Resumo: Objetiva-se neste artigo analisar a evocação do pensiero debole na teologia da libertação, realizada por Gustavo Gutiérrez. Justifica-se este objetivo o fato de que o supracitado teólogo, em sua obra ¿Dónde dormirán los pobres? (1996) evoca a formulação acerca do pensiero debole, efetuada pelo filósofo italiano Gianni Vattimo, para mostrar que o fundamento originário – a articulação entre fé e pobres, já presente nas obras Teología de la Liberación (1971), La fuerza histórica de los pobres (1979) e La verdad os hara libres (1990) – não perde a sua validade e continua a ser pertinente e relevante ao aprofundar o significado da perspectiva libertadora, ao tornar a sua linguagem criticamente plausível ao contexto de dissolução da metafísica, de fragmentação do saber, de transversalidade epistemológica e desenvolver temas referentes ao pluralismo étnico e cultural, ao gênero, à pluralidade e diálogo inter-religioso, à ecologia e aos paradoxos culturais e religiosos. Trata-se de uma linguagem que apresenta um Deus compassivo, solidário com os seres humanos, a partir dos pobres, e efetivamente um “Deus da vida”. Para atingir este objetivo, será exposta a evocação do pensiero debole, realizada a respectiva análise filosófica acerca dessa categoria, e efetuada sua aplicação na teologia da libertação, caracterizando-se como uma teologia da libertação debole.
Palavras-chave:Teologia da LibertaçãoTeologia da Libertação, Pobres Pobres, Fé cristã Fé cristã, Pensiero debole Pensiero debole.
Abstract: This paper aims at analyzing the evocation of the weak thought in liberation theology held by Gustavo Gutiérrez. This objective justified the fact that the abovementioned theologian, in your work ¿Dónde dormirán los pobres? (1996) evokes the wording about the weak thought, made by Italian philosopher Gianni Vattimo, to show that the foundation originates – the links between faith and poor, already present in the works of Teología de la Liberación (1971), La fuerza histórica de los pobres (1979) and La verdad os hara libres (1990) – don't lose your validity and remains pertinent and relevant to deepen the meaning of liberating perspective, to make your language critically plausible in the context of dissolution of metaphysics, fragmentation of knowledge, of epistemological transversality and develop issues relating to ethnic and cultural pluralism, the genre, the plurality and inter-faith dialogue, to ecology and the cultural and religious paradoxes. It is a language that presents a God compassionate, sympathetic to humans, from the poor, and effectively a "God of life". To achieve this goal, it will be exposed the evocation of the weak thought, held its philosophical analysis about this category, and made your application on liberation theology, characterized as a weak theology of liberation.
Keywords: liberation theology, Poor, Christian faith, weak thought.
Dossiê
A evocação do Pensiero Debole na Teologia da Libertação.
The evocation of the Pensiero Debole in the Theology of Liberation
Recepção: 08 Outubro 2018
Aprovação: 24 Dezembro 2018
Objetiva-se neste trabalho analisar contribuições epistemológicas que a categoria vattiminiana “pensiero debole” pode oferecer à teologia da libertação, concebida a partir da elaboração realizada por Gustavo Gutiérrez. Trata-se de um complexo teológico que, ao articular a fé cristã com a pobreza, compreendida como carência, espiritualidade e compromisso praxístico libertador, ultrapassa as circunstâncias históricas de sua origem, marcadas pela Modernidade em contexto latino-americano e caribenho e se abre analiticamente à mencionada categoria elaborada por Gianni Vattimo.
Justifica-se este objetivo o fato de que o supracitado teólogo, em sua obra ¿Dónde dormirán los pobres? (1996) evoca a formulação do referido filósofo italiano para mostrar que o fundamento originário – a articulação entre fé e pobres, já presente em suas obras anteriores– não perde a sua validade e continua a ser pertinente e relevante ao aprofundar o significado da libertação integral, ao tornar a sua linguagem criticamente plausível ao contexto de dissolução da metafísica, de fragmentação do saber, de transversalidade epistemológica e desenvolver temas referentes ao pluralismo étnico e cultural, ao gênero, à pluralidade e diálogo inter-religioso e à ecologia.
Para atingir este objetivo, colocar-se-á a evocação referente ao pensiero debole feita pelo teólogo peruano, o significado da categoria vattiminiana supracitada e o modo como a apropriação dessa categoria pode contribuir para o desenvolvimento da teologia da libertação.
Ao trazer à tona a síntese de sua teologia (GUTIÉRREZ, 1990a, p. 11-68), por ocasião da apresentação de sua tese de doutorado na Universidade de Lyon, o teólogo peruano remete à sua obra pioneira Teología de la liberación de 1971, cuja situação hermenêutica se efetiva na theologia mundi do Concílio Vaticano II, na contextualização histórica latino-americana, em que se constata a violência e a injustiça social, e na própria fé que exige renovação metodológica e epistemológica no modo de fazer teologia (GUTIÉRREZ, 1986).
A epistemologia da teologia da libertação surgiu da constatação da insuficiência das formas descendentes de se fazer teologia e da própria germinação renovadora provocada pelo pluralismo teológico do século XX, cujo legado está marcado pelas articulações entre mistério e história, teologia e antropologia, fé e experiência, a perspectiva política na teologia fundamental e a teologia hermenêutica como forma de levar a cabo a relação entre palavra e história (GIBELLINI, 1990, p. 160-270). Por isso, a teologia é assumida como sabedoria, cuja inteligência coleta os dados da fé e os interpreta com o auxílio da filosofia, compreendida como partner da teologia para pensar o mundo e o homem, e das ciências humanas, concebidas como mediações analíticas, necessárias à compreensão da realidade histórica (GUTIÉRREZ, 1986, p. 15-74). Em sua sapiência de fé, a teologia é espiritual à medida que, enquanto ato segundo, emerge como intelecção da ação de Deus na história, na qual a humanidade é concebida a partir de um locus próprio da revelação divina: os pobres. Nesse locus está situada a práxis histórica libertadora, denotativa da redescoberta da caridade como elemento central da vida cristã e como operação real da fé, pois o “amor é o sustentáculo e a plenitude da fé, da entrega ao Outro e, inseparavelmente, aos outros. É este o fundamento da práxis do cristão, de sua presença ativa na história” (GUTIÉRREZ, 1986, p. 19).
Se o caráter sapiencial da teologia requer a dimensão da práxis histórica libertadora, cabe afirmar que a teologia é reflexiva, pois se põe sempre a articular entre a fé e o lugar de onde se faz teologia. Trata-se de uma reflexão crítica, que não se faz absoluta como complexo teórico e é colocada sempre em atualidade acerca da realidade em que situa o discurso teológico. Afirma então, o próprio Gustavo Gutiérrez:
A teologia deve ser um pensamento crítico de si mesmo, de seus próprios fundamentos. Só esse pode fazer dela um discurso não ingênuo, consciente de si, em plena posse de seus instrumentos conceptuais. Mas não só a este aspecto, de caráter epistemológico, fazemos alusão ao falar da teologia como reflexão crítica. Referimo-nos também a uma atitude lúcida e crítica com relação aos condicionamentos econômicos e socioculturais da vida e reflexão da comunidade cristã: não tomá-los em consideração é enganar-se e enganar os outros. Além disso, e, sobretudo, porém, tomamos essa expressão como a teoria de determinada prática. A reflexão teológica seria então, necessariamente, uma crítica da sociedade e da Igreja enquanto convocadas e interpeladas pela palavra de Deus; teoria crítica, à luz da palavra aceita na fé, animada por intenção prática, portanto indissoluvelmente unida à práxis histórica (GUTIÉRREZ, 1986, p. 23).
Desta afirmação resulta que metodicamente, a teologia da libertação há pensar sapiencialmente o mistério de Deus revelado na história, cuja decorrência é a articulação entre a fé cristã e o mundo dos pobres, considerado como locus de onde se faz teologia. Por isso, é de fundamental importância decifrar a compreensão do teólogo peruano acerca da categoria “pobre” ou “pobreza”, em função de que essa compreensão alarga o conteúdo e a própria regra epistemológica acerca do diálogo da teologia com a filosofia e outras ciências.
Conforme afirmamos acima, a pobreza foi concebida em três dimensões: carência, forma evangélica de ser e compromisso sócio-histórico com os pobres. Na primeira dimensão, a pobreza é privação econômica e sistêmica, é marginalização cultural, de gênero, de idade, é discriminação social presente no desemprego, é isenção de participar ativamente na política, é ser alvo de preconceitos morais e religiosos. Para compreender essa dimensão, a teologia se subsidia da filosofia, principalmente em sua vertente hermenêutica e social, e das ciências humanas, principalmente em sua vertente crítica para compreender as causas da pobreza e sua maneira real de ser superada (GUTIÉRREZ, 1990b, p. 306-308).
Na segunda dimensão, ser pobre é uma referência à espiritualidade cristã, enquanto propicia uma maneira do homem comportar-se. Trata-se de ser pessoa simples, humildade, despojada, desprendida, hospitaleira, cuidadosa com a vida, que pensa, ama, reza, crê e espera com esse espírito de pobreza. Nesta dimensão, a teologia se subsidia da filosofia hermenêutica no processo de compreensão do significado da pobreza e da própria espiritualidade teologal, em que prevalece uma teologia espiritual que aponta o pobre como realidade espiritual (GUTIÉRREZ, 1990b, p. 305-306).
Na terceira dimensão, a pobreza conduz à inserção na realidade dos pobres, compreendidos na primeira dimensão, com o espírito da pobreza realçado na segunda dimensão, comprometendo-se com a efetividade da justiça – para que haja trabalho, moradia, terra, saúde, educação para os pobres –, com o combate à violência e sua respectiva superação, visando à superação do etnocídio, do genocídio, do machismo uxoricida, da marginalização das crianças e dos idosos e à contenção da morte prematura dos pobres (GUTIÉRREZ, 1990a, p. 22-26). Esse compromisso exige também apreender o potencial evangelizador e libertador dos pobres, e a sua força histórica nos processos de libertação. Nessa dimensão, a teologia se subsidia da filosofia e das ciências humanas para visualizar melhor os caminhos da práxis histórica libertadora (GUTIÉRREZ, 1984, p. 57-78).
Ao reunir as três dimensões da pobreza, Gustavo Gutiérrez aponta para um estado de espírito presente nos pobres:
(...) ser pobre é um modo de viver, de pensar, de amar, de orar, de crer e esperar, de passar o tempo livre, de lutar por sua vida. Ser pobre hoje significa também, cada vez mais, empenhar-se na luta pela justiça e pela paz, defender a sua vida e a sua liberdade, buscar uma maior participação democrática nas decisões da sociedade, organizar-se para uma vivência integral de sua fé e comprometer-se na libertação de pessoa humana (GUTIÉRREZ, 1990b, p. 305).
Na decifração da pobreza já se encontra a luz da fé, especialmente nas duas últimas definições, embora a sensibilidade pela primeira já seja um ato de fé, locus de onde jorra a teologia e que possibilita a apropriação do locus histórico e social para produzir teologia com uma linguagem que fale verdadeiramente sobre o Deus da revelação cristã (GUTIÉRREZ, 1998, p. 9-12). Isso significa falar do Deus da vida, libertador, justo, santo, fiel e que veio habitar a história, que “atinge a plenitude na Encarnação” (GUTIÉRREZ, 1990c, p. 112), cujo evento denota “encarnação da pequenez e do serviço em meio ao poder e à prepotência dos grandes deste mundo. Irrupção com cheiro de estábulo” (GUTIÉRREZ, 1990c, p. 117). Com estas palavras, o teólogo aponta o locus dos pobres como lugar histórico e social para fazer teologia, pois a fé em sua condição de lugar epistêmico para fazer teologia aponta a encarnação do Filho de Deus na história, concebida a partir dos pobres. Assim afirma novamente e o referido teólogo:
A fé cristã é uma fé histórica. Deus se revela em Jesus Cristo, e por Ele na história humana, no mais significante e pobre dessa história. Só a partir daí é possível crer em Deus. O crente não pode pôr-se numa espécie de ponto cego da história para vê-la passar. Devemos aprender a crer a partir das condições concretas de nossa vida. Sob a opressão e a repressão, mas também em meio às lutas e esperanças que se vivem hoje na América Latina, sob a espora das ditaduras que semeiam a morte entre os pobres e as ‘democracias’ que, muitas vezes, exploram suas necessidades e ilusões (GUTIÉRREZ, 1990c, p.117-118).
Ao consolidar a sua maneira de produzir teologia da libertação – algo que ocorre com a efetividade de um projeto sistemático de teologia da libertação, presente em forma de Mysterium Liberationis (SOBRINO; ELLACURÍA, 1990) – Gustavo Gutiérrez suscita teologicamente a preocupação com os pobres, situando-os no que se denomina “pós-modernidade” e “globalização”, mediante a pergunta: “Onde dormirão os pobres” (1996)? Ao buscar responder essa pergunta, o autor evoca a categoria pensiero debole, formulada por Gianni Vattimo, em função da explícita emergência do canal da hermenêutica da crítica necessária à ciência moderna e à fragmentação do saber humano, para afirmar a valorização das pequenas narrativas e a superação das “metanarrativas”. E também para criticar a ausência da relação entre a pobreza regionalizada e a globalização, e do surgimento do individualismo e do narcisismo à medida que o consumismo acentua o egocentrismo, marginaliza a alteridade, diminuindo a sensibilidade pelo Outro. Essa categoria ainda “anuncia uma religiosidade difusa e confusa, portadora de uma crença genérica sobre Deus, desconfiada de firmes convicções e resistente às exigências de comportamento que estas últimas acarretam” (GUTIÉRREZ, 1996, p. 40).
Diante do exposto, cabe-nos suscitar a pergunta: em que medida a categoria pensiero debole pode servir de contribuição para que a teologia da libertação apresente epistemologicamente consistência, pertinência e relevância em sua condição de ciência teológica? Para responder a essa pergunta, cabe então, analisar a categoria mediante a entrada em seu próprio autor, Gianni Vattimo e inferir elementos que contribuem à teologia da libertação.
A categoria pensiero debole[1] foi cunhada por Gianni Vattimo em um escrito homônimo em 1979, publicado em 1983 (VATTIMO, 2006, p. 105-109), após inspirar-se em um texto de Carlo Augusto Viano, intitulado “La ragione, l’abbondanza e la credenza”, e desenvolvido em outras obras (VATTIMO, 2002). Trata-se de uma categoria que abandona as pretensões metafísicas totalizantes e corresponde ao caráter do ser na época do fim da metafísica (VATTIMO, 1998, p. 25-27).
O filósofo italiano se assume como cristão católico, tendo participado da Ação Católica, quando era jovem estudante secundarista, foi leitor assíduo de Jacques Maritain – filósofo cristão que fundou a humanismo integral – e foi levado por motivos de fé cristã a ingressar no curso de Filosofia na Universidade de Turim. Ali, assumiu o caminho de estudar profundamente Nietzsche e Heidegger, tornando-se apto a debruçar sobre a sentença nietzscheniana da “morte de Deus” e ao projeto heideggeriano de “destruição da metafísica”. Compreendeu que tanto a referida sentença quanto o mencionado projeto correspondem a uma intensa crítica à metafísica, principalmente em sua noção de objetividade da verdade, atingindo tanto formulações filosóficas quanto aquelas apresentadas pela ciência moderna, marcadamente positivista e pretensiosamente messiânica (VATTIMO, 1998, p. 17-22). Disso resulta que atenção dada ao sujeito e à sua história, algo que pertence ao próprio Cristianismo, notadamente na via interior de Agostinho (PASTOR, 2000), propiciou que a formulação hermenêutica presente em ambos os filósofos alemães, fosse assumida por Vattimo para desbancar expressões absolutas acerca da verdade e trilhar um caminho de busca da verdade, mediante a efetividade de um processo hermenêutico. Além disso, outra convicção assumida por este filósofo é que não há religião cristã que não esteja relacionada e inserida no mundo. Por isso, a secularização não é fenômeno antirreligioso ou isento da religião, mas um fenômeno da própria religião cristã em sua inserção no mundo. Assim se exprime o filósofo italiano:
Creio que se deva falar de herança cristã em um sentido bem mais vasto, que corresponde à nossa cultura em geral, a qual se tornou o que é ainda e sobretudo porque intimamente ‘trabalhada’ e forjada pela mensagem cristã, ou mais ainda em geral pela revelação bíblica (Antigo e Novo Testamento). Prefiro esclarecer e simplificar: eu me dou conta que prefiro Nietzsche e Heidegger, em uma específica interpretação do seu pensamento, referente a outras propostas filosóficas com as quais estou em contato, também (e talvez sobretudo) porque as suas teses me parecem em harmonia com um substrato religioso, especificamente cristão, que ficou vivo em mim e que se fez presente também porque, distanciando-me ou colocando-o à parte (ou crendo de fazer isso), frequentei sobretudo textos desses autores e à luz deles vivi e interpretei a minha condição existencial na sociedade moderna tardia” (VATTIMO, 1998, p. 24).
Com estas palavras, Vattimo evidencia construir um pensamento da imanência, de inserção do ser no mundo, de historicidade do ser irrompido no ente, de flexibilidade e nomadologia no modo mesmo de pensar. Por isso, no que se refere à verdade, Vattimo segue a esteira de Luigi Pareyson (2005) e faz uma distinção entre verdade e expressão de verdade, para apontar que a verdade não se encerra em vestimentas linguísticas de uma época histórica, mas por fidelidade à própria realidade histórica, sua linguagem se modifica e se assenta para servir o humanum em sua história real. Então, o autor contesta a objetividade metafísica presente na ciência moderna e utilizando-se de Hans Georg Gadamer (2003), aponta para a inter-relação dialógica entre sujeitos, superando formas autoritárias de exprimir a verdade. Isso significa que o diálogo compreendido como um processo comunicativo, em que os sujeitos envolvidos têm o direito de falar e escutar, objetiva o consenso referente ao modo de exprimir a verdade. Ainda na esteira de Gadamer é possível afirmar a “fusão de horizontes”, em que o horizonte – o âmbito pelo qual se vê a realidade do homem e do mundo - de cada sujeito envolvido no diálogo se abre para unir-se ao horizonte do outro, constituindo uma novidade que é própria da referida fusão.
Nesse breve quadro vattiminiano apresentado, o pensiero debole “é um pensamento capaz de articular na meia luz, um caminho que não prove a reencontrar o Ser originário, que a metafísica esqueceu nos êxitos científicos e tecnológicos, mas uma via para encontrar de novo o Ser como vestígio, recordação, um Ser consumado e enfraquecido, e somente por isso digno de atenção” (VATTIMO, 2006, p. 107). O pensiero debole refere-se ainda a uma “ética da debilidade” ou “da proveniência”, à aceleração das relações sociais, produto da tecnologia, até a realizar uma forma de libertação, mediante a inflação: quanto mais se consome mais se consuma a sociedade pós-moderna. Além disso a transparência se identifica com a confusão, em que o sujeito humano se torna autônomo em sua movimentação social e cultural (VATTIMO, 2006, p. 106-109).
A categoria pensiero debole é aplicada por Gianni Vattimo à análise do cristianismo e de sua inserção no mundo. Nessa inserção, o Cristianismo predica uma mensagem acerca do Deus que se revela na encarnação de seu Filho, que é o Verbo que era Deus e que estava com Deus e habitou no meio da humanidade (Jo 1, 1-18). Ao se encarnar, Jesus Cristo se mostra como a própria graça de Deus – hesed no antigo testamento e charitas no novo testamento – que doa o Espírito – o pneuma – aos seus seguidores para que vivam o seu evangelho. O anúncio da boa nova trazido por Jesus Cristo é o que propõe a liberdade ao homem e se identifica com a caridade, já que esta é graça – benevolência, acolhimento, favor na relação com o Outro. A caridade remete à alteridade, pois é na relação com o Outro que se situa propriamente a vivência da mensagem cristã. Resulta então, que o Cristianismo seja religião da caridade que possibilita transcender formulações autoritárias em termos de fé, de moral e de outras prescrições relativas à existência humana (VATTIMO, 2004, p. 151-167).
A partir da centralidade da caridade e sempre inserido no mundo, o Cristianismo respeita a epocalidade histórica e leva a cabo a hermenêutica na Escritura, nos dogmas, nas prescrições morais. Gianni Vattimo recorda teólogos que assumiram a hermenêutica como luz para a sua respectiva teologia. Exemplo disso é Henri De Lubac (1966), que trouxe à tona um conjunto de métodos exegéticos, pelos quais se produz um processo interpretativo da Escritura, que a retira a posição de conter um espírito autoritário, em sua condição de fonte da verdade divina, e a coloca em uma posição de abertura e diálogo com os seus leitores. O filósofo italiano também apresenta a necessidade da hermenêutica na análise dos dogmas e das prescrições morais, para que sejam interpretados em sua linguagem epocal e no respeito à situação atual em que se encontra o homem (VATTIMO, 2004, p. 37-72). Neste sentido, são suscitados temas de bioética e de moral sexual, tais como a eutanásia e a homossexualidade, para flexibilizar hermeneuticamente a visão dogmática e prescritiva no âmbito moral acerca desses e outros temas de debate (VATTIMO, 1998, p. 49-62).
A hermenêutica é então, a própria realização do pensiero debole, enquanto o horizonte da verdade é buscado mediante os sujeitos em relação, desenvolvendo o diálogo à luz da liberdade e da alteridade para que se pratique a caridade na história. Deste modo, não há relativismo e nem redução da verdade às opiniões pessoais, mas a busca em expressões marcadas com um espírito de abertura e de iluminação que rompe com extremismos diversos (VATTIMO, 2009, p. 19-29). Assim sendo, o lugar em que a caridade explicita a verdade mediante a sua realização é a história real e sua efetividade é presença do Verbo de Deus. Por isso, o pensiero debole é um projeto de futuro para eliminar muros, presentes nas diversas formas autoritárias que impedem a elevação da vida em sua dignidade (VATTIMO, 2002, p. 109-128).
Conforme o exposto, a categoria pensiero debole é um modo de exprimir a hermenêutica como elemento que dá vitalidade ao pensamento. Neste sentido, a metafísica que se constitui intensamente presente na tradição do pensamento ocidental e possui incidência no arcabouço teológico – uma vez que categorias fundamentais, tais como substância, perichorese, persona, ser, onisciência, onipotência, redenção, salvação possuem origem na metafísica – não é colocada como único substrato filosófico da teologia, mas é concebida como tradição que é acompanhada da ontologia hermenêutica, que atravessa como nova luz tanto a filosofia quanto as outras ciências.
Nesta perspectiva, a teologia da libertação possui uma epistemologia de recepção à hermenêutica, sobretudo por ter assimilado criativamente o “círculo hermenêutico”, apresentado por Heidegger e aprofundado por Gadamer e Ricoeur, cuja aplicação se efetiva tanto nos métodos de leitura da Bíblia (GORGULHO, 1990) quanto na compreensão dos dogmas (SEGUNDO, 1990) e da doutrina social da Igreja (ANTONCICH, 1990). O próprio Gustavo Gutiérrez apresentou o Deus da revelação como um Deus da vida, concebido como libertador, justo – goel – compassivo e solidário com os pobres (GUTIÉRREZ, 1990a, p. 134-180). Os diversos tratados foram reconfigurados hermeneuticamente na perspectiva libertadora, de modo a consolidar um sistema teológico libertador, intitulado Mysterium Liberationis, em que se afirma epistemologicamente uma teologia da libertação integral, um Deus libertador, um Deus trinitário que inspira modelos comunitários de sociedade e de Igreja, uma cristopráxis da libertação, uma pneumatologia da vida, uma antropologia teológica que realça o homem novo, marcado pela compaixão e solidariedade, uma Igreja dos pobres, de comunhão e de serviço evangelizador e libertador, efetivamente uma teologia reinocêntrica (GONÇALVES, 1997, p. 409-429).
Em sua condição de sistema teológico, a teologia da libertação não chegou ao seu fim, mas a um processo de consolidação que, não obstante que um edifício teológico libertador tenha sido construído, indicava a necessidade de realizar novos investimentos temáticos e epistemológicos. Consolidada, a teologia da libertação inseriu-se no corpus theologicus universalis, tendo sido a categoria “pobres” reconhecida em termos universais, seja em complexos teológicos contextuais e de genitivos (CHENU, 1987; GONÇALVES, 2007), seja no magistério eclesiástico (JOÃO PAULO II, 1987, n. 40-44).
Essa abertura do próprio sistema teológico possibilitou que a teologia da libertação tivesse investimentos em novos temas e ampliasse epistemologicamente o uso de suas mediações, não permanecendo apenas na filosofia e nas ciências humanas, mas também se estendendo para o diálogo e a mediação de outras ciências (GONZALEZ, 1993; GOROSTIAGA, 1993). Ao alargar os seus temas e seus elementos epistemológicos, a teologia da libertação aproximou-se do pensiero debole, pois a pós-modernidade tornou-se um clima cultural e social também universal, incidindo no mundo dos pobres latino-americanos e caribenhos (GUTIÉRREZ, 1998, p. 65-66).
Gustavo Gutiérrez situa a categoria pensiero debole no âmbito da pós-modernidade, cuja apropriação filosófico-social leva a identificar a presença social e cultural da efemeridade, do consumismo, do individualismo, do narcisismo e de um processo de intenso de vitimização dos pobres. Urge então, a necessidade de desenvolver a sensibilidade pelo sofrimento, de ter consciência da ambiguidade social e cultural, e pela necessidade de recuperar a solidariedade (GUTIÉRRREZ, 1998, p. 35-41). No entanto, o próprio Gianni Vattimo situa o pensiero debole para pensar o ser mediante a hermenêutica, identificada na própria movimentação do Cristianismo em sua relação com o mundo, concentrando-se na prática da caridade em função da kenosis do Verbo na história. Neste sentido, esta categoria propicia o desenvolvimento da hermenêutica mediante a flexibilidade na compreensão das categorias, a transversalidade das disciplinas teológicas, a articulação da teologia com a filosofia e com as ciências e especialmente a relação entre teoria e práxis histórica. Em outras palavras, o pensiero debole possibilita pensar a pós-modernidade em seu caráter paradoxal, em que convivem o individualismo e o comunitarismo, o narcisismo e o altruísmo, a vitimação e a solidariedade.
A apropriação do pensiero debole na teologia da libertação contribui para que a hermenêutica, tomada em perspectiva libertadora, continue a ser levada a cabo na compreensão da Escritura, dos dogmas, das prescrições morais, mediante a articulação entre fé a história concebida a partir do locus dos pobres. Isso significa que a teologia da libertação aprofunda o seu método, que se constitui das mediações sócioanalítica, hermenêutica e teórico-prática (BOFF, 1978), para compreender a realidade, analisá-la à luz da fé e encontrar formas de práxis histórica libertadora, contemporânea a cada época histórica. Não se trata desta teologia estagnar-se em único substrato analítico, mas em todo substrato que possibilite a efetividade epistemológica de ser eficaz como linguagem que fala sobre Deus e que é espaço para que Deus interpele o homem (GUTIÉRREZ, 1990a, p. 15-21).
A compreensão hermenêutica da encarnação do Verbo possibilita analogamente a compreensão acerca da inserção do Cristianismo no mundo real dos pobres, cuja contemporaneidade ultrapassa a territorialidade na América Latina. Na contemporaneidade, muros caíram, sistemas não se apresentam mais como absolutos, a alteridade tornou-se necessária para as relações entre os povos e também para as relações interpessoais (VATTIMO, 2010, p. 74). As carências dos pobres são complexas, não se restringindo apenas à esfera econômico-social e política, mas também se estendo para outras esferas, tais como a étnica, a de gênero, a de idade, a pedagógica (DUSSEL, 1985, p. 11-29). Além dos “novos pobres” (BOFF; PIXLEY, 1987, p. 19-33), tem-se também a mundialização da pobreza, propiciando que se afirme um processo vitimário e mimético em todo o globo terrestre. Por isso, tornou-se possível pensar a universalidade dos pobres em sua tríplice dimensão e a sua relação com a fé cristã, de modo a universalizar a perspectiva libertadora, intensificando uma produção teológica libertadora tanto na América Latina quanto nos outros continentes, inclusive o continente europeu, abordando as dimensões econômica, política, social, cultural, religiosa e ecológica (TAMAYO, 1994, p. 157-167).
O pensiero debole de Gianni Vattimo remete à pós-modernidade, cujas marcas são as da realidade do pluralismo cultural e religioso, da nomadologia do pensamento, do prevalecimento da imanência sobre a transcendência, da flexibilidade e transversalidade dos saberes, da emergência da alteridade e do reconhecimento das diferenças (OLIVEIRA, 2003).
Para John Caputo, o pensiero debole propicia a formulação de uma teologia debole, que privilegia o acontecimento compreendido não como algo que ocorre, que é o que a palavra inglesa sugere (event), mas algo dado no que ocorre, algo se expressou ou a que se deu forma no que ocorreu” (CAPUTO, 2010, p. 75). Não é algo presente, mas algo que busca dar-se no que está presente e que atua em uma coisa. Por isso, no acontecimento é possível aplicar a desconstrução ao que ocorre para dar vitalidade ao próprio acontecimento, mas não ao acontecimento em si. A desconstrução não é passível ao acontecimento, porque este jamais está construído e somente o que está construído é passível de desconstrução. O acontecimento possui uma temporalidade que convoca e leva o homem ao futuro, apresentando-se como provocação e promessa, possuindo uma estrutura daquilo que está por vir (CAPUTO, 2010, p. 75-83).
Nessa visão, a religião pós-moderna é menos institucional e prescritiva, e mais o contrato afirmado entre o acontecimento e o homem (CAPUTO, 2010, p. 85). Assim sendo, a teologia debole se concentrará na religião do acontecimento recepcionado pelo ser humano e constitutivo dele; uma religião do divino, marcada pela privatização individual e grupal. Disso resulta a tarefa de uma teologia debole ou pós-moderna:
A ideia que há por trás de uma teologia pós-moderna é a de liberar o acontecimento que emerge do contrato e não permitir que seja contraído por nenhuma forma presente, ou que seja limitado por suas condições locais. O acontecimento é o incondicional que está atuando nessas condições locais; é o que é indestrutível em qualquer construção histórica ou prática discursiva. Tomo ‘religião’ em seu sentido mais radical, como pacto entre o acontecimento e o povo, porque tenho a intenção de valer-me do acontecimento da forma mais flexível possível para salvaguardar sua irredutibilidade. Se dissermos que o acontecimento tem um sentido religioso, estamos ocultando algo crucial: é a paixão incondicional ou a paixão pelo incondicional que engendra o acontecimento. (CAPUTO, 2010, p. 86-87).
Do dinamismo do acontecimento na formulação da teologia debole alcança-se o nome de Deus como o nome de um acontecimento, de algo que vibra no interior de tal nome, como que um fogo sagrado. Então, o nome de Deus abriga um acontecimento que requer pensá-lo para salvaguardá-lo e liberar o que vibra nele. Ao pensar o nome de Deus, a teologia debole exprime linguisticamente o mistério inacabável e inacessível de Deus. Por isso, o nome de Deus é o nome mais vibrante, mais caloroso, mais desejoso de toda a história da humanidade, por se tratar de um nome que denota uma promessa a ser realizada e ao mesmo tempo, já realizada no próprio ato de prometer. Por isso, essa teologia é o espaço em que as energias do acontecimento podem ser alimentadas e liberadas, especialmente quando se refere à promessa divina e sua respectiva realização. É um complexo teórico que dá sentido à existência, possibilitando as ultrapassagens institucionais e sistêmicas, tornando crível a presença de Deus, não mais na força dos constructos metafísicos, mas na debilidade denotativa do próprio acontecimento (CAPUTO, 2010, p. 84-112). Por isso, um eixo fundamental de uma teologia debole é a cruz de Jesus Cristo, em que se realça uma “metafísica da kenósis” (CAPUTO, 2010, p. 109), cuja transcendência de Deus está apontada na sua imanência histórica, embora sempre o inexaurível há também de ser apontado.
Toda teologia debole é acompanhada da categoria alteridade, evocada também por Gianni Vattimo (2004, p. 65-72), aludida por Gustavo Gutiérrez (1998, p. 51-60) e inferida do pensamento de Emmanuel Levinas. Trata-se de trazer à tona a sensibilidade pela figura do Outro, compreendido como irmão, interlocutor do “eu”, que se abre para efetivar a proximidade, escutando o clamor do Outro, visualizando o seu rosto, encostando a face na face do Outro, sentindo-o como diferente. Essa diferença propicia a interpelação do Outro–espojado, desnudado, passível de dor – ao “eu”, cuja alteridade está salvaguardada na “alteridade do próximo” (LEVINAS, 1993, p. 9-18).
Realça-se em Levinas que o Outro é sempre uma referência de interpelação e de desejo, em função de que a sua diferença clama a proximidade, aguça a sensibilidade do “eu”, que escutando o chamado e sentindo-se provocado, se abre à relação e encontra no Outro o sentido:
O Outro que está diante de mim não está incluído na totalidade do ser expresso. Ele ressurge por detrás de toda reunião do ser, como aquele para quem exprimo isto que exprimo. Eu me reencontro diante do Outro. Ele não é nem uma significação cultural, nem um simples dado. Ele é primordialmente sentido, pois ele o confere à própria expressão e é por ele somente que um fenômeno como o da significação se introduz, de per si, no ser (LEVINAS, 1993, p. 57).
Ao considerar o Outro como sentido, Levinas aponta a sua manifestação como epifania da significação cultural, da revelação horizontal no encontro dos sujeitos e da visitação do “eu” ao Outro. Na epifania do Outro, o próprio rosto, em sua nudez, já é palavra interpeladora, provocadora, chamativa ao encontro. Na epifania do Outro, o “eu” não apenas se sente interpelado, mas caminha na direção do Outro para, ao encostar a sua face na face do Outro, servir com responsabilidade. Por isso, a alteridade remete à ética, denominada como o novo nome da metafísica (GILBERT, 2008, p. 205), cuja incidência na teologia torna-a capaz de afirmar a transcendência de Deus na imanência da práxis histórica (GUTIÉRREZ, 1998, p. 46-51). Eis aqui um elemento importante na constituição de uma teologia debole em perspectiva libertadora.
O pensiero debole pode propiciar à teologia da libertação o desenvolvimento de temas que são universalmente pós-modernos, dentre os quais destacamos: a relação entre teologia e economia, a ecologia, o pluralismo religioso, o sofrimento e outras incursões temáticas. A presença desses temas indica que a “delibilidade” do pensamento já é um elemento a ser inserido na epistemologia da libertação. Deste modo, consideramos que alguns temas que já estavam sendo desenvolvidos desde a década de 1990, denotavam proximidade com o pensiero debole.
O primeiro tema a ser destacado é o do diálogo entre teologia e economia, pelo qual se desenvolve a “idolatria do mercado”, mediante a dialética de mundos textuais, da Bíblia e da economia. De um lado, a própria revelação bíblica aponta que o ídolo não fala, não enxerga, não escuta e não se move por poder próprio, mas apenas e tão somente pelo poder que lhe é dado pelo devoto. De outro lado, o mercado tornou-se o núcleo fundamental da economia, exigindo das pessoas e das instituições que concentrem suas vidas em atendê-lo. Ele assumiu um poder divino, por ser idolatrado por seus devotos, inclusive exigindo que os pobres sejam sacrificados, embora sejam também sujeitos fundamentais na efetividade do mercado e no “fetichismo da mercadoria” (ASSMANN; HINKELAMMERT, 1989).
Não obstante a legitimidade teológico-libertadora dessa crítica ao mercado, Vattimo assume uma postura de viés dialético, de modo a visualizar a lógica do mercado domo dilatação de mercados da informação, exigindo que:
“(...) tudo, de qualquer maneira, se torne objeto de comunicação. Esta multiplicação vertiginosa da comunicação, este ‘tomar a palavra’ por parte de um número crescente de subculturas, é o efeito mais evidente do mass media¸e é também o fato que – relacionado com o fim, ou pelo menos com a transformação radical, do imperialismo europeu – determina a passagem da nossa sociedade à pós-modernidade. Não só relativamente aos outros universos culturais (o ‘terceiro mundo’ por exemplo), mas também ao próprio interior, o Ocidente vive uma situação explosiva, uma pluralização que parece irresistível, e que torna impossível conceber o mundo e a história segundo pontos de vista unitários” (VATTIMO, 1992, p. 12).
Essa contribuição de Vattimo, se articulada com a crítica à idolatria do mercado, poderá trazer à teologia da libertação uma debilidade que possibilite a elaboração e uma teologia libertadora no contexto pós-moderno, em que subjaz o paradoxo que leva a redescobrir o sentido mesmo de mercado, que na perspectiva libertadora, não deve ser o elemento central da sociedade, mas um elemento dentre outros, em que se pode prover a justiça e primar pela vida dos pobres (ASSMANN, 1994).
O segundo tema é referente à ecologia, cujo paradigma cosmológico e antropológico tem servido à edificação de uma teologia ecológica libertadora. Por isso, Gustavo Gutiérrez apontou para mundialização da pobreza e para a crise ecológica, mediante a denúncia da depredação “já desenfreada dos recursos naturais do planeta, que são um patrimônio comum da humanidade” (GUTIÉRREZ, 1998, p. 23). Uma teologia ecológica libertadora articula os pobres, o planeta e próprio universo, concebidos ecologicamente, com a fé cristã na criação, em que Deus é o criador do céu e da terra e sua criação tornou-se muito boa, abençoada, santificada e com a sua presença (SUSIN, 2003).
A apropriação do pensiero debole requer dar continuidade à concepção de caridade, principalmente em sua dimensão social, em que se busca a efetividade da justiça social, em articulação com todas as pessoas de boa vontade. Requer-se então, um cristianismo realizado em perspectiva ecumênica, aberto ao diálogo inter-religioso e às pessoas que se empenham pela justiça, paz e fraternidade. Disso resulta que a teologia da libertação aprofunde a sua ocupação com o pluralismo e se constitua em uma “teologia latino-americana pluralista da libertação” (BARROS; TOMITA; VIGIL, 2006). Nessa formulação, o pluralismo religioso, que se constitui em um dos grandes temas universais da teologia, é desenvolvido na peculiaridade cultural e religiosa do continente latino-americano e caribenho, de modo que as religiões das culturas autóctones se tornam os campos de teorização da fé cristã (TEIXEIRA, 2015). Com uma teologia libertadora do pluralismo religioso tem-se mais uma contribuição para a possibilidade de emergência de um novo mundo, marcado pela convivência fraterna e pela paz entre os povos (TEIXEIRA, 2007, p. 41).
A categoria pensiero debole propicia que a teologia da libertação mergulhe no locus da debilidade, onde estão os pobres que padecem diversos males, gritam de dor, denotam sofrimento e morrem antes do tempo. Para que a teologia seja um discurso de fé eficaz nessas situações, haverá de assumir o caminho da teodiceia, pelo qual se pergunta a respeito da causa do mal. Em termos interrogativos: como compreender a revelação de Deus amoroso diante do sofrimento do inocente, da depredação do planeta, do tolhimento da vida? O próprio Gustavo Gutiérrez já buscava responder a esta questão ao meditar sobre o livro de Jó e escrever sobre Deus “a partir do sofrimento do inocente” (GUTIÉRREZ, 1988) e meditar a respeito do “Deus da vida” (GUTIÉRREZ, 1990), em que a compaixão é o principal elemento a ser desenvolvido teologicamente. Por meio da compaixão, Deus sofre junto com os pobres, mostra a sua solidariedade e os potencializa à força histórica libertadora, que se efetiva fundamentalmente nas ações de resistência, compassivas, solidárias e fraternas dos pobres.
A configuração débil da teologia da libertação a conduzirá a aprofundar outros temas, tais como o significado do feminino na configuração do humanum e no próprio tratado de Deus – ainda que já tenha desenvolvido a perspectiva libertadora da mulher (GEBARA, 1994) –, as diversas situações de vulnerabilidade social e cultural e os paradoxos sociais e culturais (MENDONZA;AVAREZ, 2013), em que as contradições são evidentes e a ambiguidade se torna realidade, que traz à tona a perplexidade do homem (MIRANDA, 1991).
Conforme o exposto, a apropriação do pensiero debole, compreendido por sua repercussão filosófico-teológica faz desse complexo teológico uma teologia debole. Isso significa que epistemologicamente, a hermenêutica será partner da configuração teológica, seja no uso da filosofia, seja no uso das demais ciências. Ressalta-se, porém, que uma filosofia da libertação (DUSSEL, 1980; SCANNONE, 1990) já fora esboçada nas duas primeiras décadas de formulação desse complexo teológico, pela qual é possível utilizar a perspectiva da alteridade, a crítica do fetichismo da religião, a hermenêutica do símbolo e da cultura. O espírito da hermenêutica também será utilizado nas diversas ciências que servem para propiciar a análise da realidade do homem e do planeta, de modo que a referida análise esteja sempre aberta à possibilidade de novas análises científicas. Através do espirito hermenêutico, a teologia da libertação poderá ser uma teologia debole, capaz de interpretar as situações que constituem o clima de pós-modernidade, especialmente os seus paradoxos e as diversas situações de vulnerabilidade e sofrimento, vivenciadas pelos seres humanos, principalmente pelos pobres. Essa teologia poderá aprofundar a concepção de Deus da Vida, de “Jesus Cristo Libertador” (SOBRIÑO, 1994), de Igreja dos Pobres (RICHARD, 1989) e continuar construindo uma espiritualidade libertadora (CODINA, 2016) em que o novum de Deus se faz presente mediante o caminho da história, na qual a imanência exprime a transcendência, que por sua vez honra a realidade através da imanência (SOBRIÑO, 1990, p. 452-458).
Ao objetivarmos apresentar a evocação do pensiero debole na teologia da libertação, recordamos os elementos fundamentais desse complexo teológico, buscamos decifrar o significado de pensiero debole, suas repercussões filosóficas e sua incidência na referida teologia, mediante alguns de seus temas. Assim sendo, ousou-se formular uma teologia da libertação debole, tomando a esteira epistemológica da recepção teológica que Johnn Caputo faz do pensiero debole de Gianni Vattimo.
A articulação entre teologia da libertação e pensiero debole não significa o reconhecimento de uma fraqueza, em stricto sensu, dessa teologia para tratar de seus temas ou questões, tampouco denota a impossibilidade de fazer teologia. Trata-se de apresentar a plausibilidade da apropriação do penssiero debole na teologia da libertação, à medida que o complexo teológico libertador se serve de uma ontologia hermenêutica fraca, Por meio dessa filosofia, a teologia da libertação aprofunda a sua epistemologia em que a pobreza – lugar social – está articulada com a fé cristã, retomando os temas já desenvolvidos que envolvem a “libertação integral” e incidindo em temas que são pós-modernos, pelos quais haverá a possibilidade de aprofundar a compaixão, a solidariedade e a misericórdia de Deus para com os seres humanos, a partir do locus dos pobres. Deste modo, a salvação cristã não estará isenta de historicidade e tampouco de contemporaneidade social, cultural e religiosa, mas estará integrada na história ou na realidade do homem.
Nessa articulação, os grandes conceitos da teologia que foram redimensionados na perspectiva libertadora, continuam tendo sua validade, mas a hermenêutica remete sempre às novas interpretações e às novas formulações linguísticas, para que o discurso teológico seja contundente, pertinente e relevante aos seres humanos. Assim sendo, a debilidade da teologia da libertação está em ser uma hermenêutica teológica de libertação integral, marcada pelo espírito da alteridade que aguça a sensibilidade pelos pobres e oprimidos, e também capacidade de possibilitar que a fé incida na história, produzindo formulações teológicas contemporâneas a esta época histórica, cultural, social e religiosa. Deste modo, o nome de Deus jamais será desvinculado do acontecimento que marca os seres humanos e sua presença será concebida teologicamente como a de um Deus que vem ao encontro dos seres humanos, a partir do locus dos pobres, apresentando-se como compassivo, solidário, misericordioso, verdadeiro “Deus da vida”.