RESENHAS
CIÊNCIA DA RELIGIÃO APLICADA: ensaios pela autonomia e aplicação profissional
APPLIED SCIENCE OF RELIGION: essays for an autonomy and professional application
Recepción: 03 Abril 2020
Aprobación: 15 Mayo 2020
A STERN, F.; COSTA, M. (org.). Ciência da Religião Aplicada: ensaios pela autonomia e aplicação profissional. Porto Alegre: Editora Fi, 2018. 216 p.
O livro Ciência da Religião Aplicada: ensaios pela autonomia e aplicação profissional (2018), organizado pelos cientistas e autores em Ciência da Religião, Fábio Stern e Matheus Oliva da Costa, configura-se como um marcador para os programas de Ciência das Religiões no Brasil, bem como para a afirmação e o estabelecimento de uma disciplina capaz de abrir horizontes de atuação profissional dentro do corpus acadêmico: a Ciência da Religião Aplicada.
O livro supracitado é fruto do Seminário de Ciência da Religião Aplicada (SEMCREA), realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) desde 2017, e tem como proposta semear ideias e discussões norteadas pela valorização dessa ciência na sociedade. Ademais, contêm dez ensaios acadêmicos e uma entrevista com o cientista da religião Dr. Fábio Stern.
O autor Alex Mendes apresenta apontamentos com um ferramental teórico foucaultiano a fim de analisar a linguagem através dos regimes de discurso e poder, capaz de “[...] estabelecer regras e métodos que possam ser produzidos e reproduzidos” (p. 19), além de destacar os objetos passíveis de verificação; demonstração; descrição e corrigibilidade com os quais o cientista da religião lida. Desse modo, estimula ampliar a percepção de que não somente a ciência da religião importa saberes de outras ciências (ex. filosofia, sociologia, história, psicologia, entre outras), mas o que ela tem e pode oferecer para essas ciências.
O autor Udo Tworuschka traz considerações sobre os fundadores da ciência da religião que já apontavam, timidamente, para uma aplicabilidade da área. Seu texto consiste em abordar os pilares que direcionam o cientista da religião na investigação de como as tradições religiosas ativam, restringem e controlam as esferas sociais, além de se preocupar com os problemas inter e intrarreligioso; tendo como “coordenadas básicas” (p. 39) o interesse na vivência religiosa, uma inclusão intencional crítica a fim de identificar causas e soluções para os problemas cultural-religiosos.
O autor Frank Usarski, de maneira minuciosa, oferece alguns contrapontos ao colega Udo Tworuschka no que tange aos limites, fronteiras, justificativas, contribuições e, claro, o que configura exatamente a prática do cientista da religião. Usarski apresenta funções específicas que podem nortear o trabalho do cientista, a saber: o contexto da descoberta; o contexto da justificação, e o princípio de universalismo. Esses argumentos se desenvolvem na ciência da religião à medida que cumprem a função crítica baseada no trabalho acadêmico realizado na atitude da indiferença frente aos seus objetos, de acordo com as normas válidas para o contexto da justificação. Firmado também no princípio de “advocacia involuntária” (p. 75).
Os autores Omar Lucas e Clóvis Ecco (p.79) discutem a afirmação da autonomia da ciência da religião como campo do saber e dentro desse mesmo campo, ou seja, o modo como ela produz e reproduz ciência. Implica em virtudes como a sensibilidade para o fato empírico, compreendendo de maneira não normativa ao estudo sistemático e histórico das religiões em suas múltiplas dimensões.
O autor Ricardo Assarice (p. 99) destaca a experiência do cientista da religião com palestras e cursos temáticos, que proporciona uma visão transreligiosa e secularizada a partir de referenciais teóricos que sustentam a maneira científica e não confessional. Capaz de realizar descrições das substâncias sob critérios científicos, gerando conhecimento praticamente útil e utilizável.
Os autores Ana Mariani e Matheus Oliva (p. 107) abrem o espaço de atuação do cientista das religiões como profissional da área da saúde. Antes da atuação profissional, os autores ensejam as formações específicas dentro das grades curriculares dos cursos dos centros acadêmicos de saúde, aplicando os conhecimentos oriundos da Ciência das Religiões dentro de uma estrutura organizacional.
As autoras Clarissa de Franco e Valéria Rocha apresentam “[...] estratégias públicas de saúde em apoio ao enfrentamento da morte.” (p. 123), onde caracteriza o profissional cientista da religião na elaboração de projetos de inserção em espaços de discussões e formulações cujo foco seja oferecer condições aos enlutados, dentro de um panorama de variáveis ligadas às representações e crenças sobre morte e pós-morte; na prevenção àqueles que tiram sua própria vida por não saber lidar com a complexidade de todo um processo sociocultural religioso atribuído à morte.
O autor Fábio Stern (p. 149) desenvolve seu ensaio a partir da concepção de espiritualidade e da sua experiência como docente da disciplina de Espiritualidade e Saúdedo curso de Naturologia. Stern faz uma crítica, com fontes derivadas da Ciência das Religiões, ao apontar a insuficiência de definir espiritualidade ou bem-estar espiritual nos cursos da área da saúde. A colocação tem o objetivo de estabelecer uma medicina integrativa junto ao cientista da religião.
O autor Rodrigo Oliveira (p. 161) apresenta um panorama que tem o foco na Ciência da Religião Aplicada ao Ensino Religioso. Essa disciplina terá uma abordagem específica e comum dentro do ensino da história das religiões e a história comparada das religiões. Ao buscar tratar, em salas de aula, de traços aplicados aos contextos geopolíticos e das tradições de impactos civil e intercultural/religioso.
Os autores Suellen de Fátima e Rodrigo Oliveira (p. 183) destacam a origem, importância e desafios internos e externos da ACREPA (Associação dos Cientistas da Religião do Estado do Pará) dentro de sua região. O propósito, desde sua criação, é consolidar a empregabilidade dos licenciados em Ciência da Religião nas escolas municipais e estaduais.
Um dos cocriadores do SEMCREA, Dr. Fábio Stern, concede uma entrevista à secretária executiva da ACREPA, Suellen de Fátima (p. 197), fazendo uma análise do desenvolvimento da Ciência da Religião no Brasil e seu impacto internacional e os desdobramentos dos cientistas da religião para o reconhecimento de sua área e profissão. Assim como o crescimento de debates para a autonomia e aplicação profissional da Ciência da Religião em outros ramos que não somente o ensino religioso.
Por fim, a autonomia da área e/ou disciplina acadêmica implica no princípio que ela se auto normatiza por meio de seus aportes teóricos e métodos; e não pela heteronomia, que necessita de um princípio regulador que vem de fora, e, destarte, a ciência da religião acaba não agindo por si mesma, mas somente por constrangimento externo. O livro tem o potencial de abrir janelas que outrora eram desconhecidas e provoca os cientistas da religião a pensar fora de sua torre de marfim (pelos muros universitários). Nesse sentido, há uma necessidade de encorajar e estabelecer objetivos sociais específicos, que atendam as demandas da sociedade. A Ciência da Religião Aplicada potencializa e reafirma o próprio status da Ciência da Religião em sua dimensão integral enquanto ciência.