uma base de sustentação e fé para enfrentamento dos impactos negativos advindos da participação no mestrado, e de certa forma também, utilizada como um apoio para lidar com o estresse e desenvolver a resiliência.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Preenchendo a lacuna na literatura em investigar a experiência de discentes em cursos de pós-graduação recém implementados, este estudo teve por objetivo identificar as expectativas, oportunidades, dificuldades e impactos, pelas perspectivas dos mestrandos, que foram gerados pela vivência em mestrados acadêmicos em Ciências Contábeis que ainda não completaram um ciclo de avaliação quadrienal da CAPES. A pesquisa se deu por uma abordagem qualitativa com aplicação de questionários com 101 pós-graduandos regulares da UFMS, FURG, UFRGS e FUCAPE, no qual os respondentes compreendem 44 discentes, utilizando-se como respaldo a vivência na perspectiva de Vigotski e para a análise dos dados foi usada a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo.

Ao aplicarmos o conceito de vivência proposto por Vigotski (2006) nas vidas dos estudantes de mestrado em Ciências Contábeis em programas recém implantados é visível a aderência do conceito ao campo, visto os diversos impactos biossociais observados. Os resultados deste estudo indicam que o mestrado representa para os pós-graduandos a oportunidade de ampliar os conhecimentos, qualificação, e ainda, a expectativa de ingresso na carreira acadêmica, sendo este período do mestrado um rito de passagem para tal, como mostram os DSCs 1 e 2. Se tratando da área contábil, cuja pós-graduação stricto sensu existe no Brasil desde 1970, o ingresso na carreira acadêmica ainda é ampla porta aberta, podendo atentar às expectativas externadas pelos respondentes. Ao contrário de outras áreas mais maduras, nas quais as oportunidades são mais escassas e por isso, mais concorridas.

Quanto às expectativas em participar de um curso de mestrado recém implementado, pode-se destacar a aprendizagem para a docência, visto que a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) afirma que a preparação para a docência será realizada preferencialmente em cursos de pós-graduação stricto sensu, bem como a preocupação em cumprir com os requisitos da avaliação da Capes, conforme evidenciado pelo DSC 4. Observa-se que as ações desenvolvidas pelos PPGs em Contabilidade, voltadas à preparação para a docência, ainda são incipientes e de forma não obrigatória. Assim, cabe ao mestrando se empenhar para que consiga participar de tais atividades, para sua expectativa seja alcançada no que tange a aprendizagem para a docência.

Já em relação às oportunidades, enfatiza-se a troca de experiências, criação de network, e o orgulho dos pós-graduandos no pioneirismo, em participar de um curso de mestrado em Ciências Contábeis recentemente implementado no Brasil, consoante aos DSCs 3 e 5. Um bom relacionamento com os professores do curso, orientadores e colegas, pode garantir essas oportunidades de troca de experiências e criação de networking. É importante viver o curso de mestrado, aproveitar as oportunidades, disciplinas, eventos e demais interações.

Sobre as dificuldades, enfatizam-se os problemas na adaptação, como a infraestrutura, normas ainda não bem estruturadas, bem como aspectos da preparação docentes, de acordo com o DSC 6. Acrescenta-se ainda o fato de o Programa ainda não ter uma “cara” destacando a importância do desenvolvimento de uma identidade organizacional para o programa e não apenas replicar modelos que dão certo em outras universidades, como revela o DSC 7. Para os pós-graduandos existe a reclamação acerca do produtivismo, como também a leituras e domínio de outros idiomas, de modo como indica o DSC 8. Porém, estudos tem revelado que o produtivismo é inerente ao stricto sensu na área contábil, especialmente motivado pelas avaliações dos programas, que buscam sempre elevar suas notas, ganhando mais destaque e oportunidades de financiamento.

Vale destacar as dificuldades enfrentadas na saúde mental dos discentes, como enfatiza o DSC 9, tendo em vista que os novos Programas podem estar reproduzindo modelos dos antigos, por ser um padrão que a Capes reconhece de certa forma, materializada em conceitos superiores dos cursos mais consolidados. Porém, quando se reproduz modelos, refletem-se aspectos positivos e negativos, e a saúde dos pós-graduandos continua sendo afetada. Em relação aos impactos gerados na vida dos mestrandos por participar em um curso de mestrado recentemente implementado consistem, por exemplo, na diminuição no tempo com a família, impactos negativos na saúde mental, impactos positivos na vida profissional, maior necessidade de gerenciamento do tempo e a espiritualidade como uma sustentação para a construção da resiliência, conforme mostram, respectivamente, os DSCs 12, 15, 10, 12 e 16.

Como limitação do estudo, destaca-se que foi delimitada a investigação apenas para os cursos de mestrado em Ciências Contábeis recém implementados no país que ainda não foram avaliados pela Capes, consequentemente não é possível estender os resultados obtidos para a vivência de todos os discentes de pós-graduação em Contabilidade. Esta pesquisa foi conduzida entre pós-graduandos ingressantes nos anos de 2016, 2017 e 2018 nas cidades de Porto Alegre e Rio Grande - RS, Campo Grande - MS e São Luís - MA por meio de uma survey. Além disto, a participação voluntária dos respondentes pode gerar um viés de autosseleção nos resultados, caso haja algum interesse particular na participação. Entretanto, a não representatividade da amostra não significa necessariamente que os resultados sejam inválidos, mas sim que, estatisticamente, não se pode afirmar isto.

O presente estudo e seus achados, pode ser utilizado pelos programas de pós-graduação, no momento de revisão de suas metas, normas e atividades. Pela CAPES, para refletir sobre os impactos das fichas de avaliação. Tal utilização, pode ter o foco de reforçar as ações que tem dado certo e apresentam maiores resultados e bem-estar acadêmico e profissional, assim como, para as ações que tem causado impactos negativos para os envolvidos.

Ao longo do desenvolvimento deste estudo identificaram-se questões correlatas que permitiriam o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa para ampliar o entendimento do fenômeno estudado. Este estudo poderia ser aplicado a todos os programas de pós-graduação em Ciências Contábeis no país, complementando o entendimento quanto à vivência dos alunos. Ainda com relação ao processo de inicialização de um programa de pós-graduação, pesquisas futuras poderiam estudar de forma mais aprofundada a organização e seus processos de adaptações para que ocorra o crescimento e consolidação do programa.

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Notas

1 Artigo apresentado no EnANPAD 2019.

Autor notes

Endereço dos Autores: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Av. Costa e Silva, s/n, Bairro Universitário, Campo Grande - MS - Brasil, 79070-900

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