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BHAKTIVINODA THAKURA E O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO NO SÉCULO XIX
Romero CARVALHO
Romero CARVALHO
BHAKTIVINODA THAKURA E O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO NO SÉCULO XIX
Bhaktivinoda Thakura and the Interfaith Dialogue in the 19th Century
Bhaktivinoda Thakura y el Diálogo Interreligioso en el Siglo XIX
Interações, vol. 16, núm. 2, pp. 294-309, 2021
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
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Resumo: Bhaktivinoda Ṭhākura, mestre basilar do Vaiṣṇavismo, uma das quatro principais tradições do Hinduísmo, é um dos raros mestres que foi capaz de resgatar, reformar e propagar um determinado pensamento teológico, apresentando uma obra singular e extensa. Neste artigo,[1] apresento, sobretudo, as proposições de Bhaktivinoda Ṭhākura para o diálogo inter-religioso, publicadas na Índia ainda no século XIX. A pesquisa foi de natureza teórica e a ferramenta utilizada foi bibliográfica, tendo como base três livros fundamentais da obra de Bhaktivinoda Ṭhākura. O diálogo inter-religioso é uma realidade atual bastante estudada na Ciência da Religião, mas são poucos os exemplos de estudos no Brasil sobre membros de tradições não-cristãs que propuseram ou propõem este diálogo. Assim, vê-se ao final o pioneirismo e visão do autor estudado e sua importância para o campo de pesquisas em pluralismo e diálogo inter-religioso.

Palavras-chave:HinduísmoHinduísmo,DiálogoDiálogo,BhaktivinodaBhaktivinoda,BhaktiBhakti,VaiṣṇavismoVaiṣṇavismo.

Abstract: Bhaktivinoda Ṭhākura, an essential master of Vaiṣṇavism, one of the four main traditions of Hinduism, is one of the rare masters who were able to rescue, reform, and propagate a particular theological thought by presenting a unique and extensive work. In this article, I present, mainly, Bhaktivinoda Ṭhākura's propositions for interreligious dialogue, published in India in the nineteenth century. The research was theoretical and bibliographic, based on three fundamental books of Bhaktivinoda Ṭhākura's work. Interfaith dialogue is a current reality that has been widely studied in Religious Studies but there are few examples of researches in Brazil about members of non-Christian traditions that have proposed this dialogue or are doing it nowadays. Thus, we see at the end the pioneering spirit and vision of the author studied and his importance to the field of research in pluralism and interreligious dialogue.

Keywords: Hinduism, Dialogue, Bhaktivinoda, Bhakti, Vaiṣṇavism.

Resumen: Bhaktivinoda Ṭhākura, maestro fundamental del vaiṣṇavismo, una de las cuatro tradiciones principales del hinduismo, es uno de los pocos maestros que supo rescatar, reformar y propagar un pensamiento teológico, presentando un trabajo único y extenso. En este artículo presento, sobre todo, las propuestas de Bhaktivinoda Ṭhākura para el diálogo interreligioso, publicadas en la India en el siglo XIX. La investigación fue teórica y la herramienta utilizada fue bibliográfica, basada en tres libros fundamentales de la obra de Bhaktivinoda Ṭhākura. El diálogo interreligioso es una realidad actual que ha sido ampliamente estudiada en la Ciencia de la Religión, pero hay pocos ejemplos de estudios en Brasil sobre miembros de tradiciones no cristianas que han propuesto o proponen este diálogo. Así, se ve al final la pionera visión del autor estudiado y su importancia para el campo de la investigación en pluralismo y diálogo interreligioso.

Palabras clave: Hinduismo, Diálogo, Bhaktivinoda, Bhakti, Vaisnavismo.

Carátula del artículo

ARTIGOS

BHAKTIVINODA THAKURA E O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO NO SÉCULO XIX

Bhaktivinoda Thakura and the Interfaith Dialogue in the 19th Century

Bhaktivinoda Thakura y el Diálogo Interreligioso en el Siglo XIX

Romero CARVALHO
Mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Doutorando em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Brasil., Brasil
Interações, vol. 16, núm. 2, pp. 294-309, 2021
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Recepción: 14 Diciembre 2020

Aprobación: 17 Junio 2021

1 INTRODUÇÃO

Hoje no Ocidente, entendemos a perspectiva do pluralismo religioso com a ideia central de que cada religião tem sua proposta salvífica e de fé que deve ser “[...] aceita, respeitada e aprimorada a partir de um diálogo e aproximação mútuos.” (RIBEIRO, 2014, p. 15). O chamado Hinduísmo, com todas as suas vertentes religiosas e escolas filosóficas, sempre foi, até por necessidade, um espaço pluralista de diálogo inter-religioso. Mas como fica essa questão com tradições não originadas na literatura védica? Nisso, o teólogo, poeta, escritor e mestre Bhaktivinoda Ṭhākura se destaca. Além de resgatar das cinzas o Bhakti-yoga (o yoga da devoção) do Vaiṣṇavismo Gauḍīya, Bhaktivinoda Ṭhākura estabeleceu paralelos com o cristianismo, idealizou a aplicação dos ensinamentos de sua tradição na modernidade e ainda vislumbrou um mundo unido no ato de glorificar os nomes de Deus (saṅkīrtana). Para entender o contexto de Ṭhākura, é necessário, antes, situar sua tradição dentro da vasta gama de religiões chamadas de hindus, contextualizar seu interesse e (re)adesão ao Vaiṣṇavismo Gauḍīya, para, posteriormente, adentrar em suas proposições dialogais, publicadas de forma pioneira ainda no século XIX, traçando paralelos e consonâncias com pensadores ocidentais e cristãos do diálogo inter-religioso.

2 OS HINDUÍSMOS E A LITERATURA VÉDICA

Como descreve o teólogo cristão Raimon Pannikar (2005):

Outro caráter do hinduísmo[2] que salta imediatamente aos olhos é a multiplicidade mais variada e ainda contraditória de caminhos, seitas e confissões, além de sua pluralidade de escolas doutrinais; por isso pode-se dizer que ele é um ramalhete de religiões e não uma religião. (PANNIKAR, 2005, p. 36, tradução nossa).[3]

Em uma mesma localidade geográfica, tradições distintas, ancoradas na vasta literatura védica, conviveram por milênios sem qualquer registro de conflitos religiosos, mas com muitos debates e diálogos entre mestres e teólogos.

Esta literatura é dividida em duas grandes seções, nomeadas Śruti e Smṛti. O Śruti é a categoria mais antiga, que engloba os quatro Vedas (Ṛg, Yajur, Sāma e Atharva) e suas derivações (Brahmanas, Aranyakas, Upaniṣads, Vedangas e Upavedas), não possuindo registro de autoria. A tradição acredita que eles são um conhecimento revelado diretamente pela Divindade, que existiu na oralidade até sua compilação. Já os Smṛtis são textos escritos por pessoas com inspiração divina, que incluem, entre outros, os códigos de conduta (Dharma Śāstras), os ṣaḍ-darśana (seis sistemas filosóficos) e, sobretudo, as populares histórias védicas – os Purāṇas – e os épicos – Itihāsas, categoria composta sobretudo pelo Rāmāyaṇa e pelo Mahābhārata, onde se insere o mais popular dos livros desta seção, a Bhagavad-gītā.

O hinduísmo tradicional pode ser dividido de forma simples em quatro grandes tradições que aceitam tanto o Śruti quanto os Smṛtis, conhecidas como Vaiṣṇavas, Śaivas, Śāktas e Smārtas, que apresentam práticas espirituais, hermenêuticas e conclusões filosóficas totalmente distintas, variando de um monismo ateísta a um teísmo devocional monoteísta, passando por politeísmo e panteísmo. Entre essas tradições, o Vaiṣṇavismo se destaca como a maior de todas as denominações teístas do Hinduísmo, e entende que Viṣṇu (ou Kṛṣṇa) e suas manifestações (avatāras, que pode ser traduzido como descida) é a Divindade Suprema pessoal (Bhagavan), fonte do aspecto impessoal (Brahman) da Divindade. Neste conceito de avatāra, central no Vaiṣṇavismo, a descida ou aparecimento de Deus neste planeta ou em algum outro plano no Universo pertence ao conceito de manutenção[4] dos princípios que mantém a ordem, a religião e a civilidade, que podem ser resumidos neste caso na palavra dharma.[5]

3 A TRADIÇÃO VAIṢṆAVA DA BENGALA

O Vaiṣṇavismo, que possui uma história muito longa na tradição védica, remontando há muitos séculos antes da era cristã (BASHAN, 1982, p. 331-332), foi ainda mais popularizado pelos doze poetas do Sul da Índia conhecidos como Ālvārs (séculos VI e IX d.C.) e teve suas principais escolas sistematizadas a partir do século XI. Seguindo uma tradição deixada por Śaṅkara no século IX – que reformulou a tradição Smārta e defendeu sua filosofia monista do Vedānta Advaita com comentários hermenêuticos às Upaniṣads, Brahma-sūtra (também conhecido como Vedānta-sūtra), e a Bhagavad-gītā –, quatro mestres apresentaram Vedāntas Vaiṣṇavas: Rāmānuja (1017-1137 d.C.), na escola conhecida como a Śrī Sampradāya; Mādhva (1238-1317 d.C.), na Brahmā Sampradāya; Nimbārka (1125-1162 d.C.), na Kumara Sampradāya; e Vallabha (1473-1531 d.C.), na Rudra Sampradāya. Apesar de formalmente pertencer à Brahmā Sampradāya, uma quinta Sampradāya,[6] a Vaiṣṇava Gauḍīya,[7] de Caitanya Mahāprabhu (1486-1533 d.C.),[8] por possuir substanciais divergências com a hermenêutica proposta por Mādhva, deve ser considerada uma escola independente (VALERA, 2015, p. 28). Na Vaiṣṇava Gauḍīya, seu mestre primordial, Caitanya Mahāprabhu, não escreveu seus ensinamentos, mas deixou esta tarefa para discípulos, além de aceitar o popular Smṛti conhecido como Bhāgavata Purāṇa como um comentário natural ao Vedānta-sūtra.[9] Assim, o método utilizado pelo Vaiṣṇavismo Gauḍīya para interpretar os textos escriturais difere do utilizado por Śaṅkara, por exemplo:

[...] Śaṅkara se vale principalmente do sentido secundário dos textos das escrituras, mesmo quando o sentido primário é obviamente admissível. A escola bengali enfatiza mais o sentido primário dos textos, deixando o uso do sentido secundário apenas para os casos de falha de todas as tentativas imparciais de interpretação utilizando o sentido primário. A forma de interpretação dos textos das escrituras pelo uso do sentido secundário, como foi mostrado, é totalmente inconsistente com a teoria vedântica da validade intrínseca das escrituras reveladas. Tendo em vista que todos os sentidos secundários são inferenciais por natureza, confiar neles é confiar em uma inferência e rejeitar a natureza de autoridade autoevidente das escrituras. (CHAKRAVARTI, 2004, p. 39, tradução nossa).[10]

Desta forma, a devoção (bhakti)[11] a Deus proposta pelo Vaiṣṇavismo Gauḍīya tem como principal referência escritural o Bhāgavata Purāṇa. Porém, Mahāprabhu pediu a um grupo de discípulos, conhecidos como os Seis Goswāmīs[12], com destaque para Jīva Goswāmī e Rūpa Goswāmī, para sistematizarem a teologia de bhakti, dando origem a uma extensa literatura medieval sobre a religião Vaiṣṇava Gauḍīya e seu culto centrado em Kṛṣṇa e Sua consorte Rādhā[13]. Ao cânone criado pelos Seis Goswāmīs, outros mestres importantes fizeram adições literárias, como Viśvanātha Cakravartī (1638-1708) e Baladeva Vidyābhūṣana (? – 1768), enquanto alguns foram fundamentais para a manutenção da tradição, como Narottama Dāsa (1550 – 1587) e Jāhnavā-mātā (século XVI), primeira mestra do Vaiṣṇavismo Gauḍīya após a partida de Caitanya Mahāprabhu e seus principais companheiros. Na linha de sucessão discipular de Jāhnavā-mātā, Bhaktivinoda Ṭhākura se iniciou no Vaiṣṇavismo Gauḍīya e mudou completamente os rumos e a história dessa tradição.

4 O RESGATE DA TRADIÇÃO VAIṢṆAVA GAUḌĪYA

Quando Ṭhākura nasceu em Birnagar, na Bengala Ocidental, em 1838, o Vaiṣṇavismo Gauḍīya estava dominado por seitas conhecidas como sahajiyās, que possuíam uma péssima reputação na sociedade indiana na época. Ṭhākura nasceu numa família abastada, cresceu na mansão de seu avô materno e recebeu educação formal na escola primária fundada pela sua avó. Posteriormente, como era comum na época para o que poderíamos chamar de classe média indiana, ingressou em uma escola inglesa em Krishnanagar. Porém, aos 11 anos, seu pai faleceu, o que fez sua família perder a casa e se empobrecer. Ṭhākura, cujo nome de nascimento é Kedāranātha Datta, morando com a família materna, passou a ajudar o seu tio a publicar artigos em inglês no jornal Hindu Intelligencer. Com dezoito anos, começou o ensino superior em uma faculdade cristã em Calcutá, escrevendo proliferamente em inglês e bengali, estudando literatura inglesa e oratória. Foi nesse período que Bhaktivinoda Ṭhākura se interessou pela teologia cristã, considerando-a muito mais interessante que a filosofia monista Vedānta Advaita, que dominava a intelectualidade hindu da época. Os pais de Ṭhākura eram vaiṣṇavas gauḍīya, com todo o ideal de devoção (bhakti) a Kṛṣṇa, o que é diametralmente oposto à ideia de libertação proposta pelo Vedānta Advaita, que, em última análise, vai considerar a devoção como algo inferior e Kṛṣṇa como um produto da ilusão (maya). A proposta de bhakti é bastante semelhante ao cristianismo, como observou o luterano Rudolf Otto (1929), que declarou: “[...] as semelhanças que aqui se apresentam são tão importantes que é tentador considerar essa religião, vista de fora, como um tipo de cópia no solo indiano daquela religião que surgiu na Palestina e que chamamos de Cristianismo.” (OTTO, 1929, p. 11). Nathan Söderblom (1931) também declara que “[...] Warren Hasting estava certo em escrever que, de todas as religiões conhecidas, essa é a que mais se aproxima do cristianismo.” (SÖDERBLOM, 1931, p. 133). Assim como no cristianismo, no Vaiṣṇavismo Gauḍīya o amor e a devoção a Deus aparecem como meta salvífica e a graça divina (prasāda) é o meio para se atingir este objetivo.

Porém, como dissemos, a situação do Vaiṣṇavismo Gauḍīya[14] não favorecia a sua aceitação e disseminação em círculos intelectuais como o que Bhaktivinoda Ṭhākura fazia parte. Ele se tornou professor e, posteriormente diretor de uma escola no estado de Orissa, quando pôde estudar as práticas e peculiaridades das inúmeras religiões e seitas hindus. Foi quando Ṭhākura redescobriu a importância do Vaiṣṇavismo Gauḍīya, e fez um intenso trabalho de resgate da vasta literatura da tradição. Como passou a ocupar cargos muito importantes no governo na época, dominando outras línguas, como o persa e o urdu, e chegando ao posto de Magistrado no Estado da Bengala, o cargo mais alto que um indiano poderia chegar no domínio inglês na região, a fervorosa defesa de Bhaktivinoda Ṭhākura do Vaiṣṇavismo Gauḍīya mudou completamente o status dessa tradição na sociedade da época.

Em seu esforço para revitalizar o interesse por Caitanya Mahāprabhu, ele publicou revistas, periódicos e cerca de 100 livros, inclusive em inglês, o que era inédito. Redescobriu os locais de atividades de Mahāprabhu, como seu local de nascimento, construiu templos que são referências até hoje e fez canções em bengali que passaram a integrar a liturgia vaiṣṇava. Ṭhākura, como explica Jason Fuller, inaugurou um movimento religioso baseado na publicação da palavra escrita:

[...] pelo uso da impressão de livros e periódicos, a tradição nativa do Vaiṣṇavismo Gauḍīya foi recuperada e adequada de forma moderna. Nesse processo ela se transformou. A inovação de Bhaktivinoda no domínio da mídia impressa definiu os parâmetros de uma modernidade vaiṣṇava, e que se tornaram os parâmetros pelos quais a maior parte das comunidades vaiṣṇavas gauḍīyas operam até hoje. (FULLER apud VALERA, 2015, p. 58).

A meta de Bhaktivinoda Ṭhākura, porém, não era apenas atingir a classe culta de bengalis e indianos em geral, mas disseminar os ensinamentos de Caitanya Mahāprabhu e de seus discípulos em todo o planeta.

5 OS PRECEITOS DE ṬHĀKURA PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

Além de organizar encontros de vaiṣṇavas, num diálogo intra-religioso, Ṭhākura, de forma pioneira, enviou para o exterior o livreto Caitanya Mahāprabhu: sua vida e preceitos, em inglês. Este livro chegou à biblioteca da Royal Asiatic Society, em Londres, à biblioteca da McGill University, no Canadá, e a outras instituições respeitáveis, em 1896. Nesta época, Ṭhākura já era um teólogo, poeta e intelectual bastante respeitado, palestrante requisitado e uma das pessoas mais influentes de sua região, com uma gráfica própria para a impressão de livros e periódicos. Um de seus filhos, Bhaktisiddhānta Sarasvatī (1874-1937), foi o responsável por de fato realizar a sua visão de uma instituição vaiṣṇava organizada e unificada, como ele via as igrejas cristãs, estabelecendo padrões litúrgicos que são referências até hoje. Posteriormente, Bhaktivedanta Swami Prabhupāda (1896-1977), discípulo de Bhaktisiddhānta, atravessou as fronteiras e atingiu o mundo inteiro com a ISKCON – Sociedade Internacional Para a Consciência de Krishna, hoje presente em todos os continentes. Essa expansão mundial de um culto hindu só foi possível pela visão de Bhaktivinoda Ṭhākura, de que isso não pertencia apenas aos indianos e suas castas, que ele combatia, mas a todo o planeta, o que era, na realidade, uma visão missionária do próprio Caitanya Mahāprabhu. Porém, Ṭhākura deixa claro como esta missão deveria acontecer.

Em seu Śrī Caitanya-Śikṣāmṛta, publicado em 1886 – antes dele enviar seus primeiros livros para o exterior –, Ṭhākura diz que Deus é uma característica comum e constante na humanidade, e mesmo tribos nas florestas que sobrevivem de forma rudimentar adoram o sol, a lua, montanhas e rios. Para ele, as civilizações evoluem de estágios incivilizados a estágios civilizados, passando, progressivamente, ao estágio científico, ao estágio moral e, por fim, devocional. Se há uma concepção da essência de Deus neste estágio, Ṭhākura acredita que o mesmo resultado pela adoração será obtido. Ele argumenta que, ainda que Caitanya Mahāprabhu tenha instruído os seus devotos a adorar a forma mais pura de Deus, ele deixou claro que não deveria haver qualquer crítica a outros modos de adoração.

Ṭhākura (2004, p. 8) categoriza as diferenças nas religiões em: (1) mestres e profetas; (2) distinções entre mentalidade e expressão de reverência pelos devotos; (3) entre procedimentos de adoração e rituais; (4) entre a concepção sobre Deus; (5) entre nomes e declarações de Deus, devido a variações da língua. Exemplificando, ele diz que as pessoas adoram na Índia os ṛṣis (sábios) védicos, enquanto em outros países eles respeitam profetas como Mohammed, em outros lugares, Cristo, ou ainda sábios nativos. E declara:

É imperativo que o povo de um país específico dê o devido respeito aos seus santos locais, e ninguém, mesmo que carregue uma crença particular no seu processo espiritual, deve ir a outros lugares e pregar que os ensinamentos de seus próprios mestres são algo superior ao ensinamento de outros. Isso não gera nenhum tipo de benefício ao mundo. (THAKURA, 2004, p. 8-9, tradução nossa).[15]

Ainda declarando sobre a validade da multiplicidade religiosa, Ṭhākura equipara os processos e lista diferenças:

[...] na Índia, os devotos se sentam em um āsana e, após realizarem nyāsa e prāṇāyāma, começam sua adoração; o muçulmano se volta para a Mecca e realiza sua adoração cinco vezes por dia curvando-se; o cristão se ajoelha com as mãos postas e, com humildade, louva o Senhor, seja na igreja ou em sua casa. Cada país tem sua religião peculiar, com vestimenta, comida, pureza e impureza. [...] Algumas pessoas, preenchidas pela devoção em seu coração, estabelecem a forma do Senhor em sua alma, mente e, finalmente, no mundo externo. Entendendo que tal forma da Deidade não é diferente do próprio Senhor, eles adoram essa forma. Em algumas religiões, por conta de uma ênfase maior na lógica, os adoradores simplesmente formam uma concepção sobre Deus na mente e adoram-na; tais adoradores não aceitam uma forma externa de Deidade do Senhor. Na realidade, porém, todas essas concepções são formas do Senhor. Por conta de variações na língua, as religiões se dirigem a Deus por nomes distintos. (THAKURA, 2004, p. 9, tradução nossa).[16]

Ṭhākura afirma que essas distinções tornam natural o fato de as religiões parecerem diferentes, mas é, contudo, impróprio e prejudicial discutir sobre essas diferenças. Ao invés disso, ele recomenda uma atitude distinta, prescrevendo um humilde estado de espírito inter-religioso:

[...] as pessoas aqui estão adorando o meu Senhor, mas de outra forma. Por conta da minha formação diferente, eu não posso compreender apropriadamente este sistema de adoração. Contudo, a partir dessa experiência, eu posso aprofundar a minha apreciação por meu próprio sistema de adoração. O Senhor é apenas um, não dois. Assim, eu ofereço respeito a esta forma que vejo aqui e oro para que o Senhor, nesta nova forma, possa aumentar o meu amor por Ele na forma que eu estou habituado. (THAKURA, 2004, p. 9-10, tradução nossa).[17]

Bhaktivinoda Ṭhākura ainda diz que aqueles que não seguem esse procedimento, mas criticam outros sistemas de adoração, mostram inveja, ódio e violência, tornando-se tolos e desprezíveis, e quanto mais se engajam em disputas inúteis, mais se afastam do verdadeiro objetivo de seu próprio sistema religioso. Ele afirma, contudo, que se uma falha real for detectada em uma situação particular com praticantes de um sistema religioso, não se deve cegamente aceitar tal problema, mas, de forma apropriada e respeitosa, argumentar sobre a falha para o benefício de toda a comunidade. Com conhecimento, deve-se discernir entre os vários processos religiosos, afastando-se, inclusive, de falsas religiões e processos pervertidos por concepções enganosas e distantes das conclusões das escrituras, dos santos praticantes e dos mestres pregressos. Ṭhākura ainda faz um apelo, dizendo que a única real religião é o amor puro, que é o objetivo final. “[...] Dessa maneira, não vamos disputar sobre diferenças externas. Se o objetivo da religião é amor puro, então o resto pode ser ajustado.” (THAKURA, 2004, p. 11, tradução nossa).[18] Tudo aquilo que rejeita o amor puro, para ele, não deve ser considerado religião verdadeira.

Em sua obra que é tida como o seu maior trabalho, o Jaiva Dharma, de 1896, Bhaktivinoda Ṭhākura propõe uma espiritualidade acima das designações religiosas. Ele argumenta que a alma é eterna e, portanto, seu único dharma (ocupação, natureza) real é em relação ao Real. Assim, a natureza constitucional da alma é ser uma eterna serva amorosa de Deus, seu dharma eterno, “[...] inquebrável e imaculado.” (THAKURA, 2007, p. 15). Quando consciente da sua natureza real e, consequentemente, de sua ocupação dhármica, a pessoa executa sua ocupação eterna, enxergando tudo como parte integrante de Deus. Bhaktivinoda Ṭhākura (2007, p. 15) classifica dharma enquanto processo religioso em três categorias: nitya-dharma, ou religião eterna, que deseja apenas servir a Deus em amor puro; anitya-dharma, que não fala da existência de Deus; e naimittika-dharma, que reconhece a existência de Deus enquanto um Controlador Supremo, mas, com interesses pessoais, esforça-se para obter a misericórdia Dele a partir de métodos ritualísticos.

Entre os que tentam viver o nitya-dharma, há os que estão em um primeiro patamar (kaniṣṭha-adhikārī), que veem o sagrado apenas no altar e em objetos como livros e materiais de adoração; os que estão em um segundo nível (madhyama-adhikārī) e conseguem visualizar o sagrado no altar e nos santos e mestres; e os que estão no nível mais elevado (uttama-adhikārī), que podem ver Deus em tudo e todos, glorificando o nome divino constantemente, sempre permanecendo na companhia de outros devotos e servindo a toda criação como um serviço direto a Deus,[19]. Desta forma, a única atividade eterna para as almas seria professar amor transcendental por Deus. Em termos ontológicos, diz-se que a atividade eterna (nitya-karma) verdadeira é a prática espiritual pura e constante ou as atividades direcionadas para o reestabelecimento da consciência transcendental pura.

As demais atividades ou designações religiosas, Bhaktivinoda Ṭhākura classifica como ocupações (dharma) circunstanciais, que são ressignificados quando a pessoa se conscientiza do seu dharma eterno e dedica suas atividades ordinárias a este propósito superior. Nesta consciência, Ṭhākura não via diferenças entre os processos religiosos que trabalhavam para ajudar a pessoa a desenvolver seu amor por Deus. Independente do caminho, o objetivo aconteceria, mesmo que em tempos distintos, já que os métodos variam.

Neste nível, uttama-adhikārī, não há para Ṭhākura qualquer traço de sectarismo, que seria bastante presente nos primeiros estágios do caminho espiritual, como ele afirma e condena em seu livro Śrī Kṛṣṇa-saṁhitā, de 1880:

[...] As diferentes formas dessas atividades espirituais criam divisões de sectarismo. As diferenças que surgem de locais, épocas, línguas, comportamento, alimentos, vestimentas e naturezas das diversas comunidades estão incorporados nas práticas espirituais das pessoas e vão fazendo com que gradualmente uma comunidade se torne completamente divergente da outra. Essa diferença é tão acentuada que até mesmo a consideração de que todos são seres humanos pode deixar de existir. Devido a essas distinções há desacordo, deixam de haver relacionamentos sociais e acabam ocorrendo as lutas, que chegam ao ponto da matança mútua. Quando uma mentalidade de asnos predomina entre os kaniṣṭha-adhikārī, eles fatalmente acabam assumindo esse tipo de conduta. Contudo, se eles desenvolvem uma mentalidade de cisnes[20], então, eles não tomam partido nas disputas; ou seja, eles assumem um comportamento mais elevado. [...] Se apresentarem uma mentalidade de cisnes e o desejo de alcançarem um nível mais elevado, devem respeitar as práticas dos outros e inquirir sobre temas mais elevados. Na verdade, as contradições só ocorrem devido à mentalidade de asnos. As pessoas de mentalidade de cisnes consideram a necessidade de diferentes práticas de acordo com a qualificação dos outros, e, portanto, estão naturalmente desapegadas das disputas sectárias. (THAKURA, 1998, p. 8, tradução nossa).[21]

Já na introdução deste livro, Bhaktivinoda Ṭhākura faz um audacioso resumo de toda a história das religiões védicas – buscando datar o período de cada escritura –, comenta o surgimento de outros processos religiosos na Índia, como Jainismo e Budismo, traça a origem da religião egípcia, judaica e exalta o surgimento do cristianismo e islamismo, enaltecendo Moisés, Mohammed e Jesus. Tudo para conclamar que todos devem entender a suprema importância de desenvolver amor e se relacionar com Deus e com todos a partir deste sentimento sublime.

Bhaktivinoda Ṭhākura faleceu em 1914, mas permanece como a personalidade mais influente e reverenciada entre todas as correntes do Vaiṣṇavismo Gauḍīya. Seu trabalho literário segue sendo traduzido para mais de uma dezena de línguas ocidentais e sua importância o fez ser chamado de Sétimo Goswāmī, numa referência ao trabalho literário dos seis discípulos deixados por Caitanya Mahāprabhu. Sua visão de mundo é a meta vaiṣṇava de bem-estar social.

6 ṬHĀKURA EM PERSPECTIVA DIALOGAL

Em sua oração para a atitude correta de compreensão de outros processos religiosos, Ṭhākura (2004), como vimos, ora para que Deus, que é apenas um, não dois, em uma nova forma, na qual ele está sendo apresentado naquele momento, “[...] possa aumentar o meu amor por Ele na forma que eu estou habituado.” (ṬHĀKURA, 2004, p. 9). Como pontuou Faustino Teixeira (2012):

O autêntico diálogo inter-religioso requer esse exercício positivo de envolver-se, o quanto possível, na experiência religiosa do outro, de deixar-se habitar pelo seu enigma e enriquecer-se com sua novidade. [...] Há que levar a sério o pluralismo religioso. Se existem dificuldades de encontro no âmbito da “religião como sistema”, aberturas são favorecidas no âmbito da “experiência interior”. É nesse âmbito de maior profundidade, das experiências religiosas, que ocorre o clima mais propício para o diálogo inter-religioso. (TEIXEIRA, 2012, p. 21).

Ou seja, ambos entendem, como o teólogo Paul Tillich, que é na profundidade que se ganha liberdade espiritual para poder perceber a “[...] presença do divino em todas as expressões do sentido último da vida humana.” (TILLICH apud TEIXEIRA, 2012, p. 63). Como assinala Henri Le Saux:

Deus está dentro, no mais profundo, no mais íntimo, no mais si de si. Não se trata de sair de si, de buscar para fora encontrar Deus, como uma pessoa viaja em direção ao Norte, percorrendo um grande círculo, para encontrar seu irmão no Sul, não se dando conta de que estão separados apenas por uma porta... Trata-se de sair de si mesmo através de um caminho interior, para atingir o Si. (LE SAUX apud TEIXEIRA, 2012, p. 63).

Este caminho de libertação de nós do coração, como diz o catalão Ramon Pannikkar, é a base para a chegada na categoria uttama-adhikārī descrita no Bhāgavata Purāṇa e trabalhada por Ṭhākura como uma superação de todo o sectarismo. Nesta plataforma, em uma perspectiva inter-religiosa, a pessoa se encontra na descrição de Le Saux:

Deus não é mais aqui e menos Lá; essas são ideias do homem míope e suas distinções. Deus se faz presente tanto no voo do inseto como na contemplação do teólogo ou no ato de amor místico. Deus não estava menos em Yājñāvalkya que em Isaías, não estava menos em Sākyamuni (o Buda) que em Paulo de Tarso. (LE SAUX apud TEIXEIRA, 2012, p. 66).

Nesta categoria em que se vê o sagrado em tudo, a diversidade jamais seria um problema, mas uma expressão da infinitude divina, e o diálogo só enriqueceria a experiência. A dançarina, professora e pesquisadora Karen Veloso Martins apresenta um paralelo com a arte, argumentando que o artista não tem problemas com a diversidade, e dificilmente encontraremos um dançarino, por exemplo, advogando que apenas sua expressão artística é válida ou autorizada como única maneira de se alcançar a perfeição estética.

Para o artista, a arte é seu objeto precioso, ao qual dedica seu esforço, seu amor e admiração. Do mesmo modo, para a pessoa verdadeiramente religiosa, espiritualista, o Transcendente é sua arte, o objeto de seu esforço, amor e admiração. [...] A beleza da diversidade artística é desejável porque pessoas diferentes precisam e desejam métodos, técnicas e estéticas diferentes. A partir do momento em que o objetivo está claro – produzir uma obra de arte – as diferentes técnicas são bem vindas se ajudarem a conduzir a ele. Da mesma maneira, se o objetivo é a elevação espiritual, a Transcendência, os diferentes sistemas compatíveis com a variedade de pessoas, é também desejável, tendo em vista o benefício delas. (MARTINS, 2015, p. 5-6).

Raimon Pannikkar estava em consonância com esse argumento, ao dizer que se o foco se der apenas em sua própria tradição religiosa, sem um diálogo externo e intercâmbio com outros, acontece um afogamento e, que, dificilmente um indivíduo conseguirá entender profundamente sua religião sem “[...] ter uma ideia de existência e legitimidade de outros universos religiosos.” (PANNIKKAR apud TEIXEIRA, 2012, p. 76). Como vimos, Ṭhākura também se afasta do que Pannikkar chama de diálogo dialético, de disputas intelectuais, e também propõe o que é chamado pelo teólogo catalão de diálogo dialógico, existencial, sem a intenção de convencer ou converter alguém, mas “[...] compreender o outro e deixar-se enriquecer por ele.” (TEIXEIRA, 2012, p. 83). O diálogo dialógico é um ato de amor, com a intenção de compartilhar as experiências. Esta partilha, como pontua Roberlei Panasiewicz, analisando a obra de Andrés Torres Queiruga, permite um mergulho transreligioso das tradições no mistério divino, e cada processo religioso tem a oportunidade de falar e ouvir. Em outros termos: “[...] na partilha das experiências, as religiões – e a partir delas, a humanidade como um todo – têm a ganhar com esse encontro, pois, juntas, conseguem reduzir os limites da percepção humana ante o absoluto da comunicação divina.” (PANASIEWICZ, 2016, p. 63).

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No final do século XIX, quando Bhaktivinoda Ṭhākura propôs suas bases para o entendimento da pluralidade religiosa e diálogo entre as tradições, o mundo ocidental se encontrava ainda fechado em paradigmas cristãos exclusivistas e etnocêntricos, fossem eles protestantes ou católicos, e não havia sequer um diálogo satisfatório entre as próprias tradições cristãs. Este panorama só passou a mudar a partir da metade do século XX, tendo como marco referencial o Concílio Vaticano II. O cenário na Índia sempre se distinguiu do Ocidente, pois a multiplicidade de processos religiosos está presente há milênios, tornando o diálogo uma necessidade antiga. A natureza da revelação védica também permitiu uma amplitude na percepção e concepção de Deus, com mestres intuindo hermenêuticas distintas e refazendo seus comentários escriturais a partir de novos diálogos com proponentes de outras tradições hindus.

Assim, Bhaktivinoda Ṭhākura carrega em si uma experiência que já seria plural, ainda que não tivesse qualquer contato com tradições não-védicas. Necessário destacar que ele traz sua pertença religiosa Vaiṣṇava Gauḍīya sem qualquer hesitação, em uma questão identitária essencial ao que concebemos como diálogo inter-religioso atualmente. Ele demarcava sua identidade e caminhava em busca do diálogo com a identidade alheia, fazendo, contudo, uma forte crítica a propostas de espiritualidade que se afastavam da devoção teísta como um caminho de salvação, como no monismo Vedānta Advaita. Ṭhākura entendia que estes processos eram inconciliáveis com a proposta de bhakti. Conhecendo profundamente sua tradição, estudava outras religiões teístas e não teve qualquer perplexidade em propor ajustes para facilitar o intercâmbio, sem jamais relativizar o Absoluto, o que, como disse João Batista Libanio em sua apresentação ao livro de Faustino Teixeira, destrói “[...] toda tradição religiosa.” (LIBANIO, 2012, p. 11). Assim, vemos no pioneirismo de Bhaktivinoda Ṭhākura sua proposta de um diálogo que favorecesse a compreensão real da universalidade divina e enfatizasse a busca do amor puro acima de qualquer sectarismo possível.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
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YATI, B. P. Sri Shandilya Bhakti Sutras. Madras: Sree Gaudiya Math. 1991.
Notas
Notas
1 O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES).
2 O termo hindu, inclusive, aparece como um estrangeirismo, como define Gavin Flood (2014), que explica a passagem do termo de uma designação geográfica para algo étnico: “[...] 0 termo ‘hindu’ surge inicialmente no contexto da geografia persa para designar os povos que viviam além do rio Indo (em sânscrito: sindhu). Nos textos árabes, Al-Hind é um termo que se refere aos habitantes do que é hoje a Índia moderna. Já o termo ‘hindu’ ou ‘hindoo’, era utilizado pelos britânicos no fim do século XVIII para se referir aos povos do ‘Indostão’, região noroeste da Índia. Com o passar do tempo, o termo hindu passou a ser utilizado para denominar um indiano que não fosse muçulmano, sikh, jainista ou cristão, abarcando assim uma série de crenças e práticas religiosas. O sufixo ‘-ismo’ foi acrescentado à palavra hindu por volta de 1830 para designar a cultura e religião dos brâmanes de castas elevadas, no intuito de diferenciá-las das demais religiões. Em pouco tempo, o termo foi apropriado pelos indianos, visando à consolidação de uma identidade nacional que resistisse ao colonialismo. Desde o século XVI, entretanto, o termo ‘hindu’ vinha sendo utilizado como oposição ao termo yavana ou muçulmano em textos sânscritos e bengalis de caráter hagiográfico.” (FLOOD, 2014, p. 26).
3 Outro carácter del hinduísmo que salta imediatamente a la vista es la multiplicidade más variada y aun contradictoria de caminhos, sectas y confesiones, aparte de su pluralidade de escuelas doctrinales; por eso suelo dicerse que es antes um ramillete de religiones que una religion.
4 Importante ressaltar que a literatura védica descreve Brahmā como o responsável pela criação; Śiva, responsável pela renovação; e Viṣṇu, origem de toda a manifestação cósmica, responsável pela manutenção. Isso reforça o sazonal aparecimento Dele como diversos avatāras ao longo das histórias védicas.
5 Gavin Flood (2014) comenta que: “[...] a palavra dharma é um termo intraduzível. Queremos com isso dizer que não existe nenhum equivalente semântico nas línguas ocidentais – pelo menos naquelas que tentaram fazê-lo – capaz de expressar, de forma direta e imediata, a plurivalência de termos como ‘dever’, ‘religião’, ‘justiça’, ‘lei’, ‘ética’, ‘mérito religioso’, ‘princípio’ e ‘direito’.” (FLOOD, 2014, p. 80). Já Ithamar Theodor (2010) ressalta o significado da palavra como natureza intrínseca de algo, dizendo que “[...] Dharma não é apenas externo ao ser humano, mas é percebido como algo que compreende a essência ou natureza de tudo. Sendo assim, aspira situar tudo – não apenas humano, mas todo o fenômeno, em seu devido lugar. Por exemplo, o dharma do professor é ensinar e o dharma do Sol é brilhar. O Dharma aspira estabelecer uma sociedade humana sobre uma base moral sólida e, como tal, define o ser humano por meio de dois parâmetros, que são o status pessoal e profissional.” (THEODOR, 2010, p. 02, tradução nossa). [...] Dharma is not only external to the human being, rather it is perceived as comprising the essence or nature of everything. As such, it aspires to place everything – not only the human being but the whole of phenomena, in tis proper place. Thus, for exemple, the dharma of the teacher is to teach, and the dharma of the sun is to shine. Dharma aspires to establish human society on a solid moral foundation and, as such, it defines the human being through two parameters which are the personal and professional statuses.
6 A palavra Sampradāya significa tradição ou sistema religioso e se relaciona neste contexto a uma sucessão de mestres e discípulos na transmissão do conhecimento.
7 O termo gauḍīya faz referência à Bengala (Gauḍadeśa), local de nascimento das atividades desta escola filosófica.
8 Sobre Caitanya Mahāprabhu, o teólogo, poeta e editor da revista jesuíta America, John Moffitt apud Valera (2015) sublinhou: “[...] se tivermos de escolher um homem na história religiosa indiana que melhor representa o espírito puro de auto entrega devocional, eu escolheria o santo vaiṣṇava Caitanya, cujo nome inteiro era Kṛṣṇa Caitanya, ou ‘Consciência de Kṛṣṇa’. De todos os santos na história escrita, no Oriente ou Ociente, ele me parece como o exemplo supremo de uma alma carregada pela maré de amor extático por Deus. Esse homem extraordinário, que pertence a um período rico que tem início no fim do século XIV, representa a culminação das escolas devocionais que cresceram em volta de Kṛṣṇa [...] em sua natureza, Caitanya deleitava-se intensamente. Afirma-se que, como São Francisco de Assis, ele tinha um poder milagroso sobre os animais selvagens. Sua vida na cidade de Purī é a história de um homem em um estado de intoxicação espiritual praticamente contínua. Discursos iluminantes, contemplação profunda, humores de comunhão amorosa com Deus, eram ocorrências diárias.” (MOFFITT apud VALERA, 2015, p. 54-55).
9 Tanto o Bhāgavata Purāṇa quanto o Vedānta-sūtra são creditados ao mesmo autor, o sábio Veda-Vyāsa.
10 […] Śaṅkara mainly uses the secondary meaning of scriptural texts, even when the primary meaning is obviously admissible. The Bengali school emphasizes more the primary meaning of the texts, leaving the use of the secondary only in cases of failure of all impartial interpretation attempts using the primary meaning. The way in which scripture texts are interpreted by using the secondary meaning, as shown, is totally inconsistent with the vedantic theory of the intrinsic validity of the revealed scriptures. Since all secondary meanings are inferential in nature, trusting them is trusting an inference and rejecting the self-evident authority nature of the scriptures.
11 A palavra sânscrita bhakti vem da raiz verbal bhaj (servir, honrar, reverenciar, amar, adorar), e emerge na Bhagavad-gītā como a grande meta. No Vaiṣṇavismo Gauḍīya, como pontua o filósofo e cientista da religião, Lúcio Valera, bhakti não é um caminho para a salvação, para libertação espiritual da matéria (mokṣa), mas é objetivo final em si. A salvação vem como um subproduto no desenvolvimento de bhakti, o que deixa o Vaiṣṇavismo Gauḍīya distante de boa parte dos demais sistemas filosóficos do Hinduísmo. “[...] Por esse motivo, a própria devoção é a meta da devoção, porque o amor se preenche no sentimento final do próprio amor. Assim o Vaiṣṇavismo Gauḍīya não é uma filosofia de salvação, mas uma filosofia de amor.” (VALERA, 2015, p. 86).
12 Śrī Rūpa Gosvāmī, Śrī Sanātana Gosvāmī, Śrī Bhaṭṭa Raghunātha, Śrī Jīva Gosvāmī, Śrī Gopāla Bhaṭṭa Gosvāmī e Śrīla Raghunātha dāsa Gosvāmī.
13 No Vaiṣṇavismo Gauḍīya a manifestação pessoal de Deus só é completa quando estão juntos a śakti (energia divina) e a śaktimān (fonte da energia divina). A śakti é personificada nas consortes das manifestações divinas (śaktimān). Assim, temos os casais Rādhā e Kṛṣṇa, Lakṣmī e Viṣṇu, Sītā e Rāma, sempre adorados juntos (KAVIRAJA, 1987). No Vaiṣṇavismo Gauḍīya, diferentemente de outras escolas Vaiṣṇavas, entende-se que Kṛṣṇa é a fonte de tudo, inclusive de Viṣṇu, e não o contrário. Esse entendimento é baseado no próprio Bhāgavata Purāṇa, que diz: “[...] todas as encarnações acima mencionadas são ou porções plenárias ou porções das porções plenárias do Senhor, mas o Senhor Śrī Kṛṣṇa é a Personalidade de Deus original. Todas elas aparecem nos planetas sempre que há um distúrbio criado pelos inimigos dos deuses. O Senhor encarna para proteger seus devotos era após era.” (VYASA, 1995, p. 192).
14 “[...] O Vaishnavismo tinha sido praticamente abandonado pela seção culta da sociedade, sua literatura era dificilmente lida. Não mais se considerava o kirtana como uma prece, mas sim como um meio de gratificação para pessoa de moral baixa. A maior parte dos seguidores do Vaishnavismo da época perderam seu padrão elevado de moralidade; abandonaram seu ascetismo, sua excelência intelectual e fervor devocional, que eram as principais características dos mestres vaishnavas anteriores.” (YATI, 1991, p. 39).
15 It is imperative that the people of a specific country give proper respect to their native saints, but no one, although they may hold a particular belief for their spiritual progress, should go to other places and preach that what their teaches have taught is superior to all other teachings. This gives no benefit at all the world.
16 [...] in India the worshipper sits on an āsana and after perfoming nyāsa and prāṇāyāma begins his worship; the Muslim faces toward Mecca and worships five times a day by bowing down; the Christian kneels down with folded hands and with humility praises the Lord in either a church or a house. Each country has its particular religious rules concerning proper dress, food, purity and impurity. […] Some people, overcome with devotion in their hearts, establish the form of the Lord in their soul, in their mind, and finally in the external world. Understanding that such a Deity form is non-different from the Lord within, they worship that Deity form. In some religions, because of a greater emphasis on logic, the worshipper simply forms a conception of God within the mind and worship this conception; such a worshipper does not accept an external Deity form of God. In reality, however, all these conceptions are forms of the Lord. According to the varation in language, the diverse religion address God in different names.
17 […] the people here are worshipping my Lord, but in a different way; because of my different training, I cannot properly comprehend this system of worship. However, through this experience, I can deepen my appreciation for my own system of worship. The Lord is only one, not two. Therefore, I offer respect to the form I see here and pray to the Lord in this new form that He may increase my love for the Him in the form to which I am accustomed.”
18 “[…] Therefore, let us not quarrel over external diferences. If the goal of a religion is pure love, then the rest is adjusted.”
19 Estas três categorias de devotos aparecem pela primeira vez no Bhāgavata Purāṇa: “[...] Śrī Havir disse: O devoto mais avançado vê em tudo a alma de todas as almas, a Personalidade Suprema da Divindade, Śrī Kṛṣṇa. Por conseguinte, vê tudo em relação com o Senhor Supremo e entende que tudo o que existe está situado eternamente dentro do Senhor. O devoto intermediário ou de segunda classe, chamado madhyama-adhikārī, oferece seu amor à Personalidade Suprema da Divindade, é um amigo sincero de todos os devotos do Senhor, mostra misericórdia às pessoas ignorantes que são inocentes e despreza aqueles que invejam a Suprema Personalidade de Deus. O devoto que fielmente se ocupa na adoração à Deidade no templo, mas que não se porta bem com os outros devotos nem com as pessoas em geral, chama-se prākṛta-bhakta, devoto materialista, e considera-se que ele está na posição mais baixa.” (VYASA, 1995, p. 142).
20 É dito na Índia que se oferecido a um cisne um copo com leite e água, ele saberá sorver apenas o leite. Por isso, o exemplo do cisne é frequente na literatura védica, como uma analogia para identificar alguém que é capaz de identificar a essência espiritual em tudo e discernir sobre tópicos transcendentais.
21 […] The different forms of these spiritual activities create divisions of sectarianism. Differences that arise from places, times, languages, behaviors, foods, dresses, and natures of various communities are incorporated within their spiritual practices and gradually make one community so completely different from another community that even the consideration that everyone is a human being may cease to exist. Due to these differences there is disagreement, cessation of social intercourse, and fighting, even up to the point of killing one another. When an ass-like mentality becomes prominent within the kaniṣṭha-adhikārīs, then they certainly indulge in these things. But if they develop a swan-like mentality, then they do not take part in quarrels, rather, they endeavor to attain a higher level […] Otherwise, if they had a swan-like mentality and a desire to attain a higher level, they would respect others' practices and inquire about higher topics. Contradictions actually arise only due to ass-like mentality. Swan-like persons consider the necessity for different practices according to one’s qualification, so they naturally become detached from sectarian quarrels.
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