Literatura

Um remédio contra a anquilose hispânica: El ritmo (1894), de Salvador Rueda

A remedy against hispanic ankylosis: Salvador Rueda’s El Ritmo (1894)

André Fiorussi
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Um remédio contra a anquilose hispânica: El ritmo (1894), de Salvador Rueda

Acta Scientiarum. Language and Culture, vol. 39, núm. 3, pp. 303-311, 2017

Universidade Estadual de Maringá

Recepção: 10 Julho 2016

Aprovação: 03 Novembro 2016

Resumo: Nas últimas duas décadas do século XIX, apontou-se frequentemente um atraso da poesia em espanhol em relação à de outros idiomas e nações, que espelharia, segundo os mesmos juízos, uma defasagem cultural mais abrangente ante os processos internacionais de modernização social e econômica. Dizia-se que a poesia espanhola estava anquilosada por uma excessiva obediência a autoridades caducas de sua própria tradição. Em 1894, o poeta espanhol Salvador Rueda publica El ritmo, um polêmico tratado poético que propõe uma revolução rítmica como remédio contra a anquilose do verso. Este artigo se dedica a apresentar e analisar as estratégias discursivas, empregadas por Rueda, para intervir nos rumos da cultura hispânica e as convergências e divergências de sua intervenção com os discursos de seu tempo, particularmente com a poética dos modernistas hispano-americanos, a quem a historiografia literária viria a atribuir pouco depois o mérito efetivo pela revigoração da poesia em espanhol na virada do século XIX para o século XX.

Palavras-chave: Salvador Rueda (1857-1933), modernismo hispano-americano, ritmo, versificação, poesia hispânica.

Abstract: In the last two decades of the 19th century, it was often held that poetry in Spanish had been lagging behind when compared to the poetry of other nations and languages. This was seen to reflect a more comprehensive cultural slowness in catching up with the global advancements in social and economic modernization. Spanish poetry was supposedly paralyzed by an excessive obedience to outdated authorities of its own literary tradition. In 1894, the Spanish poet Salvador Rueda published El ritmo, a polemical treatise on poetry proposing a rhythmical revolution as the antidote against verse stagnation. This paper aims to present and discuss 1) the discursive strategies used by Rueda to intervene in the course of the Hispanic culture; 2) the convergences and divergences of his intervention in relation to the current discourses of his time, particularly the poetics of the Hispanic-American Modernists, to whom literary historiography would soon attribute the real merit for revigorating poetry in Spanish by the turn of the 19 to the 20th century.

Keywords: Salvador Rueda (1857-1933), hispanic-american modernism, rhythm, versification, hispanic poetry.

Introdução[1]

Em seu tratado El ritmo, de 1894, o poeta espanhol Salvador Rueda (1857-1933) dirige ataques mordazes ao domínio de certo pensamento retórico nas letras espanholas de seu tempo e pretende encabeçar o empenho internacional pela modernização das letras castelhanas. Para compor sua invectiva contra o retoricismo vigente, no entanto, recorre a tradicionais prescrições retóricas e ancora fortemente nelas o vigor e a legitimidade de seus argumentos. Por meio da análise de trechos selecionados, este artigo pretende oferecer uma leitura do tratado de Rueda que identifique seus procedimentos e permita avaliar sua intervenção nos debates poéticos de seu tempo, centralmente aquele que buscava remediar a denominada anquilose – palavra com que se costumava designar o enrijecimento do verso e, por extensão, da cultura espanhola no fim do século XIX.

Quando publicou El ritmo, Rueda era já um prestigioso poeta em seu país e entre os jovens da América hispânica. No ano anterior saíra En tropel, seu segundo livro poético de relevo, que trazia como prólogo um longo poema de Rubén Darío, intitulado Pórtico. Darío, a principal figura do modernismo hispano-americano, chamava-o ali de “[...] bom capitão desta lírica guerra, / régio cruzado do reino da arte” (Darío, 1968, p. 585)[2]. Alguns anos mais tarde, os dois poetas iniciariam uma lamentável polêmica em torno do título de inaugurador do modernismo, e já no século XX Rueda acabaria se tornando um ácido detrator do movimento (cf. Cachero, 2001). Em 1899, numa das crônicas espanholas posteriormente reunidas em España contemporánea, Darío escreve:

Salvador Rueda, que iniciou sua vida artística tão belamente, padece hoje inexplicável decaimento. Não é que não trabalhe [...], mas os ardores de liberdade estética que antes proclamava um libro tão interessante como El ritmo parecem agora apagados. [...] Eu, que sou seu amigo e que o criei poeta, tenho o direito de fazer esta exposição de meu pensar (Darío, 1926, p. 236-237)[3].

Em 1905, assumindo a responsabilidade pela renovação do idioma poético, afirmava Darío (1968, p. 623): “[...] a expressão poética está anquilosada, a ponto de que a mumificação do ritmo chegou a ser um artigo de fé”[4]. A observação repercutiria sucessivamente em diversos leitores, em termos semelhantes: limitemo-nos a registrar seus ecos em Enrique Anderson Imbert (1952, p. L) - “A versificação espanhola se havia reduzido, durante séculos, a uns poucos tipos; de repente, com Rubén Darío se converteu em orquestra sinfónica […]”[5] - e em Octavio Paz (1965, p. 40) - “A poesia espanhola tinha os músculos enrijecidos à força de solenidade e patetismo; com Rubén Darío o idioma se lança a andar”[6]. Vemos aí a repetição dessa metáfora anatômica da anquilose ou ancilose (segundo a definição do dicionário Novo Aurélio Século XXI (Ferreira, 1999, p. 133), “[...] diminuição ou impossibilidade absoluta de movimentos em uma articulação naturalmente móvel”), tão afeita aos discursos oitocentistas da medicina, do evolucionismo e da sociologia, por críticos do XX. Em 1905, Pedro Henríquez Ureña (1998, p. 159) desdobra a metáfora da anquilose e expõe, com maior precisão, a que ela se referia:

Os poetas castelhanos dos quatro últimos séculos, na Espanha ou na América, mesmo quando ensaiaram formas diversas, dominavam de fato muito poucas; eram, em sua maioria, poetas de hendecassílabos e de octossílabos[7]. [...] Darío pôs de novo em circulação uma profusão de formas métricas[8].

De fato, a situação da poesia em língua espanhola vinha sendo representada desde a segunda metade do século XIX pela metáfora da anquilose: a atuação forte da Real Academia Española (RAE) na fiscalização dos usos da língua e nas práticas letradas teria prolongado, segundo juízos da época, a presença dos clássicos da língua (Berceo, Garcilaso, Quevedo, Herrera etc.) como autoridades e, assim, adiado e mesmo cerceado as transformações românticas e modernas que aconteciam em outras nações, as quais pressupunham antes de tudo o rompimento com a cadeia das imitações de autoridades. Paralelamente, na América, no contexto das lutas de independência e consolidação das novas repúblicas, exigências políticas teriam prolongado as atribuições cívicas do escritor. Aceitando ou não essas explicações correntes, o fato é que observamos nos textos sobre arte e poesia do fim do século XIX, tanto espanhóis como hispano-americanos, que o impacto histórico, provocado pela escrita dos modernistas, está firmemente arraigado nessa percepção de um atraso do idioma e da cultura hispânica.

O ritmo, um remédio contra a anquilose

Em El ritmo, Rueda acusa o academicismo e o retoricismo pela anquilose. A retórica que Rueda ataca é a disciplina escolar ativa, regulada pela Real Academia Española: uma redução de doutrinas antigas, filtradas pelo tratado de José Gómez de Hermosilla, Arte de hablar (1826), dirigido à instrução dos jovens estudantes na arte da composição verbal. O livro de Hermosilla teve vasta acolhida em seu tempo por ter sido adotado oficialmente como instrumento pedagógico na Espanha e na América e no fim do século por ter se tornado o principal alvo dos ataques modernistas (sobretudo de Rubén Darío) contra o academicismo. Tanto em Rueda como em muitos modernistas hispano-americanos, a palavra ‘retórica’ designa, por vezes, a normatização da métrica elaborada por Hermosilla e cristalizada em lei da língua ao longo do século. Esta consiste basicamente no estabelecimento de um elenco de metros da tradição castelhana como modelo para toda e qualquer realização poética. Os metros tinham acentos fixos, ditados pela tradição. Libertar-se da métrica de Hermosilla era uma das principais bandeiras do modernismo. No entanto, longe de assumir uma atitude iconoclasta em relação à lírica, os poetas procuraram em geral trabalhar a serviço da língua, dentro de limites que reconheciam no castelhano e nas poéticas contemporâneas estrangeiras; não raro, inclusive, recorreram a argumentos castiços e de autoridade para justificar suas novidades. Cumpre destacar que muitos poemas modernistas versejaram sobre a inovação

rítmica que eles próprios praticaram dentro do elenco de metros. Como amostra, reproduzimos abaixo dois fragmentos que ilustram a introdução de novos esquemas rítmicos no verso dodecassílabo. O poeta mexicano Amado Nervo, em poema intitulado El metro de doce, exibe seu dodecassílabo de quatro acentos:

El metro de doce son cuatro donceles,

Donceles latinos de rítmica tropa,

Son cuatro hijosdalgo con cuatro corceles;

El metro de doce galopa, galopa... (Nervo, 1947, p. 383).

E o peruano José Santos Chocano doma outros cavalos para celebrar, ilustrando-os, os novos dodecassílabos de três acentos (em poema dedicado a Amado Nervo):

¡Son tres golpes remachando la cadena,

Son tres saltos que coronan tres alturas,

Se dirían tres corceles que en la arena

Estampasen doce firmes herraduras!

[...]

¡Musa, canta; que así puedes en un día,

Ya que tiran de este carro tres corceles,

Conquistarse tres imperios de armonía

Y ceñirte tres coronas de laureles!...

(Chocano, 1905, p. 149).

Em poemas como esses, os poetas exibem seus dons de virtuosos domadores de cavalos, ao mostrar que conseguem ensiná-los a saltar no ritmo que desejem; esse domínio do artifício em ampla gama de variedades é também um tópico de exaltação na primeira recepção dos modernistas e foi usado pelo poeta peruano Manuel González Prada no prólogo das Obras poéticas de Chocano, fazendo referência justamente ao novo dodecassílabo:

Nenhum metro o assusta; e sai tão airoso do artístico hendecassílabo, como do popular octossílabo. Não se escraviza na métrica de Hermosilla, como o provam [...] seus dodecassílabos com acentuação em terceira, sétima e décima primeira sílabas (Prada apud Chocano, 1905, p. 10)[9].

Para além da questão métrica, porém, os poetas modernistas, como também românticos e modernos de partes diversas, entenderam muitas vezes por retórica o elemento preceptivo e normativo na produção e na recepção de arte, e seus ataques se dirigiram, sobretudo, à centralização de poder regulador nas mãos das academias. Em sua Breve historia del modernismo hispano americano, Max Henríquez Ureña chega a afirmar que o movimento modernista parte dessa identificação em torno de um inimigo comum:

O ponto de partida do modernismo foi simplesmente negativo: rechaçar as normas e as formas que não coincidissem com suas tendências renovadoras e que, ao contrário, representassem o velho retoricismo que prevalecia na literatura española daquele momento. Fazer guerra à frase feita, ao clichê da forma e ao clichê da ideia. Modernista era todo aquele que virava as costas aos velhos cânones e à vulgaridade da expressão. De resto, cada qual podia atuar com plena independência (Ureña, 1954, p. 11-12)[10].

Essa afirmação encontra respaldo em diversos escritos dos modernistas. Já em 1890, por exemplo, quando a palavra modernismo ainda era usada como etiqueta desabonadora pelos detratores da nova poesia, Rubén Darío esboça uma reação em uma das primeiras definições do modernismo como movimento artístico:

[...] o modernismo. Convém saber: a elevação e a demonstração na crítica, com a proibição de que o professor de escola anódino e o pedagogo fanfarrão penetrem no templo da arte; a liberdade e o voo, e o triunfo do belo sobre o preceptivo, na prosa, e a novidade na poesia; dar cor e vida e ar e flexibilidade ao antigo verso que sofria anquilose, apertado entre tomados moldes de ferro (Darío apud Ellis, 1974, p. 47)[11].

Ao mencionar ‘o triunfo do belo sobre o preceptivo’, Darío anuncia que a cura da anquilose exige a superação do receituário retórico. Contudo, Darío e outros modernistas manejaram com simpatia pelo menos outras duas acepções da palavra retórica. Uma se refere a uma suposta ordem ideal da linguagem, manifesta na natureza. Assim é que Darío predica a um jovem poeta:

Escucha la retórica divina

Del pájaro del aire y la nocturna

Irradiación geométrica adivina [...] (Darío, 1901, p. 152).

Trata-se aí de uma retórica desejável, embora talvez inalcançável. Na outra acepção, mais à mão, compreendem-se como retóricas os conjuntos possíveis ou realizados de elementos de composição verbal, ou ainda a própria prática da boa composição. Não só os manuais de retórica, como também os melhores discursos, os melhores poemas, os melhores escritos do passado e do presente manifestariam, como ‘o pássaro do ar’, os segredos de uma ordem superior, uma retórica divina, também denominada, em outros passos, música. Aí está Darío (1934, p. 218) quando enuncia, em 1888, a ambição de “[...] aprisionar o segredo da música na arapuca de prata da retórica”[12]. Se é assim, podemos aceitar que os princípios retóricos de composição não lhe valham como norma, mas sim como técnicas que podem ser deduzidas dos textos e, portanto, que os elementos retóricos, presentes nos textos dos grandes autores de sua eleição, se mostrarão ao menos como vestígios em sua própria produção.

Mas a retórica que Rueda usa em seu tratado consiste numa seleção de preceitos antigos e modernos para o gênero epistolar de espécie didática – o mesmo gênero de preceptivas modelares como a Arte Poética de Horácio (Epístola aos Pisões) e o tratado Do sublime, atribuído a Longino, por exemplo. Longe de querer apontar uma contradição entre forma e mensagem no tratado de Rueda, o que nos interessa aqui é observar como os argumentos que ele lança em favor da novidade na arte se organizam sobre bases claramente antigas e refletir sobre o significado e as particularidades dessa convivência no interior do texto, levando em conta as suas relações com práticas nacionais e internacionais do âmbito das letras.

O propósito central do tratado de Rueda, manifesto já na primeira das dez cartas que o compõem, é o de contribuir para o que ele considera uma evolução necessária na poesia em língua espanhola, que estaria atrasada em relação à poesia de línguas francesa, italiana, alemã e inglesa, por exemplo, e também em relação ao romance, à música e à escultura (Rueda, 1894). Todas essas artes teriam passado por uma mudança que seria agora urgente na poesia espanhola: uma revolução rítmica, nome que remete ao âmbito das poéticas oitocentistas em geral. O motivo do atraso seria a anquilose (Rueda não usa essa palavra, mas diversas expressões análogas, como ‘paralisia do idioma’), e o principal responsável seriam os acadêmicos conservadores da Real Academia Española, a que ele apostrofa terrivelmente ‘vestais machos’, ‘estranguladores de artérias palpitantes’, ‘dissecadores do idioma’ etc.:

Sou o primeiro a reconhecer que há na Academia até uma dúzia de imortais que o são, não por obra e graça de um papel timbrado e uma assinatura; mas o resto é escória desprezível […]. Isto não é falar contra a Academia como ‘instituição’; mas sim contra o que, por causa desses espíritos secos e sem substância, vem a ser ‘a alma’ da Academia: uma alma de sexagenário, de caduco, sem brio, nem força, nem nada (Rueda, 1894, p. 36, grifos do autor)[13].

A função reguladora da academia, que ele representa em outra passagem como “[...] um lago infecto onde as palavras apodrecem por falta de atividade [...]” (Rueda, 1894, p. 37), estaria, assim, comprometida por essa alma caduca, que, incapaz de formar jovens leitores de poesia moderna e mesmo de compreendê-la, limitava-se a deseducá-los:

A desorientação que entre nós padece a maioria das pessoas e dos literatos e poetas […] reside em boa parte, a meu modo de ver, em que se ensina muito mal a retórica na aula oficial; melhor dito, não se ensina mais que retórica, receitas, fórmulas, como se se tratasse da ‘farmacopeia do escrever’ (Rueda, 1894, p. 25, grifo do autor)[14].

Não há coisa mais inútil que essas cátedras de retórica e poética, tal como hoje se ministra a disciplina. De que serve a um homem sair das aulas sabendo os nomes de todos os ‘incidentes retóricos’, sabendo contar as sílabas, sabendo diferenciar os metros (isso o que traz boa ‘orelha’) e estar ao cabo, se chega a estar, do que é casca e superficialidade, se o profesor não lhe ensinou, ao mesmo tempo, a ‘saborear um poeta’, a metê-lo em seu espírito e a cultivá-lo, em uma palavra, o paladar artístico, para que goze com o belo e não com o retórico? (Rueda, 1894, p. 31-32, grifos do autor)[15].

Fica claro, então, que a retórica atacada é aquela que se oferece como farmacopeia (receitas, fórmulas) de aplicabilidade mecânica e que, portanto, limita com moldes preestabelecidos a criatividade dos que escrevem e a capacidade dos que leem os textos de grandes autores do passado ou do presente. Nesse sentido, o discurso de Rueda se apoia em grande medida nos argumentos da querela dos antigos e dos modernos e em diversos elementos da teoria romântica. Mas veremos agora como ele introduz uma distinção de valor nas possibilidades de uso da retórica:

É claro! pois o que ensinam não é poesia, mas retórica, e da retórica não a requintada e bela dos José María de Heredia, dos Leconte de Lisle, dos Teodoro de Banville e muitos mais (sinto não poder citar um só nome espanhol, a não ser, em certo modo, o de Zorrilla), mas a vulgar, a grosseira, a insuportável da nossa ‘lírica de artifício’ (Rueda, 1894, p. 27, grifo do autor)[16].

Rueda tem um plano: ele acredita que a educação dos jovens talentos deve ser incumbência dos maiores conhecedores (sugere nominalmente o crítico Leopoldo Alas, conhecido como Clarín), e que assim se favorecerá o surgimento de grandes poetas verdadeiros, capazes de gerar por seu gênio uma poesia em que a harmonia do verso brote da criação em vez de atingir-se pelos fármacos retóricos. Por outro lado, vê-se com isso dependente da generosidade divina na distribuição do dom poético, que não pode em si ser ensinado, mas apenas aperfeiçoado uma vez que se revele. Assim, elabora uma classificação dos poetas em quatro níveis, cada um deles baseado numa habilidade relativa a categorias musicais: do melhor para o pior, e do mais raro para o mais frequente, o poeta verdadeiro, o versificador, o hendecassilabista e o retórico:

[...] retóricos dão-se aos montes; hendecassilabistas não se dão tantos; técnicos, versificadores, joalheiros da forma externa, dão-se menos ainda (a França os tem divinos), e poetas, repito, dão-se muito pouco (Rueda, 1894, p. 31)[17].

O retórico é um mero imitador sem talento, falsificador, fabricador de versos desprezíveis e ridículos que só fazem variar para baixo os versos do passado; enfim, em palavras adequadas à própria caracterização que deles faz Rueda, um enchedor de linguiça:

A retórica, as receitas de escrever, os troquéis [as matrizes], tomam-se aqui não por formas que ‘surgem’ no momento inspirado, mas por uma espécie de tripas, que, enchidas de ideias, sentimento e saber, são a própria poesia em corpo e alma (Rueda, 1894, p. 29, grifo do autor)[18].

O hendecassilabista, que seria o tipo principal na poesia espanhola do século XIX, aprende a domar de fato o principal metro da língua e, assim, produz versos que, se não chegam a merecer o nome de poesia, pelo menos se parecem às vezes com ela, pelo que costuma receber daqueles maus acadêmicos os títulos de grande versificador, de mestre da rima e pai da forma (Rueda, 1894). É ele o culpado pela paralisia do verso, porque a monotonia de suas frases – notemos a gradação do efeito – adormece, embota, entontece, fastidia, aborrece e enfim “[...] acaba por render-nos ao sono, por amodorrar-nos, por imbecilizar-nos” (Rueda, 1894, p. 15)[19]. Trata-se de gente que tem orelha, mas não ouvido, provoca Rueda; seria preciso que alguém tomasse a frente para dizer-lhes: “Senhores, já não se os ouve, tornou-se-lhes rouco o apito de tanto tocá-lo, e não sabemos o que querem dizer: melhor os entenderíamos por mímica” (Rueda, 1894, p. 17)[20].

A classe dos versificadores acolhe os bons artífices, capazes de manejar uma variedade crescente de técnicas. Rueda nomeia, entre estes, os franceses Gautier, Leconte de Lisle, Heredia e Banville e inclui indiretamente todos os chamados parnasianos. É esta classe de artífice que o ensino deve se empenhar em formar, posto que a outra, a dos poetas verdadeiros, não se ensina:

Na falta de um poeta no qual ‘nasçam sem cálculo as harmonias’, como na pedraria as ordens de cristais; na falta de um poeta de verdade, ao qual ‘nasçam as ideias e sentimentos em ritmo’, que venham versificadores de bom gosto, de arte requintada, de sabedoria ‘polirrítmica’. […] Muitos têm o trabalho desses diamantistas do verso, desses repuxadores do estilo, por poesia verdadeira, e eu, posto que tudo isso é belo, não me mostrarei hostil a reconhecê-lo como poesia (Rueda, 1894, p. 20, grifos do autor)[21].

[…] já que não sentem o ‘ritmo’, o ‘canto’ dentro deles, nem podem evoluir seu espírito, […] ampliem o círculo de suas formas faladas, mudem de metros, empreguem outros que não sejam os de sempre, idealizem estrofes combinadas de modo diferente, não nos mantenham em perpétua monotonia os ouvidos e os olhos com sua arquitetura caduca e com seus galopes sempre e sempre invariáveis (Rueda, 1894, p. 61, grifos do autor)[22].

Vale cotejar essas afirmações de Rueda com uma ressalva crítica, escrita pelo poeta uruguaio Julio Herrera y Reissig sobre seu conterrâneo Oscar Tiberio:

É que Oscar Tiberio não tem sido um apaixonado do ritmo imitativo, das aventuras métricas, do neologismo bronzeado, das onomatopeias abstrusas, do desafio musical por associação de sons, das morbidezes que resultam da diérese e da elipse de uma sinalefa, do mimo que se obtém eliminando os ‘r’, da ingenuidade amanhecente dos ‘u’, do delírio e da fineza palatina dos delicados ‘i’... e dos ‘s’ e dos ‘x’. Daí que nosso liróforo[23] adoesça, a meu parecer, dessa deficiencia hispânica de matiz e de harmonia, que consiste em negar às palavras a personalidade autônoma do diamante ou da colcheia, não fazendo nenhum caso do divino deus pagão de ‘Esmaltes e Camafeus’ (Reissig, 1998, p. 593, grifos do autor)[24].

Assim como Rueda e Herrera y Reissig, muitos poetas modernistas acusaram essa ‘deficiência hispânica de matiz e harmonia’, que só poderia ser compensada pelo estudo e assimilação de Gautier (autor do livro Émaux et Camées, ‘Esmaltes e camafeus’, 1852) e outros poetas franceses da segunda metade do século XIX.

Por fim, na lista de Rueda (1894, p. 24), o verdadeiro poeta é um “[...] homem musical”, um “[...] ser rítmico que pensa cantando, sente cantando, escreve cantando”:

[…] um organismo musical, distinto, em sua ‘essência’, do dos outros seres. É uma espécie de lira rítmica que, se lhe abala uma pena, queixa-se em ritmo; que, se uma alegria a envolve, canta em ritmo; que, se repercute nela a Natureza, devolve essas repercussões feitas cláusulas isócronas e vibrantes. Um poeta é uma organização maravilhosa, fenomenal, que sente em música, pensa em música, se expressa em música. É um criadouro de formas métricas nas quais vão suas ideias e sentimentos. Como há pedaços da Natureza que se manifestam por ordens de cristais, por ‘ritmos plásticos’, assim também um poeta manifesta sua inspiração feita compassos, feita metros, feita músicas perfeitamente definidas e concretas (Rueda, 1894, p. 60, grifos do autor)[25].

Dessa classe ele nomeia quatro românticos espanhóis – Espronceda, Zorrilla, Bécquer e Campoamor –, além de usar como exemplo uma estrofe de Darío e afetar modéstia ao omitir seu próprio nome. O poeta verdadeiro é um produto da natureza, representado com as figuras do gênio romântico; a lira rítmica que o representa é evidentemente uma variação da harpa ou lira eólia de que tanto falaram românticos como Shelley (2002, p. 171):

O homem é um instrumento sobre o qual se exerce uma série de impressões externas e internas, como as alternâncias de um vento sempre mutável sobre uma lira eólia, que, com seu movimento, fazem-na produzir uma melodia sempre variada;

e a orientação univocamente musical das metáforas com que ele é caracterizado revela a ligação do discurso de Rueda com os argumentos ligados à inundação musical da poesia oitocentista.

Com essas condições, e considerando os trechos acima, é de supor que o tratado não se dirige aos candidatos a grande poeta, os quais, uma vez descobertos, deveriam manter-se distantes das pequenezas e ingressar numa instituição ideal onde pudessem aperfeiçoar-se nas técnicas que lhes permitiriam desempenhar nobremente sua missão divinal. No entanto o mesmo Victor Hugo já havia proclamado no prefácio de Cromwell esta lei soberba: “A arte não conta com a mediocridade. Não lhe prescreve nada; não a conhece; a mediocridade não existe para ela. A arte dá asas e não muletas” (Hugo, 1988, p. 56). Qual é, então, a possível contribuição do tratado de Rueda para a ambicionada evolução poética?

Contrariando o caráter ensaístico da maioria dos escritos sobre arte no século XIX, Rueda adota uma forma rigorosamente regrada de composição. Dispensa a forma livre, em maior ou menor grau, que se encontra nos mais diversos textos: dos fragmentos críticos de Schlegel e Novalis aos prefácios românticos e parnasianos; das conferências de Ruskin e Hazlitt aos ensaios de Poe, Wagner e Baudelaire; de defesas da poesia como a de Shelley a tratados de versificação como o de Banville. A análise da primeira carta (intitulada A modo de índice) deverá dar conta dessa interpretação.

Do modo como está organizado, o tratado se apresenta como uma série de dez cartas em resposta a José Ixart (1852-1895), um crítico e tradutor catalão de poesia e, de fato, cumpre o papel de prólogo uma transcrição da própria carta de Ixart que teria gerado a extensa resposta de Rueda. Os dois primeiros parágrafos da carta-prólogo de Ixart configuram um introito cordial, que não poupa elogios ao destinatário e, particularmente, aos seus dois recentes volumes de versos. A menção a En tropel (o livro de Rueda que trazia o ‘Pórtico’ de Darío) dá ensejo ao assunto do ritmo: Ixart afirma que a leitura do ‘Pórtico’ o fez lembrar de que Darío havia publicado recentemente um artigo sobre métrica e rítmica, que ele já não podia reencontrar. As razões do interesse são, segundo o interessado, a qualidade prática de Darío como versificador e a escassez de escritos sobre o tema na Espanha. Ixart enuncia, então, o desejo de produzir um estudo sobre métrica e ritmo; em seguida, como bom epistológrafo, não deixa de incluir uma polida solicitação lateral a Rueda:

Quantos materiais possa reunir, ser-me-ão de alguma utilidade. Portanto, ‘peço e suplico’ que se o senhor conhece esse artigo […] de Rubén Darío, que me envie, e que se o senhor, na prática tão original e tão influído também pelo espírito de novidade neste ponto, tiver escrito ou pensado ‘algo’ sobre o verso, os novos metros, as novas combinações rítmicas, etc., o escreva para mim e o mande também […] (Ixart apud Rueda, 1894, s/p., grifos do autor)[26].

Ao figurar como prólogo no livro de Rueda, evidentemente, o pedido de Ixart justifica a publicação do tratado que o leitor tem em mãos, sem que para isso o autor tenha se dobrado a justificá-lo por razões próprias. Vale transcrever mais um trecho seu, que faz eco antecipado da consideração da anquilose e do valor das novas considerações poéticas que Rueda defenderá:

É pena que enquanto a italianos, franceses, alemães e ingleses interessam e se levam a sério essas questões, aqui estejamos ainda à altura de Rengifo, sem sequer sonhar os profundos problemas musicais que se ocultam na técnica da arte de escrever versos! (Ixart apud Rueda, 1894, s/p.)[27].

A primeira das cartas de Rueda que compõem El ritmo começa, naturalmente (ou artificialmente – na arte da escrita, e em especial na epistolografia, são muitas as ocasiões em que esses termos se confundem), com o agradecimento e a afetada refutação dos elogios recebidos etc. O convencionalismo do afeto não nos deve desviar de sua função fundamental: é no elogio mútuo que se desenha o caráter dos dialogantes, que se confere autoridade a suas palavras. Nas cartas, se é que foram realmente enviadas, os elogios funcionam como uma costumeira captatio benevolentiae entre os que se correspondem, mas, transladadas as cartas a um livro publicado, eles cumprem uma função claramente ficcional de descrição dos personagens falantes, dramatis personae. É, afinal, pelos elogios mútuos que recebemos as únicas informações que deles teremos no livro. Ixart (apud Rueda, 1894) chama Rueda de distinto amigo, bom amigo, inovador na prática poética, diz que suas cartas são sempre afetuosas e que o poema a ele dedicado muito o honra. Termina pedindo-lhe que o conte entre seus admiradores. Rueda (1894, p. 1) responde reconhecendo-lhe talento, sensibilidade artística e solidez e por fim lhe vaticina a realização de “[...] obra tão audaz e chamada a ser talvez o silhar de um novo templo à beleza poética”[28]. Ainda mais significativa para a elevação ficcional da autoridade dos conversantes é a identificação que se promove, em trechos anteriormente citados, entre homens que se interessam por um tema interessante e quase inédito em espanhol. Em suma: talvez não fosse necessário tanto detalhe para fazer ver que as vozes de Rueda e Ixart, conferindo autoridade uma à outra, logram transmitir a promessa de uma conversa culta e desafiante ao leitor do tratado.

Podendo-se apoiar numa consolidada tradição ensaística a que já nos referimos e numa prática histórica de valorização da subjetividade e da liberdade de expressão da opinião individual ‘com proveito para a arte’, por que Rueda optaria por uma justificação indireta da pertinência de seu tratado e da autoridade de seu julgamento? Provavelmente porque Rueda defenderá em seu tratado posições controversas e, para isso, como vimos, terá que confrontar a Real Academia Espanhola – a voz do Estado nas questões da língua e da literatura –, cujos membros ele chega a qualificar como uma espécie de inquisidores em pleno século XIX (Rueda, 1894). Parece razão suficiente. Concluída a etapa dos definidores elogios mútuos, Rueda logo se embrenha no tema do ritmo (omitindo o da métrica):

[...] é tão elevado o tema do ‘ritmo’ em nosso tempo; reconhecem nele, segundo vejo em sua carta, tanta importância os italianos, franceses, alemães e ingleses; e produziria tamanha sensação e proveito no Parnaso español esse tema desenvolvido por um talento [...] como o do senhor, que creio que os poetas que em Espanha ‘praticam’ o ritmo e não o ‘sonsonete’ [...] deviam dizer ao senhor em cartas ou em artigos o que pensam sobre o tema, com absoluta imparcialidade [...] (Rueda, 1894, p. 1, grifos do autor)[29].

Eis aí todo o artifício. Em um só parágrafo, o segundo de sua primeira carta, Rueda estabelece

todas as suas condições de enunciação: 1) a relevância do tema, apoiada na autoridade de Ixart; 2) a qualidade e os propósitos do destinatário; 3) em função da qualidade do destinatário, a necessidade, o motivo e a utilidade da mensagem; 4) indiretamente, a qualidade do emissário (como um dos que praticam o verdadeiro ritmo e não o artificial sonsonete, isto é, a cantilena maçante, o batuque tedioso e insípido do inepto).

Considerações finais

Podemos inferir dessas escolhas que o objetivo fundamental do tratado de Rueda não era, então, o de instaurar um campo de reflexão sobre o ritmo e as novas práticas poéticas fora das instituições reguladoras espanholas, mas, pelo contrário, o de persuadir essas mesmas instituições a uma reforma na legislação métrica do idioma. Se Rubén Darío se recusava a advogar em favor das novas práticas nos tribunais instituídos, era talvez porque sua proposta de uma ‘estética acrática’ não admitia nenhum tipo de legislação formal e almejava subtrair das academias o poder de regular a produção poética. Rueda, por sua parte, parece lutar por uma substituição de regime: quer derrubar o sistema retórico, apoiado no elenco de metros, e entronar em seu lugar o sistema rítmico, de modo a renovar a alma da academia e, assim, garantir que ela volte a desempenhar plenamente seu papel institucional. Na mesma linha poderiam ser interpretadas as propostas de Rueda para o ritmo e os exemplos com os quais ele as ilustra e discute. Neste artigo, escolhemos privilegiar a importância do tratado de Rueda como descrição minuciosa da anquilose, da atuação da academia e do alegado atraso da poesia castelhana em modernizar-se.

Referências

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Notas

[1] Este artigo é uma versão modificada e ampliada de uma parte da tese de doutorado do autor, intitulada Inundação musical – a música da poesia modernista hispano-americana, defendida na Universidade de São Paulo em 2013, sob orientação da Prof.ª Drª Teresa Cristófani Barreto e com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a quem registro meu agradecimento.
[2] “Buen capitán de la lírica guerra, / regio cruzado del reino del arte”. Tradução nossa. Com exceção de textos originalmente consultados em português (cf. Referências bibliográficas) e de trechos de poemas escritos em espanhol e destacados do corpo do texto – os quais, por razões rítmicas e prosódicas, optei por manter no idioma original –, todas as citações deste artigo foram traduzidas do espanhol pelo autor. Reproduzo em notas de rodapé os excertos correspondentes em espanhol, conforme aparecem nas edições consultadas.
[3] “Salvador Rueda, que inició su vida artística tan bellamente, padece hoy inexplicable decaimiento. No es que no trabaje [...] pero los ardores de libertad estética que antes proclamaba un libro tan interesante como El ritmo, parecen ahora apagados. [...] Yo, que soy su amigo y que le he criado poeta, tengo el derecho de hacer esta exposición de mi pensar”.
[4] “[…] la expresión poética está anquilosada, a punto de que la momificación del ritmo ha llegado a ser un artículo de fe”.
[5] “La versificación española se había reducido, durante siglos, a unos pocos tipos; de pronto, con Rubén Darío se convirtió en orquesta sinfónica”.
[6] “La poesía española tenía los músculos envarados a fuerza de solemnidad y patetismo; con Rubén Darío el idioma se echa a andar”.
[7] Na métrica castelhana, sempre se acrescenta uma sílaba após a última tônica, como se fazia em português até meados do século XIX. Assim, em virtude de uma diferença no sistema métrico, o hendecassílabo e o octossílabo castelhanos correspondem aos atuais decassílabo e heptassílabo portugueses.
[8] “Los poetas castellanos de los cuatro siglos últimos, em España o en América, aun cuando ensayaron formas diversas, dominaban de hecho muy pocas; eran, los más, poetas de endecasílabos y de octosílabos. [...] Darío puso de nuevo en circulación multitud de formas métricas”.
[9] “Ningún metro le arredra; y sale tan airoso del artístico endecasílabo, como del popular octosílabo. No se esclaviza en la métrica de Hermosilla, como lo prueban [...] sus dodecasílabos con acentuación en tercera, séptima y undécima sílabas”.
[10] “El punto de partida del modernismo fue simplemente negativo: rechazar las normas y las formas que no se avinieran con sus tendencias renovadoras y representaran, en cambio, el viejo retoricismo que prevalecía en la literatura española de aquel momento. Hacer guerra a la frase hecha, al clisé de la forma y al clisé de la idea. Modernista era todo el que volvía la espalda a los viejos cánones y a la vulgaridad de la expresión. En lo demás, cada cual podía actuar con plena independencia”.
[11] “[...] el modernismo. Conviene saber: la elevación y la demostración en la crítica, con la prohibición de que el maestro de escuela anodino y el pedagogo chascarrillero penetren en el templo del arte; la libertad y el vuelo, y el triunfo de lo bello sobre lo preceptivo, en la prosa, y la novedad en la poesía; dar color y vida y aire y flexibilidad al antiguo verso que sufría anquilosis, apretado entre tomados moldes de hierro”.
[12] “[...] aprisionar el secreto de la música en la trampa de plata de la retórica”.
[13] “Soy el primero en reconocer que hay en la Academia hasta una docena de inmortales que lo son, no por obra y gracia de un pliego de papel, un membrete y una firma; pero lo demás es bazofia despreciable […]. No es esto hablar en contra de la Academia como ‘institución’; pero sí contra lo que, por causa de esos espíritus secos y sin jugo, viene a ser ‘el alma’ de la Academia: un alma de sexagenario, de caduco, sin brío, ni fuerza, ni nada.”.
[14] “La desorientación que entre nosotros padece la mayoría de la gente y de los literatos y poetas […] estriba en buena parte, a mi modo de ver, en que se enseña muy mal la retórica en la clase oficial; mejor dicho, no se enseña más que retórica, recetas, fórmulas, como si se tratara de la ‘farmacopea del escribir’”.
[15] “No hay cosa más inútil que esas cátedras de retórica y poética, tal como hoy se enseña la asignatura. ¿De qué le sirve a un hombre salir de las aulas sabiendo los nombres de todos los ‘incidentes retóricos’, sabiendo contar las sílabas, sabiendo diferenciar los metros (eso el que trae buena ‘oreja’) y estar al cabo, si llega a estarlo, de lo que es cáscara y superficialidad, si el profesor no le ha enseñado, al mismo tiempo, a ‘gustar un poeta’, a meterlo en su espíritu y a cultivarle, en una palabra, el paladar artístico, para que goce con lo bello y no con lo retórico?”
[16] “¡Es claro! como que lo que enseñan no es poesía, sino retórica, y de la retórica no la exquisita y bella de los José María de Heredia, de los Leconte de Lisle, de los Teodoro de Banville y muchos más (siento no poder citar un solo nombre español, a no ser, en cierto modo, el de Zorrilla), sino la vulgar, la ramplona, la insoportable de nuestra ‘lírica de artificio’”.
[17] “[...] retóricos se dan a espuertas; endecasilabistas no se dan tantos; técnicos, versificadores, joyeros de la forma externa, se dan menos aún (Francia los tiene divinos), y poetas, lo repito, se dan muy poco”.
[18] “La retórica, las recetas de escribir, los troqueles, se toman aqui, no por formas que ‘surgen’ en el momento inspirado, sino por una especie de tripas, que en llenándolas de ideas, sentimiento y saber, son la propia poesía en cuerpo y alma”.
[19] “[...] acaba por rendirnos al sueño, por amodorrarnos, por imbecilizarnos”.
[20] “Señores, que no se os oye ya, que se os ha vuelto ronco el pito de tanto tocarlo, y no sabemos que quereis decir: mejor os entenderíamos por mímica”.
[21] “A falta de un poeta en el cual ‘nazcan las armonías sin calcularlas’, como en la pedrería los órdenes de cristales; a falta de un poeta de verdad, al cual ‘le nazcan las ideas y sentimientos en ritmo’, vengan versificadores de buen gusto, de arte exquisito, de sabiduría ‘poli-rítmica’. […] Tienen muchos el trabajo de estos diamantistas del verso, de estos repujadores del estilo, por poesía verdadera, y yo, puesto que todo eso es bello, no me mostraré hostil a reconocerlo como poesía”.
[22] “[…] ya que no sienten el ‘ritmo’, el ‘canto’ dentro de ellos, ni pueden evolucionar su espíritu, […] ensanchen el círculo de sus formas habladas, cambien de metros, empleen otros que no sean los de siempre, ideen estrofas de modo diferente combinadas, no nos tengan en perpetua monotonía los oídos y los ojos con su arquitectura caduca y con sus galopes siempre y siempre invariables”.
[23] Liróforo: portador de lira, poeta. Herrera y Reissig emprega ironicamente o polêmico neologismo atribuído a Rubén Darío, pelo poema Responso a Verlaine, de Prosas profanas (1896).
[24] “Es que Oscar Tiberio no ha sido un apasionado del ritmo imitativo, de las aventuras métricas, del neologismo bronceado, de las onomatopeyas abstrusas, del acertijo musical por asociación de sonidos, de las morbideces que resultan de la diéresis y del elipse de una sinalefa, del mimo que se obtiene eliminando las ‘r’, de la ingenuidad amaneciente de las ‘u’, del delirio y la fineza palatina de las delicadas ‘i’... y de las ‘s’ y de las ‘x’. De ahí que nuestro liróforo adolezca, a mi parecer, de esa deficiencia hispánica de matiz y de armonía, que consiste en negar a las palabras la personalidad autónoma del diamante o la corchea, haciendo ningún caso del divino dios pagano de ‘Esmaltes y Camafeos’”.
[25] “[…] un organismo musical, distinto, en su ‘esencia’, del de los demás seres. Es una especie de lira rítmica que si una pena la sacude, se queja en ritmo; que si una alegría la envuelve, canta en ritmo; que si repercute en ella la Naturaleza, devuelve esas repercusiones hechas cláusulas isócronas y vibrantes. Un poeta es una organización maravillosa, fenomenal, que siente en música, piensa en música, se expresa en música. Es un criadero de formas métricas en las cuales van sus ideas y sentimientos. Como hay trozos de la Naturaleza que se manifiestan por órdenes de cristales, por ‘ritmos plásticos’, así un poeta manifiesta su inspiración hecha compases, hecha metros, hecha músicas perfectamente definidas y concretas”.
[26] “Cuantos materiales pueda reunir, me serán de alguna utilidad. Por tanto, ‘pido y suplico’ que si usted conoce ese artículo […] de Rubén Darío, me lo mande, y que si usted, en la práctica tan original y tan influido también por el espíritu de novedad en este punto, tiene usted escrito o pensado ‘algo’ sobre el verso, los nuevos metros, las nuevas combinaciones rítmicas, etc., me lo escriba y lo mande también […]”.
[27] “¡Es lástima que cuando a italianos, franceses, alemanes e ingleses les interesan y toman en serio esas cuestiones, aquí estemos todavía a la altura de Rengifo, sin soñar siquiera los profundos problemas musicales que se ocultan en la técnica del arte de escribir versos!”.
[28] “[...] obra tan audaz y llamada a ser acaso sillar de um nuevo templo a la belleza poética”.
[29] “[...] es tan elevado el tema del ‘ritmo’ en nuestro tiempo, se le reconoce, según veo en su carta, tanta importancia por italianos, franceses, alemanes e ingleses, y haría tal sensación y provecho en el Parnaso español ese tema desarrollado por un talento [...] como el de usted, que creo que los poetas que en España ‘practican’ el ritmo y no el ‘sonsonete’ [...] debían decir a usted en cartas o en artículos lo que piensan sobre el tema, con absoluta imparcialidad [...]”.

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