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Sistema de controle gerencial e gestão por algoritmos: análise do caso UBER no Brasil e nos Estados Unidos da América 1
Management control system and algorithmic management: analysis of the UBER case in Brazil and United States of America
Enfoque: Reflexão Contábil, vol. 42, núm. 2, pp. 121-140, 2023
Universidade Estadual de Maringá

Artigo


Recepção: 22 Abril 2021

Revised document received: 02 Agosto 2021

Aprovação: 12 Julho 2021

DOI: https://doi.org/10.4025/enfoque.v42i2.58799

RESUMO: A pesquisa apresentada neste artigo visou descrever o sistema de controle gerencial (SCG), suportado por algoritmos, utilizado pela UBER, como ele influencia comportamentos e é percebido por motoristas parceiros dessa empresa no Brasil e nos Estados Unidos da América. Os dados da pesquisa qualitativa, exploratória e documental foram obtidos mediante documentos da UBER divulgados publicamente e de relatos de motoristas brasileiros e norte-americanos parceiros da empresa disponíveis na plataforma do YouTube. Os resultados indicam haver uma inter-relação entre as ferramentas empregadas no SCG da UBER para induzir o comportamento dos motoristas parceiros da empresa. Há evidências do intenso uso de controles cibernéticos e de controles de prêmios e compensação na empresa. Salienta-se que os motoristas parceiros analisados apresentaram uma série de reações comportamentais aos diferentes tipos de controles estabelecidos pelos algoritmos e pela inteligência artificial empregada pela UBER. Nesse sentido, destacam-se técnicas e ferramentas usadas pelos motoristas no intuito de desenvolver suas atividades e aproveitar ao máximo as métricas estabelecidas pela empresa para fins, especialmente, de avaliação de desempenho e de recompensa. O uso dessas técnicas e ferramentas, de alguma maneira, minimiza a assimetria de informações entre o principal (UBER) e o agente (motoristas), fonte de parte do poder da empresa. Este estudo contribui com a literatura e com a prática relativa à aplicação de SCG em contextos contemporâneos de economia compartilhada, que usualmente empregam algoritmos como meios para orientar e induzir comportamentos e estimular o alcance de resultados organizacionais.

Palavras-chave: Sistema de controle gerencial, Algoritmos, Economia compartilhada, UBER, YouTube.

ABSTRACT: This paper presents a study that aimed at describing the management control system (MCS) of UBER, how it influences behavior, and how it is perceived by Brazilian and American company’s drivers. The qualitative, exploratory, and documentary research data were obtained through publicly released UBER documents and public reports by Brazilian and American drivers who are partners of the company available on the YouTube platform. There seems to be an interrelation between the tools used in the UBER MCS to induce the behavior of the company's partner drivers. There was an intense use of cybernetics controls and premium and compensation controls in the company. The partner drivers analyzed showed a series of behavioral reactions to the different types of controls established by the algorithms and the intelligence employed by UBER. In this sense, techniques, and tools stand out, used by drivers to develop their activities, and make the most of the metrics established by the company for purposes (especially, of performance evaluation and reward). The use of these techniques and tools somehow minimizes information asymmetry between the principal (UBER) and the agent (drivers), source of part of the company's power. This study contributes to the literature and to the practice related to the application of MCS in contemporary contexts of sharing economy, which usually employ algorithms to guide and induce behaviors and to stimulate the achievement of organizational results.

Keywords: Management control system, Algorithmic, Sharing economy, UBER, YouTube.

1 INTRODUÇÃO

De acordo com Jordão, Barbosa e Resende (2018), a literatura internacional enfatiza que os avanços nas tecnologias da informação e comunicação, o aumento das pressões competitivas e as turbulências no ambiente de negócios em uma economia globalizada são fatores que vêm modificando significativamente os sistemas de controle gerencial (SCG) e suas aplicações práticas. Os autores ainda ressaltam que está havendo uma maior exigência e sofisticação nesses sistemas, com o intuito de gerar informações úteis sobre os negócios e dar suporte aos processos decisórios. Em linhas gerais, Malmi e Brown (2008) conceituam os SCG como regras, práticas, valores e outras atividades geridas no sentido de direcionar/influenciar o comportamento dos trabalhadores.

A literatura sugere que o modelo proposto por Malmi e Brown é um dos mais empregados para se analisar os SCG de organizações (CRUTZEN; ZVEZDOV; SCHALTEGGER, 2017; LUEG; RADLACH, 2016; SVENSSON; FUNCK, 2019). Todavia, conforme Leoni e Parker (2019), em um ambiente de economia compartilhada, a forma de exercício do controle pelas empresas pode mudar radicalmente. Silveira, Petrini e Santos (2016) explicam que essa economia se caracteriza por uma nova forma de lidar com a produção, a distribuição e o consumo de bens e serviços na sociedade, sendo decorrente do rápido avanço tecnológico dos últimos anos. Devido à escala da força de trabalho e ao grande volume de tecnologia envolvido em negócios da economia compartilhada, Cheng e Foley (2019) afirmam que decisões baseadas em algoritmos têm crescido recentemente, sendo adotadas por muitas organizações para tornar o trabalho mais eficiente.

Assim, pode-se dizer que, na economia compartilhada, a chamada “gestão por algoritmos” vem ganhando espaço como uma forma de otimizar decisões, nas quais algoritmos analisam o desempenho e direcionam os esforços dos trabalhadores de uma empresa, substituindo o papel tradicional da média gerência (SCHILDT, 2017; CHENG; FOLEY, 2019). Nesse sentido, Hughes et al. (2019) salientam que é cada vez mais popular o uso de algoritmos em empresas para controlar as atividades dos trabalhadores. Esses autores destacam especificamente o papel de algoritmos de inteligência artificial (IA) no controle de motoristas em empresas de transporte por aplicativo, como a UBER (empresa considerada símbolo da economia compartilhada).

Nesse novo modelo de negócios, alguns autores discorrem sobre a assimetria de poder entre as partes (empresas e motoristas) (ROSENBLAT; STARK, 2016; BASUKIE; WANG; LIB, 2020) e a instabilidade e a vulnerabilidade do trabalho, reforçando a necessidade de regulação (WENTRUP; NAKAMURA; STRÖM, 2019; BERG; JOHNSTON, 2019). Por outro lado, outros autores destacam a liberdade, a oportunidade laboral, a flexibilidade da jornada de trabalho e o alto nível de satisfação dos motoristas parceiros e usuários da plataforma tecnológica da empresa nos Estados Unidos da América (EUA) (HALL; KRUEGER, 2017).

Contudo, apesar da importância de plataformas da economia compartilhada, tal como a UBER, estudos sobre o uso de algoritmos como ferramenta de controle nesse contexto ainda são raros em todo o mundo (LEONI; PARKER, 2019). Em especial, há uma lacuna sobre como os SCG se utilizam de algoritmos para influenciar comportamentos individuais e estimular o alcance de resultados organizacionais, assim como a percepção dos influenciados sobre esses sistemas. Reconhecendo e explorando essa lacuna de investigação, o estudo apresentado neste artigo visou responder à seguinte questão de pesquisa: Como o SCG da UBER, suportado por algoritmos, influencia comportamentos dos motoristas parceiros da empresa e é percebido por esses trabalhadores?

Diante disso, este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que visou descrever o SCG, suportado por algoritmos, utilizado pela UBER, como ele influencia comportamentos e é percebido por motoristas parceiros dessa empresa no Brasil e nos EUA. Em termos práticos, para contrastar as realidades nacional e internacional, realizou-se um estudo sobre o uso do SCG da UBER nos dois maiores mercados mundiais da empresa, aplicando na pesquisa o modelo proposto por Malmi e Brown (2008).

A pesquisa desenvolvida é justificada sob várias perspectivas. Primeiramente, tem-se o surgimento e a intensificação recente da economia compartilhada, fenômeno com muitas dimensões e ainda estudado de forma exploratória no mundo (SUTHERLAND; JARRAHI, 2018). Destaca-se, ainda, o papel econômico, político e social da UBER, especialmente em relação aos seus motoristas parceiros prestadores de serviços (ROSENBLAT; STARK, 2016; HALL; KRUEGER, 2017; BERG; JOHNSTON, 2019), e o fato de que os países analisados na pesquisa são os dois maiores mercados da empresa no mundo (UBER, 2020a).

Basukie, Wang e Lib (2020) ainda realçam a importância de se compreender as diferenças percebidas por motoristas de aplicativo em países desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo que poucos estudos são realizados nestes últimos países. Finalmente, apesar de muito relevante para a pesquisa em campos como a Administração, Contabilidade, Economia, Direito, Engenharia e Sistemas de Informações, dentre outros, ainda são poucos estudos nesse sentido no Brasil, sendo, ainda, muito raros no exterior (LEONI; PARKER, 2019). Esse conjunto de fatores acentua não somente a inovação, mas também a originalidade da pesquisa e suas contribuições.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 ECONOMIA COMPARTILHADA E GESTÃO POR ALGORITMOS

De acordo com Silveira, Petrini e Santos (2016), a economia compartilhada pode ser entendida como um sistema socioeconômico construído em torno do compartilhamento de recursos humanos, tecnológicos e físicos, que inclui a criação, a produção, a distribuição, o comércio e o consumo compartilhado de bens e serviços. Para Sutherland e Jarrahi (2018), esse tipo de economia é bastante dependente das tecnologias da informação e comunicação e de transações digitais. Conforme Basukie, Wang e Lib (2020), o amplo acesso das pessoas a smartphones e a outros aparelhos que possibilitem conexão com a Internet facilitou substancialmente as transações e a confiança entre pessoas.

Nesse contexto, emerge o papel dos algoritmos para auxiliar na gestão. Pode-se dizer que o crescimento da economia compartilhada está alicerçado na gestão de dados e algoritmos para encontrar a forma mais eficiente de se relacionarem clientes e fornecedores (BASUKIE; WANG; LIB, 2020). Esse emprego de algoritmos para fins de controle pode ser chamado de “gestão por algoritmos”, que, segundo Schildt (2017), é compreendida como o uso dessa tecnologia de forma a otimizar decisões, por meio da análise do desempenho e do direcionamento dos esforços dos trabalhadores de uma empresa. Nesse caso, o poder de gerir os trabalhadores sai da média gerência das empresas e vai para os profissionais mais focados em análise e programação, fazendo com que a gestão não seja tanto uma tarefa eminentemente humana, mas um processo intrínseco de tecnologia (SCHILDT; 2017; CHENG; FOLEY 2019).

Hughes et al. (2019) reforçam o papel de algoritmos para monitorar e tomar decisões em relação aos trabalhadores na economia compartilhada. Esses autores ressaltam que tais algoritmos podem ser utilizados para controlar as condutas dos trabalhadores, inclusive como forma de padronização, de duas maneiras: (a) controle de comportamento - direcionando e monitorando as atividades dos funcionários de forma a garantir que o trabalho está em conformidade com padrões previamente estipulados; e (b) controle de resultados - mensurando o desempenho do funcionário após a realização de uma tarefa (tratando-se, assim, de um controle ex post facto).

Apesar da ampliação dessa forma de controle por meio de algoritmos, diversos autores realçam aspectos negativos sobre os trabalhadores na economia compartilhada: a assimetria de poder entre as partes (empresas e motoristas); a precarização do trabalho (especialmente, no âmbito dos direitos humanos e do trabalho); e aspetos éticos relacionados à decisão automatizadas de algoritmos sobre a vida humana (ROSENBLAT; STARK, 2016; WENTRUP; NAKAMURA; STRÖM, 2019; BERG; JOHNSTON, 2019; BASUKIE; WANG; LIB, 2020).

2.2 UBER E SISTEMAS DE CONTROLE GERENCIAL (SCG) SUPORTADOS POR ALGORITMOS

A estreita relação e o sucesso do modelo de negócios da UBER dentro da economia compartilhada levaram ao termo “uberização” que, segundo o Dicionário Cambridge (2020), refere-se à mudança do mercado por um serviço a partir da introdução de um modo diferente de comprar ou usar determinado produto, especialmente, mediante o uso de tecnologias móveis. Nesse sentido, a UBER passou praticamente a ser um sinônimo popular de economia compartilhada.

Para realizar o controle dos milhões de motoristas e passageiros espalhados em todo o mundo, essa empresa emprega técnicas ligadas à gestão por algoritmos, conforme destacado por Schildt (2017). Usualmente, os controles gerenciais efetuados com o emprego de algoritmos, descritos por Leoni e Parker (2019), Cheng e Foley (2019), Hughes et al. (2019) e Basukie, Wang e Lib (2020), são caracterizados na literatura como SCG. Estes sistemas podem ser considerados processos pelos quais os gestores influenciam os outros membros da organização, ajudando a implementar a estratégia corporativa para que as decisões dos trabalhadores estejam alinhadas com os objetivos e as metas organizacionais (ANTHONY; GOVINDARAJAN, 2008). No intuito de aprimorar as discussões sobre SCG na literatura, Malmi e Brown (2008), conforme exposto no Quadro 1, propuseram uma forma de análise desses sistemas como um “pacote” formado por cinco tipos de controle interdependentes: planejamento, controles cibernéticos, controles de prêmio e compensações, controles administrativos e controle cultural.

Apesar de diversos conceitos e modelos relacionados aos SCG, no estudo ora apresentado, optou-se por enfocar o modelo de Malmi e Brown (2008), por se tratar de uma visão ampla e holística das diversas ferramentas de controle e de seu funcionamento conjunto como um sistema (pacote). Nesse sentido, conforme Lueg e Radlach (2016), o modelo supracitado ultrapassa os controles cibernéticos, cobrindo também controles formais e informais do SCG, além de possibilitar a avaliação e aplicação em diferentes níveis hierárquicos. Nesse sentido, Svensson e Funck (2019) realçam que o modelo proposto por Malmi e Brown (2008) oferece uma visão holística do controle gerencial nas organizações, discutindo diferentes tipos de controle interdependentes e não sistemas individualizados.

Dentre as plataformas tecnológicas mais relacionadas à economia compartilhada, e que utilizam algoritmos para dar suporte ao SCG, ressalta-se a UBER (HUGHES et al., 2019; BASUKIE; WANG; LIB, 2020). Rosenblat e Stark (2016) afirmam que a UBER gerencia uma ampla e desagregada força de trabalho, usando um aplicativo tecnológico que possibilita a prestação de um serviço relativamente padronizado aos passageiros, ao mesmo tempo em que promove seus motoristas parceiros como empreendedores, cujo trabalho seria caracterizado pela liberdade, flexibilidade e independência. Pode-se dizer que o controle sobre o grande número de clientes e trabalhadores só é possível no negócio da UBER em função do suporte proporcionado pelo emprego dos algoritmos (BASUKIE; WANG; LIB, 2020).

Essa forma de controle da UBER, conforme realçado por Schildt (2017), pode ser realizada com pouca ou nenhuma participação humana no processo. Rosenblat e Stark (2016) reforçam que esse tipo de gestão gera uma imposição automática das políticas da empresa sobre os motoristas. Ademais, Cheng e Foley (2019) destacam que ainda há poucas evidências acerca dos efeitos desse tipo de controle sobre os trabalhadores, porém são criados desafios para eles na economia compartilhada.


Quadro 1
Tipos de controles segundo Malmi e Brown (2008).
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Malmi e Brown (2008).

Conforme Hall e Krueger (2017), uma vez que a UBER oferece um trabalho remunerado com jornada de trabalho flexível e o mercado de transporte de passageiros, de um modo geral, possui pequenas barreiras à entrada de novos negócios, uma expressiva quantidade de trabalhadores se torna motoristas parceiros. Esses autores, inclusive, ressaltam que mais de 80% dos motoristas parceiros da UBER estão satisfeitos com o trabalho no modelo de negócios dessa empresa nos EUA. Berg e Johnston (2019), por outro lado, questionam os achados daqueles autores, tanto no que se refere à metodologia quanto à forte aderência ao discurso corporativo sem uma análise crítica. Já Rosenblat e Stark (2016) afirmam que a empresa tem uma assimetria de poder sobre os funcionários por meio de sua estrutura tecnológica. Por fim, Basukie, Wang e Lib (2020) concluíram, com base em seu estudo na Indonésia, que a gestão por algoritmos traz consequências negativas aos trabalhadores do transporte por aplicativo.

3 METODOLOGIA

3.1 CLASSIFICAÇÃO E AMOSTRA DA PESQUISA

A pesquisa apresentada neste artigo pode ser classificada como exploratória, qualitativa e documental (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2006). A pesquisa exploratória é realizada sobre um problema ou uma questão de pesquisa quando há pouco ou nenhum estudo anterior (geralmente tais temas são emergentes), tendo como objetivo procurar padrões, ideias ou hipóteses, em vez de testar ou confirmar hipóteses (COLLIS; HUSSEY, 2005). Uma vez que o tema sobre controle gerencial na economia compartilhada ainda ser emergente (LEONI; PARKER, 2019), verifica-se a aderência ao caráter exploratório do estudo.

Por sua vez, quanto à abordagem do problema, a pesquisa se caracteriza como qualitativa. Em vez de se preocupar com medições, as pesquisas qualitativas têm como finalidade descrever, compreender e interpretar os fatos (MARTINS; THEÓPHILO, 2016). Considerando o fato de o tema estudado ser emergente, optou-se por uma abordagem que privilegia a emergência de novos achados, informações e direcionamentos para o estudo. Sampieri, Collado e Lucio (2006) ressaltam a estreita relação entre pesquisas qualitativas e exploratórias.

Por fim, a pesquisa documental se refere ao emprego de materiais que ainda não receberam “um tratamento analítico ou podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa” (GIL, 2009, p. 45). Nesse caso, como exposto na subseção 3.2, foram extraídos e analisados dados de documentos públicos da UBER e de conteúdos produzidos e disponibilizados pelos seus motoristas.

A população da pesquisa se refere aos motoristas da UBER do Brasil e dos EUA. Foram selecionados esses dois países por serem os maiores mercados da empresa no mundo (UBER, 2020a), assim como possibilitarem a importante comparação entre dois grandes países, mas com realidades distintas, sendo um desenvolvido e outro emergente (BASUKIE; WANG; LIB, 2020). Uma vez que não seria possível acessar toda a população, os pesquisadores optaram por analisar uma amostra composta por motoristas produtores de conteúdo, por resumirem percepções de outros colegas de atividade, assim como influenciá-los significativamente (NANDAGIRI; PHILIP, 2018). Optou-se por selecionar aqueles classificados como os influenciadores digitais (produtores de conteúdo) mais relevantes do YouTube. Salienta-se que a seleção de amostras de influenciadores digitais para as pesquisas em ciências sociais tem sido cada vez mais empregada em estudos como uma importante fonte de evidências (NANDAGIRI; PHILIP, 2018). Ademais, é importante destacar o uso de materiais produzidos pelos próprios trabalhadores em estudos prévios sobre controle gerencial na economia compartilhada, seja como fonte única de dados (CHENG; FOLEY, 2019; WALDKIRCH et al., 2021) ou fonte complementar (ROSENBLAT; STARK, 2016; JARRAHI et al., 2020). Jordão, Souza e Avelar (2014) destacam que a dificuldade de acesso a informações sobre a realidade prática do SCG e de identificar efeitos desse sistema sobre o comportamento humano são uma das maiores dificuldades nesse tipo de pesquisa. Assim, a metodologia utilizada nesta pesquisa visou superar tal limitação presente, de modo geral, em estudos sobre esse tipo de sistema.

Para a seleção dos influenciadores digitais a serem estudados, foram realizados diversos procedimentos. Primeiramente, realizou-se uma pesquisa no mecanismo de busca do YouTube a partir da inserção das seguintes palavras-chave: “UBER”, “motorista de aplicativo”, “rideshare”, “driver us” e “transporte por aplicativo”. Posteriormente, foram selecionados os influenciadores digitais mais relevantes de cada país, conforme classificação da própria plataforma de vídeos, baseando-se nos números de inscritos e de visualizações.

Selecionaram-se, assim, canais brasileiros relevantes com mais de 10 mil inscritos (já que abaixo desse número de inscritos, a diversidade de canais aumentava significativamente, assim com sua relevância se reduzia), totalizando seis canais. Como os canais norte-americanos usualmente tinham menos seguidores que os nacionais, também se estabeleceu o limite de seis canais dentre os mais relevantes, de forma a manter a equidade de número de canais estudados entre os dois países.

Assim, foram selecionados os canais de motoristas para compor a amostra não probabilística por conveniência. Tais canais foram codificados e listados na Tabela 1, onde “BR” equivale a um canal brasileiro e “US” a um canal norte-americano. Dez dos doze canais estudados possuíam dezenas ou centenas de milhares de inscritos, o que demonstra sua capilaridade e nível de influência sobre outros motoristas e demais interessados que ativamente os acompanham no YouTube para compreender suas percepções sobre a UBER.

Todos os influenciadores dos canais selecionados atuam (ou atuaram) como motoristas da empresa, demonstrando conhecimento da parte operacional do trabalho e apresentando uma série de reflexões sobre diversos aspectos dos SCG da empresa. Dentre as limitações dessa amostra não probabilística, realça-se o fato de que alguns motoristas são patrocinados em alguns vídeos, o que pode enviesar comercialmente parte dos temas abordados. Ademais, cada motorista parece possuir uma perspectiva de análise mais restrita à sua localidade de atuação (regiões de cada país), muito embora parte das regras da UBER se aplique ao território do país como um todo.

Tabela 1
Canais de motoristas selecionados para o estudo.

Fonte: Elaborado pelos autores.

3.2 COLETA DE DADOS

Os dados coletados foram essencialmente secundários: verbais e visuais (FLICK, 2004). Os dados dos motoristas selecionados conforme os procedimentos previamente expostos, consubstanciados em vídeos, foram coletados ao longo do primeiro semestre de 2020 e se referiram ao ano de 2019. Salienta-se que os 3.796 vídeos do ano de 2019 dos influenciadores digitais citados na Tabela 1, foram assistidos pelos pesquisadores, sendo registrados e codificados apenas os 240 relacionados às ferramentas do SCG da UBER. Essa seleção foi realizada considerando se os temas abordados nos vídeos estavam em consonância com o conceito de Malmi e Brown (2008) de SCG. Os vídeos desconsiderados eram relacionados usualmente a mudanças na legislação, casos de motoristas específicos e aspectos de segurança no trabalho. Tais vídeos, por não estarem diretamente relacionados aos diferentes tipos de controle da UBER sobre os motoristas, não foram analisados. Assim, os 240 vídeos previamente selecionados foram assistidos integralmente pelos pesquisadores e os dados verbais foram transcritos usando a ferramenta fornecida pela própria Plataforma Youtube (salienta-se que essa ferramenta não estava disponível para alguns vídeos, sendo que, nestes casos, os pesquisadores fizeram resumos de seus principais tópicos).

Os dados visuais foram obtidos por meio de documentos da UBER divulgados publicamente, tais como: Formulário S-1 da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (Securities and Exchange Commission - SEC), relatórios de administração e financeiros, termos de uso, código de conduta e sites oficiais da empresa no Brasil e nos EUA. Inicialmente, foram coletados os quatro primeiros tipos de documentos supracitados. Os demais documentos foram procurados e coletados a partir das informações emergentes que foram obtidas dos vídeos dos motoristas e consideradas relevantes para análise do fenômeno estudado, tais como aqueles referentes a orientações sobre: taxas de aceitação e cancelamento (UBER, 2019), regras para se adequar a diferentes categorias de serviços (UBER, 2020e; 2020f) e clubes de benefícios (UBER, 2018a).

É importante destacar que, embora os dados coletados pela pesquisa se restrinjam ao ano de 2019, alguns documentos analisados da UBER com vigência naquele ano foram desenvolvidos em anos anteriores (2017 e 2018). Além disso, no momento da coleta de dados, alguns desses documentos haviam sido atualizados, fazendo com que documentos de 2020, referentes a temas de 2019, também fossem analisados pelos pesquisadores.

3.3 TÉCNICAS DE ANÁLISES DE DADOS

Posteriormente, os dados dos 240 vídeos selecionados dos motoristas (transcrições e resumos) e dos documentos da UBER sobre o SCG da empresa foram tratados e analisados com base na análise de conteúdo, conforme proposto por Bardin (2016). Num primeiro momento, consideram-se como as unidades de significação os trechos de relatos de motoristas e dos documentos, demarcados por sua expressividade quanto às ferramentas do SCG da empresa. Depois de identificadas as unidades de sentido, seguiu-se o trabalho de categorização. Nesta etapa, as unidades de sentido foram agrupadas por proximidade de sentido e temática, o que possibilitou a emergência de categorias ou núcleos centrais que, posteriormente, foram reagrupados em eixos temáticos (categorização ampla) baseada nos principais tipos de controle conforme Malmi e Brown (2008): Planejamento; Controles cibernéticos; Controles de prêmio e compensação; Controles administrativos; e Controle cultural.

A triangulação das diferentes fontes de evidências (diferentes relatos dos motoristas e documentos disponibilizados pela UBER em seus sítios institucionais destacados nas referências bibliográficas e a literatura prévia sobre o tema) foi realizada com vistas a aprimorar a confiabilidade dos achados. Ademais, é importante destacar que todas as etapas de coleta, tratamento e análise de dados foram desenvolvidas por, pelo menos, dois pesquisadores envolvidos no estudo. Quaisquer discordâncias, foram discutidas com um terceiro pesquisador envolvido na pesquisa e resolvidas por consenso.

Não se pode olvidar das limitações inerentes à metodologia da pesquisa eminentemente qualitativa desenvolvida cujos resultados são apresentados neste artigo. Dentre elas, no tocante à amostragem não probabilística por conveniência, destaca-se a inerente subjetividade no processo de identificação, seleção e análise dos dados referentes aos conteúdos de vídeos assistidos registrados e codificados pelos pesquisadores, embora presentes os critérios atinentes aos tipos de controle do modelo de Malmi e Brown (2008) e a busca por redução de vieses a partir da discussão entre diferentes pesquisadores.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Kim, Baek e Lee (2018) destacam que a UBER foi fundada em 2009, na cidade de São Francisco, no Estado norte-americano da Califórnia, como uma empresa de transporte em rede. Conforme o modelo de negócios, os motoristas são cadastrados na plataforma da empresa, por meio de um aplicativo. Eles usam seus próprios veículos (e se responsabilizam com gastos de manutenção, combustível, seguros, por exemplo) para transportar passageiros que demandem viagens por intermédio do aplicativo da UBER. A UBER, portanto, parece atuar como intermediário que conecta provedores que ofertam seus ativos privados, inclusive sua força de trabalho, e usuários de serviços e ativos sob demanda (clientes, usuários, passageiros). Atualmente, a UBER atua em 890 cidades espalhadas em 71 países, sendo que os com maior número de cidades atendidas são os EUA (263 cidades) e Brasil (131 cidades) (UBER, 2020a).

No restante desta seção, apresentam e discutem-se os principais resultados obtidos a partir da pesquisa desenvolvida. Para tanto, a seção foi dividida em seis subseções, sendo as cinco primeiras (subseções 4.1 a 4.5) referentes aos resultados obtidos a partir da análise do SCG da UBER, considerando os diferentes tipos de controle propostos por Malmi e Brown (2008). Por fim, na subseção 4.6, discutem-se os resultados obtidos de maneira geral.

4.1 PLANEJAMENTO

Parte do planejamento da UBER se tornou mais evidente a partir da abertura do capital (initial public offering - IPO) da empresa no mercado de capitais em 2019. Esse planejamento está relacionado com a missão da empresa que, segundo o seu presidente, é criar “oportunidades ao colocar o mundo em movimento” (SEC, 2019; UBER, 2020b). O referido presidente destaca o papel essencial da tecnologia para a empresa, enfatizando que o advento dos smartphones e das lojas de aplicativos foi fundamental para o crescimento da UBER (SEC, 2019). Essa afirmação está em consonância ao exposto por Basukie, Wang e Lib (2020) como alicerce para o desenvolvimento da economia compartilhada. Os algoritmos de IA da empresa conseguem processar centenas de modelos com base nos seus dados e direcionar serviços aos clientes com qualidade e segurança (SEC, 2019). Tal constatação reforça o papel desta tecnologia na gestão das inúmeras transações dessas organizações, conforme apresentado por Rosenblat e Stark (2016) e Cheng e Foley (2019).

Assim, pode-se dizer que o emprego intensivo de algoritmos de IA da UBER parece ser importante em sua estratégia de negócios, sendo usada como parte do SCG para indução de comportamento dos motoristas parceiros, tal como enfatizam Hughes et al. (2019). Por outro lado, apesar de serem citados em aspectos essenciais para o sucesso do modelo de negócio da UBER (SEC, 2019), motoristas parceiros já criticaram o relacionamento com a empresa. Alguns motoristas percebem que a UBER não os considera um importante grupo de stakeholders (por exemplo, BRA, USB e USD). Nesse diapasão, Rosenblat e Stark (2016) evidenciaram que o uso da expressão “motorista parceiro” usada pela empresa, por exemplo, é vista por alguns motoristas como formalismo ou hipocrisia. Contrariando essa perspectiva, a empresa oficialmente realça que o engajamento desses parceiros é essencial no desenvolvimento do modelo de negócios e nas estratégias de crescimento no mercado de transportes privado (SEC, 2019).

Alguns motoristas parceiros, ao enfatizar o seu papel secundário frente à UBER, ressaltam o programa de carros autônomos da empresa, que visa fornecer o mesmo serviço sem condutores humanos, indicando que não fariam parte dos planos de longo prazo da organização. A própria UBER faz questão de destacar os veículos autônomos como a nova geração dos transportes, acreditando que, no longo prazo, esse tipo de prestação de serviços acarretará maior segurança, eficiência e preços mais competitivos (SEC, 2019). Nesse contexto, o motorista BRA é enfático ao dizer que o motorista de aplicativo é “uma profissão sem futuro” (BRA16), pois será substituída em algum momento vindouro. Afirmação semelhante é feita pelo motorista USB.

No que tange à relação trabalhista entre a empresa e os motoristas, nos Termos de Uso da UBER (2020c), afirma-se que a UBER não é fornecedora de bens, não presta serviços de transporte ou logística, nem funciona como transportadora, e que todos esses serviços de transporte ou logística são prestados por parceiros independentes (motoristas), que não são empregados(as) e nem representantes da empresa, nem de quaisquer de suas afiliadas.

A UBER ressalta que o reconhecimento da relação de emprego entre a empresa e os trabalhadores/prestadores de serviços (motoristas parceiros) é um dos principais riscos ao seu modelo de negócios em diferentes localidades do mundo (SEC, 2019). De acordo com a empresa, caso os motoristas sejam classificados como empregados ao invés de prestadores de serviços independentes e autônomos, a UBER terá que rever fundamentalmente seu modelo de negócios, com efeitos adversos à sua condição financeira (SEC, 2019). O USE, por exemplo, questiona a sustentabilidade do modelo de negócios da UBER diante de eventuais mudanças no entendimento legal.

Nessa conjuntura, entrou em vigor o Assembly Bill n. 5 (AB-5), de 18 de setembro de 2019, no Estado norte-americano da Califórnia, que basicamente reconheceria o vínculo empregatício de diversos motoristas com empresas que administram aplicativos de transportes semelhantes à UBER, concedendo direitos trabalhistas como salário-mínimo e horas-extras, reembolsos, seguro-desemprego e invalidez, licença médica etc. (AB-5, 2019). O motorista USB afirma ter conseguido o reconhecimento de uma dívida trabalhista de mais de US$600 mil junto a empresas que administram aplicativos de transportes, inclusive a UBER.

Em termos de padrões de segurança relativos ao negócio da empresa, especificamente em no Brasil, a UBER reconhece que problemas têm sido reportados e, caso não sejam adequadamente tratados, podem gerar danos relevantes à reputação da empresa (SEC, 2019). Alguns motoristas no país, tais como BRC, BRE, e BRF, reforçam a importância da segurança, realçando os casos de violência sofridos durante o exercício da atividade de motorista por intermédio do aplicativo da UBER.

4.2 CONTROLES CIBERNÉTICOS

Ressaltam-se dois elementos do controle cibernético no que se refere ao SCG da UBER: (i) a avaliação por meio de estrelas (feedback); e (ii) as taxas de aceitação e cancelamento. A avaliação por meio de estrelas varia entre uma e cinco, sendo esta uma ótima avaliação e àquela uma péssima avaliação. Hughes et al. (2019) destacam que essa avaliação é um dos exemplos de controle baseados em algoritmos da UBER. A avaliação dos motoristas considera uma média ponderada das últimas 500 avaliações de seus serviços realizadas pelos passageiros (UBER, 2020d). O motorista USE salienta que isso é uma vantagem, pois não seria necessário se preocupar caso houvesse uma ou poucas notas baixas, pois o efeito seria “diluído” nas demais.

A empresa ainda ressalta que uma avaliação ruim de um passageiro a um motorista baseada em algo que está, em tese, fora do controle do parceiro da UBER (como trânsito, condições climáticas etc.) não é considerada no cômputo final (UBER, 2020a). Rosenblat e Stark (2016) ressaltam que esse tipo de avaliação pode ser entendido como a métrica mais importante do sistema de controle da UBER, sendo que os passageiros fariam o papel da “média gerência”, avaliando os trabalhadores. Ademais, Basukie, Wang e Lib (2020) afirmam que tal avaliação pode ser enviesada em sua essência, uma vez que o serviço que deveria ser avaliado qualitativamente é avaliado de forma quantitativa.

Pode-se dizer que essa avaliação é muito importante para os motoristas, pois vários aspectos do seu desempenho e de outras dimensões de sua avaliação são definidos com base nela. Conforme afirmado pelo motorista BRA: “colecionar estrelinhas também é colecionar dinheiro” (BRA007). Alguns motoristas afirmam que, em função do algoritmo desenvolvido para o aplicativo da empresa, os parceiros da UBER com melhores avaliações têm preferência em receber chamados do aplicativo, ou seja, conseguiriam mais viagens que a média. O motorista BRC, por exemplo, recomenda uma nota superior a 4,9 para se obter essa vantagem. Ademais, essas notas são geralmente usadas para premiações e acesso a clubes de benefícios (temas tratados nas subseções seguintes).

Por sua vez, o motorista USA salienta que avaliações ruins podem desativar os motoristas. Entretanto, apesar de ser discutido recorrentemente entre os motoristas analisados, não foram encontradas informações divulgadas ao público em geral pela empresa sobre uma regra específica referente ao valor mínimo de estrelas para um motorista se manter ativo ou receber mais demandas no aplicativo. Não obstante, em consonância com os resultados de Rosenblat e Stark (2016), os relatos dos motoristas analisados indicam que, apesar da variação entre cidades, um valor mínimo de avaliação é necessário para manutenção do motorista como parceiro da empresa.

Assim, a avaliação por meio de estrelas parece incentivar de modo relevante o comportamento do motorista, de forma a “conformá-lo” ao esperado pelos passageiros. Rosenblat e Stark (2016) ressaltam que se trata de um processo de padronização do serviço prestado. Nesse diapasão, alguns motoristas analisados apresentam dicas de como melhorar as notas recebidas dos passageiros e obter as vantagens dadas por uma maior média de estrelas. A própria UBER (2018a) apresenta uma série de recomendações aos motoristas para melhorar a avaliação por meio das estrelas, tais como: ser gentil com o passageiro; dirigir com segurança; fazer a rota mais eficiente; manter o carro limpo; e ser agradável nas conversas, evitando temas polêmicos. Alguns motoristas também destacam a importância de lembrar o passageiro de realizar a avaliação positiva da prestação do serviço, sendo que uma das técnicas usadas é avaliá-lo de maneira positiva assim que a viagem acabe, para gerar empatia. Salienta-se que os motoristas não têm acesso à nota dada individualmente pelo passageiro. Assim, alguns motoristas brasileiros, tais como BRC e BRD, recomendam o uso do UBER Fleet (aplicativo da empresa disponível no exterior), pois, a partir da manipulação desse aplicativo, é possível obter as notas das semanas de trabalho.

Tal como descrito, outros elementos importantes do controle cibernético da UBER são as taxas de aceitação e cancelamento. De acordo com a UBER (2019), as taxas de aceitação se referem ao número de viagens que o motorista parceiro aceita em relação àquelas propostas pelo aplicativo nos últimos 30 dias de utilização (no Brasil, a empresa indiretamente recomenda uma taxa acima de 90%). Ainda segundo a empresa, a taxa de cancelamento se refere à proporção entre viagens canceladas e aceitas pelos motoristas nos últimos 30 dias de utilização do aplicativo, sendo recomendada indiretamente, no Brasil, uma taxa inferior a 10% (UBER, 2019). Os motoristas BRD e BRF ressaltam que se deve ter atenção a essas taxas, pois são passíveis de serem usadas como base para o banimento do aplicativo, apesar de essa informação não ser referendada em nenhum dos documentos consultados da empresa. Realçando o apresentado pelos motoristas brasileiros, o potencial de desativação com base em tais métricas também é destacado por Rosenblat e Stark (2016) no que se refere aos motoristas norte-americanos.

Assim como no caso de emprego das estrelas, essas taxas são usadas como inputs para outros tipos de controle. Apesar do incentivo para se manterem altas taxas de aceitação e baixas taxas de cancelamento, o motorista USF salienta que essas taxas podem induzir um comportamento perigoso aos motoristas.

4.3 CONTROLES DE PRÊMIO E COMPENSAÇÃO

São relatadas muitas promoções contextuais, oferecidas pela empresa aos motoristas, especialmente em datas e períodos comemorativos. Para o motorista BRA, muitas promoções da UBER são individuais, segundo o comportamento do motorista. Em geral, tais promoções visam aumentar a fidelidade do parceiro. De acordo com ele, motoristas assíduos tendem a não receber promoções, pois já usam o aplicativo com a frequência desejada pela empresa. Dessa forma, para o motorista BRA, uma estratégia para receber mais promoções é a alternância no uso do aplicativo da UBER com aplicativos concorrentes. Esse motorista ressalta, porém, que os algoritmos da UBER conseguem deduzir quando o motorista está usando outro aplicativo. O uso de premiações em viagens consecutivas é outra promoção feita pela UBER relatada por motoristas brasileiros e norte-americanos.

É possível dizer que o maior incentivo para a realização do trabalho dos motoristas se refere à tarifa paga pela UBER pelos serviços prestados. Na percepção de muitos motoristas pesquisados, tanto no Brasil quanto nos EUA, a tarifa atualmente paga pela UBER é menor do que gostariam, sendo que a criação de conteúdo no YouTube pode ser entendida como uma maneira de complementar a renda. Os motoristas norte-americanos USA e USE, por exemplo, realçam a queda da tarifa em Los Angeles em 2019 de US$0,80 por milha para US$0,60. Ainda no mercado dos EUA, o motorista USB afirma que a redução do valor pago ao motorista tenderá a continuar, uma vez que a empresa interpretaria o motorista como um elemento de custo a ser minimizado em seu modelo de negócios, o que vai ao encontro do exposto por autores como Wentrup, Nakamura e Ström (2019) e Berg e Johnston (2019).

Em contrapartida, o motorista USA apresenta dicas para obter maior remuneração a partir de determinados locais, tais como shoppings, restaurantes, locais de confraternização, aeroportos e estações de trem e de ônibus. Já o motorista USC recomenda o UBER Estimator (https://uberestimator.com/), que demonstra ao motorista os preços atuais das tarifas aplicadas pela UBER, alertando-os sobre eventuais aumentos dos preços. O motorista USF ainda informa que os algoritmos usados pela UBER influenciam o comportamento dos motoristas para conseguir o máximo de remuneração possível, o que pode implicar problemas psicológicos e de saúde em geral, sendo que, inclusive, alguns motoristas estariam abandonando o trabalho. Tal situação explicaria, ao menos em parte, a rotatividade de motoristas prestadores de serviços que se utilizam do aplicativo da empresa, observada por Hall e Krueger (2017).

Os motoristas analisados ressaltam a chamada “tarifa dinâmica” (preço dinâmico) usada pela UBER para equilibrar a oferta de automóveis à demanda dos passageiros. Quando a empresa estima uma grande demanda em uma dada região, seus algoritmos majoram o valor da tarifa de viagens, de forma a incentivar os motoristas a se deslocarem para lá, aumentando, assim, a oferta. Nos seus Termos de Uso, a UBER estabelece que pode aumentar os preços “substancialmente quando a oferta de serviços por parte dos Parceiros Independentes for menor do que a demanda por referidos serviços” (UBER, 2020c). Rosenblat e Stark (2016) realça que a tarifa dinâmica é calculada considerando a localização do passageiro, não a do motorista.

A demanda não necessariamente é real, pois podem ser simulações realizadas pelos potenciais passageiros para avaliar se farão ou não a viagem, conforme relatado pelo motorista BRC. A própria UBER reforça essa possibilidade aos passageiros, afirmando que a tarifa dinâmica “está sempre mudando. Se preferir, você pode optar por esperar os preços baixarem e abrir o app após alguns poucos minutos” (UBER, 2017). Alguns motoristas brasileiros estudados recomendaram o uso do aplicativo REBU (o nome faz referência a palavra “UBER” ao contrário) que, dentre outras funcionalidades, permite a visualização das regiões da cidade que apresentam tarifas dinâmicas, possibilitando maiores ganhos ao prestador de serviço. Rosenblat e Stark (2016) também destacam ações de motoristas norte-americanos para “gerenciar” as tarifas dinâmicas em seu favor. Essa capacidade de se favorecer a partir dos algoritmos da empresa de economia compartilhada pode ser chamada de “competência algorítmica” (CHENG; FOLEY, 2019). Hughes et al. (2019) afirmam que os motoristas parceiros da UBER tenderiam a seguir as orientações dos algoritmos da empresa quando acreditam que podem maximizar seus ganhos.

4.4 CONTROLES ADMINISTRATIVOS

No que se refere aos controles administrativos, a UBER apresenta diversas regras para garantir o cumprimento de suas políticas pelos motoristas. Em geral, os automóveis são o foco de muitas delas. A empresa utiliza níveis de categoria de veículos como uma das bases para segregar seus motoristas (em geral, quanto maior o nível, maior a tarifa paga aos motoristas). Salienta-se que, nos EUA, há uma variedade maior de categorias do que no Brasil, tais como: (a) Black SUV - automóveis mais espaçosos e luxuosos; e (b) UberXL - automóveis mais espaçosos (até 6 lugares) para grupos ou pessoas com muitas bagagens (UBER, 2020e; 2020f).

No ano de 2019, alguns motoristas brasileiros discutiram a categoria UBER Comfort, que seleciona automóveis mais sofisticados (e maiores tarifas). A empresa apresenta tal categoria como tendo “melhores carros e experiência premium” (UBER, 2018b). Porém, há críticas, no sentido de que tal categoria concorreria com outra já existente há mais tempo: a UBER Black. Desse modo, alguns motoristas recomendaram a não adesão à nova categoria, de forma a induzir a empresa a repensar os incentivos da UBER Comfort.

Uma situação bastante apresentada pelos motoristas nos EUA é a gravação no interior do veículo, que, segundo os motoristas USB e USC, poderia melhorar a segurança dos motoristas. Há muitos vídeos de motoristas norte-americanos versando sobre dashcams, câmeras usadas para filmar o interior do veículo. A UBER (2020g) afirma que o motorista pode instalar uma câmera em seu veículo desde que avaliando a regulação da cidade na qual está operando. Para o motorista USC, não usar câmeras é um erro cometido pelos motoristas que prestam serviços usando o aplicativo da UBER.

Ademais, destaca-se que a empresa monitora a troca de mensagens entre motoristas e passageiros por meio do aplicativo, possivelmente, empregando algoritmos (diante das inúmeras mensagens trocadas periodicamente). Os motoristas brasileiros BRC e BRF relatam banimento de outros condutores devido a conversas consideradas inapropriadas (conteúdo sexual, ameaça etc.) via chat, que foram identificadas pela empresa. Em seu código de conduta, a UBER (2020h) apresenta várias situações com exemplos de comportamentos considerados inapropriados pela empresa.

4.5 CONTROLE CULTURAL

Pode-se dizer que o controle cultural da UBER é amplo e se distribui pela sociedade na última década quase que como um sinônimo informal de economia compartilhada. Neste artigo, porém, são destacados apenas controles culturais diretamente pensados e projetados pela empresa e aplicados nos mercados que atuam motoristas brasileiros e norte-americanos. Nesse sentido, salienta-se o papel do “Clube 6 Estrelas” no Brasil e do “UBER Pro”, tanto no Brasil quanto nos EUA.

De acordo com a UBER (2018a), o “Clube 6 Estrelas” foi criado como uma forma de valorizar motoristas parceiros que se destacam na plataforma, sendo presente em algumas cidades brasileiras: Belo Horizonte, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Vitória, Manaus, Florianópolis e Curitiba. Há diferenças nos benefícios conforme a cidade, mas algo em comum entre os parceiros do “Clube 6 Estrelas” é que todos recebem uma estrela que passa a ser apresentada “ao lado de seu nome no aplicativo, indicando aos usuários que são motoristas parceiros com um serviço excepcional, além do fato de que todos os parceiros 6 Estrelas da Uber também são considerados Uber VIP, podendo receber viagens de usuários VIP” (grifo da empresa) (UBER, 2018a).

Assim como os benefícios, os requisitos para acessar o “Clube 6 Estrelas” depende de cada cidade. No caso de Belo Horizonte, por exemplo, um dos requisitos é que o motorista tenha realizado, no mínimo, 300 viagens no mês anterior e nota acima de 4,84 no aplicativo (UBER, 2018c). Maiores notas e número de viagens permitem que os motoristas alcancem diferentes níveis (e benefícios distintos) dentro do Clube, tal como apresentado na Tabela 2.

Tabela 2
Requisitos e benefícios dos diferentes níveis do Clube 6 Estrelas da UBER em Belo Horizonte.

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de Uber (2018c).

Já o UBER Pro é um programa com diferentes categorias: Azul, Ouro, Platina e Diamante. A UBER ressalta que a categoria de cada membro é dada: (i) pelos pontos acumulados no período anterior e pontos acumulados no período corrente; (ii) pela a taxa de cancelamento de viagens, calculada com base nos últimos 3 (três) meses (abaixo de 8% no Brasil ou 4% nos EUA); (iii) pela taxa de aceitação de viagens, calculada com base nos últimos 3 (três) meses (acima de 80% no Brasil ou 85% nos EUA); e (iv) pela média de avaliação dos usuários (mínimo de 4,85). Sobre os pontos, cada viagem corresponde a 1 (um) ponto, sendo que, sob algumas condições específicas, são computados 2 (dois) pontos por viagem (UBER, 2020i; UBER, 2020j). Os benefícios oferecidos pelo UBER Pro depende da cidade no Brasil e, nos EUA, há diferenças no Estado da Califórnia. Na Tabela 3, apresenta-se o exemplo vigente no referido estado norte-americano.

Tabela 3
Benefícios dos diferentes níveis do UBER Pro na Califórnia.

Nota: *podem ser analisados requisitos adicionais; **são analisados uma série de requisitos adicionais, como número de viagens, tempo mínimo de permanência nas categorias e documentação exigida pela universidade. Fonte: Elaborada pelos autores a partir de Uber (2020j).

Dentre os benefícios do UBER Pro, encontram-se descontos em academias, universidades, postos de combustível etc. (UBER, 2020i). Os benefícios oferecidos no UBER Pro ultrapassam a plataforma e consideram entidades parceiras. Contudo, o UBER Pro também apresenta algumas críticas por parte dos motoristas analisados, tanto brasileiros quanto norte-americanos. A taxa de aceitação, por exemplo, é bastante criticada pelo motorista BRC. De acordo com ele, não se deve arriscar a segurança do motorista e dos clientes em nome da empresa. Já o motorista USC afirma que o programa tem um efeito psicológico sobre o motorista, dando o máximo possível de recompensas para ele dirigir pela empresa, induzindo-o a trabalhar o máximo de horas possível. O referido motorista alerta que os motoristas devem fazer uma análise custo/benefício, de forma a avaliar se a dedicação em busca das melhores notas, melhores taxas e rankings mais altos realmente compensa os custos, os retornos e os riscos envolvidos.

Em contrapartida, o motorista USA ressaltou que tais programas apresentam vantagens, principalmente para os motoristas profissionais (em tempo integral). Nesse diapasão, o motorista USC enfatiza os potenciais benefícios com o UBER Pro para os motoristas e para seus parentes, tais como cursos online de determinadas universidades, acesso a descontos para serviços de manutenção do veículo (que podem ser, inclusive, gratuitos). Além disso, em alguns casos relatados por motoristas brasileiros analisados, ficou evidente que o acesso via telefone com a Central da UBER na cidade ajudou em determinados momentos que havia problemas com funcionalidades do aplicativo. Não obstante, a UBER (2020i) assevera que pode modificar, suspender ou interromper o programa ou qualquer função a qualquer momento, sem aviso prévio.

4.6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A partir dos resultados advindos do estudo realizado, evidenciam-se diversos aspectos importantes sobre o SCG baseados em algoritmos na UBER tanto no Brasil quanto nos EUA. Na Figura 1, são apresentadas as principais ferramentas identificadas do SCG da empresa considerando os diferentes tipos de controle propostos por Malmi e Brown (2008) e suas inter-relações.

Com base nos resultados do estudo, pode-se considerar que existe uma inter-relação entre o modelo de negócios da UBER e a forma de exercício de controle da empresa - que é intensamente baseada em tecnologia. No estudo realizado, em ambos os países, pode-se dizer que o contexto tecnológico no qual se insere a empresa é essencial para o desenvolvimento de seu modelo de negócios, assim como o SCG empregado pela UBER para a mediação de seus milhões de motoristas e passageiros, tal como evidenciam Sutherland e Jarrahi (2018) e Leoni e Parker (2019).

As práticas de gestão por algoritmos, conforme definido por Schildt (2017), são muito importantes para o suporte ao SCG da empresa, tal como demonstrado em sua centralidade na Figura 1. Os algoritmos usados pela empresa afetam, direta ou indiretamente, os diferentes tipos de controles existentes no modelo de Malmi e Brown (2008). A própria empresa reforça a importância estratégica da gestão por algoritmos, de forma geral, ao afirmar à SEC (2019) que sua plataforma é capaz de processar centenas de modelos baseados em seus próprios dados. Isso permite inferir que as decisões são, de fato, tomadas com base nos resultados gerados pelos algoritmos. Tal constatação robustece o papel dessa tecnologia no SCG da UBER, considerando as diferentes formas de controle citados por Hughes et al. (2019), ou seja, tanto em termos de comportamentos como de resultados dos motoristas.

Diante do exposto, os resultados apresentados neste artigo sinalizam um alinhamento entre o pacote do modelo de Malmi e Brown (2008) (integrado por seus cinco tipos de controle interdependentes: planejamento, cibernético, administrativo, cultural e prêmios e compensação) e as formas de controle da UBER citadas por Hughes et al. (2019). Nesse sentido, os algoritmos são usados como instrumentos do SCG da empresa para exercer controles e influenciar comportamentos (notadamente, conformidade com os padrões e valores estabelecidos pela empresa) e resultados (mensuração de desempenho e classificação dos trabalhadores em categorias, consequentemente fornecendo recompensas ou aplicando sanções) dos motoristas que exercem suas atividades por intermédio do aplicativo da UBER.


Figura 1
Ferramentas identificadas do SCG da UBER e suas inter-relações.
Fonte: Elaborado pelos autores.

Com base na análise da Figura 1, pode-se salientar que os tipos de controles do pacote do modelo de Malmi e Brown (2008) e sua inter-relação se apresentaram consistentes, oferecendo uma forma de análise que poderia ser aplicada em outras empresas similares da economia compartilhada. Verificou-se que a UBER emprega diferentes ferramentas dos distintos tipos de controles a fim de influenciar o comportamento de seus motoristas alinhado aos interesses corporativos, consubstanciando o principal objetivo de um SCG conforme Anthony e Govindarajan (2008). Ademais, constatou-se uma grande inter-relação entre as ferramentas dos diferentes tipos de controles, possibilitando seu uso de fato como pacote para fins de controle gerencial, tal como recomendado por Malmi e Brown (2008).

Ressalta-se que não se verificaram diferenças significativas no SCG utilizado pela empresa no Brasil e nos EUA, indicando que isso parece ser parte de uma estratégia global da empresa. Ademais, é importante destacar que os motoristas analisados parecem não se comportar de forma passiva frente às diferentes ferramentas do SCG da UBER. Diversas técnicas utilizadas para se obter melhor retorno frente às formas de controle da empresa são empregadas e propagadas pelos motoristas estudados. Salienta-se que algumas técnicas são, inclusive, incentivadas pela empresa, tal como formas de lidar com os passageiros no intuito de obter uma melhor avaliação por meio de estrelas. Tais técnicas servem para padronizar o serviço prestado de forma descentralizada pela empresa, conforme ressaltam Rosenblat e Stark (2016). Outras técnicas, entretanto, parecem emergir além dos interesses da empresa, tal como o aplicativo REBU (com a finalidade de identificar localizações onde usualmente as tarifas dinâmicas aumentam os preços das viagens e possibilitam maiores remunerações aos motoristas) e o emprego do UBER Fleet no Brasil (com o objetivo de identificar as avaliações semanais dos motoristas com vistas a recompensas e a evitar sanções por parte da UBER).

Os motoristas brasileiros e norte-americanos apresentaram diversas similaridades em suas percepções sobre o SCG da UBER, tais como o interesse nas tarifas dinâmicas e ao papel secundário de si mesmos no planejamento da empresa. É importante salientar, contudo, que, apesar de similaridades entre as percepções de motoristas brasileiros e norte-americanos, também há diferenças importantes. Enquanto os motoristas norte-americanos discutem bastante o modelo de negócios da empresa (principalmente, pelo caso da Califórnia) e suas tarifas, os motoristas brasileiros enfatizam bastante a segurança no trabalho pela empresa e os benefícios oferecidos. As diferenças nas percepções entre motoristas de países desenvolvidos e em desenvolvimento são destacadas por Basukie, Wang e Lib (2020), que realçam a importância de estudos nestes últimos.

Assim, os resultados da pesquisa apresentada auxiliam no desenvolvimento da literatura sobre SCG no âmbito da economia compartilhada, tal como enfatiza o papel cada vez maior dos algoritmos nesses sistemas, considerando os novos modelos de negócios, como aquele da UBER. Nesse sentido, o estudo oferece significativas contribuições à teoria e à prática gerencial. Sob o prisma teórico, amplia o conhecimento da realidade do uso efetivo do SCG e do papel da gestão por algoritmos nesse sistema - uma questão de significativa relevância acadêmica, mas cuja compreensão é ainda incipiente na literatura e quase inexistente em mercados emergentes.

Do ponto de vista prático, com o desenvolvimento da pesquisa e os resultados apresentados neste artigo, foi possível verificar como os comportamentos de trabalhadores/motoristas são influenciados com o uso de algoritmos no SCG da UBER. Nesse diapasão, os motoristas analisados demonstraram se adaptar aos controles exercidos pelo SCG da UBER, com o emprego de algumas ferramentas tecnológicas, para satisfazer ao máximo seus interesses. Ao mesmo tempo em que os trabalhadores analisados no Brasil e nos EUA se submetem às regras impostas pela empresa, eles buscam maneiras de reagir a essas regras para se beneficiarem em uma perspectiva pragmática. Na interseção teórico-prática, identificou-se um alinhamento entre o modelo desenvolvido por Malmi e Brown (2008) e as formas de controle da UBER indicadas por Hughes et al. (2019).

Finalmente, estudos com base em realidades comparadas são extremamente impactantes do prisma acadêmico e profissional, seja no campo econômico, jurídico ou gerencial - por oferecerem uma visão mais profunda e holística de uma mesma realidade. Dessa forma, espera-se que a presente pesquisa possa oferecer subsídios a gestores, analistas, economistas, juristas, formuladores de políticas públicas e outros tomadores de decisão sobre essa nova realidade que se apresenta e que ainda é tão pouco conhecida e estudada em profundidade sob o prisma da contabilidade e da gestão: as formas práticas de gestão e controle das empresas da economia compartilhada. Portanto, mais do que abrir novas avenidas de investigação, espera-se que os resultados obtidos possam ser usados como benchmarking competitivo para aprimorar a compreensão dessa complexa realidade, seus contornos e aplicações práticas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo apresentou os resultados de uma pesquisa que visou descrever o SCG, suportado por algoritmos, utilizado pela UBER, como esse sistema influencia comportamentos e é percebido por motoristas parceiros dessa empresa de transportes no Brasil e nos EUA. Para tanto, realizou-se uma pesquisa exploratória, documental e qualitativa, que envolveu a coleta e a análise de dados secundários da UBER e de motoristas parceiros prestadores de serviços nos dois países supracitados.

Constatou-se que a empresa parece usar diversas ferramentas de controle, considerando os diferentes tipos de controle propostos no modelo de Malmi e Brown (2008), de forma integrada (como um “pacote”). Verificou-se o importante papel dos algoritmos na inter-relação entre as ferramentas empregadas em cada tipo de controle, de forma a induzir condutas dos motoristas parceiros da UBER, indo ao encontro de Hughes et al. (2019).

Ademais, foram descritas potenciais evidências do emprego de algoritmos como suporte ao SCG da UBER. O controle exercido sobre os motoristas nos casos concretos equivale ao controle comportamental e ao de desempenho, tal como destacado por Hughes et al. (2019), com vistas ao alcance de resultados organizacionais. Porém, destaca-se que os motoristas analisados apresentaram uma série de reações aos diferentes tipos de controles estabelecidos pelo SCG da UBER. Diversas técnicas usadas por motoristas foram relatadas no intuito de se conseguir desenvolver as atividades, aproveitando-se ao máximo das métricas estabelecidas pela empresa. Nesse sentido, ressalta-se a disponibilização de informações de tarifas dinâmicas ativas, valiosas para os motoristas que prestam serviços por intermédio do aplicativo REBU no Brasil; assim como a busca de diferentes tarifas no UBER Estimator nos EUA. São medidas que, de alguma maneira, minimizam a assimetria de informações entre o principal (UBER) e o agente (motoristas), fonte de parte do poder da empresa, conforme Rosenblat e Stark (2016).

Esta pesquisa apresenta diversas contribuições teóricas e práticas sobre SCG e gestão por algoritmos: (i) aparente inter-relação entre esse sistema e a economia compartilhada contemporânea, algo raro tanto nacional quanto internacionalmente, conforme Leoni e Parker (2019); (ii) papel cada vez mais central do uso de algoritmos nos SCG, tal como enfatizado por Hughes et al. (2019); (iii) nova abordagem metodológica de pesquisa na área, empregando dados baseados em relatos públicos disponíveis em plataformas como o YouTube, incrementando procedimentos de Rosenblat e Stark (2016) e Cheng e Foley (2019); e (iv) adaptações dos comportamentos de trabalhadores/motoristas no Brasil e nos EUA em decorrência dos controles estabelecidos pelo SCG da UBER, mediados por algoritmos, com vistas a satisfazer ao máximo seus interesses em uma perspectiva pragmática.

Dentre as principais limitações da pesquisa, ressalta-se a amostragem não probabilística por conveniência e a inerente subjetividade no processo de identificação, seleção e análise dos dados referentes aos conteúdos de vídeos assistidos registrados e codificados pelos pesquisadores.

Pesquisas futuras poderiam desenvolver análises das implicações do uso de controles gerenciais para coletar, armazenar e usar, inclusive comercialmente como fonte de receita, informações pessoais de clientes da UBER e de motoristas que prestam serviços mediante o uso do aplicativo da empresa. Essas informações poderiam ser classificadas, ainda que não registrados em Balanço Patrimonial, como ativos intangíveis da UBER, em virtude de se caracterizarem como recursos imateriais controlados pela empresa, que restringe seu acesso de terceiros, capazes de gerar benefícios econômicos futuros em determinado período.

Outra temática a ser estudada futuramente seria as diferenças de comportamentos entre motoristas profissionais (em tempo integral) e não profissionais (em tempo parcial) diante do SCG da UBER e como esse sistema se adequa a diferentes perfis de prestadores de serviços. Nesse sentido, características de modelos mentais/racionais poderiam ser abordadas, tais como: (i) a subjetividade (interesses, experiências e atitudes) do próprio indivíduo que interpreta a realidade; (ii) o contexto/situação (fatores internos e externos) que influencia a realidade a ser interpretada; e (iii) o objeto a ser interpretado situado em determinado contexto/situação. Por fim, poder-se-ia analisar a IA como parte do SCG outras modalidades da economia compartilhada, como a entrega de produtos via aplicativos (UBER Eats, iFood, Rappi etc.).

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Notas

1 Uma versão preliminar do artigo foi publicado nos Anais do XXIII Seminários em Administração - SEMEAD (2020).

Autor notes

Endereço dos Autores: Av. Presidente Antônio Carlos, 6627, sala 2031, Pampulha, Belo Horizonte - MG - Brasil. 31270-901



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