INTERFACE ENTRE SAÚDE MENTAL E OBSESSÃO NO CONTEXTO DA DOUTRINA ESPÍRITA-CRISTÃ: entrevista com Eugênio Eustáquio dos Santos

THE INTERFACE BETWEEN MENTAL HEALTH AND OBSESSION IN THE CONTEXT OF CHRISTIAN SPIRITUAL DOCTRINE: an interview with Eugênio Eustáquio dos Santos

INTERFAZ ENTRE SALUD MENTAL Y OBSESIÓN EN EL CONTEXTO DE LA DOCTRINA ESPIRITUAL CRISTIANA: entrevista a Eugênio Eustáquio dos Santos

Eugênio Eustáquio dos Santos (1958) é natural da cidade de Pedro Leopoldo, Minas Gerais, nascido em um local histórico chamado Quadro, onde existem as primeiras casas do município. É formado em Contabilidade e em Análise de sistemas, atuando profissionalmente nessas áreas. No momento é Curador da Casa de Chico Xavier, preside a Aliança Municipal Espírita de Pedro Leopoldo e Matozinhos, bem como o Centro Espírita Meimei (CEM), fundado em 31 de julho de 1952 pelo icônico médium e filantropo Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier) e pelo marido de Meimei, Arnaldo Rocha.

Aos 23 anos de idade interessou-se pelos estudos sobre a Doutrina Espírita e no ano de 1983 ingressou no grupo Mocidade Espírita Jovens Cáritas, vinculado ao CEM (Conselho Espírita Municipal), onde permanece até o momento desenvolvendo atividades que englobam: Reuniões públicas com palestras, passes e evangelização infanto-juvenil; Estudos doutrinários; Assistência social que arrecada e distribui alimentos (cestas básicas) para famílias carentes, bem como a colaboração em instituição que abriga crianças na fase da primeira infância; e Reuniões mediúnicas de desobsessão, sendo esta última a atividade que baliza o tema que será abordado na entrevista.

Para além, Eugênio é orador espírita, já cedeu várias entrevistas para comunidades de práxis identitárias a esta vertente, participa como convidado e/ou veicula em redes sociais lives e vídeos sobre temas correlatos, e é organizar da obra Registros Imortais, que descreve a trajetória de Chico Xavier e de seus confrades em trabalhos de desobsessão realizados no CEM. Ao receber o convite para participar desta entrevista comentou sobre a necessária comunhão entre a Doutrina Espírita e o meio acadêmico, aceitando com generosidade compartilhar seus saberes e suas práticas. O inquérito foi respondido via online em setembro de 2020.

1- Agradeço o aceite do convite para participar da entrevista, Eugênio. Sua argumentação será de grande valia para a comunidade científica e a sociedade em geral. Inicio com uma retrospectiva. Quando, como e por qual motivo Espiritismo e Obsessão despertaram seu interesse?

1. 1. Sempre me interessei pelas questões espirituais e pela comunicabilidade dos espíritos. No ano de 1977, um familiar foi acometido por desmaios que nos preocupou muito. Mesmo com o tratamento psiquiátrico, o estado patológico continuava. Resolvemos procurar uma Casa Espírita no início dos anos 1980 e acompanhá-la em uma Reunião de Assistência Espiritual. Foi identificado que sua mediunidade estava eclodindo, sendo indicado que ela iniciasse o Desenvolvimento ou Educação Mediúnica. Nessa época tivemos contato com ao primeiro livro espírita que abordava a questão, psicografado por Chico Xavier, o que nos motivou a continuar estudando outras obras desse autor e as do Sr. Allan Kardec, o codificador da Doutrina Espírita. Apesar de serem católicos, meus pais permitiram o estudo de O Evangelho Segundo o Espiritismo (KARDEC, 1995), em nossa casa, com alguns amigos. Através dos esclarecimentos advindos desta publicação que, dentre várias questões, versa sobre a necessidade da prática da caridade, iniciamos a Campanha do Quilo junto aos vizinhos para atender famílias em um bairro carente de nossa comunidade e prosseguimos no estudo da mediunidade. Esses trabalhos ficaram vinculados a minha residência até sua transferência, no ano de 1983, para o CEM, onde obtive grande aprendizado. A instituição é uma oficina de estudo e trabalho, de ajuda aos encarnados e desencarnados, fundamentada nas memoráveis reuniões de intercâmbio espiritual. Ali fundamos o Grupo Espírita Chiquinho Carvalho, em homenagem ao cunhado de Chico Xavier e dirigente das reuniões do CEM. O intuito foi ampliar as ações assistenciais, reuniões públicas, evangelização infantil e agregar mais duas reuniões mediúnicas, fortalecendo os objetivos primeiros da casa, trabalhos que, graças a Jesus, estão em plena atividade.

2- Você tem algum tipo de mediunidade? Explique, por favor.

1. 1. Sou portador da mediunidade de intuição. Essa faculdade possibilita ser porta-voz dos espíritos encarregados do trabalho de desobsessão, além da percepção do ambiente espiritual, contanto também com o estudo do Evangelho, para que seja possível sustentar o diálogo estabelecido com os desencarnados necessitados, que visitam as reuniões. Os estudos e observações vividos com os médiuns experientes do CEM, principalmente com o Sr. Geraldo Benício Rocha, cunhado de Meimei, nossa mentora espiritual, e a Sra. Cidália Xavier de Carvalho, irmã de Chico Xavier, possibilitou o desenvolvimento da minha mediunidade.

3- Como se aplica a faculdade mediúnica na atividade de desobsessão?

1. 1. Trabalhamos fazendo o atendimento fraterno aos espíritos que se encontram nessa condição. Este se dá pelo diálogo fraterno, dentro de um ambiente preparado pela espiritualidade, ficando o comunicante mais propenso a receber os conselhos, as orientações, o entendimento da própria situação de desencarnado e receptivo à ação da prece que, na maioria dos casos, inicia o processo de aceitação em busca de uma transformação espiritual, promovendo a libertação da obsessão, afastando-se do obsidiado, recebendo da espiritualidade amiga o acolhimento como filho de Deus. Esse socorro é o que chamamos de desobsessão. Nesse tipo reunião ocorre o que chamamos de choque anímico, ou seja, o contato com as energias que emanam do encarnado (médium) através da sua capacidade de captação do pensamento, das emoções e vibrações do desencarnado (obsessor). O resultado desse intercâmbio é a comunicação mediúnica. Sendo assim, o medianeiro capta, processa e transmite informações por meio do seu corpo físico, uma vez que se encontra interligado aos dois planos: o espiritual e o material. Essa manifestação possibilita ao desencarnado ter uma sensação de estar encarnado, podendo, dessa forma, expressar suas dores, medos, ódio, apego ou desequilíbrio. A reunião de desobsessão conta com médiuns ostensivos, esclarecedores e de sustentação vibratória, além de uma equipe espiritual que visa auxiliar os espíritos que ainda se encontram ligados a Terra e às pessoas, num processo de desequilíbrio. O benefício que esse trabalho pode proporcionar é o alívio mútuo, tanto para o desencarnado, que estava na condição de obsessor, quanto para o encarnado, que se encontrava na situação de obsediado, procedendo assim um processo de libertação e mudança de paradigma para a realidade vigente, além da recuperação das energias físicas, psíquicas e espirituais de ambos.

4- Uma das formas de ocorrência da obsessão é a influência daquele que se encontra no plano espiritual para com aquele que se encontra no plano material, tendo como premissa a imortalidade da alma e a comunicabilidade dos espíritos, revelada em O Livro dos Espíritos (Kardec, 2005), originando a Doutrina Espírita. Como e por qual motivo ocorre esse processo de influenciação interdimensional?

1. 1. A obsessão de um desencarnado para um encarnado está fundamentada na vingança, no ódio, no apego, em sentimentos e pensamentos nocivos que são projetados para o indivíduo. O que caracteriza o processo obsessivo é a arbitragem que alguns espíritos logram adquirir sobre certas pessoas, sendo que a obsessão é sempre o resultado de uma imperfeição moral (KARDEC, 2005). Esse domínio se dá através do pensamento e pelas propriedades do perispírito ou corpo fluídico, que faz a ligação do espírito ao corpo na reencarnação. Com o fenômeno da desencarnação, o corpo perispirídico acompanha o espírito e as propriedades do perispírito que ambos possuem, encarnado e desencarnado, possibilitam esse jugo. Nos processos obsessivos, o espírito age exteriormente com auxílio de seu perispírito que se identifica com o do encarnado que se encontra enlaçado e forçado a agir contra sua vontade.

5- Quais são os sinais e sintomas de um transtorno obsessivo de origem espiritual e como diferenciá-los dos transtornos de cunho patológico?

1. 1. Sobre os transtornos mentais, Kardec nos explica que a loucura tem como causa primária uma predisposição orgânica do cérebro que o torna mais ou menos acessível a certas impressões. Esta tendência tomará o caráter da preocupação principal, pois se muda em ideia fixa, podendo advir dos espíritos ou de ordem pessoal. Entre as causas mais comuns de sobre-excitação cerebral, contam as decepções, os infortúnios, as afeições contrariadas, que, ao mesmo tempo, são as causas mais frequentes de suicídio. O espírito do Dr. Dias da Cruz nos traz uma explicação sobre a instalação do processo obsessivo, no livro Instruções Psiconfônicas (XAVIER, 1985), fazendo uma comparação com uma seção de hipnotismo, na ação do fluido magnético a derramar do responsável pela hipnose provocada sobre o campo mental do paciente voluntário que lhe obedece ao comando. Ele nos instrui que o obsediado se torna escravizado pelo obsessor com qual possui afinidade, o domínio pode causar doenças-fantasmas de todas as naturezas e estabelecer o império das patologias reais, sendo que estas se encontram catalogadas na patogenia, desde a neurastenia (perda geral de interesse) até a esquizofrenia grave (loucura complexa). Com essas explicações podemos perceber quão tênue é o fio que separa a instalação de um processo patológico de um processo obsessivo. Para este último, nos casos de tratamento ou aconselhamento, contamos com o estudo, a observação e, principalmente, a orientação e a intervenção dos espíritos superiores, possibilitando assim, aos trabalhadores da mediunidade, essa assistência fraterna.

6- Em quais condições os obsediados costumam se apresentar (física e emocionalmente) para realização do tratamento de desobsessão?

1. 1. As condições que uma pessoa se apresenta estando sob um processo obsessivo podem variar bastante, dependendo do grau de influenciação espiritual que é acometida, o objetivo que o espírito obsessor busca nesse processo e a conduta moral do obsidiado. A obsessão simples é pouco perceptível, porém mais fácil de combater pelas ideias e condutas que devem imperar a vontade dominante, não a vontade que tenta dominar, a invigilância nessa fase permite que o processo se instale e prossiga; na fascinação o obsidiado entra em um jogo sedutor junto àquele que o quer dominar, fazendo que esse perca a razão, o senso de ridículo e se afaste de todos que o possam chamar à realidade; na subjugação o obsidiado perde o domínio de si mesmo e a vontade, permitindo que o espírito dominante se interligue a ele, que passa a ser um joguete nas mãos do dominador. O obsidiado pode se apresentar inerte, apático ou agitado, parece mais uma sombra do que é (ou foi), o seu comportamento se assemelha a de um louco vulgar, podendo sim ficar comprometido nos hábitos sociais, de higiene, psicomotores, além de todo o desarranjo emocional.

7- Certa parcela dos profissionais da psique parece relutar em relação às questões da espiritualidade, o que pode ocasionar diagnósticos e tratamentos equivocados. É possível que a barreira religiosa e/ou materialista pragmática estejam impedido os avanços neste quesito?

1. 1. A barreira religiosa e/ou materialista sempre existiu, avançou pouco, devido a não aceitação da realidade de que somos espíritos. A ciência ainda se detém nos estudos da matéria (corpo), o que limita todos os processos de cura, não só da psique, como também do físico, pois um é reflexo do outro. Allan Kardec aponta que o espiritismo abrirá novos horizontes para todas as ciências, elucidando a obscuridade das doenças mentais, e que o ideal espírita, com vistas ao bem da humanidade, progride mais do que se espera na medicina, fazendo prever um futuro e breve abandono das reservas materialistas. A barreira ciência x religião começa a ser rompida. Os profissionais que são os precursores e estudiosos na ótica da espiritualidade, conforme instruções que nos chegam pelos espíritos, estão trabalhando para isso. Através da experiência, cientistas estão nos trazendo avanços e comprovações de grande valor para identificação do espírito e suas particularidades. Ainda estudamos pouco a causa (espírito) e investimos mais nos efeitos (corpo).

8- Sob a ótica da Doutrina Espírita, é preciso tomar cuidado para não reduzir os problemas espirituais, como a possessão, à mera disfunção psicológica. Quais problemas uma pessoa obsediada ou possuída pode acarretar para a comunidade, para o núcleo familiar e para si?

1. 1. Na possessão, em vez de uma influenciação exterior, o espírito desencarnado se substitui, por assim dizer, ao espírito encarnado. Na utilização do seu corpo, fala por sua boca, vê pelos seus olhos, atua com seus braços, sem que o ser encarnado abandone o corpo, o que ocorre somente com o fenômeno da morte, tornando a possessão um fenômeno temporário e intermitente. A obsessão ocorre sempre sob a influência de um espírito malfeitor. A possessão pode ser a atuação de um bom espírito que quer falar, toma emprestado o corpo de um encarnado que lhe empresta voluntariamente, como se emprestasse sua veste. Caso o espírito possessor seja mau, ele se apodera do corpo quando a pessoa não possui força moral a lhe resistir. Ele o faz por maldade, tortura e martiriza de todas as maneiras, até querer fazer com que pereça de alguma forma. Servindo-se dos membros e dos órgãos do desditoso, realiza blasfêmias, injúrias e maltrata os que o cercam, libera-se a estas excentricidades e a atos que tenham todas as características de loucura furiosa. Os fatos deste gênero, em diversos graus de intensidade, são muito numerosos, e diversos casos de loucura não possuem outra causa. Frequentemente a eles se juntam desordens patológicas que são apenas consequências, e contra as quais os tratamentos médicos são impotentes enquanto subsistir a causa primária. A obsessão e a possessão são geralmente individuais, mas, por vezes são epidêmicas, isso acontece quando muitos espíritos maus se concentram sobre uma localidade como uma tropa de inimigos para atacar.

9- Percebe-se que nos últimos anos, estudos têm investigado a relação entre saúde e espiritualidade. A terapia desobsessiva é substitutiva daquelas tradicionais da psique, como medicamentos e psicoterapia, atuando de forma independente ou podem ser associadas?

1. 1. A vertente científica dedicada aos estudos sobre saúde e espiritualidade está no caminho esperado pelos amigos espirituais, pois estabelece a relação corpo e espírito, tratando os efeitos (corpo) a partir da causa (espírito). Nas obsessões, quando identificada início e as energias negativas emitidas pelo espírito obsessor - que são absorvidas pelo encarnado - ainda não causaram lesões profundas no corpo celular e na psique, o tratamento fluido-terápico (por meio dos passes, renovação do hálito mental - através da evangelização e estudos doutrinários), a ocupação útil, juntamente com o atendimento ao agente obsessor nas reuniões de desobsessão, que poderá aceitar a mudança de conduta perante o obsidiado, resulta em seu afastamento, promovendo a cura sem medicamentos. Quando o obsidiado muda seu padrão vibratório pelas preces e pensamentos, mesmo que o obsessor não mude de conduta, passa ao não ter acesso sobre este, que se liberta do processo obsessivo. Quando o processo obsessivo se encontra instalado, ou seja, o agente já tem o domínio sobre o encarnado, causando prejuízos incalculáveis à colmeia celular e nos estados psicológico e psíquico, as terapêuticas tradicionais da área da psique são necessárias para auxílio ao já adoecido, proporcionando alívio e melhor qualidade de vida, ajudando no equilíbrio físico e psíquico. Dessa forma, pode agregar muito ao tratamento espiritual, pois torna o paciente mais apto e receptivo à terapêutica espírita. Os espíritos amigos nos esclarecem que nunca devemos interferir nos tratamentos tradicionais dos pacientes que buscam a casa espírita, devemos orientar e fazer atendimentos segundo os princípios dos instrutores que nos incentivam ao estudo, observação e amor no trato com os irmãos sofredores. Portanto, o trabalho de forma exclusivista em ambas as terapias só causa prejuízos aos que necessitam. Devemos avaliar cada caso e oferecer o tratamento necessário, para causas e efeitos, aliando a ciência espiritual com a Terra, sabendo que todas vêm de Deus.

Eugênio Eustáquio dos Santos concluiu que esta entrevista permitiu trazer reflexões sobre o aprendizado através do trabalho realizado pelo CEM, onde iniciou a tarefa da desobsessão com Chico Xavier e amigos, ao fundarem uma instituição especializada nos atendimentos e estudos dos casos de obsessão. Enfatizou que, o momento no qual os profissionais da ciência investigam as realidades espirituais, sente-se agradecido e reconhece Allan Kardec, Chico Xavier e os demais médiuns que dedicaram (e dedicam) as suas vidas a serem mensageiros de Deus, através da mediunidade. E finalizou com a frase: “O futuro pertence ao Espírito! Busquemos em Jesus Cristo, o médico das almas, o caminho, a verdade e a vida”.