ARTIGOS

AS TRAJETÓRIAS DA MÚSICA ROCK NA COMUNIDADE CAVERNA DE ADULÃO

THE ROCK MUSIC TRAJECTORIES IN THE CAVERNA DE ADULÃO COMMUNITY

Flávio Lages RODRIGUES
Mestre em Ciências da Religião pela PUC Minas (2018). Doutorando em Ciências da Religião pela PUC Minas. Bacharel em Teologia (2005) e especialista em Teologia Sistemática (2007) pela Faculdade Evangélica de Teologia de Belo Horizonte - FATE-BH. Brasil., Brasil

AS TRAJETÓRIAS DA MÚSICA ROCK NA COMUNIDADE CAVERNA DE ADULÃO

Interações, vol. 15, núm. 1, 2020

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Recepción: 30 Abril 2018

Aprobación: 07 Febrero 2020

Resumen: 1O presente artigo mostrou como ocorreu a construção social na relação entre a religião e a cultura com os jovens adeptos da música rock e das tribos urbanas. Posteriormente foi mostrada a perda da força do rock como único elemento socializador e a entrada de outros elementos em seu lugar. Foi analisado como ocorrem os vínculos sociais entre os jovens na comunidade, com a autonomia para práticas religiosas diferenciadas, em que a cidade e a pós-modernidade possibilitam novas formas de viver e crer, na atualidade. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica, com o objetivo de analisar as fontes primárias e secundárias acerca do pensamento de Michel Maffesoli sobre as tribalizações juvenis, a partir do Portal de Periódicos da Capes, e das bibliotecas da PUC Minas e UFMG. Também foi realizada uma pesquisa de campo com o método antropológico-etnográfico, que aconteceu com as técnicas de observação participante e de grupo focal. Desse modo, a adesão desses jovens à Comunidade Caverna de Adulão aconteceu, a princípio, com a música rock, pelo fato de se sentirem integrados com sua cultura; depois ocorreu a abertura para outros elementos socializadores e para pessoas de várias idades.

Abstract: The present article showed how the social construction occurred in the relationship between religion and culture with the young rock and urban tribesmen. Later it was shown the loss of the strength of rock as the only socializing element and the entrance of other elements in its place. It was analyzed how the social bonds between the young people in the community with the autonomy for differentiated religious practices occur, in which the city and the postmodernity allow new ways of living and believing in the actuality. The methodology used was a bibliographical review, with the objective of analyzing the primary and secondary sources about Michel Maffesoli 's thinking about juvenile tribalization, at Portal of Periodicals of Capes, and at the libraries of PUC Minas and UFMG. A field research was also carried out, using the anthropological-ethnographic method that happened with participant observation and the focus group techniques. Thus, the adhesion of these young people to the Caverna de Adulão Community happened at first with rock music because they felt integrated with their culture; then, there was the opening to other socializing elements and people of various ages.

Keywords: Headbanger Urban Tribes, Religion and Culture, Rock, Post-Modernity, Religion and Contemporaneity.

Palavras chave: Tribos Urbanas Headbanger, Religião e Cultura, Rock, Pós-Modernidade, Religião e Contemporaneidade

1 INTRODUÇÃO

Observamos que o crescimento das grandes cidades e o processo de urbanização desenfreado trouxeram muitos problemas no âmbito social, político, econômico, cultural e religioso. Além desse crescimento, que possibilita novos modos de vida nas cidades do Brasil e do mundo, abordaremos também o pensamento pós-moderno, que possibilita novos modos de pensar e crer, na atualidade. A pesquisa tem como ponto fixo a socialização em torno da música rock na Comunidade Caverna de Adulão2 e as trajetórias que essa música possibilitou com as tribalizações juvenis. Veremos que outras formas de socialização e adesão ocorreram na comunidade, diferentes daquelas da época de sua fundação. Sendo assim, tanto o crescimento das cidades, quanto o pensamento pós-moderno serão expostos como pano de fundo para ilustração do fenômeno das tribos e da comunidade religiosa estudada.

Verificamos que mesmo com os problemas advindos dos novos modos de vida citadinos, outras formas de socialização acabaram emergindo e sinalizaram para um relacionamento que ocorre nas bases e nas pequenas células de pertencimento e estar juntos. Esses problemas possibilitaram encontros e interações sociais nos espaços públicos como ruas, praças, estádios de futebol, entre outros lugares. Isso trouxe a abertura para novas ressignificações na socialização juvenil, como a utilização dos espaços públicos nas cidades, devido ao processo de industrialização e urbanização. Esse processo de socialização nos grandes centros urbanos gerou outras formas de socialização, entre as quais as tribalizações juvenis, com o sentimento de pertencimento, de estar juntos, de sociabilidade, solidariedade, comunidade e partilha dos mesmos gostos e sensações.

Nesta pesquisa apresentaremos de forma breve o percurso da Comunidade Caverna de Adulão em Belo Horizonte, no qual o rock se apresentou no primeiro momento como elemento de socialização entre os jovens que estavam nas tribos urbanas headbanger.3 Depois, outros elementos entraram no lugar da música rock, o que trouxe uma maior diversidade para a comunidade, tanto cultural, quanto social e religiosa.

Percebemos também que a pós-modernidade é marcada como um tempo no qual não se aceita nenhuma estrutura ou pensamento como verdadeiro e absoluto, o que possibilitou novas formas de pensar, como também essas cosmovisões dos jovens em várias áreas, inclusive no que se refere às práticas religiosas e espiritualidades alternativas. Não é o fiel quem muda ao aderir a uma igreja ou comunidade cristã, mas estas se amoldam às necessidades e demandas de seus fiéis.

A gestação da Comunidade Caverna de Adulão tem início em 1992, quando os pastores Fábio de Carvalho e Eduardo Lucas despertaram para a necessidade de levar a mensagem do cristianismo aos roqueiros da tribo de headbangers em Belo Horizonte. O trabalho começou nas ruas e praças da cidade. Nessa época, a cidade já era considerada a capital brasileira do rock pesado.

Essa preocupação é fácil de perceber, por ser Belo Horizonte, nessa época, considerada verdadeiro celeiro de bandas de estilos radicais, tais como o Rock Progressivo, Rock Popular, Heavy Metal, Grind Core, Hard Core, Crossover, Punk Rock, Gótico e Grunge, entre outros. (RODRIGUES, 2006, p. 130).

O olhar dos pastores Fábio e Eduardo para os jovens que estavam nas tribos presentes na cidade revela uma sensibilidade pelas inquietações próprias dessa faixa etária, as suas revoltas, incertezas, contestações, modo de pensar e também suas indiferenças às instituições sociais estabelecidas, inclusive à Igreja.

No entanto, o que verificamos foi que esses pastores se apropriaram da música rock como elemento cultural para evangelizar os jovens que estavam nas tribos urbanas, mesmo com a discriminação de outras igrejas evangélicas tradicionais, e dos jovens que estavam na cena alternativa e underground na capital mineira.4 O trabalho na comunidade se inicia com o rock; este fica por um período como único elemento socializador entre os jovens na Comunidade Caverna de Adulão. Posteriormente, outros elementos de socialização foram incorporados às práticas religiosas, dando nova ressignificação com a abertura para outras formas de sociabilidade, que impulsionaram a comunidade a executar projetos sociais, educacionais, culturais, artísticos e de apoio espiritual para crianças e famílias que estão em situação de vulnerabilidade.

Seguiremos no diálogo com o teórico Michel Maffesoli, para compreender o fenômeno religioso e cultural e a construção sociológica na comunidade, entre os jovens. Para isso, utilizamos como principal referencial teórico-metodológico nessa pesquisa o seu livro O tempo das tribos (MAFFESOLI, 2010), dentre outros teóricos que trouxeram maior clareza sobre o problema apresentado. Também analisaremos alguns dados colhidos na pesquisa de campo, com as técnicas de observação participante e de grupo focal, que possibilitaram observar o fenômeno religioso pesquisado pelo olhar de perto, e de dentro, assim como dar voz às pessoas da comunidade para relatarem suas vivências e experiências religiosas e sociais.

2 NO PRINCÍPIO ERA O ROCK

Notamos que a música rock nem sempre foi aceita nos círculos religiosos e na sociedade. Isso nos remete a pensar sobre as trajetórias da música rock na Comunidade Caverna de Adulão, o que forneceu título a este trabalho. Na década de 1970, instrumentos como bateria, contrabaixo, guitarra e teclado não eram aceitos na execução dos louvores de igrejas e comunidades cristãs. O rock não era aceito nas manifestações religiosas até a década de 1990, e nessa mesma década, a Comunidade Caverna de Adulão inicia suas atividades nas ruas e praças da capital mineira.

Para se falar do percurso que o rock como estilo musical fez na Comunidade Caverna de Adulão, como em outras comunidades que desenvolvem esse tipo de trabalho e em igrejas evangélicas, é necessário entender algumas transformações que ocorreram ao longo dos últimos séculos e nas décadas derradeiras de nosso tempo. Várias áreas na sociedade foram afetadas pela nova maneira de pensar e agir no mundo, entre elas a social, econômica, política, cultural e a religiosa. A Comunidade Caverna de Adulão, em Belo Horizonte, se consolida como uma igreja que se apropria dos elementos da cultura, entre eles o rock, e também a sociabilidade dos jovens nas tribos urbanas headbanger. A composição da comunidade, apesar de ser uma igreja voltada para grupos marginalizados e discriminados na sociedade, atualmente tem como membros crianças, homens, mulheres, e pessoas das mais variadas idades.

Essas práticas religiosas e espiritualidades alternativas quebram a rigidez da religião institucional, e novas formas de expressão religiosa eclodem dentro da cultura. Maffesoli observa que “essa religiosidade pode caminhar lado a lado com a descristianização, ou com outra forma qualquer de desinstitucionalização. E, por isso mesmo, a socialidade designa, justamente, a saturação dos grandes sistemas e das demais macroestruturas.” (MAFFESOLI, 2010, p. 135).

O que vemos com essas práticas religiosas e espiritualidades alternativas é que nos lugares onde a religião institucional não consegue chegar ou não têm uma maior abertura, com essas práticas diferenciadas e para grupos específicos, as pessoas conseguem desenvolver suas práticas religiosas na sua cultura e contexto específico. O que aponta não apenas para a abertura e liberdade religiosa na atualidade, mas principalmente para a autonomia do sujeito em fazer seu próprio percurso religioso, no qual não é mais o fiel quem muda ao aderir à instituição religiosa, esta é que se molda às necessidades e desejos de seus membros.

Nesse aspecto, tanto a religião quanto a cultura usam roupagens e elementos utilizados por outros grupos sociais e juvenis de décadas passadas, para dar um novo sentido ou significado à prática religiosa. Isso pode ser observado no início da comunidade, quando o rock foi utilizado como elemento socializador principal entre os jovens em suas práticas religiosas, com elementos e linguagem próprias do contexto juvenil. Ideologias são resgatadas, posturas e elementos estéticos de alguns grupos são relançados como algo a ser seguido, ou seja, viram moda para toda a sociedade. Essas releituras abrem possibilidades para novas expressões religiosas que seriam impensadas no âmbito religioso há algumas décadas.

Portanto, a efervescência dos grandes centros urbanos e a pós-modernidade trazem elementos totalmente novos e perspectivas antes não pensadas, com novas práticas religiosas e culturais. O rock é um desses elementos, pois através dele os jovens conseguem realizar suas construções e práticas sociais, com o sentido de pertencer a algo e partilhar os mesmos gostos e desejos. Observamos ainda que o rock, como estilo musical, foi incorporado pelos pastores e pelos jovens que estavam nas tribos urbanas, às práticas religiosas, não como um atrativo ou um meio de evangelização, mas como estilo de vida, desde a gênese da Comunidade Caverna de Adulão.

2.1 O rock estava na Caverna

Ao analisarmos o fenômeno religioso e cultural entre os jovens da Comunidade Caverna de Adulão que estão nas tribos urbanas headbanger, com a música rock percebemos que esses jovens são mais abertos às mudanças e inovações que são características dessa faixa etária. Outro fator que percebemos é que os jovens, ao se abrirem para as inovações e para o que é novo, o fazem justamente por serem contestadores à toda forma estabelecida que se erija como único modelo de expressão no mundo pós-moderno.

Na visão de Maffesoli (2010), as tribalizações são características dessa pós- modernidade, que apontam para a maneira como esses jovens vivem as mais variadas formas de socialização com o afeto, sentimento de pertencimento, prazer de estar juntos e o partilhar das mesmas emoções. Essa sociabilidade ocorreu entre os jovens roqueiros no início da comunidade, na qual foi possível estabelecer o diálogo entre a religião e a cultura com o rock em suas práticas religiosas.

A sociabilidade juvenil tem uma amplitude no contexto urbano e a vida citadina possibilita e ainda potencializa variados relacionamentos nas áreas sociais, política, econômica, cultural e religiosa. Se no contexto rural a vida girava em torno da Igreja Católica, com suas paróquias, matriz e com toda a comunidade de fiéis que previamente sabia como lidar com as mais diversas manifestações eclesiais, sociais e familiares, hoje o que percebemos é uma certa diluição, dessas normas e costumes: a cidade proporciona essa efervescência e liberdade individual em que o sujeito faz seu próprio percurso com autonomia e liberdade de escolha.

A cidade então tornou-se fértil para os relacionamentos pessoais e interpessoais, com a sociabilidade e o sentimento de pertencimento dos jovens que se unem às tribos urbanas. De acordo com Camargo (1998), a organização de grupos de iguais é proporcionada pela cultura da cidade. Para Lefebvre (1999, p. 158), o fenômeno urbano é um movimento vivo e aberto para a socialização. Na visão de Magnani (1996), a cidade é o lugar de “[...] gritantes contradições urbanas.” (MAGNANI, 1996, p. 18-19) e ao mesmo tempo é o lugar de entretenimento, sociabilidade, relacionamento e padrões culturais diferenciados.

Toda essa diferença pode ser observada nos jovens, em sua abertura para o novo e para a troca de experiências e aprendizado. Neste caso, o rock torna-se um elemento de interação social junto às tribos urbanas e realiza a função de ajuntamento dentro desses grupos. Essa coletividade participativa foi o que Maffesoli (2010) denominou tribos urbanas ou tribalismo:

Em face da anemia existencial suscitada por um social racionalizado demais, as tribos urbanas salientam a urgência de uma sociedade empática: partilha das emoções, partilha dos afetos. [...] O tribalismo lembra, empiricamente, a importância do sentimento de pertencimento, a um lugar, a um grupo, como fundamento essencial de toda a vida social. (MAFFESOLI, 2010, p. 11).

O tribalismo quebra a rigidez nos laços sociais e possibilita novas redes de relacionamentos, onde o grupo social torna-se dinâmico e orgânico. Na comunhão e no compartilhar as mesmas experiências, as tribalizações juvenis da década de 1980 mostraram como os jovens se socializavam em torno da música rock como marco ideológico e coletivo, conforme Brandini (2004):

A fragmentação do rock em tantos estilos e o surgimento de panoramas urbanos geraram a tribalização, característica dos anos 80. Assim, o rock tornou-se uma bandeira ideológica de grupos distintos e representou universo de práticas e valores desse novo espaço urbano. O Rock sempre foi um amálgama que uniu os jovens em torno do discurso da música e promoveu a identificação e a confraternização das tribos através dos significados que permeiam as canções, permitindo o auto reconhecimento de seus membros. Isso gerou um apelo ideológico baseado no estilo de vida compartilhado pela tribo. Desta forma, o rock assumiu atributos de movimento social juvenil. (BRANDINI, 2004, p. 13).

Observamos que o rock, desde seu nascimento entre 1940 e 1950, assim como as tribalizações, foram instrumentos de protesto: as tribos urbanas, nos movimentos contraculturais atuais, mostram o não conformismo aos padrões culturais impostos pela sociedade. Para Hervieu-Léger (1997, p. 31) a teoria da modernidade foi o que possibilitou a abertura de duas dimensões que propiciaram o aparecimento desses movimentos contraculturais: a primeira com a trajetória histórica da racionalização, e a segunda com a afirmação do sujeito autônomo. Por isso o mundo moderno perde a unidade e o sentido que lhe era conferido com o cosmo sagrado, o que trouxe a liberdade ao sujeito tanto de práticas religiosas livres e espontâneas, quanto de não crer em Deus ou algo transcendente.

A diferença, então, seria esta embora a organização política de todas as sociedades pré- modernas estivesse de algum modo conectada a, embasada em ou garantida por alguma fé em ou compromisso com Deus, ou com alguma noção de realidade derradeira, o Estado ocidental moderno está livre dessa conexão. [...] A religião, ou a sua ausência, consiste em grande medida numa questão privada. A sociedade política é vista como uma sociedade de crentes (de todas as nuances) e não crentes igualmente. (TAYLOR, 2010, p. 13).

A laicização e a separação entre a Igreja e o Estado também ajudaram no processo de perda do poder da Igreja sobre o Estado e também sobre o indivíduo. “O próprio campo religioso torna-se um campo institucional especializado, e a religião um fragmentado da cultura.” (HERVIEU-LÉGER, 1997, p. 32).

Essa fragmentação da religião na cultura, possibilita novas expressões religiosas, nas quais a diversidade e a pluralidade podem ser aceitas. De acordo com Amaral (2013), o rompimento com a religião institucional ou territorial possibilitou aos seus adeptos fazerem suas próprias construções culturais e religiosas que atendam ao interesse de cada pessoa:

[...] esta cultura religiosa que não se mostra em um único lugar institucional ou territorial, nem se apresenta em um único templo ou ambiente cultural. Uma cultura religiosa que se constrói constantemente por meio da ação de indivíduos autônomos, às voltas com suas escolhas e combinações, por entre os diversos campos religiosos e não religiosos, como os do entretenimento e do consumo. (AMARAL, 2013, p. 295).

Neste caso, percebemos a força dos indivíduos em suas construções culturais, nas quais eles podem fazer suas próprias escolhas também no campo religioso. Essa autonomia do ser humano nas suas escolhas acelera a separação de Deus em relação ao mundo, o que abriu o caminho também para a exclusão das instituições como mediadoras, em proveito de experiências subjetivas e livres.

No caminho humano da autonomia e da liberdade quanto às instituições, percebemos que a Comunidade Caverna de Adulão, em suas práticas religiosas, buscou valorizar a experiência subjetiva com a tribo urbana headbanger com a música rock como elemento cultural no início da comunidade. Dessa forma, a religião institucional foi perdendo espaço e assim, a eliminação da religião, ao mesmo tempo em que permitiu críticas severas às instituições religiosas, também abriu espaço para os Novos Movimentos Religiosos, para os movimentos estudantis e contraculturais das décadas de 1960 e 1970:

No entanto, uma verdadeira reorientação teórica só aconteceu mais tarde, quando, nos anos 60-70, a pesquisa empírica impôs a evidência universal de novos surtos religiosos inesperados, tanto no seio das igrejas estabelecidas quanto sob a forma de Novos Movimentos Religiosos. O fato deste impulso religioso, oriundo do movimento estudantil e da contracultura, difundir-se amplamente em camadas sociais médias e médias-superiores totalmente integradas à cultura moderna e dispondo muitas vezes de um capital cultural elevado ou bastante elevado, contribui de modo decisivo para renovar as perspectivas sobre as relações entre religião e modernidade. (HERVIEU-LÉGER, 1997, p. 32).

Podemos observar ainda que nos movimentos estudantis, contraculturais e nos Novos Movimentos Religiosos, a ruptura com os poderes estabelecidos foi uma marca para aquela geração. A contracultura advém de grupos que estão dentro de um grupo maior, de uma sociedade ou de uma nação. Com essa contracultura, os grupos estabelecidos como minorias marginalizadas não aceitavam mais que pessoas fossem formatadas ou rotuladas.

Eles combatiam a cultura oficial de massa, que é uma cultura planejada pela elite com fins lucrativos de dominação e poder. A recusa à produção em massa, de acordo com Brandini (2004), “[... é] orientada pela ‘oposição à burguesia capitalista’ e à indústria cultural, [e] representou a resistência adotada por muitos movimentos e tribos.” (BRANDINI, 2004, p. 15).

Também não aceitavam o status quo com o prestígio ou distinção social, política, econômica, de um grupo dominante sobre toda a população. Outro fator de contestação desses grupos contraculturais foi o stablishment (stable - estável, firme), cultura imposta pelos dominantes, como instrumento de opressão.

No âmbito religioso, houve também um engajamento no combate às instituições engessadas, com o pertencimento e afeto, que proporcionaram a socialização naquela época. “Consideramos aqui, mais amplamente, as formas de comunalização religiosa nas quais a expressão individual e coletiva dos afetos é central e constitutiva do grupo.” (CHAMPION; HERVIEU-LÉGER apud HERVIEU-LÉGER, 1997, p. 33).

Notamos que essa dimensão do afeto e da comunhão também é descrita por Maffesoli (2010) nas construções sociais e religiosas com o “[...] ombro a ombro [... e a] proximidade física.” (MAFFESOLI, 2010, p. 74). Cada membro do grupo estabelece redes de relacionamentos mútuos, no qual todos estão ligados e ajustados na mesma visão.

Verificamos que no início da Comunidade Caverna de Adulão, o rock foi o meio utilizado pelos jovens como forma de interação e agregação como manifestação cultural e religiosa em linguagem juvenil. Para Hervieu-Léger (1997) a valorização da participação e o processo de construção de cada indivíduo nas práticas religiosas são o que possibilita a proximidade comunitária e afetiva:

Mas todas as comunidades emocionais dão um peso particular ao engajamento do corpo na oração, à manifestação física da proximidade comunitária e da intensidade efetiva das relações entre os membros (beijam-se, abraçam-se tomam-se pela mão, pelo ombro, etc.). A procura estética e ecológica de um ambiente favorável à convergência emocional dos participantes é também valorizada, bem como, de modo geral, a atenção dada a todas as formas não verbais da expressão religiosa. (HERVIEU-LÉGER, 1997, p. 33).

Essa valorização do corpo como representação estética e do próprio espaço como lugar de encontros, é que fomenta as relações interpessoais nas práticas religiosas e possibilita a socialização dos grupos mais diversos. “Numa perspectiva funcional, é possível argumentar que a religião não decaiu numa Era ‘Secular’, pois se está tentando incluir todos os tipos de fenômenos contemporâneos, até mesmo concertos de rock e partidas de futebol, como religiosos.” (TAYLOR, 2010, p. 34). Portanto, o que percebemos foi que a contemporaneidade se abriu para formas diferentes de práticas religiosas e espiritualidades alternativas. Isso fica evidenciado com a utilização do rock como objeto sagrado na Comunidade Caverna de Adulão. Essa abertura para elementos da cultura teve maior utilização e aceitação a partir da década de 1990, quando as tribos urbanas se tornaram mais ecléticas e menos radicais, o que possibilitou várias fusões de diferentes estilos musicais, aliados aos elementos sonoros e ideológicos já existentes.

Apesar da grande diversidade cultural na Comunidade Caverna de Adulão atualmente, isso não se traduz em benefício para os membros e para a comunidade. Para os membros dos grupos focais5 essa diversidade cultural não é explorada, e no aspecto cultural, a comunidade está como uma “múmia”, “sem identidade” e “estagnada”. A acentuação do declínio do rock como elemento socializador ocorreu após a morte do pastor Fábio, em 2007, surgindo outros elementos em seu lugar como meio de socialização entre os membros da comunidade.

2.2 O rock era a Caverna

Verificamos que a socialização que ocorreu com o rock como único elemento socializador, abriu a possibilidade para uma comunidade com uma maior “diversidade cultural”. Nessa diversidade cultural entraram projetos sociais e culturais como o Projeto Reconstruir,6 o Lamalma7 e o Cupim.8 Hoje, para os membros da comunidade, mesmo com a grande diversidade cultural, ela se encontra como uma múmia, sem identidade e estagnada.

A evangelização foi outra prática que mudou e hoje não é mais como era feita no início da comunidade; para os membros entrevistados, isso não funciona mais. Ainda de acordo com os membros, a internet é uma ferramenta mais poderosa para tal tarefa, pois todos estão conectados o tempo todo, e o evangelismo corpo a corpo não seria tão eficaz na atualidade.

Nesse aspecto, a diversidade cultural é o que se apresenta como saída diante de tantas transformações. “A diversidade torna-se uma realidade nas múltiplas trajetórias juvenis.” (NOVAES, 2013, p. 187). Verificamos que o rock aliado à religião, para os jovens que estavam no início da Caverna, e a grande diversidade cultural que há hoje, sinalizam para essas múltiplas trajetórias, em que os jovens escolhem seus próprios caminhos.

Como percebemos, essa possibilidade de inúmeras trajetórias juvenis atualmente é possível pela forma de pensar e agir na pós-modernidade, no que se refere às construções culturais e religiosas. “Também poderia ser vista como expressão da pós-modernidade geradora de espaços múltiplos e identidades fluidas, assim como de pertencimentos religiosos.” (NOVAES, 2013, p. 182).

Na pluralidade cultural e religiosa, a diversidade acaba oferecendo inúmeras trajetórias e a religião também é afetada por essa nova maneira de viver e experimentar as práticas religiosas. Várias são as formas, ícones, signos, cores, símbolos, cheiros, sensações, sons e outras construções culturais que podem ser usadas para manifestações religiosas. O rock era a Caverna na sua gênese e hoje outros elementos entraram em seu lugar. Isso mostra que todas as manifestações na cultura são orgânicas, ou seja, são vivas e estão em constante transformação e assim, são passíveis de leituras, releituras, novos significados e reinterpretações.

2.3 Do rock à diversidade cultural na Comunidade Caverna de Adulão: possibilidades para o encontro

A abertura da Comunidade Caverna de Adulão inicialmente para os jovens adeptos da música rock que estavam inseridos nas tribos urbanas, sinaliza para a riqueza das expressões religiosas e também para as novas formas de igreja na pós-modernidade. A cultura, nesse caso, deixa de ser obstáculo para adesão de novos membros à igreja e passa a ser aliada, pela sensibilidade de seus líderes. Estes utilizam elementos da cultura que ajudam os jovens a desenvolverem sua espiritualidade de forma alternativa, com significados e linguagens próprias.

A partir de contextos e experiências tanto culturais, quanto religiosas, com grupos marginalizados, podem brotar respostas para problemas sociais. Quando o modo de vida desses jovens é entendido, além de produzir conhecimento para o estudo dessa faixa etária, pode fomentar a criação de políticas públicas e trabalhos específicos para os mesmos. Esses jovens também podem passar de apenas atores para se tornarem agentes de transformação com voz e vontade própria que atendam aos seus anseios. Maffesoli (2010) aponta para esta potência dos pequenos grupos religiosos como uma resposta para os problemas de nosso tempo:

Já se disse que os thiases dionisíacos do final do helenismo ou as pequenas seitas do início do cristianismo foram a base da estruturação social que se lhes seguiu. Talvez seja possível dizer a mesma coisa da multiplicação dos reagrupamentos afetivo-religiosos que caracterizam a nossa época. (MAFFESOLI, 2010, p. 142).

As bases para o relacionamento entre os jovens ocorrem justamente pelo sentimento de pertencimento e de estarem juntos. A participação de todos e a sociabilidade nos grupos religiosos, de acordo com Maffesoli (2010), aponta para o retorno das comunidades de base, ou de grupos diferenciados, nas igrejas contemporâneas, aos quais ele compara com a grande abundância e riqueza dos lençóis freáticos, que podem exercer sua função social apenas quando usados como partilha, ajuda mútua e solidariedade ao próximo.

A microestrutura das tribos urbanas com seus sentimentos mútuos, e os pequenos grupos que se desenvolvem dentro de uma macroestrutura social, sinalizam para a riqueza e força da sociabilidade, que com sua efervescência aponta para o calor afetivo na construção dos relacionamentos sociais.

Da multiplicação dos cultos privados ao acanhado tecido de pequenas células que oferecem hospitalidade aos líderes da nova religião cristã, ou aos revolucionários dos tempos modernos, as novas gerações sociais, o nascimento dos valores alternativos passa pelo que podemos chamar a lógica da rede. (MAFFESOLI, 2010, p. 149).

Para Maffesoli (2010), a lógica da rede ocorre pela sensação coletiva, onde os processos de atração e de repulsão se farão por escolha, o que ele chamou de “[...] sociabilidade eletiva.” (MAFFESOLI, 2010, p. 148). Esta sociabilidade eletiva possibilita aos jovens escolherem ou não a quais tribos ou grupos pertencer. Os padrões ideológicos, a postura e a estética desses pequenos grupos não eram difundidos e aceitos na sociedade. Isso fica evidente com alguns elementos estéticos que se incorporaram na vida cotidiana das pessoas.

As tatuagens, os cabelos longos e coloridos, os moicanos, os piercings, os alargadores, as roupas pretas, as camisas de bandas de rock e outros elementos que eram discriminados na sociedade, posteriormente, além de virar moda, acabaram por se transformar em ideal de juventude perseguido por toda sociedade. O que era uma identidade de determinados grupos punks ou headbangers acabou por se estabelecer como moda; assim, os ideais que constituíram esses grupos se diluíram com o passar dos anos, com sua difusão na mídia e na cultura de massas.

A princípio, a cultura underground9 se estabeleceu em contraposição à cultura que estabelecia os padrões culturais. O underground é uma cultura que não é divulgada pelos meios de comunicação de massas, ela existe de forma clandestina, subterrânea ou oculta à sociedade. Atualmente existem a internet, as redes sociais; no entanto, até o início dos anos 1990, no Brasil, o acesso a computadores era bem restrito; e toda divulgação de ideologias, bandas, shows, encontros, e toda a produção desses grupos era feita através de fanzines,10 que comentavam a produção de artistas em geral com seus livros, discos, poesias, literatura de protesto, teatro, dança e outras manifestações culturais.

Nesse aspecto, a riqueza cultural específica era mais valorizada com a força das expressões regionais, com a ocupação do grupo em pequenos espaços geográficos da cidade. A cultura underground era mais forte e somente quem pertencia a esses grupos entendia como se dava sua construção interna e todos os elementos por ela produzidos. Todo o sentido da tribo de rock estava intimamente ligado à música, e toda produção feita pelas bandas era para o consumo das tribos urbanas. A música rock torna-se uma estrutura social que aglutina os jovens com os mesmos ideais.

Para Brandini (2004) “[...] o rock das tribos é uma instituição social em que os indivíduos se reúnem em torno de uma ideia para transformá-la em estilo de vida.” (BRANDINI, 2004, p. 15). Assim, as pessoas que estavam fora dessa cultura ou de determinadas tribos, tinham acesso ao que ela produzia muito tempo depois ou quando era permitido pesquisar tais manifestações desses grupos.

Esse sentimento social da tribo, para os jovens, ocorre de forma muito fechada e transforma-se em ritual por sua repetição, o que transmite segurança aos seus membros.

Conforme nos mostra Brandini (2004):

O rock produzido pelos membros das tribos juvenis tem início como lazer, cujo significado é a representação da vivência e dos valores que dão identidade à tribo. As práticas do cotidiano de um grupo iniciante – tocar rock, participar de uma banda, compor músicas, realizar shows ou ensaiar – tornam-se verdadeiros rituais para os jovens nelas envolvidos. (BRANDINI, 2004, p. 43).

A ritualização dentro da tribo ocorre com a necessidade dos jovens em terem seus ídolos para dar sentido individual e coletivo à cultura produzida pelo grupo. Em paralelo, a igreja se manifesta no mesmo caminho da contracultura juvenil a partir da década de 1970 e com mais intensidade nos anos de 1990. Do mesmo modo que a cultura underground, os novos modelos eclesiais encarnavam o movimento contracultural no Brasil.

Elementos produzidos pela cultura como o rock, o rap, o hip hop, o reggae, entre outros estilos, não eram bem vistos por muitos líderes cristãos. Ainda assim, líderes de igrejas e comunidades cristãs underground, como a Comunidade Caverna de Adulão, utilizaram esses elementos da cultura com estilos musicais diferenciados para alcançar um público jovem específico que de outra forma não estaria em igrejas tradicionais, com formato convencional.

A sociedade assim compreendida não se resume em uma mecanicidade racional qualquer. Ela vive e se organiza, no sentido estrito do termo, através dos reencontros, das situações, das experiências nos seios dos diversos grupos a que pertence cada indivíduo. Esses grupos se entrecruzam uns com os outros e constituem, ao mesmo tempo, uma massa indiferenciada e polaridades muito diversificadas. (MAFFESOLI, 2010, p. 151).

Para Maffesoli, os grupos se organizam nos mais diversos encontros com as tribalizações, os laços sociais e as experiências individuais dos jovens, entre as quais a cultural e religiosa, que se consolidam com o sentimento de pertencimento e o de estar- juntos na construção coletiva na sociedade.

Dessa forma, tanto o rock quanto a diversidade cultural mostram a riqueza cultural e religiosa que permeia a contemporaneidade. A Comunidade Caverna de Adulão, ao se apropriar de elementos culturais como o rock no início da comunidade, e com a diversidade cultural atualmente, sinaliza para práticas religiosas e espiritualidades alternativas que estão abertas para o encontro e assim, para a alteridade.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que muitas mudanças ocorreram na Comunidade Caverna de Adulão, e que o sentimento de pertencimento, o afeto, as partilhas e as mesmas emoções descritas por Maffesoli a respeito das tribalizações ocorreram e ainda continuam acontecendo na comunidade, mas não como era no início, e até a morte do pastor Fábio. Para os membros, a diversidade cultural que se acomodou no lugar do rock não se traduziu em uma melhor utilização dos elementos culturais pelos membros da comunidade, na ação tanto dentro, quanto fora de seus limites. A forma de evangelização também mudou: a atuação era com evangelismos específicos para os jovens das tribos urbanas do rock pelas praças e ruas da capital mineira, hoje são para todas as pessoas, de forma missionária e mais abrangente.

As Ciências da Religião, em interface com a antropologia e a sociologia, têm muito a dizer na construção da relação religião e cultura na Comunidade Caverna de Adulão. Primeiro, por ser uma pesquisa que não visa fazer juízo de valor quanto às práticas religiosas e também por não ser de caráter apologético. Em segundo lugar, por estabelecer um olhar de fora do grupo a ser pesquisado, para entender qual é o pensamento desses jovens na atualidade e como ocorreram as transformações políticas, sociais, econômicas, culturais e também religiosas.

Nesse percurso percebemos que os jovens, ao contestarem e se inconformarem com os padrões sociais estabelecidos, o faziam por ouvir um discurso moral para sua conduta com a vida e o próximo; entretanto, a prática de quem vinha com esse discurso era imoral.

Portanto, este artigo tem muito a contribuir na reflexão sobre a relação entre a cultura e religião na atualidade. Não apenas no aspecto do estudo da religião contemporânea, mas também nas interações sociais e com o espaço físico no qual elas acontecem. Essa análise permite entender como ocorre a socialização, com o sentimento de pertencimento e relação desses jovens na manifestação cultural com a instituição religiosa.

Essas práticas religiosas e as espiritualidades alternativas abrem possibilidades para uma manifestação cultural mais ampla e dinâmica, o que dá mais força para as igrejas e comunidades cristãs que se apropriam de elementos culturais como o rock em suas manifestações religiosas. A Comunidade Caverna de Adulão faz isso de forma bem peculiar e as Ciências da Religião podem contribuir com seu caráter interdisciplinar, no diálogo com outras áreas de conhecimento para compreensão da manifestação religiosa.

REFERÊNCIAS

1º. SAMUEL. In: Bíblia Sagrada Revista e Corrigida. São Paulo: SBB, 2013.

AMARAL, Leila. Cultura religiosa errante: o que o Censo de 2010 pode nos dizer além dos dados. In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (org.). Religiões em movimento. O Censo de 2010.Petrópolis: Vozes, 2013, p. 295-310.

BRANDINI, Valéria. Cenários do Rock: mercado, produção e tendências no Brasil. São Paulo: Olho D’água, 2004.

CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Educação para o lazer. São Paulo: Moderna, 1998.

HERVIEU-LÉGER, Danièlle. Representam os surtos emocionais contemporâneos o fim da secularização ou o fim da religião? Religião & Sociedade, v. 18, n. 1, p. 31-47, 1997.

LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

MAGNANI, José Guilherme C.; TORRES, Lílian de Lucca (org.). Na metrópole:textos de Antropologia urbana. São Paulo: EDUSP, 1996.

NOVAES, Regina. Jovens sem religião: sinais de outros tempos. In: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (org.). Religiões em movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 175-190.

RODRIGUES, Flávio Lages. A liberdade do Espírito na vida e no rock. Rio de Janeiro: MK, 2007.

RODRIGUES, Flávio Lages. O fenômeno religioso entre os jovens nas tribos urbanas: uma análise da relação cultura e religião na Comunidade Caverna de Adulão - Belo Horizonte/MG. 2018. 141 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.

RODRIGUES, Flávio Lages. O rock na evangelização. Rio de Janeiro: MK, 2006.

TAYLOR, Charles. Uma era secular. São Leopoldo: Unisinos, 2010, p. 13-37.

Notas

1 Este artigo sobre a Comunidade Caverna de Adulão está ligado à pesquisa de Mestrado em Ciências da Religião do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas (2018), de título O Fenômeno Religioso entre os Jovens nas Tribos Urbanas: uma análise da relação cultura e religião na Comunidade Caverna de Adulão – Belo Horizonte/MG (RODRIGUES, 2018), orientada pelo prof. Dr. Flávio Senra.
2 O nome Caverna de Adulão, que dá origem à comunidade em Belo Horizonte, é uma referência bíblica que se encontra no livro 1º. Samuel, 22. Este texto bíblico mostra que Davi saiu em fuga para a Caverna de Adulão fugindo do rei Saul. Cerca de 400 homens que estavam marginalizados e oprimidos se juntaram a Davi, que se tornou líder deles. Tanto no contexto bíblico do Antigo Testamento, quanto na Comunidade Caverna de Adulão, hoje o que se observa é que ambos são lugar de refúgio, refrigério, cura e aceitação das diferenças. Muitas pessoas que não se encaixam aos padrões das igrejas evangélicas tradicionais acabam vendo na Caverna um lugar de encontro, de pertencimento com os iguais e de afeto. A contracultura se estabelece ali com a socialização, que vai na contramão de muitas igrejas cristãs e também da sociedade atual. “Davi fugiu da cidade de Gate e foi para a caverna de Adulão. Quando seus irmãos e a família de seu pai souberam disso, foram até lá para encontrá-lo. Também juntaram-se a ele todos os que estavam em dificuldades, os endividados e os descontentes; e ele se tornou o líder deles. Havia cerca de quatrocentos homens com ele.” (1º. Samuel 22, 1-2).
3 O termo headbanger é utilizado pelos fãs da cultura heavy metal, bem como de suas posteriores variações e subgêneros musicais. Ele surgiu por volta de 1970, na Inglaterra, e imigrou para os Estados Unidos. A banda inglesa Black Sabbath foi a precursora do estilo heavy metal e da incorporação nos shows da agressividade estética headbanger. A expressão tribo urbana headbanger é dada aos jovens que interagem em pequenos grupos ou tribos nos centros urbanos. Para essa tribo, a socialização gira em torno da sonorização com o rock pesado, na produção e no consumo dessa música entre os jovens. Estes também consomem uma variedade de roupas, calçados e acessórios, que muitas vezes são definidos pelos membros da própria tribo. Durante os shows, esses jovens dançam em círculo com o mosh, o que lembra as tribos indígenas em suas danças. Nas apresentações das bandas de rock pesado, ocorre a dança no estilo mosh, no qual são desferidos socos e pontapés ao ar, ou contra quem se dispuser a fazer parte desse ritual. No caos e desordem da manifestação das tribos urbanas headbangers com danças e empurrões, podemos ver uma fonte de potência e efervescência nessa sociabilidade juvenil. Outra forma peculiar de expressão dessa tribo é bater a cabeça durante os shows, que é o significado literal para headbanger, com o movimento para cima e para baixo, jogando os cabelos ao ar, com o movimento violento da cabeça no ritmo da música.
4 Para entender o que estava ocorrendo em Belo Horizonte na década de 1990 com a efervescência da música rock nas tribos urbanas headbangers e na Comunidade Caverna de Adulão, como também em outras igrejas e comunidades que desenvolvem esse tipo de trabalho com os jovens, ver: RODRIGUES, 2006; RODRIGUES, 2007.
5 Realizamos a pesquisa de campo e utilizamos o método antropológico-etnográfico que aconteceu com as técnicas da observação participante e de grupo focal. Na observação participante foram feitas 4 visitas aos cultos de domingo, na comunidade. Os grupos focais foram realizados com 3 grupos mistos e 2 encontros para cada um deles. Nessa etapa, foram observados e coletados dados primários, obtidos originalmente por meio de discussões em grupos na comunidade. Essas discussões em grupo focal ofereceram esclarecimentos sobre o fenômeno religioso e cultural na Comunidade Caverna de Adulão de forma interativa, pelo olhar de dentro do grupo. Para compreensão do que as pessoas pensam e suas percepções, foram selecionados, para a composição dos grupos focais, membros da Comunidade Caverna de Adulão que tiveram como critério principal serem maiores de 18 anos. Outros critérios para a seleção foram estabelecidos para os grupos focais. Estes deveriam ser compostos por homens e mulheres, solteiros, casados e divorciados, moradores de Belo Horizonte e da Região Metropolitana, e também pelo tempo em que os mesmos estão na Comunidade Caverna de Adulão. Foram estabelecidos 3 grupos focais, com 2 encontros para cada grupo, com duração mínima de uma hora e trinta minutos a duas horas. Estes encontros ocorreram entre os meses de agosto e setembro de 2017.
6 Projeto Reconstruir é uma organização social sem fins lucrativos, para a assistência e promoção social, localizada no Aglomerado Morro das Pedras, em Belo Horizonte. Este projeto faz parte dos ministérios da Comunidade Caverna de Adulão e está no Morro das Pedras desde meados de 2005, sendo que em janeiro de 2007 foi legalmente registrada como organização social.
7 O Projeto Lamalma visa, através de projetos, melhorar a qualidade de vida de crianças e adolescentes que se encontram em situação de risco. São realizados projetos em parcerias com projetos sociais e com voluntários que contribuem e trabalham nos acampamentos, que ocorrem em finais de semana específicos, proporcionando às crianças e aos jovens socialização, lazer e cultura. O Lamalma é um projeto que não está vinculado diretamente à Comunidade Caverna de Adulão, embora seus fundadores sejam membros da Caverna e exerçam trabalhos em parceria com a igreja.
8 O Cupim Sagrado é um dos ministérios da Comunidade Caverna de Adulão e está localizado à rua da Bahia, 1176, sala 3, na região central de Belo Horizonte. Este local funciona como Centro Cultural, com palestras sobre os mais variados assuntos, mostras de filmes, debates, música, oração e outras manifestações culturais abertas ao público em geral.
9 A palavra underground tem o significado de subterrâneo, abaixo do solo, e está ligada às ramificações do metrô de Londres, com suas ligações e meio de transporte debaixo da terra. Em termos sociológicos, a palavra underground designa uma cultura que não é divulgada pelos meios de comunicação de massas; ela se estabelece como subterrânea, clandestina, marginal ou oculta diante de um grupo social ou mesmo de toda uma sociedade. Esse tipo de cultura foge dos padrões estereotipados e conhecidos pela sociedade. Isso proporciona a criação de contraculturas que ocorrem dentro de uma cultura maior no mainstream, mas fora dos modismos, da mídia e totalmente underground. A contracultura underground sinaliza também de algum modo para uma vanguarda cultural, ao passo que ela se torna politicamente uma cultura de resistência. Essa resistência entre duas culturas foi observada por Maffesoli (2010, p. 01): ele sinaliza para duas culturas dentro de uma mesma cultura. De um lado ele mostrou os “proprietários da sociedade” como “poder instituído” e que têm o poder de decisão e mudança. Por outro lado, ele mostra a “potência instituinte” que fica à margem da tomada de decisões e assim, do poder. “Em suma, o poder instituído, sob suas diversas formas: cultural, religiosa, social, econômica, contra a potência instituinte” (MAFFESOLI, 2010, p. 01). Podemos ver que, para Maffesoli, há uma tensão dentro da cultura no que se refere às manifestações culturais. O que não é aceito pelo “poder instituído”, pode ser sufocado, como o foram o rock, as tribos urbanas headbanger e outras tribos urbanas juvenis décadas passadas.
10 Fanzine é uma fusão das palavras fã e magazine, que consiste em uma publicação não profissional e não oficial. A produção do fanzine ocorre por membros de uma cultura particular, que compartilham os mesmos gostos, prazeres e formas de sociabilidade. Os adeptos das tribos urbanas headbangers utilizam essa forma de divulgação para difundir na cena alternativa e underground as bandas, shows e toda ideologia que permeia essa tribo e suas ramificações.
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