Linguística

Tipologia semântica de proposições tautológicas de identidade e seu valor argumentativo

Semantic typology of tautological identity propositions and their argumentative value

Leosmar Aparecido Silva
Universidade Federal de Goiás, Brasil
Márcia Teixeira Nogueira
Universidade Federal do Ceará, Brasil

Tipologia semântica de proposições tautológicas de identidade e seu valor argumentativo

Acta Scientiarum. Language and Culture, vol. 43, núm. 1, e55629, 2021

Universidade Estadual de Maringá

Recepción: 03 Septiembre 2020

Aprobación: 17 Diciembre 2020

Resumo: Este artigo tem o objetivo de descrever e analisar as propriedades gramaticais, semânticas e discursivo-argumentativas das proposições tautológicas de identidade, como em uma mulher é uma mulher. Com base em um corpus coletado da internet, as proposições foram analisadas, considerando-se a tipologia semântica dessas tautologias proposta por Wierzbicka (2003) e o tratamento dado a elas na Nova Retórica, de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996). Os resultados apontam para uma ampla utilização desse tipo de tautologia no discurso coloquial, em gêneros publicitários, literários, artísticos (música e cinema), humorísticos, religiosos e políticos. Além disso, os significados dessas proposições, ao mesmo tempo em que expressam uma generalização sobre atitudes, eventos, pessoas e coisas, se constroem como verdades absolutas, imutáveis e compartilhadas culturalmente, contribuindo, inclusive, para a manutenção de estereótipos.

Palavras-chave: Tautologia, tipologia semântica, argumentação.

Abstract: This article aims to describe and analyze the grammatical and discursive-argumentative properties of the tautological identity propositions, such as a woman is a woman. Based on a corpus collected from the internet, the propositions were analyzed, considering the semantic typology of these tautologies proposed by Wierzbicka (2003) and the treatment given to them in New Rhetoric, by Perelman and Olbrechts-Tyteca (1996). The results point to a broad use of these tautological propositions in daily speeches, advertising, literary, artistic (music and cinema), humorous, religious and political discourses. Moreover, the meanings of these propositions’ express generalization about attitudes, events, people, and things. Tautologies are constructed formally and rhetorically as absolute, immutable and culturally shared truths, and to the maintenance of stereotypes.

Keywords: Tautology, semantic typology, Argumentation.

Introdução[1]

Tautologias como uma mulher é uma mulher, devido à sua ampla produtividade nas línguas naturais, têm despertado o interesse de gramáticos, estudiosos da Lógica, da Retórica e da Linguística, conforme levantamento de Silva e Nogueira (2018).

Do ponto de vista da Retórica, ao tratarem das técnicas argumentativas, Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 246) designam como ‘tautologias de identidade’ as proposições como um tostão é um tostão e crianças são crianças, analisando-as como um tipo de argumento ‘quase-lógico’, ou seja, que pode ter uma interpretação formal, fundamentada na Lógica, mas também uma interpretação fundamentada na percepção humana da natureza das coisas. Segundo os autores, em tautologias evidentes e voluntárias como essas, há uma identidade formal de dois termos que não podem ser idênticos, sendo, por isso mesmo, denominada por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) de ‘tautologias aparentes’. Os autores explicam que, por serem formalmente tautológicas, essas proposições incentivam a distinção entre os termos, mas não indicam, de antemão, para onde devemos dirigir nossa atenção, caracterizando-se como um procedimento que “[...] consiste em valorizar positiva ou negativamente alguma coisa com um pleonasmo…” (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1996, p. 246). Ainda segundo os autores, nas tautologias como essas, o sentido não está fixado, havendo uma grande variedade de diferenciações.

Do ponto de vista dos estudos descritivos, Fraser (1988), Wierzbicka (1987, 1988, 2003), Gibbs Jr. e McCarrell (1990), Meibauer (2008), Athayde (2010) também tratam desse tipo de tautologia. Destacamos o trabalho de Wierzbicka (2003), que propõe uma abordagem tipológico-funcional e semântica, comparando expressões tautológicas em várias línguas, ao mesmo tempo em que trata de seu valor argumentativo. Para a pesquisadora, não existe um cálculo global de significação das proposições tautológicas, mas os significados obedecem a restrições próprias de cada língua. Defendendo a ideia de que a pragmática permeia a gramática, e que as duas se entrelaçam em incontáveis manifestações linguísticas, Wierzbicka (2003) propõe uma tipologia semântica de tautologias, bem como fórmulas para a interpretação semântica de construções tautológicas, levando-se em conta a sua forma, o seu significado e seu valor argumentativo no discurso.

Para a Nova Retórica (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 1996), a argumentação é entendida como o processo que tem como meta a adesão das mentes, em que há a presença de um orador, de um auditório e de meios para se alcançar a adesão. O orador, utilizando-se de estratégias argumentativas, procura influenciar, com a sua argumentação, o auditório – aqueles a quem deseja convencer ou persuadir. A Nova Retórica nega as noções de verdadeiro e falso na argumentação. Propõe a existência de opiniões dos oradores que, baseados em argumentos verossímeis, procuram persuadir o auditório.

Retomando algumas observações feitas por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), no âmbito da Nova Retórica, e com atenção aos estudos linguísticos que se desenvolveram na complexa interface entre língua, cognição e discurso, este artigo tem o objetivo de descrever e analisar aspectos gramaticais e discursivos de proposições tautológicas de identidade em dados do português brasileiro coletados da internet, considerando seu valor argumentativo.

Este artigo organiza-se em quatro seções principais. Na primeira, são abordados os aspectos conceituais que definem uma proposição tautológica a partir das considerações que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) e dos estudos que Wierzbicka (2003) e Meibauer (2008) fizeram desse tipo de tautologia. Na segunda seção, são apresentados aspectos formais e funcionais das chamadas proposições tautológicas de identidade. A terceira seção relata os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa. A quarta seção apresenta a análise e discussão dos dados, momento em que expomos uma tipologia das predicações tautológicas e seu valor argumentativo no discurso. Encontram-se, por último, as conclusões desta pesquisa sobre o uso das proposições tautológicas no português brasileiro.

Proposição tautológica: aspectos conceituais

Numa proposição como João é meu amigo, temos a predicação de uma informação nova (é meu amigo) sobre um referente (João). Numa proposição tautológica com predicado equativo[2], por sua vez, temos dois Sintagmas Nominais (SN) idênticos e pertencentes à mesma classe léxico-gramatical. Uma proposição como negócio é negócio é analisada, então, como tautológica, porque o primeiro SN é idêntico ao segundo, embora ainda haja discussões sobre o valor atributivo (de predicar) ou referencial (de referir) e sobre o valor informativo de um enunciado por ela constituído.

Conforme Mortari (2001), na Lógica, uma proposição é vista como tautológica segundo um cálculo proposicional. Proposição tautológica é aquela sempre verdadeira em qualquer possível situação. Uma proposição como guerra é guerra é tautológica, porque repete, no predicado ou definiens, o conceito que já está contido no primeiro membro da definição, sendo, por esse motivo, sempre verdadeira. Essa sentença codifica formalmente uma declaração de equivalência semântica ou representacional no uso de dois SN idênticos. Exatamente por essa equivalência semântica óbvia, numa abordagem estritamente semântica, as proposições tautológicas costumam ser tratadas como estruturas não informativas. Essa é uma importante questão que se coloca para os estudiosos do tema: a proposição tautológica é, de fato, não informativa?

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) identificam, nesse tipo de proposição, uma identidade apenas formal entre dois termos. Para os autores, se o enunciado tem algum interesse, não podem ser idênticos, visto que o primeiro Sintagma Nominal (SN) tem uma função substantiva e o segundo Sintagma Nominal (SN) tem uma função adjetiva; o primeiro SN faz referência a uma entidade no mundo e o segundo SN mostra as suas propriedades. Por essa razão, os autores da chamada Nova Retórica designam esse tipo de figura como uma ‘tautologia aparente’, cuja interpretação “[...] requer um mínimo de boa vontade da parte dos ouvintes” (Perelman e Olbrechts-Tyteca, 1996, 246). Em guerra é guerra, por exemplo, a boa vontade do ouvinte seria no sentido de interpretar a segunda ocorrência de ‘guerra’ como uma qualidade da guerra, ou seja, guerra é destrutiva, cruel, violenta, sanguinária.

Também para Athayde (2010), as tautologias são apenas aparentemente vazias de conteúdo semântico, e é esse aspecto formal que as faz funcionar predominantemente como recurso argumentativo. Tendo elevado potencial retórico, elas integram as chamadas ‘verdades geralmente aceitas’, colocam-se ao lado dos lugares-comuns ou dos truísmos e revelam muito sobre a visão de mundo de uma comunidade e sobre o papel que elas desempenham na configuração e no recorte desse modo de ver o mundo.

Forma e a função das proposições tautológicas de identidade

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) afirmam que enunciados de aparente tautologia têm chamado a atenção dos teóricos do estilo que, vendo que os termos deveriam ter significado diferente, transformaram essas tautologias em casos particulares de figuras. Lembram os autores da Nova Retórica que em ‘Córidon desde aquele tempo me é Córidon’ há a figura chamada ploce, em que o mesmo termo é tomado para significar a pessoa e para significar o comportamento (ou a coisa e suas propriedades). Já em pai é sempre pai, o segundo termo é um substantivo tomado adjetivamente, já que uma das palavras está no sentido próprio e a outra, no figurado.

Ainda de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), nas tautologias de identidade, a diferença entre os termos formalmente unívocos, geralmente, não está fixada, de modo que, seguindo modelos já conhecidos, podemos criar uma grande variedade de diferenciações e estabelecer, entre os termos, uma grande variedade de relações. Essas tautologias, segundo os autores, podem assumir o papel de máximas, mas só adquirem significados argumentativos quando aplicadas a uma situação concreta. Para ilustrar possíveis interpretações para uma mesma estrutura de identidade formalmente tautológica, os autores lembram que o enunciado uma mulher é uma mulher tanto pode ser interpretado como uma forma de enunciar que todas as mulheres são iguais, como de enunciar que uma mulher deve ter a postura de uma mulher.

Linguistas funcionalistas e cognitivistas têm procurado identificar, no uso efetivo da língua, algumas regularidades formais e funcionais relacionadas à manifestação dessas tautologias de identidade. Segundo Gibbs Jr. e McCarrell (1990, p. 125), os nomes usados nas proposições tautológicas podem designar entidades concretas humanas (homem é homem, mulher é mulher) e não humanas (um carro é um carro); e abstratas (clássico é clássico, regra é regra).

Conforme Meibauer (2008), no que diz respeito à forma, a configuração sintática default (ou padrão) é aquela em que há o uso do mesmo SN no singular e sem o determinante, como em guerra é guerra, homem é homem, segunda-feira é segunda-feira.

Dessa configuração sintática default, derivam variações que implicam diferentes nuances de significado e efeitos no discurso. Uma primeira variação é que os SN podem se manifestar no singular, acompanhados de determinantes definidos ou indefinidos, como em O Nordeste é o Nordeste ou Uma viagem é uma viagem.

Considerem-se os exemplos (1), (2) e (3), a seguir:

(1) O Pedro é o Pedro.

(2) Um pai é um pai.

(3) Pai é pai.

Em (1), o uso de um nome próprio antecedido de artigo definido supõe um referente ‘identificável’ e ‘acessível’ para o ouvinte (Givón, 2001), e a proposição tautológica (O Pedro é o Pedro) realça a singularidade desse referente, já que cada ocorrência do SN apresenta definitude, marcada pelo artigo definido, particularizando uma dada entidade. Em (2), por meio do uso de um nome comum antecedido de artigo indefinido, faz-se uma referência genérica, que se aplica “[...] a todo e qualquer membro da classe, grupo ou tipo que é descrito pelo sintagma, o que constitui uma generalização” (Neves, 2000, p. 513). Não se faz referência, portanto, a uma pessoa ou coisa em si, mas a uma classe particular. Em Um pai é um pai, fica implícita a ideia de que qualquer membro dessa classe tem atributos e atitudes reconhecidos e facilmente previsíveis. No que se refere ao valor argumentativo da proposição tautológica, ela funciona como uma conclusão óbvia de premissas que não precisam ser demonstradas no discurso por serem, do ponto de vista do enunciador, amplamente conhecidas. No caso, o enunciador considera óbvio o conhecimento partilhado com o interlocutor sobre o conceito de ‘pai’ e, por isso, a conclusão do raciocínio é o próprio argumento. No exemplo (3), a definição do conceito contido no primeiro sintagma nominal por meio de sua repetição no discurso (Pai é pai) garante acesso ao conhecimento partilhado daquilo que, culturalmente, caracteriza ‘um pai’. Do ponto de vista cognitivo, Langacker (2009) considera que um referente não específico é construído como existente apenas no espaço do desejo, e não como correspondendo a um indivíduo real, mas pode ser que a atitude ou o comportamento de um pai particular tenha levado o falante a generalizar, para toda a classe, essa atitude/comportamento, porque é o modo como ‘ideal’ ou ‘virtualmente’ ele concebe a classe. Em (3), o uso do SN no singular e sem determinantes definidos ou indefinidos, que caracteriza o default das construções tautológicas de identidade, revela um alto grau de generalização, ao mesmo tempo em que reforça o modelo culturalmente construído de ‘pai’ em termos de sua função social no mundo. De (1) a (3), podemos identificar uma escala que vai de uma tautologia com referência mais específica (1), passando por uma com referência menos específica (2), até chegar a uma tautologia que envolve uma generalização (3). Esse modelo é instanciado em (4), no texto publicado pelo jornal Diário do Nordeste, no dia 12 de agosto de 2017, em homenagem ao Dia dos Pais. Com a tautologia Pai é pai, usada no título e no final do texto, o autor sintetiza a ideia geral de que o verdadeiro pai deve ser forte e suave, dotado de amor incondicional, assim como culturalmente se considera o amor de mãe:

(4) [...] Pai é pai

Dia dos Pais – data livre que tão bem podemos trabalhar no entusiasmo das boas recordações. Amor maiúsculo. Másculo. Forte e de uma suave grandeza que pereniza lembranças! Afinal, pode-se repetir o refrão ‘mãe é mãe’, afirmando, em analogia, apenas com a troca de letras para dizer ‘pai é pai’, e temos conversado mesmo na saudade dos que já partiram (Mendes, 2017).

Outra variação na forma das proposições tautológicas de identidade ocorre quando o nome é usado no plural, como Kids are kids (Crianças são crianças)[3]. Wierzbicka (2003) explica as semelhanças e as diferenças entre o uso do singular e do plural em relação às tautologias que expressam a natureza humana. Para ela, tanto o singular quanto o plural ‘trabalham’ em defesa de um estereótipo, da tolerância e consequente indulgência em relação à natureza e ao comportamento humanos. Quanto às diferenças, o singular (Kid is kid – (Criança é criança) sugere, no inglês, uma aparente tolerância do enunciador – apenas aparente − com o barulho, com a indisciplina, com a sinceridade espontânea das crianças. O plural, por seu turno, parece simplesmente reafirmar o estereótipo.

Uma terceira variação na forma é relativa à categoria gramatical tempo. Nas proposições tautológicas de identidade, o presente é o tempo típico. Ele indica “[...] atualidade e a genericidade do estado de coisas [...]” (Meibauer, 2008, p. 463)[4], como verificamos em Mãe é mãe. O passado e o futuro, contudo, também são usados nas tautologias, como em Da war ich sooo ich (alemão), There I was so much I (inglês) ou simplesmente Eu era mais eu (traduzidos para o português), em que há o uso do tempo passado; ou em Boys will be boys (inglês) ou, no português, Meninos serão sempre meninos, em que há o uso do tempo futuro.

Outra variação na forma dessas proposições ocorre quando elas permitem o uso de material interveniente, como itens modais, responsáveis por expressar a atitude do falante em relação ao que enuncia. Segundo Meibauer (2008), only (apenas) e still (ainda) são as mais recorrentes. Em A thing is only a thing (Uma coisa é apenas uma coisa) e Volkswagen still remains Volkswagen (A Volkswagen ainda é a Volkswagem), Meibauer (2008, p. 449-450) ilustra essa possibilidade. Também, conforme Meibauer (2008), a famosa frase do escritor britânico nascido na Índia, Rudyard Kipling, ao fazer um elogio ao charuto, contém uma tautologia com material interveniente: ... e uma mulher é apenas uma mulher, mas um bom charuto é o prazer de fumar. A natureza aspectual de ainda, ou seja, a duração de um estado que se iniciou no passado e que perdura até o momento da enunciação, contribui, segundo Meibauer (2008, p. 464), para a manutenção do valor de verdade da tautologia. Em apenas, há a representação cognitiva de um esquema de conjunto, diante do qual o conceito de mulher, na perspectiva argumentativa do enunciador, se constituiu, exclusivamente, sobre certas propriedades, ao mesmo tempo em que se abandonaram outras propriedades essenciais. O resultado é a construção de um discurso que desprestigia o sexo feminino.

Ainda do ponto de vista pragmático, as tautologias evocam conteúdos implícitos, na forma de pressupostos e de subentendidos, que exigem do interlocutor acesso a conhecimentos armazenados na memória e adquiridos, principalmente, pela cultura. Crenças do locutor e do interlocutor são ativadas para que ocorra a interpretação adequada da tautologia enunciada e, numa dada situação, ela possa contribuir para a adesão das mentes (cf. Perelman & Olbrechts-Tyteca, 1996). Segundo Wierzbicka (2003, p. 444), no inglês, quatro componentes ocorrem em conjunto no processamento da tautologia: 1) todo mundo sabe...; 2) eu sei: alguém pensa assim...; 3) eu penso: não se deve pensar nisso; 4) alguém deveria saber... Há, portanto, um jogo entre o saber coletivo, o saber individual e as possibilidades do que se deveria saber e pensar. Tal jogo existe em função da busca da adesão do interlocutor sem, necessariamente, haver demonstração detalhada de argumentos. A tautologia é formulada, então, estrategicamente, como uma espécie de axioma, que, dispensando a demonstração, procura persuadir os envolvidos na discussão.

Ainda para Wierzbicka (2003, p. 440), as tautologias de identidade podem evocar duas interpretações gerais: a demissão e a aceitação. A ‘demissão’ seria uma tentativa de um dos envolvidos no processo argumentativo ‘sair do discurso’, ‘deixar o assunto para lá’. Numa situação, por exemplo, em que uma criança faz uma traquinagem, e a mãe diz Menino é menino, ela quer dizer algo como: Não quero falar sobre isso, porque é assunto irrelevante. Não vamos nos preocupar com isso. A ‘aceitação’ diz respeito à tolerância que devemos ter com a atitude da mesma criança, por exemplo. Seria o mesmo que dizer: Aceite essa atitude como natural para essa faixa etária.

Além disso, a grande variabilidade de significados tautológicos é compatível com a força ilocucionária[5] a eles associada. Meibauer (2008) apresenta pelo menos três forças ilocucionárias para as proposições tautológicas: 1) a força da justificação e/ou da ‘desculpa’ (Guerra é guerra, para justificar o derramamento de sangue); 2) a força da censura (Lei é lei, em alguns contextos, é um modo de censurar atitudes que descumprem um dispositivo legal; 3) a força do elogio (Brastemp é Brastemp, em que o enunciador atribui à marca Brastemp maior valor em relação às outras marcas de eletrodomésticos, tecendo-lhe um elogio).

No caso da força ilocucionária da justificação, o enunciador, em geral, para justificar o seu ponto de vista, faz uso da tautologia que ganha o status de argumento indiscutível e inviolável. Mesmo quando a força ilocucionária do elogio é evidente numa construção tautológica, a justificação não é completamente excluída, porque é um modo de o falante justificar sua escolha. Também quando é visível a força ilocucionária da censura na tautologia, não se descarta a força da justificação. Há, portanto, sobreposição de forças ilocucionárias.

Como se tem visto, as proposições tautológicas de identidade relacionam-se com conhecimentos sócio-histórico-culturais, envolvem jogos interativos com finalidade argumentativa, mas, acima de tudo, revelam pontos de vista e valoração. Todas essas propriedades, no discurso, fazem delas uma poderosa estratégia linguístico-argumentativa, capaz de seduzir o interlocutor/auditório para acreditar na existência de uma verdade absoluta e imutável.

Metodologia

Com o objetivo de investigar as proposições tautológicas de identidade, partimos da tipologia semântica proposta por Wierzbicka (2003), que orientou a coleta e a análise dos dados. A autora propõe sete tipo de subconstruções tautológicas que indicam: 1) realismo com relação a atividades humanas complexas; 2) tolerância com relação à natureza humana; 3) valor especial ou ordinário de eventos tradicionais da cultura; 4) advertência em relação a uma possível transposição de um limite tolerável; 5) diferentes atitudes e expectativas em relação a tipos humanos particulares; 6) separação de categorias binárias; 7) foco no valor indiscutível de certas entidades e pessoas. Esses sete tipos de subconstruções estão indicados na Figura 1 deste artigo, com exemplos esclarecedores e com a configuração sintático-semântica.

O exemplário de Wierzbicka (2003) para cada um dos sete tipos de subconstruções motivou-nos a construir um corpus de proposições tautológicas de identidade, extraídos da internet, com base nos seguintes critérios: 1) busca de, no mínimo, três enunciados tautológicos para cada um dos sete tipos de subconstruções; 2) consideração da variabilidade sintática dos usos no que se refere ao número (singular e plural), à presença ou ausência de artigos definidos e indefinidos, ao tempo verbal; 3) observação do gênero textual em que os dados ocorrem, verificando-se grau de argumentatividade em cada contexto.

Por meio do uso do recurso de aspas duplas (“...”), buscou-se, na plataforma do Google, as ocorrências de enunciados que continham proposições tautológicas de identidade em sites da Internet, diversificados quanto aos temas abordados, considerando-se os critérios estabelecidos anteriormente.

A escolha da internet como fonte primária de busca de dados se deve ao fato de ser mais acessível e apresentar uma ampla gama de dados de língua em uso que se manifestam em diferentes gêneros textuais/discursivos. O corpus não foi constituído a partir de bancos de dados linguísticos já existentes, porque, em tais bancos de dados, os textos escritos ou orais são pertencentes a gêneros mais ou menos específicos, de modo que não favorecem a ocorrência das construções tautológicas. Como a plataforma do Google lida com os mais variados gêneros discursivos, foi possível encontrar 70 ocorrências de enunciados tautológicos e seus respectivos contextos de enunciação. Para este artigo, foi selecionada uma amostra de dados de gêneros variados: 1) letras de música (letras.mus.br); 2) artigo de opinião (twitter.com/onubrasil); 3) mensagem de autoajuda (mensagenscomamor.com); 4) comentários de blog (https://tenso.blog.br/); 5) notícia (correiodoestado.com.br); 6) tirinha (clubedamafalda.blogspot.com); 7) crônica (raulealiteratura.blogspot.com); 8) entrevista (politica.estadao.com.br)

A análise dos dados coletados observou os aspectos formais, semânticos e argumentativos das proposições tautológicas, tendo como parâmetro a caracterização dessas estruturas feita por Wierzbicka (2003). Vez ou outra, Meibauer (2008) auxiliou-nos também na análise dos dados do português.

Análise das proposições tautológicas no português brasileiro

Trabalhando principalmente com dados do inglês, Wierzbicka (2003) apresenta uma tipologia de proposições tautológicas. Nessa tipologia, a autora apresenta sete subconstruções sintática e semanticamente orientadas. Elaboramos a Figura 1, com base na tipologia de Wierzbicka (2003), no qual ilustramos as sete subconstruções que identificamos no uso do português com exemplos e seus respectivos sentidos/efeitos. Ao comentar cada subconstrução, apresentamos, analisamos e discutimos os dados coletados para esta pesquisa.

Modelos tautológicos propostos por Wierzbicka (2003). *Os exemplos foram traduzidos para o português
Figura 1.
Modelos tautológicos propostos por Wierzbicka (2003). *Os exemplos foram traduzidos para o português

A subconstrução (1), que se realiza em tautologias como Guerra é guerra, segundo Wierzbicka (2003), é restrita a atividades humanas complexas e envolve interação. A interpretação saliente parece também ser aquela em que os ‘inevitáveis’ aspectos negativos dessas atividades devem ser entendidos como tolerados. Há certo número de componentes inter-relacionados em proposições tautológicas desse tipo, dentre eles, o truísmo de que atividades complexas têm sempre algumas consequências indesejáveis, funcionam do mesmo modo e, por isso, é pouco importante falar delas. O raciocínio é o de que, se a atividade humana, por mais sórdida que seja, tem consequências inevitáveis, não há por que se discutir essa atividade e suas consequências o tempo todo. Daí, o seu caráter de soberba no processo argumentativo. Wierzbicka (2003, p. 404) afirma que o falante interpreta a proposição como ‘realista’, assim entre aspas, para ironizar o pseudorealismo existente na construção.

No português, a proposição Guerra é guerra é amplamente produtiva em títulos de filmes, de música e de artigos de opinião sobre uma ampla gama de assuntos. A seguir, verificamos sua ocorrência no título e na letra de uma música de Marcelo Caldi:

(5) [...] Guerra é guerra

Ai, morena, [...] / Este seu gingado / Parece uma guerra a se declarar / Primeiro disparo / Veio do teu lado / Já que guerra é guerra eu vou revidar [...] (Caldi & Ricardo, 2009).

Com certeza, a frequência de uso dessa proposição tautológica foi tamanha nos quartéis que, inclusive, é possível metaforizá-la, como em (5), em que a ‘guerra’ de que fala o enunciador corresponde ao gingado da ‘morena’. Como forma de justificar o ‘revide’ contra o ‘rebolado’ da mulher, o intérprete usa a proposição Guerra é guerra. O uso metafórico de ‘guerra’ estabelece a lógica de que os encantos da ‘morena’ são uma forma de ação intencional que impõe, como em um embate, uma reação. O valor argumentativo da tautologia se manifesta tanto na forma quanto na função, visto que ela: 1) está encaixada em uma sentença causal, funcionando como uma justificativa; 2) é recrutada do sistema de crenças do enunciador, revelando o conhecimento compartilhado de que, na guerra, vale tudo e é preciso contra-atacar.

A subconstrução (2), segundo Wierzbicka (2003, p. 405), deve ser interpretada como um modo de o falante codificar na língua a tolerância com a natureza humana. Diferentemente da subconstrução (1), o valor negativo não é aplicável à subconstrução (2). Em Crianças são crianças, podemos compreender que as crianças podem ser barulhentas, indisciplinadas, cansativas, mas não são más. Nesse tipo de proposição, há uma chamada para a calma, para a aceitação, para a indulgência, para a tolerância, o estereótipo de que a natureza humana é frágil, passível de erros.

Wierzbicka (2003, p. 407) apresenta uma fórmula geral para a interpretação semântica da tautologia Crianças são crianças, que pode ser assim resumida: 1) há o conhecimento partilhado de que as crianças fazem coisas de modo impensado e inconsequente; 2) eu sei que o meu interlocutor pode pensar que uma ação foi ruim, mas sei também que as crianças não agem por maldade; 3) eu convido o meu interlocutor a ser tolerante quando enuncio Crianças são crianças.

A proposição Crianças são crianças pode ser aplicada a uma ampla gama de contextos, como nos significados apresentados por Wierzbicka (2003), mas pode também argumentar em favor da ideia de que as crianças, por serem consideradas ‘incapazes’ diante da lei, necessitam de atenção especial, como mostra o dado (6):

(6) ‘[...] Essas crianças abandonadas precisam do nosso apoio para ajudá-las a se reunirem com suas famílias, a recuperarem o cuidado, a proteção e os serviços, sem importar a origem ou afiliação das famílias’, sublinha o diretor do UNICEF. Quanto a qualquer outra criança no mundo, elas têm o direito de ser salvaguardadas, incluindo por meio de documentação legal. Crianças são crianças! (Cappelaere, 2017).

Em (6), Geert Cappelaere, diretor regional da UNICEF para o Oriente Médio e o Norte da África, ao enunciar Crianças são crianças, reclama a necessidade de se dedicar um olhar especial para o sofrimento das crianças do Oriente Médio e do Iraque, visto que, do ponto de vista legal, são consideradas incapazes.

A subconstrução (3) coloca em destaque eventos tradicionais de uma cultura que podem ser valorados positivamente, como especiais; ou valorados como atividades comuns, corriqueiras. É o caso, por exemplo, da proposição tautológica Uma lua de mel é uma lua de mel. O caráter especial consiste na suspensão das regras normais, cotidianas e rotineiras da vida para se buscarem atividades prazerosas. Segundo Wierzbicka (2003, p. 409), em alguns usos, esse tipo de tautologia está intimamente relacionado com Boys will be boys, porque carrega a ideia de tolerância. Em uma situação, por exemplo, em que alguém tece uma crítica a uma pessoa porque ela ingeriu bastante bebida alcóolica em uma festa, outra pessoa pode contra-argumentar, dizendo Uma festa é uma festa, ou seja, é preciso tolerar os exageros que ocorrem numa festa, porque a prática da ingestão de bebidas alcoólicas integra o frame de eventos festivos e, de algum modo, bebida em festa é inevitável. Ainda segundo Wierzbicka (2003, p. 409), a forma no singular é a propriedade gramatical ícone para expressar o significado de evento especial.

Entre os dados coletados para esta pesquisa, a ocorrência em (7), a seguir, apresenta a tautologia Um feriado é um feriado:

(7) [...] Copo meio cheio

Mesmo com chuva, eu saio se sentir que quero sair. Mesmo com chuva, eu sei me divertir dentro de casa, se eu sentir que quero ficar. Um feriado é um feriado, chuvoso ou não, basta você saber aproveitá-lo e saber ver a vida com uma perspectiva mais positiva![6]

Em (7), a proposição Um feriado é um feriado constitui um modo de convencimento para aqueles que reclamam de feriados chuvosos. O argumento é o de que, independentemente da chuva, o feriado é um dia especial e pode ser aproveitado dentro ou fora de casa.

Também se incluem, nesse tipo construção tautológica, exemplos como A Monday is a Monday (Uma segunda é uma segunda), que Wierzbicka (2003) interpreta como: Uma segunda não é melhor nem pior que outro dia da semana, ou seja, é um dia normal. A proposição seria usada para contrapor-se a alguém que, por algum motivo, apontasse aspectos negativos desse dia da semana. Identificamos essa tautologia, mas sem a presença do determinante, em (8), a seguir, retirado do blog Tenso. Nesse blog, é proposta a seguinte pergunta: Como escapar de uma segunda-feira? E os usuários postam suas respostas. Na ocorrência, tem-se uma resposta à pergunta formulada no blog seguida de um comentário, em que se faz uso de uma proposição tautológica:

(8) [...] Dica para fugir da segunda-feira

VÁ PARA A BAHIA. Lá todo dia é Olodum, carnaval e festa.

Baianos, por favor, não se ofendam.

Dani Barral

26/07/2011 00:39:25

Quem me dera… Aqui segunda é segunda.

E nos meus 23 anos eu nunca vi o Olodum de perto... (Barral, 2011).

Em (8), o enunciador sugere que o povo baiano, já alvo do rótulo de preguiçoso, não trabalha, porque vive em festa. A resposta de uma das baianas aparece essencialmente na forma de uma tautologia: Aqui segunda é segunda. Ao fazer uso da tautologia, nesse contexto, a enunciadora quer dizer que a segunda-feira, na Bahia, não é diferente da segunda-feira em outro lugar, não tem o caráter de dia especial. A tautologia, nesse sentido, constitui argumento para contrapor o ponto de vista oposto e constitui uma forma de desconstruir um estereótipo.

A subconstrução (4)enough is enough[7], para Wierzbicka (2003), não tem a força de um enunciado como Pare de uma vez. Significa que o enunciador sabe que precisa ser tolerante, foi tolerante por muito tempo, mas chegou ao seu limite severo e implacável. É uma proposição diferente de Boys will be boys, haja vista que, na subconstrução (4), há o pressuposto de que se foi tolerante por muito tempo. Nos dados do português, encontramos a proposição tautológica encaixada em uma oração temporal, que modifica de algum modo a interpretação sintático-semântica da tautologia. No dado (9), a seguir, o autor de novelas Agnaldo Silva, no ano de 2014, faz um desabafo sobre a direção da cena final do folhetim Fina Estampa, exibido pela Rede Globo entre 2011 e 2012:

(9) Aguinaldo Silva reclama da direção de cena final de novela

‘O final merecia uma direção mais atenta e cuidadosa. O terço final da novela ficou ao deus-dará. Via coisas que me deixavam arrepiado. Aquela sequência do naufrágio virou patacoada. Era dramática, houve erros clamorosos. Sou a mais gentil das criaturas, mas quando eu digo chega, é chega. Fiquei chateado’, revelou.

Aguinaldo silva sobre o final de Fina Estampa. 03/10/2014 (Fregatto, 2014)

Em (9), o enunciador se considera uma pessoa gentil, contudo, essa gentileza é suspensa quando ele chega aos limites de sua tolerância. A construção introduzida pela oração temporal quando eu digo chega faz toda a diferença no quesito ‘ser incisivo/taxativo’, se comparada à proposição simples Chega é chega. A afirmação Quando eu digo chega faz pressupor a possibilidade de existência de outras pessoas que, diferentes do enunciador, poderiam dizer Chega, mas continuariam tolerando, por mais tempo, uma situação considerada abusiva. Nessa subconstrução, há um uso metadiscursivo, ou seja, a tautologia faz menção ao que ele poderia enunciar: a interjeição Chega! Ainda como dado dessa subconstrução, temos o slogan Não é não contra o assédio sexual, amplamente divulgado, principalmente, no período do Carnaval no Brasil. Também nesse caso, ao reiterar-se a negativa (Não é não), exclui-se a possibilidade de que essa negativa (ou recusa) seja flexibilizada ou interpretada como seu oposto. Tanto em Chega é chega quanto em Não é não, a escolha linguística recai sobre uma expressão possivelmente enunciada, e não sobre um nome, como temos visto nas outras subconstruções.

A subconstrução (5), do tipo Um homem é um homem, caracteriza-se sintaticamente pela presença do artigo indefinido (um/uma), por um nome com traço humano (homem, mãe, mulher) no singular, pelo verbo ser no presente, marcando a atemporalidade da conceituação do primeiro SN, e pela repetição do artigo indefinido e do nome humano. Wierzbicka (2003, p. 411) apresenta como exemplo do contexto de uso dessa tautologia um episódio da série Fawlty Towers da BBC, em que uma mulher vê um homem morto dentro de um armário e fica assustada. Outra mulher tenta tranquilizá-la, argumentando que um homem morto não pode fazer mal algum. Ela, porém, contra-argumenta dizendo: Um homem é um homem. Nesse dado de Wierzbicka (2003), a tautologia assume o sentido de desconfiança em relação aos homens, contudo, em diferentes contextos, as tautologias com essa configuração sintática podem ser combinadas com um número de diferentes atitudes, tal como afirma a autora, mostrando evidências em exemplos que podem ser traduzidas como:

[...] Um homem é um homem (e não pode ser confiável ou não pode ser desprezado).

Um padre é um padre (e pode ser confiável).

Uma mãe é uma mãe (e pode-se esperar que ela cuide).

Um advogado é um advogado (e pode ser considerado como um especialista).

Uma mulher é uma mulher (e pode-se esperar que ela mostre, em algum momento, uma ‘fraqueza feminina’, mesmo que ela pareça resistente)[8] (Wierzbicka, 2003, p. 412).

Em todos os casos, a proposição tautológica marca fortemente os estereótipos sociais construídos com base em modelos cognitivos idealizados, que, segundo a Linguística Cognitiva, representa uma estrutura de conhecimento armazenada da experiência na memória de longo prazo (Lakoff, 1987). O conhecimento armazenado é de tal modo partilhado entre falante e ouvinte que a sua expressão por meio de uma tautologia serve ao propósito argumentativo de reforçá-lo. Uma ativista das lutas feministas e de gênero, por exemplo, se oporia, com veemência, à tautologia Uma mulher é uma mulher, porque o que se enunciou, por meio de uma tautologia, foi um conhecimento estereotipado, armazenado na memória, de que mulher é sexo frágil.

Em (10), Figura 2, a proposição tautológica Uma mãe é uma mãe, introduzida pelo operador mas, inicia um argumento contrário ao provérbio popular A preguiça é mãe de todos os vícios. Essa charge foi utilizada em uma questão de interpretação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), em 2013.

Tira Mafalda[9]
Figura 2.
Tira Mafalda[9]

Lakoff (1987), estudando os modelos cognitivos idealizados, sugere os modelos individuais que se têm de mãe e que, juntos, formam um modelo complexo: a) modelo de nascimento: a pessoa que dá à luz; b) modelo genético: a pessoa que contribui com material genético; c) modelo de criação: a pessoa que alimenta e educa a criança; d) modelo marital: a mulher do pai; e) modelo genealógico: a ancestral mais próxima.

A primeira ocorrência da palavra mãe (A preguiça é a mãe de todos os vícios), em (10), parece recrutar, metaforicamente, os modelos “a” e “b” de Lakoff (1987), mãe como a pessoa que dá à luz e mãe como a pessoa que contribui com material genético. Já a proposição tautológica usada a seguir (Mas uma mãe é uma mãe), juntamente com o restante do texto, recruta os sentidos de ‘respeito’ como um dos elementos que compõem conhecimento partilhado sobre mãe para justificar a ‘necessidade’ de se ‘respeitar’, inclusive, a ‘mãe preguiça’, o que seria inusitado. Como a tira é um texto de humor, importante esclarecer que esse efeito é gerado pela integração conceptual entre os modelos cognitivos idealizados de mãe e de preguiça.

A subconstrução (6), que se realiza em dados como Esquerda é esquerda e direita é direita, indica a separação binária de categorias consideradas distintas e opostas pelo falante. Em termos formais, ela se constitui de duas tautologias coordenadas com o uso da conjunção e ou simplesmente justapostas. No dado a seguir, apresentamos um exemplo de tautologia coordenada com o uso do coordenador e:

(11) É hora de provar que você ama/ Que eu não sou mais uma pra dormir na sua cama/ Vou te mostrar que eu sou o que você merece/ Porque homem é homem e moleque é moleque. (Ludmilla, 2016).

Para se fazer uso da construção com proposições tautológicas coordenadas, é preciso que haja a pressuposição de que alguém acredita que X e Y são a mesma coisa, têm as mesmas propriedades e características, são iguais em muitos aspectos. Em (11), o enunciador demarca seu posicionamento, dizendo, por meio das tautologias coordenadas, que homem e moleque são categorias distintas, e que não podem ser confundidas. Supervaloriza-se o conceito contido na primeira tautologia coordenada (homem é homem) em relação àquele contido na segunda tautologia (moleque é moleque), também como meio de se atuar sobre o interlocutor para que ele deixe de agir como moleque e comece a agir como homem. Na sentença, a posição tópica[10], da tautologia homem é homem, em relação à tautologia moleque é moleque, contribui para que a escolha implícita recaia sobre ela.

Com base nos dados do português brasileiro sobre esse tipo subconstrução tautológica, percebemos as seguintes propriedades: a) demarcam ponto de vista categórico; b) na maioria dos contextos, funcionam como justificativa; c) fazem uso de uma crença compartilhada culturalmente e verossimilhantemente plausível , o que confere força ao argumento; d) pressupõem que alguém acredita que não haja distinção entre duas categorias; e) em alguns casos, principalmente quando se faz uso do nome próprio, há supervalorização do conceito ou referente do SN da primeira sentença e desvalorização do conceito ou referente do SN da segunda sentença tautológica.

A subconstrução (7) é chamada por Wierzbicka (2003) de ‘tautologia de valor’, uma vez que atribui valor a coisas e a pessoas. Na famosa frase de Kipling, já referida neste artigo, Uma mulher é apenas uma mulher, mas um bom charuto é o prazer de fumar, a ênfase não é em alguma mulher particular, que é diferente das outras mulheres, mas no ‘menor valor’ atribuído a uma classe inteira das mulheres, quando comparada com a classe dos charutos. A partícula depreciadora apenas corrobora para a expressão do sentido de baixo valor.

Em (12), a seguir, o autor do texto inicialmente fala das diferenças entre o beijo dos casais William e Catherine e Iker Casillas e Sara Carbonero para, então, concluir que um beijo é um beijo é um beijo[11], ou seja, não interessa se um beijo é contido ou se ele é exagerado, o que interessa é que ele constitui uma manifestação de amor e, por isso, tem valor inestimável:

(12) [...] Enquanto o beijo de William e Catherine significa ‘vamos viver juntos, a partir de agora’, o beijo de Iker e Sara pode ser traduzido da seguinte forma׃ ‘não posso mais viver sem você’.

Sim, urge não esquecer que as situações são diferentes, que os interesses em jogo também estão em outra sintonia. Mas, um beijo é um beijo é um beijo. E, apesar do cinismo capitalista ou do desrespeito contemporâneo aos sentimentos afetivos, nada consegue substituí-lo como demonstração de amor (nesses tempos sombrios, um sentimento de difícil conceituação) (Arruda-Filho, 2011).

O mesmo raciocínio vale para construções como Uma carne é uma carne, Uma Mercedes é uma Mercedes, Dinheiro é dinheiro, Ovos são ovos. A noção de valor se faz presente nas diferentes possibilidades de organização estrutural do enunciado: com ou sem o uso do artigo indefinido, no singular, no plural, com nome comum, com nome próprio, com ou sem as partículas depreciativas ou, ainda, com modificadores adverbiais de tempo ou de espaço, como em naqueles tempos, homens eram homens.

O modificador adverbial implica contraste entre o antes e o agora, entre o lá e o aqui, mesmo que o agora e o aqui não sejam enunciados. A proposição tautológica transmite ideia de aprovação, e não de indulgência ou tolerância como verificado na subconstrução 1. As ideias de aprovação e valor agregadas a esse tipo de proposição é que permitem que seja usada como recurso persuasivo no discurso publicitário, como forma de dizer que o produto se define por ele mesmo por ser diferenciado entre os demais.

Além desses sete tipos de subconstruções tautológicas, Wierzbicka (2003, p. 419) propõe, ainda, a existência de uma tautologia com um sentido particular: o de obrigação, tais como Uma regra é uma regra ou Critério é critério. Segundo Wierzbicka (2003), por razões de bases semânticas e sintáticas, essas tautologias não constituiriam um oitavo tipo. Uma razão de base semântica para isso seria o fato de elas manifestarem diferentes possibilidades de interpretação, em que há cruzamento de um tipo com outro. É o caso de Um marido é um marido, que pode receber, pelo menos, quatro interpretações: a) obrigação (um marido deve cumprir as obrigações de um marido); b) apreciação (todo mundo sabe que há algo de bom em ter-se um marido); c) indiferença (um marido não é melhor nem pior que outro); d) generalização absoluta (todos os maridos são essencialmente os mesmos, e as pessoas sabem o que esperar deles). Uma propriedade sintática que não particulariza esse uso como mais um tipo de tautologia é que a estrutura (ART) N é (ART) N é compartilhada com outros tipos.

Para Wierzbicka (2003, p. 419), as ‘tautologias de obrigação’ dizem respeito, mais amplamente, a regras do comportamento humano. Tautologias desse tipo podem ocorrer em contextos em que, presumivelmente, alguém possa preferir não cumprir um empreendimento contratual firmado. Em oposição a essa possível decisão, outra pessoa pode lembrar que uma regra é uma regra, ou seja, independentemente de consequências desagradáveis ou inconvenientes, ela deve ser cumprida.

Em quase todas as tautologias com sentido de obrigação, o SN perfila, em seu significado, um contrato implícito (aposta, promessa, acordo, lei, critério, contrato, teste, regra etc), mas é possível também o uso de SN que se refira a papéis sociais para expressar obrigação, como em um pai é um pai.

Wierzbicka (2003, p. 420) chama a atenção para o fato de que as tautologias de obrigação normalmente requerem a forma singular do nome (Uma aposta é uma aposta, Um acordo é um acordo). Já o uso do plural, em inglês, como Promises are promises (Promessas são promessas), por exemplo, parece implicar que ‘promessas não são mais do que promessas, são vazias, sem valor’. Parece-nos que, no português brasileiro, a depender da situação comunicativa, algumas tautologias como Promessas são promessas tanto podem indicar que as ‘promessas são vazias’, como podem indicar que ‘promessas devem ser cumpridas’, revelando, portanto, que a tautologia com os SN no plural serve a uma variedade de propósitos, dada a dinamicidade da língua em uso.

Em (13), a seguir, ao formular a tautologia, FHC optou pelo uso do artigo definido, e introduzindo a proposição tautológica com o contra-argumentador mas:

(13) “[...] O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que seria melhor para o País se Lula concorresse às eleições de outubro, mas que “a lei é a lei”. Em entrevista à rádio Jovem Pan, transmitida na manhã desta terça-feira, 6, ele afirmou que há “bastante elementos” na condenação do ex-presidente petista. (Holanda, 2018).

Em (13), o artigo definido indica que não é ‘qualquer’ lei que foi aplicada ao ex-presidente Lula, mas a lei brasileira, especificamente, a praticada no âmbito da operação Lava Jato da Polícia Federal. Antecedida do mas, a tautologia ganha status de argumento mais relevante da sequência e opõe-se à ideia anterior de que ‘seria melhor para o País se Lula concorresse às eleições de outubro’. A tautologia reforça, portanto, que Lula, por ter sido condenado, não poderia concorrer nas eleições, em conformidade com a chamada Lei da Ficha Lima, e que essa lei, apesar de severa, cumpriu o seu papel.

Considerações finais

Neste artigo, cujo objetivo foi descrever propriedades formais e discursivas, dentre elas as argumentativas, das proposições tautológicas de identidade, analisamos o uso dessas tautologias em letras de música, artigo de opinião, mensagem de autoajuda, comentários de blog, notícia, tira, crônica e entrevista, que manifestam a língua em uso.

Na coleta e análise dos dados, a tipologia semântica de Wierzbicka (2003) orientou esta pesquisa. A cada subconstrução descrita pela autora, dados do português brasileiro iam sendo identificados, descritos, analisados e comparados, em sua forma, sentidos e efeitos, com construções semelhantes, principalmente, do inglês.

Os dados do português brasileiro, comparados aos do inglês, apresentados por Wierzbicka (2003), tendem a incorporar, com ampla frequência, as propriedades do protótipo estrutural (SN é SN), com o uso do SN sem o artigo definido ou indefinido, no singular, e com verbo no presente. No inglês, é natural o uso do plural e do futuro como em Boys will be boys, por exemplo. Nos dados analisados, o uso do futuro do verbo ser na construção ocorre, mas normalmente com o uso da partícula temporal sempre, antes ou depois do verbo, em proposições tautológicas como Mulheres sempre serão mulheres, Homens serão sempre homens. Além disso, as proposições tautológicas, na amostra apresentada, aceitam material interveniente (ainda, apenas, marcadores adverbiais contrapondo passado e presente ou aqui e lá).

A pesquisa mostrou, todavia, que as tautologias, independentemente da sua codificação gramatical, podem apresentar, por outro lado, algumas propriedades gerais: a) o segundo SN das tautologias, via de regra, é predicativo (e não referencial), como explicam Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 246) em referência aos teóricos do estilo, e isso lhe confere valor argumentativo; b) como podemos esperar de uma implicatura, por meio dessa tautologia, confrontam-se no discurso o que é textualmente dito e o que está implícito nos enunciados; c) devido à generalização, a atenção do interlocutor fica difusa em relação a que aspecto precisa ser observado na tautologia, tal como advertem Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 246), sobre o fato de que o sentido particular delas não é sinalizado, há apenas uma conclusão tida como óbvia; d) nas tautologias, há um jogo entre saberes coletivos, individuais e possibilidades do que se deveria saber ou pensar; e) as tautologias podem ter um significado já culturalmente pré-definido e uma interpretação padrão (Athayde, 2010), dados os estereótipos e as crenças compartilhados entre o proponente do discurso e o seu opositor; f) reforçam-se, por meio das proposições tautológicas, os estereótipos culturais e as crenças.

Tolerância, intolerância, valoração positiva ou negativa, obrigação, separação em categorias distintas são noções que podem compor o significado argumentativo das proposições tautológicas. Além disso, atuam, nos enunciados tautológicos, as forças ilocucionárias da justificação, da censura e do elogio, além das atitudes gerais de demissão (‘sair do discurso’) e aceitação (ser tolerante com uma situação que parece inaceitável).

Para além da descrição das proposições tautológicas de identidade no português, essa pesquisa contribuiu para colocar em destaque um tipo de enunciado que cumpre importante função de comunicar conteúdos implícitos culturalmente compartilhados, persuadir por meio do reforço a alguns estereótipos, na apresentação formal de uma proposição aparentemente tautológica e, por essa razão, sempre verdadeira e inquestionável.

Referências

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Notas

[1] O artigo é produto da pesquisa de Pós-Doutorado financiado pela CAPES em 2017/2018, por meio do Programa Nacional de Pós-Doutorado.
[2] Estrutura equativa (de igualdade) é aquela em que sujeito e predicativo podem mudar de posição na sentença, sem que haja, do ponto de vista lógico, mudança no valor de verdade, apesar de haver diferença pragmática. É o caso de O João é meu amigo ou Meu amigo é o João. Predicado equativo tautológico diz respeito às construções em que uma mesma expressão nominal se repete na sentença, como em O João é o João.
[3] Esclarecemos que os exemplos em língua estrangeira não são dados analisados neste estudo. São fornecidos pelos autores referidos no aporte teórico da pesquisa. São, portanto, parte da proposta teórica que esses autores fazem sobre os tipos de proposições tautológicas. As traduções possíveis para o português brasileiro têm apenas o objetivo de facilitar a leitura.
[4] Original inglês: [...] the use of present tense, focusing on the actuality and genericity of the respective state of affairs.
[5] No âmbito da pragmática, Força ilocucionária, segundo Austin (1976), é a força que um ato de linguagem assume numa dada situação. Um enunciado pode ter a força da afirmação, da pergunta, da ordem, da sugestão, da promessa, entre outras.
[6] Disponível em https://www.mensagenscomamor.com/mensagem/420431
[7] No português, corresponderia a algo do tipo chega é chega.
[8] Original: A man is a man (and not to be trusted, or not to be despised). / A priest is a priest (and can be trusted)/ A mother is a mother (and can be expected to care)/ A lawyer is a lawyer (and can be relied upon as an expert)/ A woman is a woman (and can be expected to show, at some stage, a ‘feminine weakness’, even if she seems generally tough). (Wierzbicka, 2003, p. 412).
[9] Disponível em http://clubedamafalda.blogspot.com. Acesso: 01 abr. 2020.
[10] Nos estudos de sintaxe, a posição tópica é a primeira posição na sentença.
[11] O autor não fez uso de uma proposição tautológica simples, em que se tem a construção SN é SN, mas, de modo recursivo, estendeu a construção e usou o mesmo SN três vezes: SN é SN é SN.

Notas de autor

leosmarsilva@hotmail.com

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