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Gênero carta argumentativa e o tema vandalismo
Argumentative letter genre and the vandalism theme
Acta Scientiarum. Language and Culture, vol. 43, núm. 2, 2022
Universidade Estadual de Maringá

Linguística



Recepción: 11 Junio 2020

Aprobación: 18 Marzo 2021

DOI: https://doi.org/10.4025/actascilangcult.v43i2.54207

Resumo: O contexto contemporâneo aponta a necessidade de formar cidadãos com capacidade de comunicar-se significativamente para que possam interagir em uma pluralidade de situações comunicativas, digitais ou não. Em meio a tantas exigências, ora sociais, ora institucionais, o projeto de letramento revela-se uma oportunidade de professores e alunos aproximarem-se do trabalho com a linguagem em uso social. Assim, o presente trabalho tem por objetivo partilhar experiências de um projeto de letramento organizado de forma a realizar um conjunto de atividades que preconizam a leitura e a escrita como práticas sociais. Trata-se de uma proposta de intervenção desenvolvida em uma escola estadual no norte de Mato Grosso, com uma turma de 9º ano, em que a situação-problema surgiu de um fato narrado e debatido pelos alunos, informalmente, em sala de aula com relação ao vandalismo na escola. A fundamentação teórica seguiu a perspectiva de projeto de letramento de Kleiman (2009) e de Oliveira, Tinoco, e Santos (2014), bem como os ensinamentos de Marcuschi (2004,2008), Bortoni-Ricardo (2008), Rojo (2007, 2009), Rojo & Moura (2012), Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), dentre outros. Buscou-se conciliar estudo e diálogo, uma vez que no projeto de letramento os alunos são também agentes de sua aprendizagem, leitura e produção proporcionando um espaço reflexivo e colaborativo. Os resultados da intervenção evidenciam que as atividades proporcionaram um avanço na capacidade de escrita dos alunos, bem como na competência argumentativa. Por meio da interação com as tecnologias digitais da informação e da comunicação, construíram conhecimento em relação ao fenômeno social estudado, desenvolvendo segurança e autonomia, e o mais relevante, por interesse próprio.

Palavras-chave: Projeto de letramento, aprendizagem, sociedade.

Abstract: In the contemporaneity it is necessary to educate citizens with the capacity to communicate significantly so they can interact in a plurality of communicative situations, digital or not. Among so many demands, sometimes social, sometimes institutional, the literacy project is an opportunity for teachers and students to get closer to working with language in social use. This paper aims at sharing experiences of an organized literacy project in order to carry out a set of activities with reading and writing as social practices. It is an intervention proposal developed in a state school in the north of Mato Grosso State, with a 9th grade class. The problem situation arose from a fact narrated and debated informally by the students in the classroom regarding to vandalism at school. The theoretical basis has followed the perspective of a literacy project by Kleiman (2009) and Oliveira, Tinoco and Santos (2014), as well as the studies developed for Marcuschi (2004,2008), Bortoni-Ricardo (2008), Rojo (2007, 2009), Rojo & Moura (2012), Dolz, Noverraz and Schneuwly (2004), among others. It has been looked for to reconcile study and dialogue, since in the literacy project students are also agents of their learning, reading and production, providing a reflective and collaborative space. The results show that the activities provided an advance in the students’ writing skills, as well as in their argumentative competence. Through the interaction with digital technologies, they built knowledge in relation to the studied social phenomenon. They developed security and autonomy, and the most relevant, out of self-interest.

Keywords: Literacy project, learning, society.

Introdução

O processo educacional brasileiro vem passando por reformulações nas últimas décadas, a evolução mundial, em especial a tecnológica, pede mudanças e adaptações em todas as áreas da educação.

Com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1998 (Brasil, 1998), passou a ser defendida a criação de propostas pedagógicas que assumissem eixos temáticos no lugar das disciplinas isoladas e, que articulassem o ensino ao conhecimento dos estudantes e às práticas sociais. Duas décadas já se passaram, mas ainda há muito para se fazer, no sentido de avançar nas ideias e ações. Enquanto objeto de ensino e de aprendizagem, por exemplo, os PCN apostaram em uma diversidade de gêneros textuais. Sendo os gêneros fenômenos associados, de acordo com Marcuschi (2004), “[...] já se tornou trivial a ideia de que os gêneros textuais são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social” (Marcuschi, 2004, p. 15), assim, pode-se facilmente deduzir que de tempos em tempos surgem muitos novos gêneros textuais.

A partir da chegada das tecnologias digitais emergiram gêneros novos nos ambientes virtuais e ainda alguns gêneros se adaptaram a uma nova condição para fazer parte da recente tecnologia digital. Neste contexto, existe a necessidade de formar cidadãos com capacidade de comunicar-se significativamente para que possam interagir em uma pluralidade de situações comunicativas digitais ou não. Assim, atualmente, em plena efervescência dos pressupostos descritos na Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018), o ensino e a aprendizagem de Língua Portuguesa (doravante LP) têm sido amplamente discutidos.

Em meio a tantas exigências, ora sociais, ora institucionais, encontramos no projeto de letramento (PL) uma forma de “[...] trabalhar com a linguagem como prática social [...]”, (Oliveira et al., 2014, p. 33), “[...] uma alternativa de ressignificação do fazer docente e discente [...]” (Oliveira et al., 2014, p. 20), uma oportunidade de professores e alunos aproximarem-se “[...] mais do tempo, do espaço e das práticas sociais da vida real” (Oliveira et al., 2014, p. 20).

Esta proposta tem como escopo apresentar as experiências de um PL e suas contribuições para o desenvolvimento de capacidades de escrita de alunos de um 9º ano do Ensino Fundamental, bem como observar de que maneira o fenômeno social ‘vandalismo’ pode ser debatido em sala de aula e repercutir no contexto em que estão inseridos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo interventiva com a análise interpretativista, Tripp (2005) e Bortoni-Ricardo (2008).

Na escola pesquisada ocorreu o fato no qual as meninas pediam para ir ao banheiro e passavam batom, depois beijavam o espelho e a parede para limpar o excesso ou registrar sua diferente cor de batom.

Surgiram, assim, as conversas em salas de aula a respeito de este ato ser certo ou errado, se é vandalismo, se ‘agride’ o ambiente escolar. Algumas meninas, ofendidas, afirmavam que muito raramente são meninas que quebram vidros e bancos na escola, e que isto sim é vandalismo e atrapalha o ambiente escolar.

Desta maneira, foi realizada uma pesquisa a respeito do assunto no laboratório de informática e dentre as anotações chamou-nos atenção um Projeto de Lei, apresentado a Assembleia Legislativa de Mato Grosso em 29/08/2017, a respeito de atos de vandalismo nas escolas. Tal discussão abriu um caminho de diálogo entre os alunos, pais/responsáveis, funcionários e direção da escola, bem como o repensar a respeito do cuidado com o ambiente comum e ainda o debate de como estas questões poderiam ser abordadas em outras escolas e ambientes.

Assim, entendendo o aluno como indivíduo inserido nas práticas sociais do seu meio de convivência e sabendo de sua participação na construção de sentido inerente as práticas discursivas, torna-se necessário o estudo sobre letramento(s) e multiletramentos para alcançar o objetivo deste trabalho.

O percurso trilhado durante o PL foi composto por duas sequências didáticas com base na produção de gêneros: a primeira, aqui apresentada, foi o gênero Carta Argumentativa; a segunda, foi o gênero Artigo de Opinião, cujo percurso e resultados serão socializados em outro texto.

Conceitos relevantes para o estudo

Nesta seção apresentamos, ainda que de forma breve, alguns conceitos que subsidiaram a proposta em tela. Primeiramente, dissertamos sobre letramentos e multiletramentos. Na sequência, trazemos reflexões acerca do gênero argumentativo. Por fim, descrevemos algumas características próprias de projetos de letramento.

Letramento(s)/Multiletramentos

Acolhe-se para este estudo a definição de letramento como sendo a “[...] participação nas práticas sociais que, de alguma maneira, envolvem a leitura e a escrita”, (Kleiman, 2005, p. 11). No entanto, tais práticas sociais não necessariamente precisam envolver a leitura e a escrita como o ato específico de ler e escrever, vez que, segundo Kleiman (2009), estudos revelam que “[...] o fenômeno da escrita, nos seus aspectos sociais, como um dos fatores de mais impacto nas sociedades modernas. Além disso, enfatizam a abrangência do fenômeno, que ultrapassa os limites da modalidade escrita” (Kleiman, 2009, p. 2).

Neste aspecto, ‘ultrapassar os limites da modalidade escrita’ pressupõe as atividades que envolvem determinados sistemas semióticos, “[...] como o gestual-corporal, ou a oralidade e, assim são consideradas letradas’, (Kleiman, 2009, p. 2). De acordo com a autora, as atividades de folhear e manusear um livro ou escutar a leitura de um conto infantil por uma criança não alfabetizada é considerada uma atividade letrada.

As atividades letradas podem ser vivenciadas em diversas instituições, na família, na igreja, no comércio e na escola, proporcionando experiências que, apesar de informais e assistemáticas, são enriquecedoras e valiosas ao ensino e aprendizagem da língua, Kleiman (2009). Assim, quando se utiliza a expressão ‘participação nas práticas sociais’ na definição de letramento deste trabalho, compreendem-se estas atividades mencionadas anteriormente, às experiências em espaços em que a escrita circula.

Já de acordo com Rojo (2009), “[...] as abordagens mais recentes dos letramentos” congruem para a “[...] heterogeneidade das práticas sociais de leitura, escrita e uso da língua/ linguagem em geral em sociedades letradas” (Rojo, 2009, p. 102). Segundo Street (2003 apud Rojo, 2009, p. 102),

[...] implica o reconhecimento dos ‘múltiplos letramentos’, que variam no tempo e no espaço, mas que são também contestados nas relações de poder. Assim, os NLS não pressupõem coisa alguma como garantida em relação aos letramentos e às práticas sociais com que se associam, problematizando, aquilo que conta como letramento em qualquer tempo-espaço e interrogando-se sobre “quais letramentos” são dominantes e quais são marginalizados ou de resistência.

Street (2003) destaca as relações de poder no reconhecimento dos letramentos, ou seja, as mesmas práticas sociais ‘dominantes’ geram os chamados letramentos dominantes ou ‘institucionalizados’ como os chama Hamilton (2002 apud Rojo, 2009), que estão, muitas vezes, “[...] associados às organizações formais tais como a escola, as igrejas, o local de trabalho, o sistema legal, o comércio, a burocracias”, (Rojo, 2009, p. 102), os quais se diferenciam os letramentos locais ou ‘vernaculares’, que, por sua vez, possuem suas origens nas práticas cotidianas, nas culturas locais, que acabam sendo desvalorizados.

Deste modo, é relevante definir o termo ‘múltiplos letramentos’, que, para Rojo e Moura (2012, p. 13), aponta para a “[...] multiplicidade e variedade das práticas letradas, valorizadas ou não nas sociedades em geral” (Rojo e Moura, 2012, p. 13).

Diferentemente, o termo ‘multiletramentos’ tem relação com os sistemas semióticos que vão além da leitura, da escrita e da fala, incluindo todas essas outras formas semióticas de comunicação. De acordo com Rojo e Moura (2012), o conceito de multiletramentos

[...] aponta para dois tipos específicos e importantes de multiplicidade presentes em nossas sociedades, principalmente urbanas, na contemporaneidade: a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais ela se informa e se comunica (Rojo & Moura, 2012, p. 13).

A multiplicidade de culturas torna-se evidente na miscigenação de “[...] produções culturais letradas em efetiva circulação social”, (Rojo & Moura, 2012, p. 13) sendo estas dominantes ou vernaculares. Garcia Canclini (2008 [1989] apud Rojo & Moura, 2012) descreve esta multiplicidade como “[...] conjunto de textos híbridos de diferentes letramentos” (Garcia Canclini (2008 [1989] apud Rojo & Moura, 2012, p. 13). Já a multiplicidade semiótica, de linguagens ou modos nos textos em veiculação, é muito notável em textos impressos, nas mídias audiovisuais, digitais ou não, Rojo e Moura (2012). Para estes autores “as imagens e o arranjo de diagramação impregnam e fazem significar os textos contemporâneos” (Rojo & Moura, 2012, p. 19).

Assim, os multiletramentos são exigidos para ‘o que tem sido chamado de multimodalidade ou multissemiose dos textos contemporâneos’. Rojo e Moura (2012) explica que “[...] textos compostos de muitas linguagens (ou modos, semioses) e que exigem capacidades e práticas de compreensão e produção de cada uma delas (multiletramentos) para fazer significar” (Rojo & Moura, 2012, p. 19).

Para este estudo importa-nos o conceito de multiletramentos, que abarca o consequente envolvimento com as novas tecnologias de comunicação e de informação (novos letramentos), sabendo da característica clara de que trabalhar com multiletramentos denota partir “[...] das culturas de referência do alunado (popular, local, de massa) e de gêneros, mídias e linguagens por eles conhecidos, para buscar um enfoque crítico, pluralista, ético e democrático [...] que ampliem o repertório cultural na direção e outros letramentos”, (Rojo & Moura, 2012, p. 8), seja estes dominantes ou vernaculares.

O texto argumentativo

Argumentar, de acordo com Michaelis, dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, significa apresentar fatos, provas ou argumentos; tirar as consequências de um princípio ou fato; concluir, deduzir; servir de argumento, prova ou documento; chamar à discussão; provocar controvérsia; altercar, brigar, discutir.

Assim, liga-se a argumentação ao conjunto de ações humanas, que possui a finalidade de promover a adesão do semelhante, levando-o a um determinado comportamento, quiçá a uma aceitação de opinião, através da persuasão e do convencimento.

Embora possa parecer não haver diferença entre convencimento e persuasão, ela existe e remete à antiguidade aristotélica, colocando frente à tarefa de argumentar essas duas formas, que se diferem pela oposição entre e a persuasão que acontece através de provas que se apoiam na subjetividade, na emoção, a retórica, e o convencimento que se dá através de raciocínio lógico, provas evidentes, a demonstração, Koch (2000).

Desta maneira, quando se busca reforçar o ponto de vista com base em argumentos por comprovação e/ou por citação, desenvolve-se a ação de convencer. Por outro lado, quando se utiliza argumentos de senso comum, com base na experiência pessoal está se desenvolvendo a ação de persuadir pela linguagem.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), ao falar do ponto de partida para a argumentação, esclarece que, sendo através da persuasão ou do convencimento, é necessário um respeito lógico argumentativo entre ‘valores’ e ‘fatos’ discutidos:

Numa discussão, não podemos subtrair-nos ao valor negando-o pura e simplesmente. Assim como, se contestamos que algo seja um fato, temos de dar as razões dessas alegações (‘Não percebo isso’, o que equivale a dizer ‘percebo outra coisa’), assim também, quando se trata de um valor, podemos desqualificá-lo, subordiná-lo a outros ou interpretá-lo, mas não podemos, em bloco, rejeitar todos os valores: estaríamos, então, no domínio da força, não mais no da discussão (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 2005, p. 95).

É relevante destacar da afirmação de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), que não observar certos aspectos da argumentação enfraquece totalmente o argumento e acaba por se perder o domínio da discussão, caracterizando, então, o da força. No entanto, há outros atributos para uma asserção ser capaz de levar a uma conclusão, uma vez que o argumento é manifestação linguística, construída por enunciados que se relacionam uns com os outros.

Para a composição do argumento, segundo Passarelli (2012) destaca-se a resguarda de dois tipos de erros: os de norma culta e os da argumentação lógica. Neste sentido, Coste (apud Passarelli, 2012) afirma que:

[...] toda atividade comunicativa envolve, além de outros componentes relativos ao domínio da língua, do conhecimento de mundo e do conhecimento enciclopédico, um componente de capacidade textual definido como ‘saberes e habilidades relativos aos discursos e às mensagens enquanto sequências organizadas de enunciados’, nas quais se observam os elementos retóricos e argumentativos dos vários textos (Coste apud Passarelli, 2012, p. 241).

Cabe registrar que para o ato de argumentar existem duas características básicas: o caráter utilitário e a eficácia. Para Passarelli (2012) compreende-se a eficácia da argumentação à medida que é capaz de provocar a aceitação àquilo que se apresenta como tese, conseguindo que o outro acolha determinada opinião ou ainda que assuma certo comportamento, sendo preciso manter a coerência argumentativa.

Características de projetos de letramento

Temos visto que a escola que deveria incluir está excluindo. Isto porque ocorrem mudanças em muitos setores, principalmente na ciência e na tecnologia, no entanto, as mudanças nas escolas parecem não chegarem de tão lentas. De acordo com Oliveira et al. (2014), estas mudanças escolares “[...] requerem um enorme esforço de cada um [...]” (Oliveira et al., 2014, p. 19), pois é necessário pensar o que se ensina, para quem, por que, para que, que alunos se quer formar, que metas se tem para a escola e para a vida. É verdade que em muitas escolas, públicas ou particulares, ainda perduram a aplicação de exercícios e provas maçantes. Kleiman (2009) chama estas práticas de “[...] atividades fundamentadas na perspectiva não social da escrita” (Kleiman, 2009, p. 4.).

No entanto, para que a mudança aconteça, Kleiman (2009) afirma que “[...] os estudos do Letramento destacam atividades vinculadas a práticas em que a leitura e a escrita são ferramentas para agir socialmente” (Kleiman, 2009, p. 4).

Neste sentido, de acordo com Oliveira et al. (2014), os PL buscam sanar as dificuldades no ensino de leitura e escrita.

Em razão disso, queremos aqui evidenciar a prática de projetos não como uma novidade didática ou um instrumento de renovação do ensino na língua materna que pretende resolver problemas de exclusão e insucesso escolar na área de linguagem, mas como uma antiga prática recontextualizada pelas atuais demandas sociais, ou seja, uma alternativa que promete priorizar a inclusão, a participação e o reposicionamento identitário do aluno, favorecendo também interações de confiança, afeto e satisfação pessoal. Os projetos de letramento assim orientados destacarão a importância de a leitura e a escrita serem trabalhadas como ferramentas para a agência social, garantindo a mudança, a emancipação e a autonomia, requisitos indispensáveis ao exercício da cidadania. (Oliveira et al., 2014, p. 13)

Dentro desta perspectiva, o estudo do PL proporciona uma nova visão para o trabalho pedagógico da linguagem, uma vez que o projeto de letramento busca atingir a prática social, na qual a escrita é utilizada de modo que atenda a uma necessidade da vida real do aluno.

Diferentemente, a finalidade escolar da aprendizagem da escrita, muitas vezes, começa e termina em sala de aula e não adentra as diferentes situações da vivência social do aluno.

Assim, Kleiman (2009) ensina que “[...] o projeto de letramento se origina de um interesse real na vida dos alunos e sua realização envolve o uso da escrita, isto é, envolve a leitura de textos que, de fato, circulam na sociedade” (Kleiman, 2009, p. 4).

O mesmo entendimento possui Oliveira et al. (2014), quando afirmam que “[...] uma ação de linguagem só tem sentido se atender ao interesse do usuário (nesse caso, o aluno) e estiver vinculada a um fato relativo ao mundo social do qual ele faz parte” (Oliveira et al., 2014, p. 33).

O PL, ao acolher o interesse do aluno, envolvendo seu mundo social, “[...] demonstra compreender que educar é incluir a vida dos alunos, como seres de projeto, num projeto mais amplo – o da escola; é articular o vivido ao conhecimento escolar” (Oliveira et al., 2014, p. 34).

Kleiman (2009, p. 4,) destaca um ponto relevante sobre um movimento pedagógico que os projetos de letramento requerem.

Assim, o projeto de letramento pode ser considerado como uma prática social em que a escrita é utilizada para atingir algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem formal da escrita, transformando objetivos circulares como ‘escrever para aprender a escrever’ e ‘ler para aprender a ler’ em ler e escrever para compreender e aprender aquilo que for relevante para o desenvolvimento e a realização do projeto. ‘Os projetos de letramento requerem um movimento pedagógico que vai da prática social para o ‘conteúdo’ (seja ele uma informação sobre um tema, uma regra, uma estratégia ou procedimento), nunca o contrário’.

Desta forma, depreende-se que nos projetos de letramento o ponto de partida é sempre o interesse do aluno, que vincula a prática social como primícias do movimento pedagógico.

Assim, partindo da compreensão da ‘situação-problema’ buscou-se o conteúdo para suplementar as discussões sobre o assunto, num engajamento no qual as opiniões, tanto de alunos como de professores e funcionários, tiveram o mesmo peso para a solução da ação a que todos se propuseram.

De maneira semelhante, afirma Kleiman (2009) que “[...] trata-se de um modelo para que se aprenda a ler e escrever sem pensar nas dificuldades, mas na melhor estratégia de se apropriar do sistema para chegar aonde se propõe chegar com sua ação.” (Kleiman, 2009, p. 4).

Portanto, o PL conduziu este trabalho, por todos estes motivos pedagógicos elencados alhures e para tanto, fizemos uso do procedimento metodológico sequência didática (doravante SD), nos moldes desenvolvidos por Dolz et al. (2004).

Vandalismo e sociedade: percursos de um projeto de letramento

A ‘situação-problema’ para o desenvolvimento do PL surge de um fato narrado e debatido pelos alunos informalmente em sala de aula.

O fato era que algumas meninas da escola começaram a fazer marcas de batom no espelho e na parede do banheiro. As conversas em salas de aula eram a respeito de o ato ser certo ou errado, se é vandalismo, se ‘agride’ o ambiente escolar. Algumas meninas, ofendidas, afirmavam que muito raramente são meninas que quebram vidros e bancos na escola, e que isto sim é vandalismo e atrapalha o ambiente escolar.

As atividades iniciais, desenvolvidas no final de 2017, foram:

1. Organização das ‘conversas’ e das informações sobre o fato através de pesquisas com a participação de toda a turma e da pesquisadora;

2. Leitura de um Projeto de Lei nº 434/2017 apresentado Assembleia Legislativa de Mato Grosso em 29/08/2017 que obriga o aluno da rede estadual de ensino de Mato Grosso a reparar os danos causados por atos de vandalismo;

3. Assistir a um vídeo da escola que sonhamos e a um vídeo sobre escolas que sofrem vandalismo;

4. Debate a respeito da Lei e dos vídeos assistidos com a participação de toda a turma e da pesquisadora;

5. Produção de um texto para expor sua opinião a respeito do tema debatido.

Na produção do texto 44% dos alunos escreveram que seria interessante comunicar-se com o deputado que criou o projeto de lei para apoiá-lo, sugerir acréscimos, modificar a punição para uma forma mais severa, como mostra o fragmento na Figura 1.


Figura 1.
Fragmento de texto produzido por discente.

Já 27,5% sugeriram que palestras seriam a melhor solução para os fatos que geram vandalismo na escola (Figura 2).


Figura 2.
Fragmento de texto produzido por discente.

As demais opiniões variaram entre reunir os alunos para debates a respeito do assunto, fazer uma conscientização (sem sugestão de como seria feita); ainda sugeriram produzir vídeos, mutirão de limpeza, conversa com os pais, dentre outras.

Através da conversa com a turma optamos, a princípio, pela produção de uma carta argumentativa para o deputado. Em relação às palestras, reunião para debates para que aconteça uma conscientização, decidimos pela produção de um artigo de opinião que pudesse circular pelos meios digitais (blog das escolas e sites de notícias locais), pelos meios impressos, na própria escola, de sala em sala, e visita às escolas vizinhas para divulgação do texto.

Sequência Didática I – Carta argumentativa

Apresentação: Socialização da sequência didática.

Objetivo: apresentar a sequência didática para os alunos; compreender o contexto de produção de carta argumentativa.

Procedimentos metodológicos: apresentação da sequência para a visualização e reflexão a respeito da proposta de trabalho.

Produção Inicial: produzir um texto após o debate a respeito do Projeto Lei nº 434/2017 (que obriga o aluno da rede estadual de ensino de Mato Grosso a reparar os danos causados por atos de vandalismo) e de assistir aos vídeos da escola que sonhamos e sobre escolas que sofrem vandalismo;

Objetivos:

- Ler posicionando-se criticamente em diversas situações comunicativas;

- Ler, compreender, interpretar e identificar as características do gênero textual estudado;

- Reconhecer as formas diferentes de tratar uma informação em diferentes textos;

- Interpretar a intencionalidade do autor na leitura de diferentes textos, identificando informações explícitas e implícitas;

- Compreender, com autonomia, as informações principais e secundárias contidas no gênero textual em estudo, construindo significados e estabelecendo relações de causa, efeito e consequência;

- Reconhecer os elementos que caracterizam o gênero textual em estudo e função social;

- Desenvolver técnicas de escrita criativa a partir da prática de exercícios textuais variados;

- Confirmar antecipações e inferências realizadas antes e durante a leitura;

- Desenvolver recursos para elaborar textos com temas variados.

No primeiro dia de aula de 2018 trabalhamos com um vídeo motivacional e outro a respeito do trabalho em equipe, os quais foram apresentados com projetor multimídia e depois discutimos a respeito destes.

A conversa partiu para apresentação e socialização da SD, com as imagens dos fragmentos de alguns textos que eles produziram em 2017 para relembrar as escolhas e decisões de atividades que nos propusemos para solução do fato que impulsionou a turma.

No segundo dia de aula fizemos uma ‘inspeção’ na escola para fotografar objetos e locais que sofreram vandalismo, para serem utilizadas posteriormente.

Módulo I - Procedimentos Metodológicos:

Aula no laboratório de informática com acesso aos endereços abaixo relacionados.

Texto 1

Prezada Diretora! (https://www.youtube.com/watch?v=z0170HCeh0Q)

Texto 2

Excelentíssimo Sr. Presidente José Sarney

(http://professorawaner.blogspot.com/2010/04/modelo-de-carta-argumentativa-aos.html)

a) Antecipar informações e ativar conhecimentos prévios sobre o texto:

1- O que você entende desse título?

2- Quais são suas expectativas em relação a este texto?

3- O que será que este texto falará?

4- Como você imagina que seja a estrutura deste texto?

5- Você sabe qual gênero textual pertence este texto mesmo antes de lê-lo? Como?

b) Apresentação dos textos e leitura:

Texto 1

Prezada Diretora! (https://www.youtube.com/watch?v=z0170HCeh0Q)

Texto 2 - Excelentíssimo Sr. Presidente José Sarney

(http://professorawaner.blogspot.com/2010/04/modelo-de-carta-argumentativa-aos.html)

Carta argumentativa;

c) Localizar informações explícitas no texto;

1. Qual é o tema e o assunto do texto?

d) Levantar e checar hipóteses;

2.Suas hipóteses a respeito do texto se confirmaram? Verifique e explique:

e) Inferir e extrapolar o texto;

3.Qual é o fato que desencadeou a produção dos textos estudados? Justifique:

f) Perceber as implicações da escolha do gênero e do suporte;

4. Em sua opinião, por que foi escolhido, em ambos os textos, o gênero carta argumentativa, e ainda por que optaram por tal suporte?

Material: laboratório de informática, computadores, internet;

Organização do trabalho: duração de 4 aulas para leitura, debate e atividades;




Para desenvolver o Módulo I tivemos que improvisar, pois o laboratório de informática estava com um problema de acesso à internet. Embora este módulo tenha sido preparado para 4 aulas, gastamos bem mais; com a atividade improvisada percebemos que os alunos estavam com bastante dificuldade em diferenciar título, assunto e tema.

Como na sequência, encontrávamos ainda sem internet no laboratório de informática, organizamos a aula toda em pendrive e fizemos todos juntos com auxílio do projetor multimídia. Não é a mesma coisa, pois as impressões que se tem vendo, ouvindo e lendo individualmente cada texto são muito diferentes de quando se faz o trabalho em conjunto com toda sala.

O próximo módulo desta SD trabalhava especificamente de carta argumentativa, assim, pelas afirmações dos alunos em não fazer ideia de carta argumentativa no dia da apresentação da SD e porque não havia ido ainda no laboratório, depois de vários dias tentando, resolvemos preparar uma aula somente de pesquisa livre, anotações e discussão das características da carta argumentativa. Esta atividade revelou, ao nosso ver, uma deficiência no uso do laboratório de informática.

Apesar das dúvidas dos alunos esta aula foi muito produtiva e voltamos para sala com muitas anotações, fomos elencando as mais importantes no quadro para fixar o que realmente precisávamos saber sobre este gênero.

Partimos para o módulo II, a carta argumentativa.

Módulo II

Procedimentos Metodológicos:

a) Antecipar informações e ativar conhecimentos prévios sobre o texto:

- O que você entende desse título?

- Quais são suas expectativas observando a estrutura do texto?

- O que será que este texto falará?

- Você sabe qual gênero textual pertence este texto mesmo antes de lê-lo? Como?

Texto 3 - Carta Argumentativa

Com o advento da internet e dos recursos tecnológicos de uma maneira geral, a forma de comunicação entre as pessoas mudou consideravelmente. Antigamente, era muito usual utilizar-se de cartas, telegramas, cartões postais para se comunicar com pessoas que ora encontravam-se distantes.

Atualmente existe e-mail, facebook, instagram, whatsapp e tantos outros que possibilitam a comunicação em tempo real. Entretanto, a carta argumentativa ainda continua sendo um veículo de comunicação muito importante e muito requisitado nos concursos e provas de vestibulares.

Para entendermos sobre a sua parte estrutural, é importante lembrarmos que, como o próprio nome diz, nos lembra a questão de exposição de ideias, ou seja, o emissor deve persuadir o interlocutor através do seu ponto de vista sobre determinado assunto. E logo, a linguagem deverá ser clara, coesa e objetiva.

A única diferença é que na carta há uma interlocução explícita, ou seja, ela é destinada a um ou mais destinatários de forma específica. O grau de formalidade dependerá do nível de intimidade estabelecido entre os interlocutores.

Para entendermos melhor esse processo é necessário fazer a distinção entre uma carta destinada ao prefeito de sua cidade requisitando melhorias no setor de pavimentação das ruas, e uma ao presidente de seu bairro, sugerindo melhoria na qualidade do som durante as reuniões.

Neste caso, fica evidente o grau de formalismo. Vejamos agora um exemplo deste gênero textual, que é a carta, em uma crônica de Moacyr Scliar:

(Nome da cidade e data)

(O vocativo, ou seja, a pessoa a quem é endereçada a carta)

PREZADOS SENHORES,

Uns amigos me falaram que os senhores estão para destruir 45 mil pares de tênis falsificados com a marca Nike e que, para esse fim, uma máquina especial já teria até sido adquirida. A razão desta cartinha é um pedido. Um pedido muito urgente.

Antes de mais nada, devo dizer aos senhores que nada tenho contra a destruição de tênis, ou de bonecas Barbie, ou de qualquer coisa que tenha sido pirateada. Afinal, a marca é dos senhores, e quem usa essa marca indevidamente sabe que está correndo um risco. Destruam, portanto. Com a máquina, sem a máquina, destruam. Destruir é um direito dos senhores.

Mas, por favor, reservem um par, um único par desses tênis que serão destruídos para este que vos escreve. Este pedido é motivado por duas razões: em primeiro lugar, sou um grande admirador da marca Nike, mesmo falsificada. Aliás, estive olhando os tênis pirateados e devo confessar que não vi grande diferença deles para os verdadeiros.

Em segundo lugar, e isto é o mais importante, sou pobre, pobre e ignorante. Quem está escrevendo esta carta para mim é um vizinho, homem bondoso. Ele vai inclusive colocá-la no correio, porque eu não tenho dinheiro para o selo. Nem dinheiro para selo, nem para qualquer outra coisa: sou pobre como um rato. Mas a pobreza não impede de sonhar, e eu sempre sonhei com um tênis Nike. Os senhores não têm ideia de como isso será importante para mim. Meus amigos, por exemplo, vão me olhar de outra maneira se eu aparecer de Nike. Eu direi, naturalmente, que foi presente (não quero que pensem que andei roubando), mas sei que a admiração deles não diminuirá: afinal, quem pode receber um Nike de presente pode receber muitas outras coisas. Verão que não sou o coitado que pareço.

Uma última ponderação: a mim não importa que o tênis seja falsificado, que ele leve a marca Nike sem ser Nike. Porque, vejam, tudo em minha vida é assim. Moro num barraco que não pode ser chamado de casa, mas, para todos os efeitos, chamo-o de casa.

Uso a camiseta de uma universidade americana, com dizeres em inglês, que não entendo, mas nunca estive nem sequer perto da universidade – é uma camiseta que encontrei no lixo. E assim por diante.

Mandem-me, por favor, um tênis. Pode ser tamanho grande, embora eu tenha pé pequeno. Não me desagradaria nada fingir que tenho pé grande. Dá à pessoa uma certa importância. E depois, quanto maior o tênis, mais visível ele é. E, como diz o meu vizinho aqui, visibilidade é tudo na vida.

Atenciosamente – (despedida formal)

(O nome do emissor, isto é, a pessoa que enviou a carta)

(Moacyr Scliar, cronista da Folha de S. Paulo, 14/8/2000)[1].

1- Localizar informações explícitas no texto. Após a leitura dos textos, propiciar uma discussão a respeito do gênero estudado. A seguir, os alunos, em grupo, deverão responder às questões propostas:

A) Atualmente, com os recursos tecnológicos, a comunicação entre as pessoas tem sofrido mudanças. Cartas, cartões postais telegramas têm sido substituídos por e-mails, e redes sociais como facebook, instagram, whatsapp, dentre outros, que possibilitam comunicação em tempo real. Entretanto, a carta argumentativa ainda continua sendo um veículo de comunicação muito importante. A carta argumentativa apresenta em sua composição os elementos do discurso argumentativo. Identifique esses elementos no texto de Moacyr Scliar.

B) Na carta argumentativa, há uma interlocução explícita, ou seja, ela é destinada a um ou mais destinatários de forma específica.

1. A quem se destina a carta lida?

2. O grau de formalidade, na carta argumentativa, dependerá do nível de intimidade estabelecido entre os interlocutores. Nessa carta, a linguagem é formal ou coloquial? Justifique.

Material: Internet, data show, copiadas impressas do texto;

Organização do trabalho: duração de 4 aulas para leitura, debate e atividades;

Neste Módulo II todos os textos foram entregues aos alunos e mesmo assim fizemos a leitura com o projetor multimídia, foi pedido que cada cópia fosse colada no caderno. Na duração de 4 aulas lemos, conversamos sobre os textos, respondemos as questões, tiramos as dúvidas e corrigimos tudo.

Assim, iniciamos o Módulo III, que trata da produção de texto.

Módulo III - Produção Final

De acordo com os estudos feitos nesta sequência didática produza uma carta argumentativa para o deputado que criou o Projeto de Lei nº 434/2017 para apoiá-lo, sugerir acréscimos ou mudanças no projeto. É importante estar atento aos elementos do discurso argumentativo, a quem se destina e o grau de formalidade necessário.

Material: cadernos, dicionários, computador, internet;

Organização do trabalho: duração de 4 aulas para leitura, debate e atividades;

A produção de carta argumentativa requer uma sequência de passos que organizados formam a estrutura deste gênero textual. Esta estrutura demora a ser dominada pelos alunos porque não é algo que se visualiza diariamente, eles não estão facilmente em contato com a estrutura do texto argumentativo escrito.

Desta maneira, de acordo com Marcuschi (2008, p. 54) quando os alunos chegam à escola a capacidade comunicativa está bem desenvolvida, o que a escola deve ensinar são os “[...] usos da língua e formas não corriqueiras de comunicação escrita e oral.” (Marcuschi, 2008, p. 54) Sendo a carta argumentativa uma destas ‘formas não corriqueiras de comunicação escrita’, os alunos pesquisados encontraram resistência na assimilação das estruturas deste gênero.

Antes que iniciassem a produção, lemos novamente o texto de Moacyr Scliar do módulo II, sendo lembrados que além dos textos pesquisados na internet, esta carta de Moacyr era um modelo de estrutura argumentativa que poderia ser seguido. Ainda pedimos que fossem fazendo por partes e irem tirando as dúvidas, parágrafos por parágrafos.

Mesmo assim, os textos ficaram muito distantes de uma carta argumentativa, alguns até eram textos narrativos. Quando iniciamos a correção e percebemos que as dúvidas se repetiam, paramos a correção individual e fomos para a lousa para explicações coletivas.

Precisamos fazer uma pausa para explicar como foi feita a correção dos textos. Esta correção foi individual, cada aluno com seu texto pronto no seu próprio caderno, sentados lado a lado com a professora, o aluno lia seu texto e já íamos verificando o que estava de acordo com a proposta, o que precisava ser modificado, qual era a dúvida do aluno em relação ao tema ou estrutura.

Utilizamos também a tábua de critérios de correção, segundo Passarelli (2012), que norteiam a correção da carta argumentativa. A apresentamos para a turma, assim todos puderam contemplar o que deveria conter o gênero estudado.

Bortoni-Ricardo (2013, p. 149) afirma que “[...] segundo os PCNs, o processo de refacção textual consiste na revisão dos escritores competentes fazem na própria produção textual com intuito de verificar se o texto está confuso, ambíguo, redundante, obscuro ou incompleto, seguida de modificações para melhorá-lo”. A diferença é que os escritores/meus alunos fizeram a revisão junto com a professora, pois eles liam o texto e na leitura do próprio texto em voz alta percebiam onde estava confuso, ambíguo, redundante, incompleto, dentre outros, na observação da tábua de critérios de correção, juntos discutíamos e anotávamos quais as modificações necessárias para melhorá-lo.

Consideramos produtiva a revisão do texto sendo leitura em voz alta para professora de modo individual, mesmo porque a autora enfatiza a importância das interações entre professor e aluno no processo de refacção textual de trabalhos, Bortoni-Ricardo (2013).

Voltando a primeira versão da carta argumentativa, quando as dúvidas e equívocos se tornaram os mesmos, fomos para lousa e perguntamos das certezas em relação a carta argumentativa e fomos anotando, assim partindo de tudo que estava claro para eles, começamos a explicar o que faltava clareza, mas a aula acabou.

Com a proposta replanejada, retornamos com mais exemplos sobre a estrutura da carta argumentativa, porque era o que causava a maior dificuldade na hora de escrever. Decidimos que fariam grupos com três alunos para a produção de um único texto, depois faríamos a leitura de todos e fundiríamos em uma só carta argumentativa para enviar ao deputado.

No entanto, a produção textual argumentativa depende de vários fatores para obtenção de sucesso e, como dito antes, estes alunos de 9º ano não tiveram muito contato nestes anos de Ensino Fundamental com este gênero textual. Assim, pela falta da observação de certos aspectos da argumentação, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), tornaram-se totalmente enfraquecidos os argumentos de alguns textos produzidos pelos alunos e acabaram por se perder o domínio da discussão, caracterizando, então, o domínio da força, ou seja, argumentos que não contemplam o convencimento ou a persuasão é apenas uma determinação, um comando, uma ordem.

Desta maneira, dos textos que foram produzidos, apenas três estavam bem adequados a proposta de produção textual, como mostra a Figura 3, com um dos textos:


Figura 3.
Fragmento de texto produzido por discente.

As produções já haviam passado pela refacção e no formato apresentado acima foram mostrados no projetor multimídia para que a turma toda pudesse, a partir destes, elaborar a carta da turma para o deputado.

O momento de organização e nova produção de um texto em conjunto começou bem animada, mas se tornou cansativa, pois tínhamos que ler os três textos para resolver como seria cada parágrafo do texto da turma e muitos alunos não concordavam com aquele e partíamos para votação. Depois tínhamos que organizar a concordância de um parágrafo para o outro, pois foi pego um trecho de um texto e um trecho de outro.

Por fim, terminamos a organização com os textos dos grupos em duas aulas e utilizamos mais duas para fazer os ajustes no novo texto da turma. Este é o texto pronto que foi enviado ao gabinete do Deputado.

XXX, 03 de abril de 2018.

Vossa Excelência Deputado Jajah Neves

Prezado Deputado,

Nós, alunos da E. E. R. V., vimos por meio desta carta apresentar-vos a nossa satisfação em conhecer o Projeto de Lei nº 434/2017, que se refere ao vandalismo nas escolas estaduais mato-grossense para apoiá-la e sugerir uma forma de torná-la conhecida no meio escolar.

Particularmente, consideramos justas as punições que estão previstas na lei para os “vândalos escolares”, pois assim como eles tiveram a capacidade de causar dano, devem ter a mesma capacidade para repará-lo.

Caro Deputado, sabendo da possível aprovação da lei e sua entrada em vigor, queremos saber como será a divulgação da mesma? Sugerimos que seja feita uma campanha nas escolas para que se torne conhecida esta lei, que sejam encaminhados aos diretores panfletos e cartazes divulgando-a.

Assim, os coordenadores e professores apresentam a lei aos alunos e os próprios alunos podem organizar palestras, rodas de debates e vídeos para uma conscientização de toda comunidade escolar. Sugerimos ainda que a escola que se destacar na divulgação seja premiada.

Desta maneira, esperamos que o ambiente escolar se torne um lugar mais agradável para que os alunos se sintam acolhidos e venham para a escola com prazer. Desde já agradecemos a vossa atenção, esperando que acolha nossas sugestões para a divulgação.

Atenciosamente,

Alunos do 9º ano B da E. E. R. V.

Ao analisar todos estes textos percebemos que, como dito anteriormente, a refacção do texto digitado proporciona uma nova visão tornando a correção muito mais ampla e aprofundada até que aluno e professor considerem o texto pronto.

Neste contexto, é notável, ao lermos as produções iniciais e as últimas versões dos textos, o avanço que ocorreu na capacidade de escrita dos alunos, os textos ganharam corpo, estrutura, argumentação, léxico e tudo isto a partir de interesses próprios.

Considerações finais

Com base nos textos analisados, é relevante destacar que as produções realizadas após os estudos das sequências didáticas do PL são textos mais estruturados, organizados e atendem melhor a proposta de produção textual.

Primeiramente, porque os gêneros textuais foram estudados nas sequências didáticas que compõe este PL e, como era esperado, os alunos passaram a produzir tais gêneros com propriedade, executando o que aprenderam.

E em segunda análise, e o mais importante para este trabalho, é que a partir das pesquisas, leituras e debates em torno do tema que impulsionou este PL e, no decorrer de dois bimestres, a busca dos alunos por respostas para a situação-problema proporcionou um conhecimento muito maior acerca deste assunto debatido.

Desta maneira, tornou-se mais fácil, mais rápido, e ainda se adquiriu e se expandiu a capacidade de falar e escrever a respeito do tema vandalismo na escola, possibilitando ao aluno comunicar sua opinião e fundamentá-la em argumentos relevantes e convincentes, porque eles mesmos se convenceram com as respostas que tiveram na busca pela solução da situação-problema.

Assim, o projeto de letramento executado produziu um grande desenvolvimento na capacidade textual, no desenvolvimento lexical e na competência argumentativa destes alunos de 9º ano do Ensino Fundamental.

Referências

Brasil. (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação.

Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. (1998). Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa (Vol. 2). Brasília, DF: Secretaria de Educação Fundamental.

Bortoni-Ricardo, S. M. (2008). O professor pesquisador: introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo, SP: Parábola Editorial.

Bortoni-Ricardo, S. M., & Machado, V. R. (2013). Os doze trabalhos de Hércules: do oral para o escrito. São Paulo, SP: Parábola.

Dolz, J., Noverraz, M., & Schneuwly, B. (2004). Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In J. Dolz & B. Schneuwly e colaboradores (Eds.), Gêneros orais e escritos na escola (p. 95-128, R. Rojo & G. S. Cordeiro, Trad. e Org.). Campinas, SP: Mercado de Letras.

Kleiman, A. B. (2005). Preciso “ensinar” letramento? Não basta ensinar a ler e escrever? Campinas, SP: Unicamp.

Kleiman, A. B. (2009). Projetos de letramento na educação infantil. Revista Caminhos em Linguística Aplicada, UNITAU, 1(1), 1-10.

Koch, I. G. V. (2000). Argumentação e Linguagem (6a ed.). São Paulo, SP: Cortez.

Marcuschi, L. A. (2004). Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In L. A. Marcuschi & A. C. Xavier (Orgs.), Hipertexto e Gêneros Digitais. Rio de Janeiro, RJ: Lucerna.

Marcuschi, L. A. (2008). Gêneros textuais e ensino. São Paulo, SP: Parábola Editorial.

Projeto de Lei nº 434/2017 da Assembleia Legislativa de Mato Grosso. (2017). Dispõe sobre a aplicação de atividades com fins educativos para reparar danos causados no ambiente escolar da Rede Pública Estadual de Mato Grosso e dá outras providências. Assembleia Legislativa Do Estado De Mato Grosso.

Oliveira, M. d. S., Tinoco, G. A., & Santos, I. B. d. A. (2014). Projetos de letramento e formAÇÃO de professores de língua materna (2a ed.). Natal, RN: EDUFRN.

Passarelli, L. M. G. (2012). Ensino e correção na produção de textos escolares. São Paulo, SP: Telos.

Perelman, C., & Olbrechts-Tyteca, L. (2005). Tratado da argumentação: a nova retórica (2a ed). São Paulo, SP: Martins Fontes.

Rojo, R. H. R. (2007). Gêneros do discurso no Círculo de Bakhtin - Ferramentas para a análise transdisciplinar de enunciados em dispositivos e práticas didáticas. In Anais do SIGET, (p. 1761-1776), Tubarão, SC.

Rojo, R. (2009). Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo, SP: Parábola Editorial.

Rojo, R., & Moura, E. (2012). Multiletramentos na escola. São Paulo, SP: Parábola Editorial.

Tripp, D. (2005). Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, 31(3), 443-466. DOI: http://doi.org/10.1590/S1517-97022005000300009

Notas

[1] Disponível em http://www.brasilescola.com/redacao/carta-argumentativa.htm

Notas de autor

francianegobbi.adv@gmail.com



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