Resenhas

| . The fear of Islam. 2015. Minneapolis. Fortress Press. 362 p. pp.. 978-1-4514-6549-5 |
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Received: 09 April 2017
Accepted: 01 August 2018
O crescimento da islamofobia pós-11 de Setembro é constante nos países identificados enquanto integrantes do Ocidente. Apesar da existência de leis que protegem a liberdade religiosa na maioria das nações europeias e das Américas, proliferam relatos de agressões físicas e online sofridas por membros de comunidades muçulmanas. É na discursividade manifesta contra os muçulmanos que se apreendem os alicerces que constroem a islamofobia em uma dada formação cultural, os quais são identificados na obra The fear of Islam (ou “O medo do Islã”) como a crença de que os muçulmanos constituem um grupo monolítico, sem variações internas, reforçada pela ideia de que são bárbaros e que possuiriam uma misoginia inerente. O livro de Todd Green, professor associado de religião no Luther College em Decorah (Iowa), é resultado de suas pesquisas sobre islamofobia, as quais convergem na presente obra em uma visão panorâmica do campo estadunidense e inglês, o que permite delinear parte significativa da discussão internacional sobre a temática.
Em sua Introdução, o autor aponta que os Estados Unidos e os países da união europeia possuem em comum a desconfiança de que os muçulmanos não podem ser integrados às sociedades ocidentais. O motivador para tal desconfiança está na islamofobia, sendo ela compreendida enquanto medo, ódio ou hostilidade frente aos muçulmanos e ao Islã. A obra tem enquanto fio condutor a investigação sobre os mecanismos de propagação da islamofobia nos níveis simbólicos, culturais e institucionais a partir das perspectivas histórica e sociológica.
O Capítulo O que é Islamofobia? aborda a historicidade do conceito e algumas de suas acepções. A primeira aparição da palavra islamofobia foi em 1918 como islamophobie (do francês), usada pelo pintor Etienne Dinet. Neste capítulo critica-se a ideia de que o preconceito é somente contra o Islã, mas também é específico contra muçulmanos. Entretanto, o autor indica que algumas ações são efetivamente contra o Islã, vilificando a religião, enquanto outras são anti-muçulmanos, desprezando-os por outras características que não só as religiosas – como o pertencimento a outro país ou continente, a questão migratória, a filiação a uma cultura “atrasada”, etc. O autor também nos remete ao Runnymede Report, documento do Runnymede Trust, instituição britânica que investiga a islamofobia enquanto um dos desafios a serem superados em prol de uma sociedade democrática. O documento, que é pré-11 de Setembro, já afirmava que a ocupação sionista na Palestina, a Revolução Iraniana de 1979 e o Caso Rushdie contribuíram para uma visão negativa dos muçulmanos na Inglaterra. Enquanto contribuição para a reflexão contemporânea, tal relatório trouxe elaborações sobre as visões “fechadas” do Islã, compostas dos seguintes elementos: 1) o Islã é monolítico, estático; 2) o Islã é estranho; 3) o Islã é inferior; 4) o Islã é nosso inimigo; 5) o Islã é manipulador, existindo uma conspiração islâmica contra nós; 6) a discriminação contra muçulmanos é justificada; 7) o criticismo dos muçulmanos ao Ocidente é inválido; e que 8) o discurso anti-muçulmanos deve ser naturalizado. Finalizando o capítulo, discute-se a o quanto esses elementos são racistas, aproximando-se os termos islamofobia e antissemitismo.
No Capítulo Os Fundamentos Históricos da Islamofobia, argumenta-se a existência de certa continuidade de representações negativas sobre os muçulmanos na história ocidental, remetendo aos primeiros contatos entre cristãos e muçulmanos na Idade Média. Afirma-se ainda que os muçulmanos apresentaram uma maior aceitação das diversidades religiosas do que os cristãos, existindo mais a contribuição do que o conflito entre muçulmanos e cristãos no tocante às tradições filosóficas e científicas. O autor chega a afirmar que “(...) não há conflito inerente entre o Ocidente e o Islã. Antes de qualquer coisa, o Ocidente não seria o Ocidente sem as contribuições islâmica e árabe.” (p.44 – grifo do autor) Todavia, o surgimento de grupos muçulmanos que desafiaram os poderios colonialistas e imperialistas levou ao crescimento das representações anti-muçulmanos.
O Capítulo Colonialismo, Orientalismo e o Choque de Civilizações dá continuidade à discussão do capítulo anterior. Inicia lembrando-nos que muitos países africanos e asiáticos só se libertaram dos colonialismos em pleno século XX, de maneira que não devemos subestimar o impacto dos colonialismos nas representações dos colonizados sobre os colonizadores. O colonialismo em si é indicado pelo autor enquanto um obstáculo gerado pelos próprios colonizadores para a efetiva integração. Os estudos orientalistas também cresceram durante o colonialismo, justificando o domínio sobre os muçulmanos que supostamente rejeitariam, nas palavras de Ernst Renan, o “espírito europeu”. O orientalismo surge então como discurso no sentido foucaultiano: mobilizando conhecimentos e poderes, o europeu produziria conhecimentos sobre os povos dominados sem ter de tratá-los enquanto interlocutores, mas como espécimes exóticos. Todavia, o autor distingue o Orientalismo, fundamentado academicamente, da Islamofobia, postura que perpassa diferentes campos de produção simbólica que não só o acadêmico. Enquanto derivação do orientalismo, tem-se a retórica do Choque de Civilizações, desenvolvida por Samuel Huntington, e que tem continuidade em ideólogos islamofóbicos dentro e fora das universidades. O choque de civilizações traria à tona a ideia de que haveria uma descontinuidade violenta e belicista entre o “mundo islâmico” e o “mundo ocidental”, o que justificaria que o autoproclamado pacífico e civilizado Ocidente colonizasse e brutalizasse as demais populações, muçulmanas principalmente.
No capítulo 11 de Setembro, a Guerra ao Terror e a Ascensão da Islamofobia Política, o autor indica a substituição do “Medo Vermelho” do Comunismo no período da Guerra Fria pela “Ameaça Verde” do Islã. Acirrando ainda mais os conflitos entre os países previamente colonizados e as potências imperialistas, o atentado de 11 de Setembro veio a justificar o neo-imperialismo sobre vários povos, utilizando-se da retórica do combate ao terrorismo. A ideia do choque de civilizações passa a ser mobilizada como a fundação ideológica da Guerra ao Terror, guerra esta que tem um inimigo construído e politicamente, mais do que religiosamente, orientado. Será na justificativa religiosa que os islamofóbicos irão focar para afirmarem que existe algo essencialmente errado no Islã e nos muçulmanos que justificará que sejam convertidos, dominados ou hostilizados, doméstica ou internacionalmente. A islamofobia política justificaria tanto os ataques contra populações muçulmanas quanto as tentativas de democratização via intervenções militares em outros países. Esse conjunto de ideias foi articulado principalmente após o 11 de Setembro, sendo fortalecido por uma retórica considerada esvaziada e generalizante. O Caderno de Imagens, logo após esse capítulo, traz nove imagens que retratam o Orientalismo e a Islamofobia.
No Capítulo A “Ameaça Islâmica” na Europa Moderna tem-se um estudo do aumento da islamofobia na Europa, sendo a Inglaterra o foco principal. O aumento da população muçulmana migrante dos países previamente colonizados e a sucessão de eventos como o Caso Rushdie, o assassinato do cineasta Theo Van Gogh, os atentados a bomba em Madrid e Londres e a controvérsia dos quadrinhos dinamarqueses, todos contribuíram para se gerar uma ideia de um “inimigo interno” à Europa. As ações de indivíduos politicamente motivados para a violência, como nos eventos citados, são tomadas como expressões verdadeiras da fé de milhões de praticantes. Conclui-se que ignorar a “maioria silenciosa” que trabalha, que contribui e auxilia no desenvolvimento de uma dada sociedade, e focar no indivíduo violento isoladamente é uma das principais estratégias de perpetuação da islamofobia no continente europeu.
No Capítulo 6, Islamofobia Profissional, discute-se as implicações do fato dos muçulmanos não controlarem as narrativas públicas sobre o Islã. Nesse ínterim, surgirão os islamofóbicos profissionais, que são 1) políticos conservadores, 2) blogueiros e ativistas de Direita e 3) ex-muçulmanos que fazem carreira demonizando o Islã e os muçulmanos. Enquanto constante de cada um desses grupos está a mobilização de informações que exacerbam as ansiedades frente ao “Outro”, muçulmano. O autor cita agentes islamofóbicos desses setores na Europa e nos Estados Unidos, demonstrando que é o medo do Islã e não a investigação e compreensão de sua complexidade que gera lucro financeiro e simbólico para os que se utilizam dessa estratégia.
O Capítulo Muçulmanos na Mídia e no Cinema estuda a difusão de estereótipos pela mídia e pela indústria cultural ao retratarem tão somente a violência e não toda a miríade de questões envolvendo a vida ou o cotidiano dos muçulmanos. Embasando-se em outras pesquisas, o autor indica que, quando se tratam dos muçulmanos, a mídia internacional foca as notícias que envolvem violência e misoginia, raramente abordando outros assuntos das comunidades. Também são analisados os muçulmanos em filmes hollywoodianos e séries para a televisão, apontando o reforço de generalizações negativas. Os poucos filmes que trazem uma imagem positiva dos muçulmanos são citados pelo autor a título de exceção. No geral, as representações midiáticas e cinematográficas são fantasiosas, reducionistas, generalizantes e pouco explanam sobre a religião e seus praticantes.
No Capítulo Islamofobia e Suas Baixas são relatadas as ações tomadas contra os muçulmanos devido à ação terrorista de uma minoria estatisticamente ínfima. Os projetos de vigilância, a aceitação dos crimes de ódio (que também atingem pessoas que lembram os muçulmanos, como sikhs), as proposições contra o hijab, os conflitos que envolvem a construção de mesquitas e as propostas de deportações de muçulmanos são todas ações de agentes públicos que de certo modo institucionalizam a islamofobia. A islamofobia então toma corpo em ações políticas sistemáticas de discriminação, ultrapassando as ofensas particulares e embasando políticas governamentais.
O Capítulo Combatendo a Islamofobia é apresentado enquanto conclusão, trazendo entrevistas com pesquisadores da área: Keith Ellison, John Esposito, Myriam Francois-Cerrah, Marjorie Dove Kent, Ingrid Mattson, Dalia Mogahed, Eboo Patel e Tariq Ramadan. Esses convidados relatam suas esperanças no combate ao preconceito e preocupações sobre a islamofobia, indicando meios pelos quais muçulmanos e não-muçulmanos podem empreender para combate-la. São identificados obstáculos políticos, como a ascensão da extrema-direita, e atitudinais, como a normalização do discurso de ódio islamofóbico. Entretanto, ainda há perspectiva de que o combate contra a islamofobia possa ser bem-sucedido.
Finalizando o livro, um Apêndice com o perfil dos entrevistados, sucedido por um Glossário dos termos utilizados no livro e por uma seção de Leitura Adicional, contendo sugestões de obras sobre a islamofobia. Infelizmente, dos livros citados nessa seção de leituras adicionais, somente Orientalismo, de Edward Said, está traduzido para o português.
O livro se coloca então como uma síntese da trajetória histórica da islamofobia internacional, expondo suas principais características, origens culturais e mecanismos de propagação. Esse itinerário é percorrido traçando-se comparações entre Europa e Estados Unidos, comparações essas que poderão ser aplicadas às manifestações islamofóbicas no Brasil ou a outros países onde as populações muçulmanas sejam minoritárias. As análises sobre os grupos islamofóbicos também poderão servir-se dos elementos elencados no livro, fundamentando estudos de caso ou investigações qualitativas. Sua tradução seria bem-vinda por trazer uma leitura panorâmica das principais questões com as quais os pesquisadores da islamofobia se defrontam.
REFERÊNCIA
GREEN, Todd H. The fear of Islam: an introduction to islamophobia in the West. Minneapolis: Fortress Press, 2015. 362 p.
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