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O mito indígena da Terra sem Mal a partir das Ciências Sociais e da Ciência da Religião
The indigenous myth of the Land without evil as a backdrop for the idea of an autonomised Science of Religion
O mito indígena da Terra sem Mal a partir das Ciências Sociais e da Ciência da Religião
Interações: Cultura e Comunidade, vol. 13, núm. 24, 2018
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Recepção: 30 Abril 2018
Aprovação: 10 Outubro 2018
Resumo: O objetivo deste trabalho é explorar a possibilidade de uma Ciência da Religião autonomizada, orientada pela seguinte questão: o que uma disciplina detentora de conceitos, metodologias e teorias que tenham origem em seu objeto, poderia significar para estudos que o abordam fora desse protagonismo epistemológico sugerido, como fazem algumas abordagens das Ciências Sociais e da Fenomenologia da Religião? Operacionalmente, utilizamos um exemplo e uma conjectura, ao trazer tanto os problemas de análise do mito da Terra sem mal com base no aparato teórico próprio das Ciências Sociais (o exemplo), quanto os desafios provenientes de categorias situadas dentro da Ciência da Religião, porém ainda em chave fenomenológica (a conjectura). A partir deste paralelo, trazemos a ideia de uma Ciência da Religião autônoma como possibilidade de solução em relação às limitações que uma e outra perspectiva enfrenta partindo apenas de seus pressupostos, ambas, porém, se dirigindo ao mesmo objeto de estudo: religião. Nas considerações finais, retomamos este percurso, ressaltando a necessidade de superação destes problemas sob a sugestão de uma síntese metodológica que esta Ciência da Religião poderia empreender.
Palavras-chave: Terra sem mal, Mito, Ciências Sociais, Ciência da Religião.
Abstract: The objective of this work is to explore the possibility of an autonomised Science of Religion, guided by the following question: what a discipline that holds concepts, methodologies and theories that originate in its object, could mean for studies that approach it outside this epistemological protagonism suggested, as do some approaches of the Social Sciences and the Phenomenology of the Religion? Operationally, we use an example and a conjecture, by bringing both the problems of analyzing the myth of the Earth without evil on the basis of the theoretical apparatus of the Social Sciences (the example), and the challenges arising from categories within the Science of Religion, still in phenomenological key (the conjecture). From this parallel, we bring the idea of an autonomous Science of Religion as a possibility of solution in relation to the limitations that one and another perspective faces only starting from its presuppositions, both, however, addressing the same object of study: religion. In the final considerations, we return to this path, emphasizing the need to overcome these problems under the suggestion of a methodological synthesis that this Science of Religion could undertake.
Keywords: Land without evil, Myth, Social Sciences, Science of Religion.
1 INTRODUÇÃO
A Ciência da Religião enquanto disciplina autônoma ainda enfrenta questões relacionadas ao seu estatuto epistémico-metodológico com o objetivo de se tornar independente, nesse sentido, das áreas do conhecimento que atualmente integram de forma interdisciplinar sua constituição, notadamente, as Ciências Sociais (história, sociologia, antropologia).[1] A Fenomenologia da Religião, considerada como uma primeira marca metodológica distintiva em relação a estas ciências, perdeu consideravelmente sua influência na década de 1970, em função das fortes críticas recebidas nesse período, que em grande parte colocava em xeque sua capacidade de responder cientificamente aos desafios que um estudo não confessional da religião exigia.[2] Alternativamente, hoje emprega-se uma visão integrativa do fenômeno religioso, a qual aparece como peculiaridade numa abordagem da Ciência da Religião (no caso desse entendimento, das Ciências da Religião[3]) diante do seu objeto de estudo (USARSKI, 2006; 2007; 2013), isto é, a partir de variadas abordagens do fato ou acontecimento religioso, sempre numa tentativa de articulação entre seus diversos saberes. No entanto, a polimetodologia defendida pelos autores Emerson Sena da Silveira e Manoel Ribeiro de Moraes Junior (2017 p. 100;134), parece justificar, apenas provisoriamente, e perante uma desconfiada comunidade acadêmica (CAMURÇA, 2008)[4], a existência da Ciência da Religião, a qual segue sem uma efetiva autonomia teórico-metodológica (DREHER, 2008, p. 167).
Numa obra em que discute de forma bastante reveladora as tensões entre estas disciplinas ao lidar com o fato religioso, o professor Marcelo Camurça, da UFJF, em seu livro Ciências Sociais e Ciências da Religião, de 2008, em tom questionador, chama esta tentativa de articulação de vaga interdisciplinaridade, ao mesmo tempo em que faz uma recorrente pergunta da área: que inspiração nos une para além disso? O livro, dentre outros aspectos, debate de maneira esclarecedora o perfil teórico metodológico que “deve definir esta área acadêmica em processo de consolidação: campo de estudos (inter)disciplinar ou disciplina unitária?”, ciência ou ciências? E mais: a religião deve ser entendida como um fenômeno de ‘originalidade irredutível’ ou apenas derivação de instâncias da realidade, como a sociedade, a psique, a cultura? Tais questões continuam perseguindo esta área, aguardando formulações teóricas que deem conta desses desafios.
Dentro desse contexto, uma séria dificuldade ainda resta indefinida para uma disciplina que pretende ser ciência: o conceito do que vem a ser religião, uma vez que até agora não foram alcançadas condições satisfatórias para afirmar o que de fato distingue uma Ciência da Religião das outras ciências em relação a este objeto de estudo. A pergunta óbvia que continua sem uma resposta válida e suficiente é: o que é religião?[5] Assim, é possível que ao tratar de religião, um trabalho acadêmico esteja na verdade trazendo apenas uma abordagem de caráter eminentemente antropológico ou sociológico sobre religião, com os respectivos aparatos teóricos, e não a partir de uma Ciência da Religião como disciplina autônoma, com objeto, método e teoria próprios. Dizer que religião é um campo de estudo, por exemplo, talvez signifique definir religião a partir da sociologia ou da antropologia, seja como fato social ou como produto cultural. Exemplifica essa noção a conhecida definição do antropólogo Clifford Geertz em sua obra clássica A interpretação das culturas, de 1989 (1966).[6]
A Ciência da Religião, seguramente, vive ainda este momento de transição rumo a uma consolidação, seja pela via de um campo de estudo (Ciências da Religião); seja como disciplina autônoma (Ciência da Religião), como indica a obra citada de Marcelo Camurça (2008), além dos trabalhos de Frank Usarski (2006; 2007) e do próprio Compêndio de Ciência da Religião (2013). Porém, não é de hoje que o tema está em pauta no cenário nacional. A discussão de questões metateóricas no Brasil sobre o estatuto epistemológico da Ciência da Religião, em coletâneas de texto, livros nacionais ou traduções começa a ganhar corpo a partir do final da década de 1990 em diante, a exemplo da obra de Giovanni Filoramo e Carlo Prandi, As Ciências das Religiões, 1999 (tradução da edição italiana Le scienze delle religioni, 1987), ao lado de duas importantes coletâneas nacionais, A(s) Ciência(s) da Religião no Brasil, afirmação de uma área acadêmica, 2001, organizada pelo teólogo Faustino Teixeira[7], e A essência manifesta, a fenomenologia nos estudos interdisciplinares da religião, 2003, organizada pelo professor Luís H. Dreher[8], que além das questões sobre a autonomia e consolidação da disciplina no cenário nacional, traziam textos que abordam diretamente parte da temática aqui em foco. Um dos tópicos mais sensível e quase obrigatório nestes exemplos e em outros trabalhos envolvendo essa discussão, sem dúvida, está relacionado à autonomia do objeto religião.[9]
Isto quer dizer que, alcançado e delineado seu estatuto e horizonte teórico na direção da autonomia (Ciência da Religião), muito daquilo que era tido e havido como Ciência da Religião deverá entrar em processo de revisão, abrindo com isso uma importante via por onde passarão novos estudos, a partir de uma compreensão própria do objeto religião que esta ciência fornecerá. Nesse sentido, talvez um bom candidato para esse tipo de revisão seja o mito indígena da Terra sem mal, muito estudado pelo viés histórico-etnológico, sociológico e antropológico, em que religião aparece como um dado cultural entre outros e não como um fenômeno próprio, ainda que dessa mesma cultura. Esta peculiaridade é fundamental e tem a ver com o que se entende por religião, uma vez que as Ciências Sociais acima citadas associam religião a uma construção eminentemente humana, desprezando metodologicamente a dimensão para além da razão antropológica que, igualmente, deveria aparecer nessa construção, como defendem os estudiosos da linha fenomenológica da religião, embora nesse caso, em situação inversa, ao minimizar o determinismo histórico nessa equação ou deslocando o eixo da pesquisa sobre as religiões do puramente factual para a experiência religiosa.[10]
Uma conferência lida em 1991 e publicada em 1994, do antropólogo e professor José Jorge de Carvalho, já tocava nessa delicada questão.[11] Na ocasião, o antropólogo julgava extremamente necessário que até mesmo as abordagens relativistas da religião começassem a levar em conta essa dimensão da vida religiosa [experiência mística], a qual tocaria “o reduto possivelmente mais crucial do ser humano, tal como fomos capazes de formulá-lo até agora”. Em conclusão, o autor defende a possibilidade de se atingir “uma consciência cósmica, ou superconsicência, que transcenda definitivamente as limitações da consciência racional (esta, inevitavelmente discriminativa e fragmentadora)”, capaz de alcançar uma compreensão acabada “da unidade que subjaz ao Todo”. De tal modo que, na ausência desse postulado, “os estudos de religião pouco se distinguiriam dos estudos de filosofia, arte ou política (CARVALHO, 1994, p. 67-73).
De tal forma que, estudar um mito religioso levando em conta apenas uma ou outra abordagem, poderá significar estudá-lo parcialmente. Isto porque embora o mito nasça como uma reposta humana, ele não se esgota nesse plano, uma vez que a própria necessidade de sua proposição coloca nessa equação um elemento para além do humano, não importando tanto o que isso possa significar, nesse sentido, e mais o que possa vir a escapar numa compreensão apenas horizontal da questão. À Ciência da Religião autonomizada caberia elucidar dentro de parâmetros próprios de uma ciência, a outra parte dessa misteriosa equação conhecida como religião, evitada por ramos das Ciências Sociais que declaram honestamente com essa exclusão não ser de sua competência tratar de uma outra ordem de coisas; para além do factual. Por outro lado, a esta mesma Ciência da Religião, vedar-se-ia o uso de categorias criptoteológicas embarcadas na Fenomenologia da Religião como resposta válida, uma vez que isso excederia seu escopo científico. Que a religião é um “empreendimento humano” como nos diz Peter Berger (1985, p. 41) é um fato muito bem atestado pelo conjunto das Ciências Sociais, mas que ela não se esgota apenas nisso (dado a natureza desse objeto[12]), é uma proposição que a Ciência da Religião, uma vez singularizada epistemologicamente, terá que explicitar em suas formulações teórico-metodológicas, sem ultrapassar a cientificidade requerida nesse processo, e exatamente por isso, devendo agir com “‘instrumentos científicos’, renunciando a qualquer discurso religionista [...] que possa servir de sustentação para a validade da experiência religiosa” (TERRIN, 1998, p. 18, apud USARSKI, 2004, p. 81)[13]. Este tem sido o grande desafio que, reiteradamente, vem se colocando para uma disciplina que se pretende científica.[14]
A ideia deste trabalho é explorar a possibilidade de uma Ciência da Religião autonomizada como uma resposta a este desafio que se impõe ao objeto religião, a partir de um exemplo e de uma conjectura, ao trazer tanto os problemas de abordagem do mito da Terra sem mal (o exemplo), com base apenas no aparato teórico das Ciências Sociais, que veem religião como um campo de estudo, afeito a determinadas e determinantes abordagens teórico-metodológicas, quanto as dificuldades provenientes de categorias situadas dentro da Ciência da Religião como disciplina autônoma, porém ainda em chave fenomenológica (a conjectura), que sobretudo em sua forma clássica, tende a ver religião como portadora de uma substância sui generis (SÖDERBLOM, 1913; OTTO, 1917; VAN DER LEEUW, 1933; ELIADE, 1957). No primeiro caso, acompanhamos exemplos concretos de análises desse mito no campo das Ciências Sociais; no segundo caso, selecionamos algumas categorias dentro da Ciência da Religião, em chave fenomenológica, que incidem diretamente sobre o mito de uma forma geral, podendo ser aplicadas de maneira específica ao mito da Terra sem mal, mas que aqui servem apenas à nossa conjectura e não a uma análise propriamente dita. Assim, a pergunta que nos norteia é: o que uma Ciência da Religião autonomizada, isto é, detentora de conceitos, metodologias e teorias que tenham origem em seu objeto, poderia significar para estudos que o abordam fora desse protagonismo epistemológico sugerido, como fazem algumas abordagens das Ciências Sociais e da Fenomenologia da Religião?
A despeito de que a Ciência da Religião ainda esteja em processo de consolidação, entendemos que, uma vez reorientada na direção da autonomia e não como “campo de estudo”, será uma questão de tempo até começarem surgir os primeiros trabalhos a partir dessa Ciência da Religião “independente”, embora sempre reconhecendo a necessidade de se manter um constante diálogo com disciplinas afins, porém não mais sendo determinada por elas, sob diversos aspectos. A razão da escolha deste trabalho por uma Ciência da Religião em chave fenomenológica se dá exclusivamente por ela prover um método reconhecidamente diferente daqueles provenientes das Ciências Sociais, que exercem predomínio tanto por meio de categorias analíticas como de teorias para a Ciência da Religião. De modo que, parafraseando a conhecida provocação do professor Otávio Velho, não seria tanto “o que a [Ciência da] Religião pode fazer pelas Ciências Sociais” (VELHO, 2001) e mais o que seria capaz de fazer sem elas, isto é, sem aqueles elementos tomados por empréstimo e adaptados no tocante à sua epistemologia, metodologia, conceitos e teorias. Daí a importância de se pensar esta Ciência a partir de seu objeto, uma vez alcançada sua definição de forma válida e suficiente, muito embora não seja este o objetivo deste artigo.
Fica claro também que não está em causa aqui as deficiências ou insuficiências dessa Ciência da Religião em chave fenomenológica para o estado atual da questão, como defende, por exemplo, o italiano Nicola Gasbarro (2013), um dos representantes da Escola Italiana de História das Religiões. O que este artigo pretende explorar é a possibilidade que uma Ciência da Religião autonomizada de fato, poderia ser o caminho para resolver as questões centrais acerca deste exigente objeto, ou o nó epistemológico de que nos fala Filoramo; Prandi em seu trabalho de 2010 [1987]. Mas para isso, seria preciso avançar e prover por conta própria suas categorias analíticas com base em seu objeto de estudo, renunciando tanto a um historicismo radical, que aprisiona a religião ao factual, quanto a uma fenomenologia criptoteológica, que a liberta sem limites, para fazer sua síntese metodológica a partir daquilo que estas duas correntes têm a oferecer de melhor, somado ao que a própria Ciência da Religião pode ser capaz de estabelecer nesse sentido. Algo semelhante à via média proposta em 1959 pelo fundador da escola italiana de História das Religiões, Raffaele Pettazzoni, com o seu método comparativo. Embora ali ele apenas tenha apontado um caminho, não seguido por seus discípulos (FILORAMO; PRANDI, 2010, p. 71). No momento em que a discussão sobre o estatuto epistemológico da Ciência da Religião continua premente, torna-se imprescindível trazer esse conjunto de questões para uma disciplina que busca consolidar-se como ciência.
Do ponto de vista operacional, primeiramente, utilizamos um trabalho da historiadora Cristina Pompa para fazer o resgate dos relatos iniciais sobre o mito da Terra sem mal, sintetizados pela autora em um artigo de 1998, onde recupera a literatura clássica sobre o tema, ampliando-a criticamente até o final dessa década. Isto quer dizer que nos limitaremos a este texto como exemplo concreto de análises desse mito no âmbito das Ciências Sociais. Em seguida, recorremos a alguns conceitos-chave da Fenomenologia da Religião, a partir de Mircea Eliade (1992; 2002), que serão colocados em paralelo em relação ao mito de uma forma geral, servindo-nos de contexto a partir do qual exploramos no horizonte de uma Ciência autônoma, a possibilidade de solução em relação às limitações que uma e outra perspectiva produz partindo apenas de seus pressupostos, ambas, porém, se dirigindo ao mesmo objeto de estudo: religião. Nas considerações finais, retomamos este percurso, ressaltando a necessidade de superação destes problemas sob a sugestão de uma síntese metodológica que esta Ciência da Religião deveria empreender. E nesse caso, tanto sem as amarras do historicismo radical, quanto sem as “asas” fenomenológicas.
2 A LITERATURA CLÁSSICA ACERCA DO MITO DA TERRA SEM MAL E A CRÍTICA DAS PESQUISAS HISTÓRICAS
De forma muito resumida, a “Terra sem mal” pode ser descrita como um lugar onde todas as limitações e insatisfações do etos indígena estejam ausentes.[15] Na versão restaurada por Alberto Mussa a partir das fontes dos primeiros cronistas, em sua obra Meu destino é ser onça, publicada em 2009, a Terra sem mal aparece como um lugar onde as coisas se faziam por si só. Contudo, os habitantes dessa terra foram se distanciando cada vez mais desse local, esquecendo por fim, o caminho de volta. E longe desse lugar, a vida era difícil:
Os filhos do Pajé do Mel com a primeira mulher foram se multiplicando [após um dilúvio]. E, à medida que se multiplicavam, iam se espalhando pelas regiões incineradas, abandonando a terra onde o Pajé do Mel tinha sido posto a salvo do fogo e onde ainda vivia. Esse lugar – a terra sem mal – ainda conservava as virtudes dadas pelo Velho: os alimentos brotavam espontaneamente, flechas e paus de cavar trabalhavam sozinhas, não havia morte. No entanto, os filhos do Pajé do Mel se afastaram tanto da terra sem mal que acabaram esquecendo completamente o caminho que levava a ela. (...). Longe da terra sem mal, a vida era ruim. (...). Como animais, ignoravam como fazer as coisas úteis que, na terra sem mal, se faziam por si mesmas: arcos, flechas, ocas, redes, cuias, cocares (MUSSA, 2009, p. 35).
Deste mito indígena muito se tem debatido e afirmado a partir dos relatos dos primeiros cronistas como o frade francês André Thevet, em 1555, com sua Cosmografia universal, passando pelas cartas de Manoel da Nóbrega (1549), Jean de Léry, Viagem à terra do Brasil, 1580; Pero de Magalhães Gandavo, História da província de Santa Cruz, 1576; José de Anchieta, Informação do Brasil e de suas capitanias, 1584; até os trabalhos pioneiros, já no século passado de Curt Nimuendajú, As lendas da criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos apapocuva-guarani, 1914; Alfred Métraux, A religião dos tupinambás, 1928), Florestan Fernandes, Organização social dos tupinambá, 1949; e de estudos posteriores, especialmente na década de 1960, como Vittorio Lanternari, As religiões dos oprimidos, 1974 [1960]; Egon Schaden, Aculturação Indígena, 1964, Maria Isaura Pereira de Queiroz, O messianismo no Brasil e no mundo, 1965, e Hélène Clastres, Terra sem mal, 1978.
Dentro de uma interpretação que procura resgatar aspectos históricos fundamentais, destacam-se os trabalhos de Eduardo Viveiros de Castro, “O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem”, 1992, Gilberto Mazzoleni, Maghi e Messia dei Brasile, 1993; Eduardo Ronaldo Vainfas, A heresia dos Índios: catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial, 1995 e Cristina Pompa, “O mito ‘mito da terra sem mal’: a literatura ‘clássica’ sobre o profetismo tupi-guarani”, 1998[16]. Este último, um trabalho bastante esclarecedor, onde se faz uma revisão da literatura a partir de uma perspectiva crítica em relação aos pioneiros, mas também das expectativas no tocante à superação de erros metodológicos e interpretativos apontados nesse texto. Iremos, portanto, partir deste trabalho para resgatar os principais lances da discussão pioneira acerca do mito da Terra sem mal. Embora esta opção metodológica restrinja o escopo da análise a do artigo selecionado, por outro lado, oferece qualidade sintética acerca de um assunto bastante amplo, sem o devido espaço para aprofundamentos aqui, além daqueles que esse trabalho de 1998 já nos traz, sobretudo ao prover uma análise crítica acerca dos textos fundadores dessa literatura no Brasil, o que para os objetivos de nosso artigo já é suficiente.
De uma forma geral, conforme Cristina Pompa (1998, p. 44-72), o “pecado original” ao tratar desse mito foi metodológico, e ele se deu a partir do etnólogo Curt Nimuendajú (1987 [1914]), seguido pelo antropólogo Alfred Métraux (1979 [1928]), no início do século XX. Segundo a autora, ambos em seus trabalhos, tomaram o mito conhecido modernamente através dos Guarani Apapocuva como idêntico ao que havia sido relatado pelos cronistas coloniais dos séculos XVI e XVII, em relação aos Tupi-Guarani, sem a necessária consideração acerca das variáveis históricas a que o mito teria sido submetido ao longo de quase cinco séculos. Estes autores e os que se seguiram tematizando este mito passaram a interpretar as migrações indígenas testemunhadas pelos cronistas portugueses e espanhóis como um fenômeno exclusivamente religioso diretamente relacionado ao mito da Terra sem mal. [17]
Dessa forma, a explicação não estaria tanto no processo de colonização e suas implicações. A razão seria de fato, para estes autores, eminentemente religiosa. O erro, aponta o texto de Pompa, foi desprezar a historicidade das migrações e interpretar tudo por um único viés: o religioso. Havia ainda nessa direção a pressuposição do mito preexistir à era dos conquistadores, ao invés de, pelo menos em parte, ter sido precipitado exatamente por esse processo, numa releitura circunstancial do mito indígena para fins pragmáticos: sobrevivência e resistência ou qualquer outra alegação ideológica dos estudiosos. Podemos acompanhar essa dicotomia de abordagens em relação ao mito no relato a seguir sobre o percurso que a autora faz em seu artigo
São discutidas as duas tendências fundamentais que, a partir dos estudos pioneiros de Nimuendajú e Métraux, de um lado, Florestan Fernandes de outro, foram acompanhando os “movimentos messiânicos” tupinambá. A primeira, mais aceita pelos estudiosos, pressupõe a existência de um “misticismo” endógeno tupi-guarani, que nada deve ao contato intercultural; a segunda prefere uma definição do “profetismo” tupinambá em termos de reação à situação de contato. Veremos que tanto uma quanto outra dependem menos de evidências documentais do que de posições teórico-metodológicas características de específicas correntes e escolas antropológicas (POMPA, 1998, p. 45. Grifo nosso).
Logo se vê que a crítica fundamental aos autores clássicos sobre este tema tem a ver com uma abordagem metodológica que peca primeiro por não considerar o contexto histórico em que o mito, segundo a autora, vinha sendo atualizado, e depois por vincular tal abordagem a compromissos teóricos e instrumentais no uso direcionado das fontes antigas. Ao citar os trabalhos de Florestan Fernandes (Organização social dos tupinambá, 1949; A função social da guerra na sociedade tupinambá, 1952), outro clássico dessa literatura, observamos ao mesmo tempo a constatação e recusa em aceitar um sistema religioso determinando a história desses povos:
Com efeito, a conclusão dos dois trabalhos é que tanto a organização social (fundada no sistema de parentesco), quanto a organização “ecológica” (definida pela exploração, distribuição e consumo dos recursos naturais), quanto o conjunto “guerra-captura-antropofagia” estavam determinadas pelo sistema religioso, eram - de fato - instrumentum religionis. É a religião, afinal, o lugar do “ser” tupinambá, sendo os demais domínios do social apenas meios de expressão dela (POMPA, 1998, p. 48-49. Grifo da autora).
Outro estudioso resgatado por Cristina Pompa é o antropólogo brasileiro, de ascendência alemã Egon Schaden. Para ela, seus trabalhos sobre o tema em questão “inserem-se na problemática relativa à ‘aculturação’ e à ‘mudança cultural’, característica da investigação etnológica brasileira nas décadas de 50 e 60”. Nesse sentido, foi uma rica sugestão não seguida por outros. Isto porque suas ideias proporcionavam maior atenção aos processos históricos de transformação cultural, “e às especificidades das diferentes conjunturas vividas pelos grupos indígenas em contato colonial”. Schaden foi o primeiro a apontar elementos históricos específicos em torno do que se convencionou chamar de messianismo: “Mas a pesquisa antropológica sobre os ‘movimentos tupi-guarani’ não parece ter prestado muita atenção, a não ser nos últimos anos, a essa sugestão (POMPA, 1998, p. 50-51).
Algo que faltou, por exemplo, à socióloga brasileira Maria Isaura Pereira de Queiroz, cujos trabalhos sobre o mito da Terra sem mal padeceriam, segundo Pompa, dos mesmos defeitos metodológicos dos primeiros autores, acrescidos de alguns agravantes como a preocupação em estabelecer categorias totalizantes que permitissem definir uma “sociologia do messianismo” global. Um “tipo ideal” weberiano, “abstraído de qualquer contexto histórico e lançado no universo abstrato do presente sociológico”, em que o mito da Terra sem mal “funcionava tal e qual, sem mudanças nem inovações”. A autora arremata sua crítica em torno do tratamento que é dado às fontes históricas, afirmando que em Pereira de Queiroz “a mistura das fontes, funcional para um projeto explicativo globalizante, chega aqui às suas últimas consequências: as finalidades teóricas acabam determinando o tratamento das informações”. Além disso, a identificação de diferenças históricas no percurso entre o mito ontem e hoje na obra de Pereira de Queiroz, não remetem a concretas situações culturais, mas ao contrário, constrói a partir dessa concretude os tipos ideias abstratos: “As especificidades históricas e culturais desaparecem, engolidas pelas ‘categorias’, que ignoram a dimensão temporal” (POMPA, 1998, p. 52-53).[18]
Neste ponto de seu trabalho, a autora apresenta um conjunto de considerações sobre o material que vem analisando e explicita sua tese central. Segundo ela, persiste nessas obras um equívoco nas interpretações das migrações tupi e guarani, “a respeito de sua suposta independência ou, ao contrário, dependência do contato com a civilização ocidental”, uma vez que:
Nunca está claro, nos autores, quando o branco é considerado motivo da eclosão do messianismo e quando é visto em termos de aporte cultural ao messianismo, ou seja, de sincretismo. Com efeito, uma coisa é dizer que a mitologia apocalíptica, ou a relação entre grande xamã e herói mítico, ou a crença na existência de uma terra da imortalidade preexistem à chegada dos europeus e constituem elementos distintivos das culturas tupinambá e guarani. Outra coisa é dizer que também a migração em busca desta famosa Terra, sob o signo do sagrado e do mítico, nada deve ao contato e é preexistente a este (POMPA, 1998, p. 53).
Esta ambiguidade nas formulações dos autores revisados por Pompa, ou falta de clareza, segundo a autora, vem da dificuldade em compreender culturas nativas como algo em processo, submetidas a contingências históricas que teriam força suficientes para alterarem os sistemas simbólicos. Por isso, a superação de uma tal contradição seria para esses autores afirmar que o messianismo, na forma específica das migrações, “é uma solução nativa a problemas nativos”. Assim, os europeus seriam uma questão “acidental”, resolvida de uma forma tradicional.
Ao tratar da obra do italiano Vittorio Lanternari, situado no início dos anos 1960, Cristina Pompa apresenta seu texto dentro de um engajamento político e cultural frente ao período de “descolonização”, momento em que se passava a reconhecer a riqueza e autonomia dos povos colonizados. Por isso, para o etnólogo, os movimentos religiosos de libertação não poderiam prescindir de um contexto histórico peculiar no que diz respeito à compreensão de sua origem e desenvolvimento. Infelizmente, lamenta Pompa, apesar de promissora, esta hipótese defendida por Lanternari, dentro de uma teoria histórico-religiosa alinhada com a tese acima apresentada, não se concretizou em sua obra na análise dos movimentos tupi-guarani, uma vez que ele “acolhe, poder-se-ia dizer, ‘acriticamente’, as ideias de Nimuendajú e Métraux”, sobre a preexistência dos profetismos tupi-guarani ao contato cultural com os brancos, transformando-as em “dado” objetivo.
A explicação para essa aparente contradição é conjecturada a partir das preocupações em torno de uma análise politicamente engajada, que restituísse aos povos colonizados certa condição de protagonismo, pois, com efeito, a concessão aos povos indígenas “de um conjunto messiânico ‘original’ seria instrumental à recuperação da dignidade e da criatividade cultural”, que se colocaria contra “uma interpretação ‘reacionária’ que via neles apenas objetos de uma história alheia”. Por isso, seguindo o caminho da originalidade, estariam implícitos, por um lado, a crítica ao ocidente apontada acima e, por outro, “o pressuposto de que um instituto tão fundamental e complexo quanto o profetismo não é prerrogativa exclusiva de um único horizonte cultural, considerado como ‘hegemônico’” (POMPA, 1998, p. 56).
Em relação à mais importante obra de Hélène Clastres, Terra sem mal, de 1978, a crítica é muito parecida com a anterior. Tem-se uma identificação clara do imperativo histórico por parte de Clastres, porém por motivos ideológicos, desvia-se dessa direção, inviabilizando o acertado percurso metodológico apontado no início da obra, logo na introdução. Por isso, afirma Pompa:
A partir dessa crítica histórica, esperaríamos uma análise atenta das fontes e uma recontextualização pontual dos conjuntos mítico-rituais: pelo menos uma distinção entre cultura e história dos Guarani do século XVI, dos Tupinambá do século XVI e XVII, dos Guarani do século XIX e XX. Mas não é esta a intenção da autora que, de fato, aos a priori que ela imputa a Métraux ou a Schaden, substitui seus próprios (os mesmos de Pierre Clastres e de uma “antropologia política” com vocação anarco-libertária), que acabam por invalidar suas intuições brilhantes (POMPA, 1998, p. 57. Grifo da autora).
Portanto, na visão de Cristina Pompa, a principal oposição que se faz contra essa literatura clássica sobre o tema da Terra sem mal é por apontarem as migrações indígenas como resultado de um determinismo religioso unívoco entre os mais diversos povos e nações autóctones do novo mundo. O trabalho de Pompa é uma crítica a esse tipo de interpretação, que no caso de Clastres, opera com base na lógica de uma antropologia política “que procura no ‘poder’ a razão primeira e última dos fenômenos culturais”. De modo que, esse tipo de análise, segundo Pompa, deve necessariamente, “utilizar-se de dicotomias irredutíveis, que remetem a realidades ‘objetivamente’ opostas: uma exclusivamente religiosa e profética (a busca da Terra sem mal), outra unicamente política (a resistência aos espanhóis ou aos portugueses). Por outro lado, se houver uma mudança na perspectiva e, ao invés de categorias lógicas em oposição, identificarmos dinâmicas históricas concretas, admitindo a capacidade nativa de se inserir estrategicamente nessas dinâmicas, será possível observar uma profundidade e um sentido diferentes (POMPA, 1998, p. 62). Contudo, sempre se poderá perguntar a respeito dessa “capacidade nativa”: a partir de que horizonte epistemológico?
Nos anos 1980, teve início uma a nova literatura de corte historiográfico, que assumia esse paradigma como base para sua produção, voltada para a reconstituição dos processos vivenciados pelos diferentes grupos tupi e guarani. O primeiro representante dessa nova safra resgatados mais uma vez pelo artigo a que temos recorrido neste trabalho, é o padre jesuíta Bartomeu Meliá, cujo ensaio de 1981, El guaraní conquistado e reducido (reeditado em 1988) se fundamenta na análise atenta da documentação produzida pelos primeiros cronistas. A ideia é que entre os guaranis “históricos” e os atuais ocorreu um longo processo de mudança cultural, caracterizada pela colonização e pregação jesuítica (POMPA, 1998, p. 62). Outra contribuição deste autor foi sua análise filológica da expressão em língua nativa “Yvy marane’y”. Baseado nas fontes antigas[19], Meliá faz distinção entre a tradução de “um solo virgem ou terra não cultivada”, indicando uma acepção ecológica e econômica, e a ideia religiosa e mística de “uma terra sem mal”, usada pelos indígenas atuais, como podemos acompanhar em sua análise no trecho abaixo:
En el Tesoro de Montoya la expresión yvy marane’y aparece traducido como “suelo intacto, que no ha sido edificado”; y ka’a marane’y, como “monte donde no han sacado palos, ni se ha traqueado”. Estas acepciones indican un uso ecológico y económico, que dista bastante del significado religioso y místico de “tierra sin mal” con que reaparece la expresión yvy maraney entre los Guaraní actuales. El tema de la “tierra sin mal” es demasiado complejo para que pueda ser tratado brevemente. Se sugiere, sin embargo, la hipótesis de que, si yvy marane’Y en la acepción más antigua registrada documentalmente es simplemente un suelo virgen, su búsqueda económica puede haber sido el motivo principal de muchos desplazamientos de los Guaraní. La historia semántica de yvy marane’y, de suelo virgen hasta “tierra sin mal”, probablemente no está desligada de la historia colonial que los Guaraní han tenido que soportar. En la búsqueda de un suelo donde poder vivir su modo de ser auténtico, los Guaraní pueden haber hecho cristalizar tanto sus antiguas aspiraciones religiosas como la conciencia de los nuevos conflictos historicos. Yvy maraney se convertía en “tierra sin mal”, tierra física, como en su acepción antigua, y a la vez tierra mística, después de tanta migración frustrada (MELIÁ, 1997, p. 107-108. Grifo nosso).
Assim, segundo a interpretação de Pompa, a partir da hipótese de Meliá sobre um tema demasiadamente complexo, a sugestão ecológica e econômica dos termos aparece em função de um processo de transformação histórica que determinou inclusive a mudança semântica na linguagem nativa: de ecológica à mística. De modo que, fica pressuposto nesse trabalho de Meliá, segundo nossa autora, que os indígenas teriam “repensado seus sistemas de significação”. Mais ainda: transformado seu universo cultural a partir do encontro entre esses povos e o Ocidente colonizador e evangelizador (POMPA, 1998, p. 63). Ademais, Meliá também descobre “que o ‘modo de ser’ guarani (o teko, testemunhado seja pela documentação antiga, seja na etnografia atual)”, reconstituído historicamente, a partir da análise e da comparação rigorosa das fontes, “remete a duas categorias fundamentais: a espacialidade e a tradição”. Portanto, “é no interior dessas categorias que se pode ler significativamente o instituto cultural da ‘migração’, ao longo da ‘aventura semântica’ mencionada” (POMPA, 1998, p. 64). Vale ressaltar que a referida análise e a comparação rigorosa das fontes, nesse caso, está circunscrita àquela hipótese filológica. E nessa direção, a Terra sem mal é fruto de uma determinada geografia e de processos culturais no tempo. Desta forma,
A partir da obra do padre jesuíta, entre as preocupações dos pesquisadores não se encontra mais a de provar ou desmentir a suposta anterioridade do messianismo à chegada dos europeus. O que interessa, agora, é determinar as modalidades históricas com que os grupos tupi e guarani elaboraram maneiras específicas de construir sentido, no interior de processos diferenciados (POMPA, 1998, p. 64. Grifo nosso).
Neste ponto, cabe uma observação em relação à importância de alguns aportes teóricos sobre o caráter dialético entre religião e espaço, uma vez que o mito da Terra sem mal se assenta em grande parte, como se vê, nessa relação. A leitura que faz a hipótese do ambiente definindo a religião está bastante associada a teoria do geodeterminismo ou da dependência do ambiente que, segundo Frank Usarski[20], foi desafiada na pesquisa geográfica contemporânea por uma abordagem alternativa, ou a teoria da modulação do ambiente: “efeitos de religiões sobre os territórios em que estão localizados” (2007, p. 180) Citando um dos autores paradigmáticos nessa área, Paul Fickeler (1947), Usarski justifica a rejeição à ideia de uma causalidade geográfica, uma vez que provoca, na maior parte dos casos, “interpretações simples demais, pobres, distorcidas ou, até mesmo, erradas, na medida em que existem condições e causas complementares diferentes, isto é, não-geográficas”, embora não negando que de fato, haja influência nesse sentido (2007, p. 185). Porém, a despeito disso, o que se procura evitar em estudos nessa direção é um reducionismo geodeterminista em análises do fenômeno religioso. Para Usarski, apoiando-se em outro nome importante dessa área, o polonês Karl Hoheisel (1988), isso significa que religiões
apropriam-se de maneira abundante de elementos fornecidos pelos espaços geográficos em que elas surgem. (...). Sempre, porém, esses elementos são sacralizados, ritualizados ou incorporados ao universo simbólico de uma religião de maneira seletiva. (...), uma vez que um ambiente geográfico fornece apenas condições básicas que não determinam as decisões e ações humanas a partir de sua mera existência física, mas conforme elas são interpretadas (HOHEISEL, 1988, p. 121-122, apud USARSKI, 2007, p. 186).
Voltando ao nosso percurso original, a própria autora Cristina Pompa se insere nesse processo de releitura dentro do condicionamento histórico, com seu trabalho de 1981, “Il mito della Terra senza Male: aspetti del profetismo tupi-guaraní”, que segunda ela mesma, tentou “devolver aos diferentes grupos e às diferentes épocas os elementos culturais que, desde Métraux, foram confundidos em um único conjunto (POMPA, 1998, p. 64). Assim, o trabalho identifica os diversos caminhos culturais por onde se construiu a história dos Tupinambás e dos Guaranis:
Esses percursos vão das “migrações místicas”, aos ataques armados contra as fazendas, à constituição de religiões “sincréticas”, à absorção “para si” dos elementos da evangelização, até a “tanatomania”. A originalidade das culturas tupi e guarani, longe de residir numa ideologia profética que mantém cristalizado um conjunto de significantes ao longo dos séculos, consiste, ao contrário, em atribuir a estes significantes novos significados, frente à exigência de construir e reconstruir incessantemente seu ser cultural (POMPA, 1998, 65).
De acordo com a autora, seguindo a trilha aberta por essa perspectiva histórica, o italiano Gilberto Mazzoleni em texto de 1993 (Maghi e Messia dei Brasile) sobre os messias do Brasil, questiona no interior de uma visão historicista a compreensão do “profetismo tupi-guarani” a partir de concepções ideológicas diversas. Além disso, expõe uma contradição na aplicação de “categorias formadas no decorrer da história do Ocidente (como a de ‘profecia’, ou de ‘messias’), na leitura de fatos culturais alheios”, a exemplo dos tupi-guarani, ao mesmo tempo em que definia “estes mesmos fatos como algo intrinsicamente ‘nativo’” (POMPA, 1998, p. 65). Assim, segundo a autora, esta obra de Mazzoleni defende uma proposta “totalmente nova para os movimentos tupinambá: a da ‘releitura’, a partir da cosmogonia nativa, dos conteúdos proféticos da pregação cristã”:
Os primeiros (incertos e fragmentários) testemunhos destas pregações nos dizem como - no desenvolvimento do impacto colonizador - determinou-se primeiramente uma reação indígena inspirada pelas instituições xamanísticas e pelos instrumentos mítico-rituais tradicionais, em seguida, com a absorção progressiva (e original) do novo horizonte judaico-cristão, determinou-se o aparecimento de novos chefes carismáticos, que se referiam explicitamente ao parâmetro messiânico clássico (MAZZOLENI, 1993, p. 21, Apud POMPA, 1998, p. 65).
Dois outros autores são apresentados como portadores do paradigma histórico, no estudo que temos usado como fonte para essa discussão das Ciências Sociais em torno da Terra sem mal, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem, 1992) e o historiador Ronaldo Vainfas (A heresia dos Índios: catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial, 1995). No primeiro caso, as fontes históricas são revistas para recompor um quadro específico, isto é, a oposição entre um ser indígena e um ser europeu, em que cada um deles interpretava a alteridade nos termos de seus respectivos patrimônios culturais. Assim, “enquanto para os evangelizadores os Tupinambá são ‘homens de cera, prontos para receber uma forma (...), vácuo religioso clamando por ser preenchido’, nos Tupinambá aparece o ‘desejo de ser outro, mas segundo os próprios termos’” (VIVEIROS DE CASTRO, 1992, p 26-27, apud POMPA, 1998, p. 66).
Disso também, resultaria o encontro entre mensagem apocalíptica cristã e os temas nativos de fim de mundo. Porém, ressalta a autora, não se tratando somente de uma convergência escatológica, como queria Hélène Clastres; e sim de algo mais profundo, “que remete, mais uma vez, à história e às experiências”. Por isso, para a nossa autora, citando Viveiros de Castro, a razão para a “receptividade (inconstante...) ao discurso europeu” não deve ser procurada apenas ou principalmente no plano dos conteúdos ideológicos, “mas naquele das formas de relação com a cultura e a tradição, de um lado, e naquele das estruturas sociais e cosmológicas globais, de outro” (POMPA, 1998, p. 66).
No segundo caso, o olhar histórico de Ronaldo Vainfas analisa de forma crítica as interpretações dos autores clássicos que codificaram um caráter puramente indígena do messianismo tupi, prescindindo do contato colonial, ao inserir o movimento da ‘Santidade’ nesse esquema. Contudo, esse fenômeno religioso é recolocado em sua moldura histórica e cultural, isto é, dentro de seu contexto colonial. E nessa condição, “o movimento não levou a migrações ‘místicas’, mas elaborou uma nova religião, com conteúdo fortemente anticristão, mas com símbolos às vezes cristãos, cujos adeptos não foram apenas índios, e sim mamelucos, colonos, escravos”. Tratava-se, portanto, de uma “formação híbrida”, tendo em vista que os colonos também inscreveram elementos do catolicismo para as crenças nativas (POMPA, 1998, p. 67).
Ao finalizar seu artigo, a autora reitera a tese de que os trabalhos dos anos 1980 e, principalmente os situados na década posterior, recuperam a historicidade das manifestações religiosas, negligenciada pelos autores clássicos, que as coloca no mesmo rótulo de “messianismo tupi-guarani”, uma vez que as migrações do século XVI “não são as rebeliões dos Guarani das haciendas do século XVII; Oberá não é Viarazu, nem Guiravera, apesar de serem todos ‘grandes pajés’ ou Karaís, ou Caraíbas, as migrações apapocuva não são a Santidade de Jaguaripe”. Exatamente por isso, é indispensável a releitura das fontes a partir das dinâmicas culturais produzidas por situações diversas, conclui Cristina Pompa, antes de fazer sua derradeira asserção:
Estas últimas indicações declaram explicitamente a inutilidade interpretativa e a definitiva renúncia metodológica aos rótulos classificatórios e generalizantes que marcaram, quase desde o começo, o estudo desses movimentos e que construíram esse incrível objeto antropológico denominado ‘Terra sem mal’ (POMPA, 1998, p. 68).
Como se observa, o mito em foco e seu determinismo religioso é uma invenção acadêmica diretamente relacionada com os mais variados propósitos ideológicos sejam dentro de estudos de viés antropológico ou sociológico, que pecam, sobretudo, por não considerarem adequadamente os condicionamentos históricos. E por não conseguirmos estabelecer categorias classificatórias generalizantes capazes de satisfazerem essa exigência contingencial, fica decretada previamente a ineficiência e inutilidade dessas tentativas. No entanto, até que ponto uma disciplina como a Ciência da Religião, em configuração autônoma, poderia prescindir de tais categorias? Mais uma vez, estamos diante daquele desafio: ir além dos limites impostos pelo historicismo em função do objeto em questão, sem, contudo, abandonar ou deixar de satisfazer, igualmente, sua natureza espaço-temporal.
3 O MITO A PARTIR DA CIÊNCIA DA RELIGIÃO EM CHAVE FENOMENOLÓGICA
A Ciência da Religião até agora não teve uma característica distintiva em relação às Ciências Sociais tão evidente metodologicamente quanto a que legou a Fenomenologia da Religião, constituindo-se como “abordagem dominante na fase inicial da Ciência da Religião, logo após a sua institucionalização em universidades europeias”, entrando em declínio a partir da década de 1970 (USARSKI, 2004, p. 73). Enquanto disciplina, após sua fase descritiva iniciada por Pierre Daniel Chantepie de la Saussaye (1848-1920), na primeira edição de seu Manual de História da Religião[21], (Lehrbuch der Religionsgeschichte), publicado em 1872, se encaminhou para uma rejeição e reação ao contexto positivista evolucionista que predominava na segunda metade do século XIX, a partir da virada fenomenológica, cuja expressão mais completa foi a fenomenologia filosófica de Edmund Husserl, de cujas pesquisas se toma dois conceitos fundamentais: a epoché (suspensão do juízo) e a redução eidética em busca dos elementos essenciais do fenômeno em questão. Nesse sentido, a palavra-chave do movimento era “voltar às coisas mesmas” (FILORAMO; PRANDI, 2010, p. 29-31).
Para Juan Martín Velasco, em sua Introduccion a la Fenomenologia de la Religion, 2006, o termo fenomenologia, embora oriundo do campo filosófico, aplicado ao estudo da religião, se refere em geral a um método de interpretação do fato religioso, o qual se caracteriza por sua pretensão de totalidade, uma vez que estuda o acontecimento em todos os seus aspectos, além de tomá-lo como ponto de partida todas as suas possibilidades de manifestações ao longo da história. De modo que, ainda para o autor,
La interpretación fenomenológica se distingue, además, por su insistencia en una “comprensión” del hecho que, partiendo del respeto de su especificidad, renuncia a explicarlo por reducción a cualquier otro tipo de fenómeno. Entendido en este sentido amplio, el método fenomenológico de la ciencia de las religiones remite, aunque sólo de una forma lejana, a la fenomenología como método filosófico y como filosofía en el sentido husserliano del término y tiene también elementos de contacto con el método de comprensión comparativa elaborado principalmente por Dilthey para las ciencias del espíritu (VELASCO, 2006, p. 45).
A professora Vitoria Peres de Oliveira, em seu texto “A Fenomenologia da Religião: temas e questões sob debate”, capítulo que compõe o livro A essência manifesta (2003), lembra que “falar em essência ou em visão ou intuição eidética é atrair inevitavelmente críticas de correntes mais empiristas dentro e fora da fenomenologia da religião”. Por outro lado, destaca um possível pecado original nesse tipo de crítica, isto é, o fato de que essência também é entendida como sentido e estrutura. Assim, diferentes autores de linha fenomenológica interpretam à sua maneira essa característica da fenomenologia filosófica de Edmund Husserl. Nessa direção, a autora ressalta que visão ou intuição eidética são formulações metodológicas, muitas vezes não enfrentadas na Fenomenologia da Religião, cujos principais autores afirmavam uma essência encontrada por uma metodologia apenas “aparentada” do método fenomenológico propriamente dito (OLIVEIRA, 2003, p. 55).
Embora essas essências estruturais “pretendam expressar as características necessariamente invariantes do fenômeno”, o que nos permitiria os distinguir como religioso, os fenomenólogos empregam diferentes abordagens nessa busca, podendo, inclusive, “chegar a essa estrutura ou essência estrutural também por uma generalização empírico-indutiva”. Portanto, o método fenomenológico, dependendo do autor, pode apresentar-se dentro de uma linha mais empírica, historicista ou hermenêutica. De modo que, muitas críticas à Fenomenologia da Religião por ser “essencialista” se esvaziam ao não levar em conta as diversas abordagens e os seus diferentes autores (OLIVEIRA, 2003, p. 56).
Vitoria Peres, entre outros aspectos, alerta para o momento de crise epistemológica por que passa a academia, no contexto em foco, onde, segundo ela, reina um “pluralismo relativista e até radical”. Por isso, cabe aos estudiosos da religião “ir mais fundo nas diversas metodologias próprias da nossa disciplina e buscar estabelecer critérios que sejam válidos para as nossas pesquisas”. Vitória Peres entende que a Fenomenologia da Religião é ainda tanto uma disciplina em pleno direito quanto método atual, “profícuo e útil para os estudos da religião”, podendo e devendo ser apropriado pelos estudiosos de uma forma criativa e renovadora, “permitindo-lhes momentos sistemáticos e de síntese, fundamentados no rigor de um saber regrado”. Quanto à ideia de uma Ciência da Religião a partir da integração de várias disciplinas, a autora também advoga a participação fundamental da Fenomenologia da Religião como uma dessas disciplinas ou como método, uma vez que permitiria “cumprir nossa tarefa, oferecendo instrumental disponível para realizá-la” (OLIVEIRA, 2003, p. 57. Grifo nosso).
Assim, não considerando a questão da falência ou sobrevivência da Fenomenologia da Religião nem suas possibilidades de reformulação (HOCK, 2010, p. 85), o que pretendemos a seguir é destacar essa marca diferencial que ela trouxe em relação às Ciências Sociais, especialmente em relação àquele instrumental disponível indicado por Vitória Peres de Oliveira, na busca daquilo que estaria para além do factual; do histórico. De modo que, para efeito de contraste, vamos recorrer ao romeno Mircea Eliade, abstraindo-nos, contudo, das questões metateóricas em torno de suas ideias, uma vez que este não é o foco do trabalho aqui, mas sim uma tentativa de apropriação das categorias da Fenomenologia da Religião com as quais trabalha. Para além da defesa ou refutação dessa fenomenologia, o que deve estar em jogo é o que uma abordagem fora do escopo das Ciências Sociais tradicionais pode ser capaz de oferecer, especialmente ao levarmos em conta aquela perspectiva de uma Ciência da Religião como disciplina autônoma a se realizar.
Assim, por focar naquilo em que as Ciências Sociais deixam escapar metodologicamente, a Fenomenologia da Religião por meio de suas categorias-chave pode projetar, nesse sentido específico, uma imagem prototípica de uma Ciência da Religião autonomizada. Portanto, a conjectura que aqui se faz não deve ser vista a partir da suficiência ou não dessas categorias da Fenomenologia da Religião em relação ao objeto religião, mas do potencial intrínseco que elas oferecem, pelo fato de trabalharem justamente naquela área ainda cinzenta e fora do alcance de propostas historicistas, mas que uma Ciência da Religião autonomizada terá que matizar em termos teórico-metodológicos, por meio de uma reconfiguração categorial cientificamente estabelecida, sobretudo. Dito de outra forma: desenvolver instrumentos analíticos capazes de operar nesse terreno; de iluminar objetivamente alguma parte do lado ainda oculto desse objeto.
A rigor, para Giovanni Filoramo e Carlo Prandi, Eliade foi um historiador das religiões, não tendo escrito uma fenomenologia da religião em sentido estrito. No entanto, a obra que mais se aproxima disso é o Tratado de história das religiões, que é por expressa declaração do autor, uma obra de morfologia da religião (FILORAMO; PRANDI, 2010, p. 54). Ainda para estes autores, a obra do romeno se mostra inextrincavelmente dependente da fenomenologia, em especial a do tipo compreensiva, desde a sua teoria do sagrado até a noção de homo religiosus, fruto em parte de sua “virada hermenêutica” durante seu período nos Estados Unidos. E embora ele não apresente uma definição a priori de religião (pelo menos no Tratado), “sua morfologia não é mero instrumento classificatório, ou seja, um método próprio da Fenomenologia da Religião puramente descritiva”, trata-se, de fato, do “braço metodológico de uma maneira de abordar o mundo dos fenômenos religiosos típico da Fenomenologia da Religião Compreensiva” (FILORAMO; PRANDI, 2010, p. 55).
Segundo Marcello Massenzio, em A história das religiões na cultura moderna (2005), a abordagem teórica de Mircea Eliade se apresenta como uma refinada chave de leitura não da dimensão religiosa completa em si, mas apenas daquele fenômeno religioso particular (extraordinário), que remete à superação da condição humana normal. Para Massenzio, Pettazzoni assume criticamente tais pressupostos teóricos de Eliade procurando subverter parcialmente a posição do romeno, isto é, não tenta sobrevalorizar o profano em detrimento do sagrado, mas persegue o objetivo de reconhecer para cada um dos dois termos um âmbito próprio específico e um grau próprio de realidade (MASSENZIO, 2005, p. 156). É sob essa sugestão que procuramos trabalhar e explorar essa dimensão do “extraordinário”, o qual implicaria no rompimento daquilo que nos é historicamente aferido.
Em sua obra O sagrado e o profano (1992 [1957]), Mircea Eliade já na introdução nos informa que “a primeira definição que se pode dar ao sagrado é que ele se opõe ao profano”. E uma tal dimensão é manifesta por hierofanias, algo que simplesmente se nos revela; ou a manifestação de algo “de ordem diferente” – de uma realidade que não pertence ao nosso mundo – em objetos que fazem parte integrante do nosso mundo “natural”, “profano”. Há, portanto, um forte componente de revelação; de algo que se mostra a nós. Por outras palavras:
Para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a natureza é suscetível de revelar-se como sacralidade cósmica. O cosmos, na sua totalidade, pode tornar-se uma hierofania. O homem das sociedades arcaicas tem a tendência para viver no sagrado ou muito perto dos objetos consagrados. Essa tendência é compreensível, pois para os “primitivos”, como para o homem de todas as sociedades pré-modernas, o sagrado equivale ao poder e, em última análise, à realidade por excelência (ELIADE, 1992, p. 14).
Assim, o homem do período arcaico, segundo Eliade, assumiria um comportamento religioso integral. Para ele, tudo era sagrado e não faria muito sentido algo fora desse esquema totalizante, uma vez que este homem se esforçava para “manter-se o máximo de tempo possível num universo sagrado”. O autor nos lembra que a ideia de um mundo profano; um mundo dessacralizado, “é uma descoberta recente na história do espírito humano”. De modo que essa dessacralização caracteriza a experiência do homem não religioso das sociedades modernas, “o qual, por essa razão, sente uma dificuldade cada vez maior em reencontrar as dimensões existenciais do homem religioso das sociedades arcaicas”. Daí a ideia de que esse homem das sociedades tradicionais receba a designação de homo religiosus, ainda que “seu comportamento se enquadre no comportamento geral do homem”. Por isso, interessa “à antropologia filosófica, à fenomenologia, à psicologia” e ao investigador que procure conhecer “as dimensões possíveis da existência humana” (ELIADE, 1992, p. 15).
O que de fato motiva o cientista romeno (o que mais nos interessa aqui) é apresentar esta dimensão específica da experiência religiosa, salientada pela experiência profana do mundo. Ressalvando, contudo, sua não insistência nos “inumeráveis condicionamentos que a experiência religiosa” nesse ambiente sofreu no curso do tempo. Nesse sentido, Eliade afirma, por um lado, haver “uma diferença de experiência religiosa que se explica pelas diferenças de economia, cultura e organização social – numa palavra, pela história”, mas que, por outro, também haveria uma semelhança de comportamento que para ele seria “infinitamente mais importante do que suas diferenças”, uma vez que tanto “caçadores nômades” quanto “agricultores sedentários”, viveriam num cosmos sacralizado:
Uns como outros participam de uma sacralidade cósmica, que se manifesta tanto no mundo animal como no mundo vegetal. Basta comparar suas situações existenciais às de um homem das sociedades modernas, vivendo num cosmos dessacralizado, para imediatamente nos darmos conta de tudo o que separa este último dos outros. Do mesmo modo, damo-nos conta da validade das comparações entre fatos religiosos pertencentes a diferentes culturas: todos esses fatos partem de um mesmo comportamento, que é o do homo religiosus (ELIADE, 1992, p. 16. Grifo do autor).
Esta noção de homo religiosus postulado por Eliade, alocada dentro da Fenomenologia da Religião, foi observada, embora sem essa nomenclatura, pelo antropólogo inglês Radcliffe-Brow, em 1906 (The Andaman Islanders, publicado somente em 1922). Portanto, bem antes de Eliade, já havia uma compreensão dessa noção (homo religiosus) presente nos nativos dessa ilha, isto é, a de não se conceber a existência fora de uma cosmovisão religiosa. Ao concluir o último capítulo (A interpretação dos costumes e crenças andamaneses: mitos e lendas), destinado a explicar exatamente a natureza e a função da religião andamanesa, e tratando dos problemas referentes à uma definição apropriada de religião, o autor declara:
No entanto, não parece possível traçar uma nítida linha divisória entre essas crenças e costumes que merecem ser chamados propriamente de religiosos, e outros que não merecem o adjetivo. Não é possível, nos andamaneses, separar uma entidade definida que podemos chamar de religião de coisas que mais apropriadamente podem ser consideradas como arte, moralidade, jogo ou cerimonia social (RADCLIFFE-BROW, 1922, p. 405 - Tradução nossa).
Outra consideração acerca dessa ideia de homo religiosus vem, ainda que indiretamente, da insuspeita Escola Italiana de História das Religiões, a partir de seu fundador, Raffaele Pettazzoni. Segundo os autores Giovanni Filoramo e Carlo Prandi, Pettazzoni teria acolhido da fenomenologia, nos últimos anos de sua produção acadêmica, tanto no plano metodológico quanto nas conclusões, “algumas indicações que, embora não tenha tido a possibilidade de desenvolver adequadamente, são preciosas, apesar de relegadas ao abandono pelos continuadores da obra do mestre” (FILORAMO; PRANDI, 2010, p. 71. Grifo nosso).[22] Embora não especificando quais seriam estas “indicações preciosas”, pela citação que faz do trecho final do texto de Pettazzoni (Il método comparativo, 1959), trata-se de uma abordagem conciliatória que visa a desatar o nó epistemológico entre as correntes historicistas e fenomenológicas, ao se enfatizar a ideia de complemento ao invés de exclusão. O trecho a seguir, extraído do referido ensaio de 1959, converge nesse sentido:
A alternativa aparece, portanto, claramente delineada entre uma fenomenologia desprovida de vigor historiográfico e uma historiografia sem uma adequada sensibilidade religiosa. Resta ver se as duas posições se excluem realmente uma à outra, ou não são, em vez disso, complementares, encontrando uma, sua integração no que é próprio da outra, e vice-versa. (...). Em termos sistemáticos, se trata de superar as posições unilaterais da fenomenologia e do historicismo, integrando-as reciprocamente, isto é, potencializando a fenomenologia religiosa com o conceito historicista de desenvolvimento e a historiografia historicista com a instância fenomenológica do valor autônomo da religião, estando assim resolvida a fenomenologia na História, e juntamente reconhecido à História religiosa o caráter de ciência histórica qualificada (PETTAZZONI, 1959, p. 10; 14;Tradução nossa).
Em sintonia com essa ideia de cosmovisão fundada na ideia de um homo religiosus, está uma outra categoria de importância basilar para os povos da antiguidade: o mito. Em uma de suas obras dedicada ao estudo deste tema, Mito e realidade, o autor apresenta o mito como o relato de uma história sagrada, ocorrida em um tempo primordial, ou em outros termos, como uma narração que, “graças às façanhas dos entes sobrenaturais”, uma realidade passava a existir, “seja uma realidade total, o cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição”. Assim, cada mito descreve a irrupção do sagrado, ou do “sobrenatural” no mundo (ELIADE, 2000, p. 11). A vivência do mito implica uma experiência verdadeiramente religiosa, posto que se diferencia da experiência ordinária da vida cotidiana (portanto histórica), “constituindo-se numa verdadeira codificação da religião primitiva e da vida prática”:
Essas histórias constituem para os nativos a expressão de uma realidade primeva, maior e mais relevante, pela qual são determinados a vida imediata, as atividades e os destinos da humanidade. O conhecimento dessa realidade revela ao homem o sentido dos atos rituais e morais, indicando-lhes o modo como deve executá-los (ELIADE, 2000, p. 22-23).
Para o historiador Sérgio da Mata, o mito é categoria fundante para o objeto religião. Em sua conhecida obra História e Religião (2010), ele registra: “os mitos configuram uma espécie de estrutura elementar presente em todas as religiões”. Segundo este autor, é no mito, portanto, que “devemos buscar elementos para uma reconstituição das formas primevas de representação do tempo”. Assim, no limite, o tempo do mito é uma “virtual” saída da história. Ainda a partir deste autor, um tal regime de “a-historicidade” mostra toda a sua vitalidade em um grande número de sociedades humanas, remetendo-nos a alguns estudos nessa área (MEGESSERA; KASSAN, 2005; ELIADE, 1992; MALINOWSK, 1978). “Para os membros de inúmeras sociedades tribais, o passado distante é visto não como história, mas como uma realidade em certa medida transcendente, meta-história” (MATA, 2010, p. 23-25). [23]
Como se pode observar até aqui, o mito teria um peso determinante para a vida religiosa desses povos. Em outros termos, segundo a teoria do romeno, a vida seria pautada pelo objeto religião de forma integral no homo religiosus, que por sua vez estava atrelado a mitos fundacionais. De modo que, esta ideia condicionante de universalidade fenomênica a partir dessas categorias analíticas da Fenomenologia da Religião, reconfiguradas numa Ciência da Religião autonomizada, superando inclusive as implicações metafísicas desse viés, poderia significar interpretações mais apropriadas em relação ao objeto religião, por passar a integrar aquilo que já foi estabelecido pelo conjunto das Ciências Sociais às intuições oferecidas pelo viés fenomenológico, especialmente a partir de novas categorias capazes de superar nessa síntese metodológica as limitações históricas, bem como os postulados metafísicos, sempre dentro de uma concepção científica.
Assim, um estudo das migrações indígenas durante esse período de 500 anos de formação do povo brasileiro, para não especular sobre o que teria ocorrido antes desse marco, não poderia prescindir de uma abordagem específica que considerasse o fenômeno religioso por si só, a partir de uma Ciência da Religião autonomizada, no sentido em que indicamos aqui. Isto quer dizer que, uma vez desatado o nó epistemológico, não só as Ciências Sociais, mas qualquer outra disciplina que se aproxime do fenômeno religioso, terá de considerar seriamente o que essa Ciência da Religião afirma sobre seu objeto. De modo que, analogamente, o mesmo tipo de crítica que a historiadora Cristina Pompa dirigiu aos autores clássicos analisados por ela, ao tratarem da Terra sem mal sem o devido contexto histórico, privilegiando outros fatores, poderá ser endereçado àqueles que priorizam uma abordagem apenas historicista, ou fenomenológica, sem igualmente considerar esse objeto a partir do que sua Ciência tem a dizer de um ponto de vista epistêmico-metodológico próprio.
Do contrário, o objeto religião nessas abordagens tenderá apenas a se conformar ao que se diz sobre ele sempre a partir de outras perspectivas, aparecendo como vimos na seção anterior, conforme a interpretação de Cristina Pompa, tanto por um determinismo exclusivamente religioso (NIMUENDAJÚ, 1987; MÉTRAUX, 1979), quanto por categorias totalizantes na perspectiva sociológica de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1965), ou ainda pelo viés instrumental-ideológico de Vittorio Lanternari (1974) e Hélène Clastres (1978), e não a partir de si mesmo. Mas negar esta autonomia ao objeto religião é o que defende, por exemplo, um dos representantes da Escola Italiana de Histórica das Religiões, Nicola Gasbarro, para quem as religiões não podem ser estudadas em si e per si, mas somente em “relação” a outros códigos culturais da vida social (GASBARRO, 2013, p. 78). Por outro lado, os também italianos Giovanni Filoramo e Carlo Prandi, em seu conhecido trabalho As Ciências das Religiões, 2010, defendem exatamente esta autonomia, ainda que em termos, situando-se entre o radicalismo historicista e uma fenomenologia “na história”:
Para escapar do perigo do reducionismo, que priva o objeto de pesquisa de qualquer especificidade, e também de um idealismo essencialista, que postula desde o início a “realidade” de um objeto que a pesquisa terá a obrigação de desvelar e testemunhar, só resta percorrer uma difícil “terceira via”, trabalhando com um conceito de religião capaz de levar em conta tanto os seus aspectos funcionais quanto os específicos (FILORAMO; PRANDI, 2010, p. 17. Grifo nosso).
Mas para estes autores, longe de autorizar uma leitura fora da história, e, portanto, trans-histórica, a ideia de autonomia relativa tem a ver com a salvaguarda, por parte das religiões, “de uma legislação normativa interna, de formas de funcionamento, de autorregulação, de resposta e de recuperação”. Assim, uma tal realidade, nesse sentido, própria, apresentaria para a investigação empírica duas faces que “ameaçam escapar da rede de uma abordagem rigidamente historicista”: uma que muda e uma que permanece. Ao lado da face histórica há uma face que não é histórica, contudo, “sem ser, por isso, trans-histórica, pelo simples fato de que remete a aspectos da realidade humana abertos a uma concepção diferente do devir”. Os autores nomeiam de face oculta essa especificidade da religião, que segundo eles conferiria sua autonomia relativa. Um tipo de gramática própria concretizada naquilo que as Ciências Sociais já vêm estudando há algum tempo, a exemplo dos ritos e dos símbolos presentes nas mais diversas manifestações religiosas. O dado fundamental é que uma tal especificidade não obedeceria apenas às leis do devir histórico, uma vez que, “retomando uma expressão de Max Weber, as religiões demonstram possuir lógicas próprias”, porém não do tipo ideal, mas estrutural, que não são dadas uma vez por todas, mas tiradas sempre do contexto. É a partir desse pano de fundo que se pode falar em autonomia relativa da religião (FILORAMO; PRANDI, 2010, p. 18).
Outro ponto a se destacar dentro desse quadro de problemas e conjecturas, tem a ver com a ideia da espacialidade que o mito em foco evoca, afinal, trata-se de uma terra; um lugar no mínimo especial, pois as coisas ocorrem sem a intervenção humana; de forma sobrenatural. Acerca deste aspecto, ao tratar dos ritos no contexto da espacialidade, em sua obra Ritos (2005), a autora Maria Ângela Vilhena nos traz algumas importantes considerações pertinentes nesse caso, e a partir das quais, mais uma vez, é possível questionar uma interpretação exclusivamente historicista, por exemplo. Para ela, o espaço não somente é indispensável ao rito, mas também é “definidor de intencionalidades, qualidades, prescrições, interditos, papéis e funções a ele associados”. E se por um lado este espaço sagrado é definidor em relação ao rito, “por outro, o mito, o símbolo e o rito configuram-se por seus conteúdos e suas gramáticas, elementos fundadores e estruturantes de espacialidades, das quais são sempre devedores” (VILHENA, 2005, p. 79. Grifo nosso). Nessa direção, até que ponto o mito como elemento estruturante das religiões, especialmente o da Terra sem mal, seria resultado mais do contingenciamento histórico, e menos dessa característica estrutural peculiar ao mito?
Esta relação entre espaço e religião, enfatizado no trecho de Vilhena e pouco explorado naquele esquema historicista de análise do mito da Terra sem mal, encaixa-se naquela perspectiva teórica de modulação do ambiente da qual já se falou. No entanto, convém ressaltar alguns aspectos abordados pelo professor Sylvio Fausto Gil Filho, em seu trabalho para o Compêndio de Ciência da Religião, “Geografia da Religião” (2013, p. 275-286). No capítulo dedicado ao que ele chama de subdisciplina, há interessantes pontos de diálogo que podem enriquecer o debate aqui estabelecido. Selecionamos três deles diretamente relacionados ao nosso interesse. A partir da inferência de Pierre Deffontaines sobre a noosfera ou esfera do pensamento[24], que envolveria o imaterial inscrito na paisagem, Gil Filho sugere haver a possibilidade de uma Geografia dos sistemas de pensamento “filosóficos, jurídicos e morais” (GIL FILHO, 2013, p. 278). Assim, o ser humano, no seu processo de adaptação ao ambiente, “submete a terra a partir de seu pensamento, atribuindo significados às realidades naturais e sobrenaturais. Esse fundamento implica uma Geografia do Homo religiosus” (GIL FILHO, 2013, p. 278. Grifo do autor). Nessa perspectiva, a Terra sem mal estaria mais associada àquela característica estrutural peculiar ao mito, ao determinar o contingenciamento histórico, e não o contrário.
Nesse sentido, o autor chama a atenção para o impacto, ainda que tardio, da Sociologia de Max Weber, sob a sugestão de L. Kong (1990), como “ponto de maturação” da disciplina (Geografia da Religião) após os questionamentos que recebera sob a tendência geodeterminista, na medida em que “a base explicativa assume a direção de como a religião influencia as estruturas econômicas e sociais” (GIL FILHO, 2013, p. 280. Grifo nosso). Diretamente relacionado a essa linha argumentativa está a Geografia da Religião na obra de Zeny Rosendahl (1996), cujas concepções tem por base exatamente a obra de Mircea Eliade (O sagrado e o profano) na formulação da ideia do homo religiosus, baseada na experiência da oposição entre o espaço sagrado e todo o resto. Ainda para Gil Filho, o mérito dessa abordagem em Rosendahl, está na vinculação daquela noção arquetípica de espaço em Eliade ao espaço social, de tal maneira que o “homo religiosus se realiza no grupo religioso atribuindo uma função ao espaço sagrado, geografizando, assim, sua prática religiosa”. Portanto, o espaço sagrado era tratado como “a própria geografia do homo religiosus ou como uma categoria de análise específica da subdisciplina” (2013, p. 282. Grifos do autor).
Não precisamos nos estender muito para demonstrar o quanto uma pesquisa que lide com o fenômeno religioso precisa considerá-lo a partir do que a Ciência da Religião como disciplina autônoma terá a dizer, auxiliados, como vimos, por outras disciplinas, a exemplo da “esquecida” Geografia da Religião, pelo menos nesse contexto de “consolidação de área”. O mito da Terra sem mal fora de sua determinante religiosa, uma vez admitida sua condição estrutural peculiar, poderá também produzir equívocos de interpretação se considerado unilateralmente; seja pelo viés historicista ou fenomenológico. O que está em jogo em toda a discussão feita na primeira seção deste trabalho é se essas migrações em busca da “Terra sem mal” são produto de um leitmotiv mítico-religioso determinante ou se apenas possuem essa dimensão em seu bojo, porém motivadas por razões históricas concretas como foram as invasões europeias em solo indígena, por exemplo. Noutros termos: como a história determina e modifica o mito indígena de acordo com as necessidades reais de ressignificação, na tentativa de reconstruir simbolicamente, mas também historicamente, o mundo. Nessa direção:
O que foi chamado de “messianismo tupi-guarani” pode ser um produto original sem deixar de ser causado pelo choque cultural: esta é a tese proposta aqui. A chave de leitura é a especificidade histórica e cultural, sem por isso cair em um relativismo absoluto. Nesse sentido, parece totalmente inviável a posição metodológica que explica o passado de alguns grupos com o presente de outros, pressupondo a “cultura nativa” imobilizada em uma dimensão atemporal onde o discurso mítico (a “não-história”) permanece idêntico a si mesmo ao longo de cinco séculos de história colonial (POMPA, 1998, p. 54).
Como já se vê, essa tese apresentada pela autora trata de uma tentativa conciliatória entre as afirmações que sustentam o mito indígena original, pré-colonial, a partir do qual as migrações ocorriam, e a interpretação no sentido de considerar estes movimentos como uma reação indígena à presença dos invasores. De maneira que o mito não se perderia enquanto força geradora, porém não mais possuindo seus significados de outrora, modificados pela sua condição temporal, sujeito à história e às condições sociais mutáveis. Nesse sentindo, o primeiro desafio seria enfrentar uma Geografia que a partir da noção de espacialidade parece questionar um tal protagonismo historicista. Além disso, como uma Ciência da Religião autonomizada se colocará diante desse determinismo histórico a partir de novas categorias analíticas que trabalhem naquela mesma área cinzenta em que opera a do sagrado e homo religiosus, porém sem uma metafísica embarcada, resultante, sobretudo, de um trabalho independente e autoral dessa Ciência? Embora no momento, isso não passe de conjectura, ao encontrar um caminho próprio, essa Ciência da Religião chegará a este ponto de inflexão. Não necessariamente a este que estamos especulando. Mas inevitavelmente diferente deste em que ela se encontra hoje.
Assim, em que medida uma revisão poderá ser feita nos termos dessa Ciência da Religião em relação ao mito da Terra sem mal, por exemplo, como pudemos acompanhar na primeira seção deste trabalho? Recolocando o problema nos termos históricos, mas também nos termos do objeto religião a partir de categorias analíticas, cientificamente válidas, que trabalhem naquela dimensão para além da percepção factual desse fenômeno, na mesma perspectiva de reconhecimento da autonomia da religião, como sugeriu Pettazzoni em 1959? Isto é, um determinismo de outra ordem? O nó epistemológico de que nos fala Filoramo; Prandi, se apresenta mais uma vez “em toda sua urgência e complexidade” (2010, p. 71-72). Especialmente para algumas abordagens das Ciências Sociais que estudam apenas a dimensão empírica da religião, negando esta autonomia enquanto problema real e científico, e deixando uma tal discussão para a Fenomenologia da Religião, que a depender do caso, submete o objeto a uma metodologia reversa, desconsiderando a história para afirmar uma natureza de outra ordem, sem, contudo, atender a critérios de cientificidade. Uma Ciência da Religião autonomizada deveria, portanto, pressupor uma síntese epistêmico-metodológica entre estas abordagens, cuja sugestão, aliás, não é novidade. Mas que, contudo, ainda não foi efetivada.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma questão preliminar que devemos considerar neste momento tem a ver com a necessidade de recorrermos a ressalvas ao tratar da Ciência da Religião em chave fenomenológica. Isto por si só demonstra a indefinição metodológica da disciplina, que apesar de possuir tantos métodos, ao mesmo tempo, não conseguiu engendrar nenhum que lhe seja próprio, capaz exatamente de se distinguir daqueles provenientes das Ciências Sociais e da própria Fenomenologia da Religião, obrigando-nos a fazer uma epoché da epoché, qual seja, uma suspenção de juízo em relação às categorias analíticas desta última (como fizemos), com o intuito de projetar a ideia de uma Ciência da Religião autonomizada, que contemple tanto o factual quanto aquilo que o transcende, como algo próprio de seu objeto. Uma hipotética e virtual Ciência da Religião em relação às outras áreas do conhecimento que a encaparam em termos teórico-metodológicos, dificultando a possibilidade de uma efetiva autonomia, às vezes, sob um pluralismo de fundo e até radical, atendendo mais aos interesses de determinados setores do que propriamente à essa Ciência da Religião, cujo objeto é tão importante “que todos os estudiosos, das mais diversas áreas, querem ter a última palavra a seu respeito” (DREHER, 2008, p. 167).
Essa situação de pouco rendimento teórico-metodológico revelada por tamanha diversidade, que por sua vez gera esse tipo de dificuldade, é evidenciada pelos autores Steven Engler e Michael Stausberg, em outro importante trabalho publicado no Compêndio de Ciência da Religião (2013), onde destacam a escassez de discussões acerca de métodos e metodologias na Ciência da Religião, “seja no Brasil ou no exterior, seja nas revistas acadêmicas, congressos, livros textos, ou Programas que tratam dessa área”.[25] Os autores vão além:
Nisso a Ciência da Religião distingue-se, de uma maneira até vergonhosa, das outras Ciências Humanas e Sociais. Às vezes, essa falta de atenção aos métodos é atribuída ao fato de que a Ciência da Religião não tem um só método, e sim vários, e seria assim uma disciplina “plurimetodológica”. Há dois problemas com essa afirmação. Primeiro, todas as disciplinas nas Ciências Humanas e sociais são de certa forma plurimetodológicas. Segundo; o fato de uma disciplina usar vários métodos é um motivo a mais para prestar mais atenção à metodologia, não menos (ENGLER; STAUSBERG, 2013, p. 63. Grifo nosso).
Contudo, este aspecto dos estudos acerca da religião parece que está ensaiando mudanças no sentido de deixar para trás o cenário desolador descrito há pouco. Recentemente, os professores e pesquisadores Emerson Sena da Silveira (UFJF) e Manoel Ribeiro de Moraes Junior (UEPA), no livro A dimensão teórica dos estudos da religião, 2017, procuram abordar, notadamente no capítulo 8, as questões metodológicas dentro da área.[26] Mas na contramão das ponderações de Engler; Stausberg acima, ainda que em termos, os autores preconizam exatamente um “politeísmo metodológico” como metodologia possível para as ciências da religião, entendido como o não exclusivismo de uma perspectiva ou de um método”. O professor da UMESP, Etienne A. Higuet (2006, p. 144. Grifo nosso), entretanto, no posfácio a esta obra, ressalta que esta proposta ousada dos autores teria um primeiro desafio: “assumir a polissemia do sagrado e a polifonia dos métodos, cada um ‘cultivando o próprio jardim’, mas ficando aberto a todas as propostas”. Além disso, Higuet parece preferir uma nomenclatura menos marcada e, entre parênteses, sugere o termo multipolaridade teórico-metodológica.
Vale ressaltar que, naquilo que temos tratado aqui, não há, a priori, discordância dessa proposta, uma vez que a sugestão dos autores é para que se opere este princípio no âmbito das Ciências da Religião enquanto campo de estudo e não enquanto uma Ciência da Religião teórico-metodologicamente autônoma. Portanto, não são coisas que, necessariamente, se excluam, podendo haver uma polimetodologia entre as Ciências Sociais que operam no âmbito do objeto religião, e uma metodologia nativa da Ciência da Religião, sem que isso apresente qualquer tipo de incompatibilidade. Mantendo-se, inclusive, todos os benefícios do diálogo e da interdisciplinaridade. Uma polimetodologia, afinal, deve ser vista e acolhida como um dispositivo de correção de uma determinada teoria de fundo (no sentido em que defendemos aqui). Assim, no seio dessa Ciência no singular, o consórcio das ciências empíricas numa constituição anárquica (FEYERABEND, 1975, apud SILVEIRA; MORAES JUNIOR, 2017), podem constantemente sugerir de maneira dialética, novos caminhos e proposições para, por exemplo, uma teoria própria da Ciência da Religião, já então estabelecida. Nesse sentido, e parafraseado a proposta desses autores, talvez devêssemos considerar não um “politeísmo metodológico”, mas um parlamentarismo teórico-metodológico para uma Ciência da Religião autonomizada em permanente audiência com suas ciências empíricas integrantes.[27]
Passando para o âmbito de nossa discussão inicial, foi possível observar, na recuperação dos autores clássicos feita com base no trabalho de Cristina Pompa, que ela vê um sério problema em relegar a situação histórica a um segundo plano. Tal papel coadjuvante dos processos históricos na hermenêutica dos clássicos, recusado pela autora com justiça, teria comprometido o alcance dessas interpretações. Mas até onde isto também não ocorreria, nos mesmos termos, a partir de uma Ciência da Religião autonomizada? Isto é, a análise desse ou de outro mito religioso sem o aporte teórico-metodológico fornecido por uma Ciência que capte exclusivamente o fenômeno religioso como seu objeto de estudo? Além disso, até que ponto um suposto determinismo religioso contribuiu ou não para a leitura dos autores clássicos acerca do mito da Terra sem mal? A partir de que paradigma podemos pensar e legitimar esse determinismo religioso? Afinal, como afirma Steven Engler (2004, p. 28), se “nem mesmo o significado da palavra ‘religião’ é evidente”? Aliás, este parece ser o problema fundamental da área, como registra Luís Henrique Dreher (2003, p. 160; grifo nosso), ao lembrar “que não se chega a um debate sobre a questão central, a saber, o que é religião, e se ela possui um referente transcendente ou se é apenas uma projeção social ou uma função do social”, resumindo bem o velho conhecido nó epistemológico que se coloca para uma Ciência da Religião autonomizada resolver.[28]
Interpretar o mito em foco a partir do objeto religião como algo relativizado e diluído, pode trazer resultados bem diferentes numa abordagem cujo mito apareça fora desse ambiente de protagonismo das Ciências Sociais sobre religião, como nos exemplos que pudemos acompanhar e na conjectura que procuramos fazer. É revelador o que diz a historiadora Cristina Pompa ao finalizar suas considerações sobre Métraux e Fernandes:
É obvio que o diferente tratamento dado às fontes pelos dois autores depende da diversa posição teórico-metodológica, uma procurando rastos de um percurso de difusão, outro querendo descobrir mecanismos de funcionamento. Por isso, enquanto o interesse de Métraux concentra-se na “cultura material”, nas “migrações”, na “religião” e principalmente na “mitologia”, reconstituídas com a ajuda dos dados modernos; a pesquisa de F. Fernandes aponta para o “sistema de parentesco”, os “grupos locais”, as “formas de controle social”. Assim, suas fontes são recortadas, conforme sua capacidade de fornecer elementos para uma explicação “técnica” dos fenômenos sociais, em termos da função por eles desempenhada em uma estrutura social integradora (POMPA, 1998, p. 49 – O itálico é nosso).
Novamente, aqui observamos a reiterada crítica aos compromissos teórico-metodológicos dos clássicos em desfavor dos processos históricos e suas implicações. Porém, o que mais nos interessa é o trecho final, onde a religião aparece como um fenômeno social com função estrutural integradora. Nenhum problema quanto a isso, uma vez que a Sociologia e a Antropologia já demonstraram sobejamente a religião como um fenômeno exercendo determinado papel na sociedade, sempre numa concepção funcionalista desse fenômeno, como visto na literatura clássica dessas disciplinas, ou por meio da “mais pormenorizada e consistente” teoria da escolha racional, proposta pelos autores Rodney Stark e William Sims Bainbridge, na obra Uma teoria da religião (2008), como nos informa Frank Usarski no prefácio a esta obra. O que uma Ciência da Religião precisa esclarecer de forma científica e independente, sobretudo do categorial dessas ciências, da teologia e também de uma certa fenomenologia, é que o tal fenômeno não se encerra apenas nisso ou é exclusivamente uma função social. Primeiro, porque, como observado, as Ciências Sociais já fizeram esta redução; segundo, porque a Fenomenologia da Religião, embora responda a esse chamado, trabalhando naquela área cinzenta do objeto religião, o faz exatamente sem as prerrogativas de uma disciplina que se pretende científica.
Nessa direção, algo parece permanecer no objeto, sugerindo em perspectiva histórica, uma constante universal, como defende o historiador Sérgio da Mata em conclusão ao livro História e Religião (2010, p. 89). Pare ele, “em que pese sua mutabilidade histórica e sua diversidade”, religião
deve ser compreendida, na sua essência, como uma constante humana: ela é um universal humano. Não se trata simplesmente de uma “constante sociológica”, nos termos coletivistas de Durkheim. Sabemos o suficiente hoje para admitir que também há religião (às vezes até mais religião) onde somente há o indivíduo. Dizer dela, por outro lado, que é uma “constante cultural” é o mesmo que dizer praticamente nada, um truísmo.
Daí que a definição desse objeto seria o primeiro passo tanto para garantir sua natureza histórica quanto para àquela que não se confunde com esta. Sobre isto, novamente, Etienne A. Higuet (2006, p. 39), lembra que “o estudo exclusivamente empírico tende a abordar a religião a partir do que ela não é, privilegiando elementos externos como funções e instituições sociais”. Por outro lado, destaca o professor da UMESP, “a metodologia precisa dar conta do “resquício mítico” da religião, do seu referencial à transcendência como aspecto central e incontornável do fenômeno religioso”. Contudo, a teologia pouco resolveria aqui, pois é exatamente para negar suas clássicas pretensões metafísicas e de verdades últimas que as Ciências Sociais, por meio desse princípio metodológico de exclusão, tratam o objeto religião apenas como fato social, produto cultural marcado por contingências históricas, associando aquela “dimensão possível da existência humana” de que nos fala Eliade – mas não somente ele –, a alguma coisa relacionada à imaginação de um deus ou vários deles (FEUERBACH, 1989), ou ainda entes sobrenaturais hipostasiados de acordo com a manifestação religiosa em foco.
Dentro dessas considerações, o também professor Eulálio Figueira, da PUC-SP (2012, p. 45. Grifo nosso), percebe que “algo emerge e fica fora da discussão ou do centro dela. Algo que não pode ser captado pelos dados da sociologia, da antropologia e até mesmo [discordando de Higuet], da teologia e ou da filosofia”. Evidentemente, os trechos citados desses autores compartilham apenas a percepção de que a religião possui uma dimensão peculiar, como temos visto neste trabalho por meio de outros estudiosos. Mas enquanto Higuet está interessado em apresentar a teologia como contributo nesse sentido, a partir das concepções de Paul Tillich (2005) acerca do incondicionado, inscrevendo uma renovada teologia dentro do campo das Ciências da Religião, Figueira faz um movimento em direção à experiência religiosa em chave pragmática, baseado em Richard Rorty (1992; 2005), embora ainda utilizando a relação sagrado e humano como uma nova ordem, e também como categoria analítica fundamental de sua proposta epistemológica para a Ciência da Religião .
A Fenomenologia da Religião, entretanto, expulsa do olimpo acadêmico como uma doença contagiosa ou numinose (USARSKI, 2004) ainda não conseguiu, digamos, curar-se, a fim de engendrar uma abordagem alternativa mais consistente, sobretudo desprovida de conotações estranhas à um programa científico de estudos. Talvez essa seja a tarefa de uma Ciência da Religião autonomizada, que trabalhe nesse algo ou naquela área cinzenta de que falamos, partindo, primeiramente, da definição em termos científicos de seu objeto (o que é religião?); derivando daí sua metodologia e, finalmente, propondo teorias, como nos lembra Hans-Jürgen Greschat: “um determinado significado do termo ‘religião’ é como uma chave para a teoria que tem seu ponto de partida nesse termo” (GRESCHAT, 2005, p. 21. Grifo nosso). Portanto, essa tarefa de síntese metodológica é tanto uma oportunidade quanto um imperativo para uma Ciência da Religião singularizada epistemologicamente.
Uma abordagem que seja culturalmente determinista, de exclusivismo histórico-social ou que seja feita partindo de uma Fenomenologia da Religião orientada, revela claramente sua limitação em face desse exigente fenômeno. E o motivo é simples: ambas deixam lacunas importantes que impedem uma melhor e mais clara compreensão do objeto religião. A Ciência da Religião estabelecida como disciplina efetivamente independente e de posse de uma definição própria e acadêmica de seu objeto, poderia ser o caminho teórico-metodológico mais promissor para superar esse grande desafio epistemológico que procuramos evidenciar neste trabalho por meio de exemplos e possibilidades. E uma Ciência da Religião que trabalhe em conjunto com disciplinas afins (Ciências Sociais e Fenomenologia da Religião, por exemplo), naquilo em que elas têm de melhor a oferecer, mas singularizando-se epistemologicamente naquilo que lhe seja próprio: religião.
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Notas