Dossiê

ESPIRITISMO E O SÉCULO DAS LUZES: a influência do iluminismo e da ciência do século XIX em Allan Kardec

Spiritism and the Century of the Lights: the influence of the Enlightenment and 19th century science on Allan Kardec’s work

El Espiritismo y el Siglo de las Luces: la influencia de la Ilustración y la ciencia del siglo XIX en Allan Kardec

Brasil Fernandes de BARROS
Mestre e doutorando em Ciências da Religião pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas., Brasil

ESPIRITISMO E O SÉCULO DAS LUZES: a influência do iluminismo e da ciência do século XIX em Allan Kardec

Interações, vol. 17, núm. 2, pp. 253-275, 2022

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Recepción: 08 Noviembre 2021

Aprobación: 07 Julio 2022

Resumo: Logo no início do século XIX, em meio a uma profusão de ideias e pensamentos revolucionários resultantes do Iluminismo, é que ocorre o nascimento do fundador do Espiritismo o pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, o nome civil de Allan Kardec. O objetivo desse artigo é demonstrar a influência do Iluminismo francês e da ciência do século XIX na sua vida e obra, e por consequência, compreender o ambiente em que foi formado o Espiritismo. Este intento será alcançado através de uma pesquisa bibliográfica junto a registros históricos e a própria obra de Kardec. Para alcançar tal objetivo, pretendemos pontuar as influências de pensadores como Franz Anton Mesmer, Augusto Comte, Johann Heinrich Pestalozzi, Jean Jacques Rousseau e Francis Bacon nessa religião. Com isso pretendemos demonstrar que apesar do próprio Kardec atribuir sua obra aos espíritos, sua bagagem intelectual foi fundamental na organização do conhecimento que estava segundo seus fiéis sendo oferecido pelos espíritos e o quanto que essa bagagem acadêmica facilitou a sua recepção entre aqueles que o receberam.

Palavras-chave: Espiritismo, Iluminismo, Ciência no século XIX, Allan Kardec.

Abstract: At the very beginning of the 19th century, occurs the birth of the founder of Spiritism, the French educator Hippolyte Léon Denizard Rivail, the civil name of Allan Kardec. He was born amidst a multitude of revolutionary ideas and thoughts resulting from the Enlightenment. This article aims to show the influence of the French Enlightenment and 19th-century science on his life and work, and consequently, it tries to clarify the environment in which Spiritism was coined. This intent will be achieved through bibliographic research in historical records and Kardec’s work. To achieve this goal, we intend to point out the influences over the Spiritism of some thinkers, such as Franz Anton Mesmer, Auguste Comte, Johann Heinrich Pestalozzi, Jean Jacques Rousseau, and Francis Bacon. With this, we intend to show that, despite Kardec himself has attributed his work to the spirits, his intellectual baggage was fundamental in organizing the knowledge that was, according to his followers, being offered by the spirits, and how much this academic background facilitated its reception among those who received it.

Keywords: Spiritism, Enlightenment, Science in the 19th century, Allan Kardec.

Resumen: A principios del siglo XIX, en medio de una profusión de ideas y pensamientos revolucionarios derivados de la Ilustración, ocurre el nacimiento del fundador del Espiritismo, el pedagogo francés Hippolyte Léon Denizard Rivail, de nombre civil Allan Kardec. El objetivo de este artículo es demostrar la influencia de la Ilustración francesa y de la ciencia del siglo XIX en su vida y en su obra y, en consecuencia, comprender el entorno en el que se acuñó el Espiritismo. Este propósito se logrará mediante una investigación bibliográfica con registros históricos y la obra del propio Kardec. Para lograr este objetivo, pretendemos señalar las influencias de pensadores como Franz Anton Mesmer, Auguste Comte, Johann Heinrich Pestalozzi, Jean Jacques Rousseau y Francis Bacon en esta religión. Con ello pretendemos demostrar que, aunque el propio Kardec atribuyera su obra a los espíritus, su bagaje intelectual fue fundamental en la organización del conocimiento que, según sus seguidores, le ofrecían los espíritus y cuánto facilitaba este bagaje académico su recepción entre quienes lo recibían.

Palabras clave: Espiritismo, Ilustración, La ciencia en el siglo XIX, Allan Kardec.

1 INTRODUÇÃO

Em 18 de abril de 1857 o pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, nome civil de Allan Kardec, lançou na França obra intitulada, O livro dos Espíritos. Ele é tratado por alguns como o codificador do Espiritismo e por outros o fundador dessa religião. Nasceu em meio a uma profusão de ideias e pensamentos, resultados do século das luzes[1]. Pretendemos neste artigo demonstrar um pouco da influência do Iluminismo francês e da ciência dos séculos XVIII e XIX na sua vida e obra e, por consequência, compreender o ambiente em que foi formado o Espiritismo.

Como discípulo de Johann Heinrich Pestalozzi, Rivail teve sua formação fortemente enraizada nos pensamentos do século XVIII, preâmbulo da consolidação de um racionalismo intenso no século XIX. Além disso, a Reforma Protestante, o Renascimento, a Revolução Industrial e a Revolução Francesa influenciaram de forma determinante os pensadores de seu tempo. Todas essas ideias lançaram bases importantes para os movimentos sociais, filosóficos, científicos e religiosos que afetaram o pensamento religioso da época, com consequências até os dias de hoje. O século XIX foi tão fértil em ideias, movimentos e talentos, que seria impossível nas poucas linhas deste artigo descrevê-los todos, mas tentaremos descrever as fontes que foram cruciais para Rivail, o cidadão por trás de Allan Kardec.

Para Rival essas influências se situam em duas importantes vertentes. A primeira vertente foi o seu próprio ambiente sociocultural, onde esteve extremamente presente a cultura religiosa cristã, católica enquanto esteve na França em seu ambiente familiar e protestante em seu círculo de convivência acadêmica na Suíça. Essas influências podem ter afetado a trajetória do pensamento de Rivail enquanto Kardec, que aparentemente passou por uma transformação de ideias em torno do conceito e do papel da religião no desenvolvimento de seus trabalhos. A segunda vertente decorre de seu convívio com os diversos pensadores da época, já que enquanto adulto tornou-se um respeitado pedagogo com diversas obras publicadas e que participava de várias sociedades de intelectuais de sua época (WANTUIL, 1984, p. 172).

Da mesma forma que fazia suas obras enquanto pedagogo, ele estruturou O Livro dos Espíritos de forma extremamente didática. Dividiu o livro em quatro partes, que futuramente se desdobrariam cada uma delas em um dos livros de sua obra a saber: a) das causas primárias, foi feita A gênese ([1868] 1990)[2]; b) do mundo espírita ou mundo dos Espíritos, foi feito O livro dos médiuns ([1861] 1987); c) das leis morais, partiu O Evangelho Segundo o Espiritismo ([1864] 2013a); d) Das esperanças e consolações foi escrito O céu e o Inferno ([1865] 2013b). Essa estrutura, criada como um método didático, foi estruturada segundo o método científico que explicaremos a frente para apresentar e organizar os seus pensamentos e as ideias do Espíritos. Tudo isso baseado no pensamento e ciência de sua época que era particularmente iluminista.

Quando se fala de Iluminismo, geralmente nos lembramos da França, embora esse movimento não tenha sido um fenômeno exclusivo francês ele esteve presente em diversas partes do mundo, com destaque para a Alemanha, Escócia, as colônias britânicas que formariam no futuro os Estados Unidos[3], Inglaterra e Portugal. Para o objeto de nosso estudo, importa-nos particularmente o Iluminismo francês, já que Liberdade, Igualdade e Fraternidade, é inclusive o título de um dos capítulos do livro Obras Póstumas, de Allan Kardec, (2016, p. 211). Nesse capítulo, recuperado[4] por P. G. Leymarie, fica evidente influência do iluminismo, quando Kardec diz, logo no início: “Liberdade, igualdade, fraternidade. Estas três palavras representam, por si sós, o programa de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da humanidade, se o princípio que elas traduzem pudesse receber integral aplicação.” (KARDEC, 2016, p. 211). Mas além dessa citação, encontramos várias referências de Kardec a esses três princípios do iluminismo principalmente na revista espírita, como por exemplo a de abril de 1862 (p. 178) que diz: “Mas, sem desagradar aos pequenos Voltaires de nossa época, a juventude compreenderá facilmente essas três palavras mágicas: liberdade, igualdade, fraternidade.”

Através de pesquisa realizada em nosso mestrado, que culminou com a publicação do livro de nossa autoria A Busca de Kardec: Fé ou Razão (BARROS, 2022) Destacamos aquelas influências que a nosso ver foram, as mais significativas para o pensador Rivail, são elas: 1) liberdade de pensamento; 2) princípios de igualdade e fraternidade; 3) razão como fonte de progresso, 4) a ciência como meio de sustentação de suas ideias.

2 LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE. UM BRADO PELA LIBERDADE DE PENSAMENTO

Devido aos ventos de liberdade que sopraram na Europa com a Revolução Francesa[5], com o enfraquecimento do absolutismo monárquico de direito divino e os privilégios de nascimento da nobreza que empunham uma divisão social, os fundamentos da sociedade burguesa e capitalista foram reforçados de tal forma que o movimento francês influenciou campanhas similares na Europa, além de processos de emancipação na América do Norte. Os brados de liberdade cantados na Marselhesa falam a respeito disto:



Allons enfants de la patrie Le jour de gloire est arrivé Contre nous de la tyrannie L'étendard sanglant est levé L'étendard sanglant est levé Entendez-vous dans les campagnes Mugir ces féroces soldats Ils viennent jusque dans vos bras Égorger vos fils, vos compagnes Aux armes, citoyens! Formez vos bataillons! Marchons, marchons Qu'un sang impur abreuve nos sillons! (FRANCE, 1792)[6]

Qu'un sang impur abreuve nos sillons! – “Que o sangue impuro regue os nossos sulcos” demonstra uma disposição de ir às últimas consequências pela liberdade, inclusive a de pensar. A Marselhesa foi composta por um jovem oficial de Estrasburgo com o título original de Canto de Guerra para o Exército do Reino e depois intitulada Les Enfants de la Patrie – Os filhos da Pátria, e tornou-se canto nacional em 1795, foi proibida durante império e, em 1879, reconhecida como Hino da Terceira República. A Revolução Francesa, numa aliança eclética, reunia desde o campesinato, passando pelos sans-culottes até a alta burguesia, tendo cada um destes segmentos diferentes percepções desse movimento.

Decorrente da Revolução Francesa, foi promulgada em 1789 pela Assembleia Nacional a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em francês: Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen, que, entre 17 artigos, estabelece logo em seu primeiro parágrafo o direito de liberdade e de igualdade:

Os representantes do povo francês, constituídos em ASSEMBLEIA NACIONAL, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos Governos, resolveram expor em declaração solene os Direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem, [...]

Por consequência, a ASSEMBLEIA NACIONAL reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:

Artigo 1º - Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum.

Artigo 2º - O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses Direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

Artigo 3º - O princípio de toda a soberania reside essencialmente na Nação. Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que aquela não emane expressamente.

Artigo 4º - A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei. [...]

Artigo 10º - Ninguém pode ser inquietado pelas suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, contando que a manifestação delas não perturbe a ordem pública estabelecida pela Lei.

Artigo 11º - A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do Homem; todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na Lei. [...] (CCF, 1789, grifos nossos, tradução nossa)[7]

Essa declaração faz um contraponto ao Absolutismo Monárquico e a certos preceitos religiosos da época, e é revolucionária no real sentido da palavra, na medida em que transformou de maneira definitiva a posição do ser humano diante da sociedade. Além das questões políticas intrínsecas que contrapõem os poderes políticos, abre um precedente no que diz respeito ao pensamento religioso. Quando expõe os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do Homem, um paradigma importante imposto por séculos pela Igreja Católica é rompido, de forma a colocar o ser humano em uma posição de destaque no mundo em que vivemos, mais em consonância com o pensamento de Rousseau que diz que o ser humano é bom em seu estado natural, ou seja, que traz em si mesmo o germe desta bondade (ROUSSEAU, 2004, p. 95).

É importante observar que esta declaração, apesar de romper com o paradigma de obediência à Igreja, já que a soberania reside essencialmente na nação, não rompe com a divindade, pois declara que seus termos são postos “na presença e sob os auspícios do Ser Supremo” (CCF, 1789, tradução nossa).[8] Diz fundar seus princípios na constituição do Estado, que deve garantir e conservar a felicidade do ser humano. Rubem Alves cita Kant em sua obra dizendo que o Iluminismo permitiu o nascimento de um novo ser humano:

[...] trata-se de uma descrição do novo homem que julgava ver nascer. Livre da tutelagem de forças externas a ele mesmo, não mais submisso a qualquer poder heteronômico, este novo homem anuncia a sua bandeira: “Sapere Aude! Ousa Saber. Tem coragem de usar a tua razão”. Abre-se um mundo novo como permissão e convite. Nasce o homem livre e com coragem para conhecer e dominar tal mundo. Transformação fundamental. De santo a cientista. (ALVES, 1984, p. 67).

Rubem Alves (1984), em sua obra O Enigma da Religião, afirma ainda que “o que está em jogo é a constatação de que as estruturas de pensamento e de linguagem que o teísmo oferecia entraram em colapso. Chegou ao fim uma certa visão do universo. Uma nova maneira de pensar a vida, de encarar os seus problemas” (ALVES, 1984, p. 60). Com essa nova forma de pensar, ele traz também o pensamento de Feuerbach que diz: “O cristianismo, [...] já desapareceu há muito tempo não apenas da razão, mas da própria vida da humanidade” (FEUERBACH, 1957, p. 24, tradução nossa)[9].

É no meio dessa oportunidade de um novo pensar, que o Espiritismo surge oferecendo uma forma diferente de encarar o transcendente. Centrado no cristianismo, mas com um conceito distinto de Deus, essa doutrina vai contra toda uma forma de pensar típica do seu tempo, afirmando que a própria razão dá significado à existência de Deus.

Para Kardec, o Espiritismo, em consonância com o pensamento iluminista, não é teocêntrico, mas é centrado na razão do ser humano e acredita que este é responsável por suas ações e deve se responsabilizar por seus atos, e, portanto, tem que usar a razão como ferramenta de compreensão do mundo em que vive. Kardec entende que apesar de o ser humano ser racional e, portanto, responsável pelo que acontece em sua própria vida, ele também pode errar e com isto gerar consequências para o mundo ao seu redor, para si mesmo e para a sociedade:

O homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro. Mesmo aqueles, cujas ideias são as mais falsas, se apoiam na sua própria razão e é por isso que rejeitam tudo o que lhes parece impossível. Os que outrora repeliram as admiráveis descobertas de que a Humanidade se honra, todos endereçavam seus apelos a esse juiz, para repeli-las. O que se chama razão não é muitas vezes senão orgulho disfarçado e quem quer que se considere infalível apresenta-se como igual a Deus. Dirigimo-nos, pois, aos ponderados, que duvidam do que não viram, mas que, julgando do futuro pelo passado, não creem que o homem haja chegado ao apogeu nem que a Natureza lhe tenha facultado ler a última página do seu livro. (KARDEC, 2008, p. 38)

É com base nesse princípio de falibilidade do ser humano que Kardec julga a sua obra inacabada. Baseando-se no princípio do progresso ininterrupto, reafirma sua fé na razão, dizendo que o Espiritismo não tem a última palavra e que se houver algum ponto em que a ciência a contradiga, faça a opção pelo conceito científico.

Um último caráter da revelação espírita, [...], é que, apoiando-se em fatos, tem que ser, e não pode deixar de ser, essencialmente progressiva, como todas as ciências de observação. Pela sua substância, alia-se à Ciência que, sendo a exposição das leis da Natureza, com relação a certa ordem de fatos, não pode ser contrária às leis de Deus, autor daquelas leis. As descobertas que a Ciência realiza, longe de o rebaixarem, glorificam a Deus; unicamente destroem o que os homens edificaram sobre as falsas idéias (sic) que formaram de Deus. O Espiritismo, pois, não estabelece como princípio absoluto senão o que se acha evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação. Entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas e abandonado o domínio da utopia, sem o que ele se suicidaria. (...) Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará. (KARDEC, 1990, p. 44, grifos nossos).

Totalmente consoante com o pensamento de liberdade, Kardec faz da proposta espiritista uma alternativa secularizante[10], livre de dogmas e imposições, de forma que a humanidade é livre para escolher sua crença e o seu Deus e afirma que:

O Espiritismo é uma doutrina moral que fortalece os sentimentos religiosos em geral e se aplica a todas as religiões; é de todas, e não pertence a nenhuma em particular. Por isso não aconselha a ninguém que mude de religião. Deixa a cada um a liberdade de adorar Deus à sua maneira e de observar as práticas ditadas pela sua consciência, pois Deus leva mais em conta a intenção que o fato. Ide, pois, cada um, ao templo do vosso culto ... (KARDEC, [1862] 2007a, p. 62 e 63).

A influência de Pestalozzi na obra de Kardec é extremamente significativa. Assim como foi forte a influência de Rosseau neste último. Por consequência são facilmente identificáveis suas influências na obra do fundador do Espiritismo.

As luzes da liberdade tratadas na Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen, começaram a ser acesas muito antes. Jean Jacques Rousseau, um dos pais do Iluminismo francês publicou, em abril de 1762, a obra Du Contrat Social ou Principes du droit politique[11] e, poucas semanas depois Émile ou De l’éducation[12]. Essas obras foram de fundamental importância para a fundamentação do pensamento Iluminista. Logo no primeiro capítulo do livro O Contrato Social, Rousseau define que o ser humano é livre, e que a ordem social é baseada em convenções humanas:

O homem nasceu livre, e, por toda parte geme agrilhoado; o que julga ser senhor dos demais é de todos o maior escravo. Donde veio tal mudança? Ignoro-a. Quem a legitima? Esta questão creio poder resolver. [...] Mas a ordem social é um direito sagrado, onde todos os outros se fundamentam, direito não vindo da natureza, mas fundado em convenções; antes de dizer quais elas sejam, cumpre firmar o que acabo de dizer. (ROUSSEAU, 2003, p. 23).

Nessa obra, Rousseau defende que o Estado exerça seu papel de forma igualitária para o ser humano, no qual todos possam, no plano civil, ter restabelecida a igualdade natural. Mas, além de liberdade, ele propõe a igualdade entre os seres. Na obra Platão, Rousseau e o Estado total, Gilda Barros afirma que “Enquanto Platão esposa claramente a ideia da superioridade de poucos em relação à maioria, Rousseau insiste na igualdade da natureza humana. Quer vê-la garantida pela expressão da vontade geral, a fórmula da virtude” (BARROS, 1996, p. 163). No desenvolvimento da obra O Contrato Social, Rousseau (2003) discute questões delicadas como a propriedade, que, a princípio, seria a origem da desigualdade entre os homens, na medida em que alguns haveriam usurpado de outros. Para ele, o contrato social, título de sua obra, seria a solução que se daria pela soberania popular, na qual a vontade coletiva estabeleceria as soluções das relações, e o ponto fundamental era a igualdade entre as pessoas, a vontade e o interesse no bem comum. “Achar uma forma de sociedade que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada sócio, e pela qual, unindo-se cada um a todos, não obedeça, todavia, senão a si mesmo e fique tão livre como antes.” (ROUSSEAU, 2003, p. 31). Com essas afirmações, ficou estabelecido que o soberano seria o povo e não o rei, e estava lançada a base para a fraternidade.

Com a reformulação de tais princípios, Rousseau estabeleceu uma visão avançada se comparada com seus contemporâneos, estabelecendo uma lógica de liberdade como direito inalienável e como exigência essencial da própria natureza espiritual do ser humano, dessa forma, levou às últimas consequências o pensamento iniciado pelo humanismo renascentista.

Na obra Emílio, Rousseau afirma que o ser humano nasce bom em seu estado natural, e que tudo que reside nele depende da educação, podendo ele ser moldado por quem o cria. Quem educa, segundo Rousseau, tem o poder de corromper. “Toda nossa sabedoria consiste em preconceitos servis, todos os nossos costumes não passam de sujeição, embaraço e constrangimento. [...] o homem enquanto conservar a figura humana, estará acorrentado por nossas instituições” (ROUSSEAU, 2004, p. 16). Do ponto de vista da religião, o conceito da bondade natural rompe diretamente com o dogma do pecado original da Igreja, e a ideia de os homens estarem acorrentados às instituições rompe não só com o Estado quanto com a própria Igreja.

Apesar de nunca ter conhecido Rousseau pessoalmente, Pestalozzi tornou-se seu discípulo, defendeu e ampliou os conceitos de seu mestre no campo da educação, no qual o conceito de bondade natural do ser humano foi ampliado, dizendo que este não é apenas bom em seu estado natural, mas também já traz, em si mesmo, o germe da sabedoria e da virtude. Kardec por consequência herda de seu mestre este conceito. Para Kardec, em Obras Póstumas, a Fraternidade,

[...] na rigorosa acepção do termo, resume todos os deveres dos homens, uns para com os outros. Significa: devotamento, abnegação, tolerância, benevolência, indulgência. É, por excelência, a caridade evangélica e a aplicação da máxima: “Proceder para com os outros, como quereríamos que os outros procedessem para conosco.” O oposto do egoísmo. A fraternidade diz: “Um por todos e todos por um.” O egoísmo diz: “Cada um por si.” Sendo estas duas qualidades a negação uma da outra, tão impossível é que um egoísta proceda fraternalmente para com os seus semelhantes, quanto a um avarento ser generoso, quanto a um indivíduo de pequena estatura atingir a de um outro alto. (KARDEC, 2016, p. 211)

Liberdade, igualdade e fraternidade, portanto, são princípios que ficaram claramente marcados em toda a obra de Allan Kardec. Além das influências no campo da formação de um ser humano livre Kardec também foi fortemente influenciado em seu trabalho pelos movimentos da razão e da ciência.

3 A RAZÃO COMO FONTE DE PROGRESSO DA HUMANIDADE: O PENSAMENTO POSITIVISTA E O CIENTIFICISMO

Havia no século XIX um ambiente em que os pensadores acreditavam na razão como o único caminho para a explicação do mundo que os circundava, desde os conceitos de determinismo de Laplace ou como no pensamento pedagógico positivista de Augusto Comte, que afirmava “que todo o conhecimento científico e filosófico deve ter por finalidade o aperfeiçoamento moral e político da humanidade” (GADOTTI, 1997. p. 107). Sob essas influências, entre outras, Kardec escreveu sua proposta espiritista. Em uma época em que se despertava um sentimento de ansiedade pela procura das origens da vida e da mente, estudiosos como Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber e o próprio Auguste Comte, tinham o desejo de romper com o tempo e com o espaço para atingir os limites e os primórdios do universo visível:

[...] Não pretendo recordar todas as datas importantes da história do estudo científico da religião durante a segunda metade do século XIX, paremos por um momento para examinar o significado desta sincronicidade entre as ideologias materialistas por um lado e o crescente interesse pelas formas orientais e arcaicas da religião por outro. Poderia dizer-se que a ansiosa procura das origens da Vida e da Mente, o fascínio pelos “mistérios da Natureza”, o impulso de penetrar e decifrar as estruturas internas da Matéria – todos esses anseios e impulsos denotam uma espécie de nostalgia pelo primordial, pela matriz original universal. A Matéria, a Substância, representa a origem absoluta, o começo de todas as coisas: Cosmos, Vida, Mente. Há um irresistível desejo de romper profundamente o tempo e o espaço para atingir os limites e os primórdios do Universo visível, e em especial para desvendar o solo fundamental da Substância e o estado germinal da Matéria Viva. De certo ponto de vista, dizer que a alma humana é, em última análise, um produto da matéria não é necessariamente uma afirmação humilhante (ELIADE, 1989, p. 59).

Como destaca Eliade, havia nessa época uma busca pela compreensão do mundo material em que vivíamos e como isso se relacionava com a origem da vida. E é neste momento que surgem os fenômenos espiritistas, em um contexto no qual existiam diversas teorias e concepções científicas. Entre elas, além do já citado positivismo, existiam ainda o Evolucionismo, o Darwinismo e o Marxismo, que foram fortemente marcados pelo Iluminismo, como reforça Mircea Eliade:

Os fenômenos espiritistas são conhecidos desde os tempos antigos e têm sido diferentemente interpretados por várias culturas e religiões. Mas o elemento novo e importante no espiritismo moderno é a sua perspectiva materialista. Antes do mais, existem agora “provas positivas” da existência da alma, ou antes, da existência post-mortem de uma alma: pancadas, inclinações da mesa e, algum tempo depois, as chamadas materializações (ELIADE, 1989, p. 61, grifos nossos).

Herculano Pires (PIRES, 1975, p. 18) afirma que: “formado na tradição cultural do século XVIII, herdeiro de Francis Bacon, René Descartes e Rousseau, Allan Kardec compreendeu claramente que o problema do seu tempo repousava na questão do método”. O método a que se referiu Herculano Pires correspondia ao da experimentação indutiva para investigação do fenômeno das mesas girantes [13], sobre o qual Kardec mesmo diz:

[...] fiz os meus primeiros estudos sérios de Espiritismo, menos ainda por efeito de revelações que por observação. Apliquei a essa nova Ciência, como até então o tinha feito, o método da experimentação: nunca formulei teorias pré-concebidas; observava atentamente, comparava, deduzia as consequências; dos efeitos procurava remontar às causas pela dedução, pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo como válida uma explicação, senão quando ela podia resolver todas as dificuldades da questão [...] Entrevi nesses fenômenos a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro, a solução do que havia procurado toda a minha vida; era, em uma palavra, uma completa revolução nas ideias e nas crenças; preciso, portanto, se fazia agir com circunspecção e não levianamente, ser positivista e não idealista, para me não arrastar pelas ilusões. (KARDEC, 1989, p. 16, grifos nossos).

Embora Kardec não fosse positivista, visto que muitos pontos do positivismo são incompatíveis com o Espiritismo (INCONTRI, 2001, p. 67 a 71), o trecho citado acima é a chave para a compreensão desta influência. Quando ele diz: “preciso, portanto, se fazia agir com circunspecção e não levianamente, ser positivista e não idealista”, ele estabelece uma das premissas básicas do positivismo, que era a de que o “único método de conhecimento é das ciências naturais, o qual prima pela identificação das leis causais e seu domínio sobre os fatos” (ARAUJO, 2014, p. 94).

Kardec não só reconheceu o papel fundamental do método positivo no avanço e na consolidação da ciência moderna, como também desenvolveu procedimentos para empregar tal método em seus estudos dos fenômenos espíritas. Quando afirmou utilizar-se do método da experimentação, ele se referia ao método indutivo defendido por Francis Bacon (1561-1626), o qual previa que a formação das leis deveria passar pelo crivo das situações empíricas propostas, numa lógica sequencial de formulação de hipóteses e validação da sua consistência. Esse processo foi batizado por Bacon como método da experimentação. Essa forma de atuação ocupou um lugar privilegiado na proposição de uma metodologia científica que se pautava pela racionalização de procedimentos que foram caracterizados como a indução e a dedução.

A indução é o processo de formular enunciados a partir de observações e coleta de dados sobre o particular, contextualizado no experimento. Assim, estabelecido um problema, o cientista executa experimentos que o levem a observações cuidadosas, coleta de dados, registro e divulgação entre outros membros de sua comunidade, na tentativa de refinar as explicações para os fenômenos subjacentes ao problema em estudo (GIORDAN, 1999, p. 2). Este método fundamenta a chamada ciência indutivista, que nas palavras de Bacon se resume na seguinte afirmação:

Só há e só pode haver duas vias para a investigação e para a descoberta da verdade. Uma, que consiste no saltar-se das sensações e das coisas particulares aos axiomas mais gerais e, a seguir, a descobrirem-se os axiomas intermediários a partir desses princípios e de sua inamovível verdade. A outra, que recolhe os axiomas dos dados dos sentidos e particulares, ascendendo contínua e gradualmente até alcançar, em último lugar, os princípios de máxima generalidade. Este é o verdadeiro caminho, porém ainda não instaurado. (BACON, p. 16, 1988).

O método científico utilizado por Kardec, portanto, foi claramente o método da experimentação legado por Francis Bacon, cuja utilização corrobora com “um sentimento profundamente criador, uma confiança absoluta na edificação e na renovação do mundo” (CASSIRER, 1966, p. 195, tradução nossa)[14]. Com um pensamento extremamente ligado às inovações de seu tempo, Kardec se inspirava na lógica e na ciência para fazer suas afirmações e estudos.

Uma das premissas fundamentais desta época era o evolucionismo que herdou do século anterior este sentimento de renovação e trazia em seu bojo o evolucionismo biológico de Darwin (1809-1882), o transformismo de Lamarck (1744-1829), as teorias sociais de Karl Marx (1818-1883), e a forma de pensar de Rousseau, que, foi colocada em prática por Pestalozzi, mestre de Rivail. O mundo, portanto, despertava para o evolucionismo, que nascido no século XVIII se consolidou no século XIX, e que podemos resumir em quatro características básicas: 1) a evolução está presente no mundo natural biológico e na produção humana; 2) a evolução tem um sentido, que pode, se não determinado, ser predito (Fichte, Comte e Marx) ou pelo menos inteligível e pensável (Spencer e Darwin[15]); 3) no plano histórico, a evolução se fecha num ciclo; 4) o indivíduo está submetido a uma lei que transcende a ele próprio e que até o determina (INCONTRI, 2001, p. 45).

Com uma relação estreita com o evolucionismo, o cientificismo[16] por sua vez, acredita na possibilidade incondicionada de poder explicar tudo através da ciência e, com isso, transformar a realidade. O método científico pretende abarcar e desvendar toda a estrutura da realidade do mundo a partir do Renascimento, passando pela Revolução Industrial como resultado prático da Ciência, Bertrand Russell durante o século XX, explica que:

A ciência tem por meta descobrir, por meio da observação e do raciocínio a partir desta, primeiros fatos particulares sobre o mundo, depois leis, ligando esses fatos uns aos outros e, permitindo (nos casos favoráveis) prever eventos futuros. A este aspecto teórico da ciência está ligada a técnica científica, que utiliza do conhecimento científico para produzir condições de conforto e de luxo, que eram irrealizáveis, ou ao menos muito mais caras, nos tempos pré-científicos. É este último aspecto que dá tanta importância à ciência, mesmo aos olhos daqueles que não são cientistas. (RUSSELL, 1971, p. 8).

Há aí uma dualidade que trata de um mundo real, fixo, acabado e imutável que pode ser estudado e analisado, do qual seríamos prisioneiros de suas leis, podendo-se extrair dele, por outro lado, diversas possibilidades em favor da humanidade, num caráter progressivo. Daí se poderiam extrair novas descobertas que podem trazer aplicações inesperadas, estabelecendo-se uma espécie de fé, na qual, para a ciência, tudo é possível, nada seria limitado. “A ciência aspira abarcar o conhecimento inteiro do mundo [...] Nada do que é suscetível de entrar em relação conosco é estranho ao seu domínio. É impossível, a priori, lhe assinalar limites.” (BOUTY, 1908, p. 21). Portanto, todos os fenômenos, inclusive os metafísicos, poderiam ser explicados pela Ciência.

É nesse cenário que Kardec publica, em 18 de abril de 1857, O Livro dos Espíritos, com tamanho êxito que precisou ser reeditado em 1860 corrigido e consideravelmente aumentado. Teria sido o sucesso dessa edição o desejo dos leitores de terem respondidas as questões apontadas por Mircea Eliade (1989): “o fascínio pelos ‘mistérios da Natureza’, o impulso de penetrar e decifrar as estruturas internas da Matéria – todos esses anseios e impulsos denotam uma espécie de nostalgia pelo primordial, pela matriz original universal”.

4 AS CIÊNCIAS NATURAIS DO SÉCULO XIX NA OBRA KARDECIANA

O estudo do universo em que vivemos foi sempre objeto de interesse dos pensadores. No século XV, Nicolau Copérnico (1473-1543) propôs uma das mais controversas teorias científicas a respeito de nosso universo para a época, o heliocentrismo. Mais tarde, Galileu Galilei (1564-1642), defendeu as ideias de Copérnico além de desenvolver pontos relevantes da Física; René Descartes (1596-1650), considerado por alguns como o fundador da Filosofia e da Matemática moderna, Isaac Newton (1643-1727) o pai da Física Clássica, e Pierre-Simon Laplace (1749-1827) proeminente estudioso da Mecânica Celeste. Citamos esses apenas como exemplos da ciência disponível, extremamente prolífera na época de Kardec, em que foram registrados avanços significativos para o desenvolvimento da ciência moderna. Foram desenvolvidas, portanto, importantes teorias a respeito do funcionamento do universo em que vivemos. Entre essas teorias, uma das mais proeminentes foram as teorias do éter[17] e do vácuo[18], que foram amplamente discutidas no século XIX.

Laplace considerava que todos os movimentos da humanidade seriam previsíveis, caso fossem conhecidas as informações sobre a posição, velocidade e direção inicial de cada átomo, da mesma forma que se pode prever os movimentos de uma bola de bilhar. Essa previsibilidade dos fatos foi chamada de determinismo. Através dessa lógica, o determinismo foi adotado como pressuposto científico básico para todas as demais ciências. Através do pensamento de Laplace, acreditava-se que os corpos fossem formados por pequenas esferas diminutas perfeitamente homogêneas, sólidas, indestrutíveis eternas e indivisíveis. Essas partículas se combinariam por afinidade[19]. Segundo essa teoria, todo o universo fora da matéria seria um imenso e absoluto vazio. Esta ideia caiu quando os físicos modernos se debruçaram sobre as partículas e outros fenômenos como a luz e o calor (FIGUEIREDO, 2016, p. 424). É bom ressaltar que hoje o determinismo e o mecanicismo são questionados pela física moderna.

Por grande que fosse o êxito das ideias clássicas na interpretação dos fenômenos de interferência, não menos impressionante é a sua incapacidade para esclarecer os processos de emissão e absorção da radiação. Aqui a eletrodinâmica e a mecânica clássica fracassaram em absoluto (…). Finalmente a mecânica e a estatística clássica também falharam na explicação das leis da radiação do calor (ou energia) (BORN, 1971, p. 90).

A partir das discussões ao redor das questões da radiação do calor e da energia de modo geral, ganharam força a teoria de propagação de ondas no éter ou campo eletromagnético propostas por Maxwell, a partir das experiências de Faraday, contexto no qual, Einstein nos diz que:

Nossa única saída parece ser a de ter por fato consumado que o espaço tem a propriedade física de transmitir ondas eletromagnéticas [...]. Ainda podemos usar a palavra Éter, mas apenas para expressar alguma propriedade física o espaço. Essa palavra éter mudou de significado muitas vezes com o desenvolvimento da ciência. No momento, não mais representa o meio formado de partículas. Sua história, de modo algum acabada, é continuada pela teoria da relatividade. (EINSTEIN, 2008, p. 131).

Nessa linha de discussão, enquanto se discutia questões da validade ou não da teoria do éter e do vácuo até então proposta por Isaac Newton (1642-1727), surgiu a teoria do magnetismo animal criada pelo médico alemão Franz Anton Mesmer (1734-1815). Ele sustentava que seria possível, entre outros fenômenos, desenvolver a cura pelo magnetismo animal, através de um processo de indução natural do estado de saúde do magnetizador para o paciente, promovendo uma evolução mais rápida em seu processo natural de restabelecimento. Afirmava que “o magnetismo animal bem direcionado é o meio geral de restabelecer a harmonia alterada em todos os casos possíveis” (apud, FIGUEIREDO, 2016, p. 433). Os estudos de Mesmer não tinham nada de místicos e tratavam de forma estritamente científica as possíveis influências da força da gravidade sobre os ciclos naturais da fisiologia humana em comparação com esta influência nas marés[20].

Em 1774 iniciou suas experiências com o magnetismo através de passes com uma senhorita de 29 anos, de nome Esterlina e, a partir daí, progrediu em sua técnica, tendo sucesso em centenas de casos. Desenvolveu uma base teórica a respeito do magnetismo, registrando criteriosamente os seus resultados fundamentando-os na Física, Fisiologia e Medicina. O sucesso de sua técnica suscitou fortes resistências na classe médica da época. (FIGUEIREDO, 2016, p. 427-438).

A resistência obstinada que se opôs a esse método no início do seu desenvolvimento não me dissuadiu de continuar minhas observações; quanto mais eu as confirmava através de minhas anteriores conjecturas, mas me esforçava para conseguir o aperfeiçoamento de alguns conhecimentos físicos, retificando-os, a fim de elaborar o sistema sobre o mecanismo interno da Natureza, do qual deveria surgir um novo conhecimento sobre a conservação da saúde. (MESMER apud FIGUEIREDO, 2016, p. 430).

Apesar de ter suscitado desconfiança, da classe médica de um lado, por outro despertou o interesse de alguns, entre eles o teólogo Johann Kaspar Lavater, amigo e protetor de Pestalozzi e posteriormente do Sr. Rivail.

Um dos pontos mais significativos a respeito das pesquisas de Mesmer, que foi batizada de Mesmerismo, foi a concepção da teoria geral física da ciência do magnetismo animal, que este denominou por Fluido Universal. Nessa teoria ele parte do pressuposto de que a teoria de Laplace e Lavoisier estava equivocada, já que “nem a luz, nem o fogo, nem a eletricidade, nem o magnetismo e nem o som são substâncias, mas sim efeitos do movimento de diversas séries do fluido universal” (FIGUEIREDO, 2007, p. 529)

Para Mesmer, desde a matéria sólida, passando pelo estado líquido, gasoso, depois o éter e outras fases desconhecidas, tudo estaria representado pela:

[...] existência de um fluido universal, que é o conjunto de todas as séries da matéria dividida pelo movimento interno (isto é, o movimento de suas partículas entre si). Nesse estado, ele preenche os interstícios de todos os fluidos, do mesmo modo que todos os sólidos contidos no espaço. Por causa dele, o universo está fundido e reduzido a uma única massa. (MESMER apud FIGUEIREDO, 2016, p. 436).

O fluido cósmico definido por Mesmer guarda grande analogia à seguinte descrição de Einstein: “A maior parte da energia está concentrada na matéria, mas o campo que circunda a partícula também representa energia. [...] Poderíamos, portanto, dizer: Matéria é onde a concentração de energia é grande, e campo onde a concentração de energia é pequena.” (EINSTEIN, 2008, p. 201).

A influência das ciências naturais do século XIX é marcante na obra de Kardec e não é difícil essa constatação, na medida em que ele as usa como referência em toda a sua obra, particularmente no quinto livro de sua série, publicada em 6 de janeiro de 1868, intitulado A Gênese. A própria estrutura de O Livro dos Espíritos, que é feita de perguntas e respostas, deixa clara essa influência, na qual as perguntas eram elaboradas por Kardec e as respostas eram atribuídas aos Espíritos. As perguntas elaboradas eram estruturadas de forma a desenvolver e comprovar uma linha de raciocínio do próprio Kardec, e tinham por base o conhecimento científico, filosófico e religioso da época e na formação do autor nestes campos do conhecimento.

No que tange às ciências, por exemplo, que é o ponto em questão deste tópico, a influência desses conhecimentos é extremamente significativa, pois sem entrar no mérito das respostas dadas pelos Espíritos vamos encontrar Kardec fazendo as mesmas perguntas que os cientistas da época estavam elaborando e para as quais, cada um à sua maneira, procurando as respostas.

No capítulo segundo de sua obra basilar, O Livro dos Espíritos, Kardec faz algumas perguntas que vão ao encontro das dúvidas dos cientistas da época:

A ponderabilidade é um atributo essencial da matéria?

A matéria é formada de um só ou de muitos elementos?

Donde se originam as diversas propriedades da matéria?

A mesma matéria elementar é suscetível de experimentar todas as modificações e de adquirir todas as propriedades?

As moléculas têm forma determinada?

O vácuo absoluto existe em alguma parte no Espaço universal? (KARDEC, 2008, p. 76 -79).

Nessas perguntas, vemos a necessidade de identificar os mesmos pontos que foram tratadas por Laplace sobre a questão da ponderabilidade da matéria além das relacionadas à sua composição. Vemos também a preocupação com a questão do vácuo e do éter. Quando ele pergunta sobre as propriedades da matéria e daquilo que ele chama de matéria elementar, que poderia adquirir diversas propriedades, ele está se referindo às questões do éter e, mais particularmente, à questão do fluido universal tratado por Mesmer. No que diz respeito ao fluido universal, inclusive, ele adota tal conceito como uma das bases fundamentais da sua obra.

[...] a teoria do fluido universal foi proposta pelo médico alemão Franz Anton Mesmer como alternativa paradigmática da física adequada para explicar sua teoria, já que não admite a hipótese substancialista que estava sendo incorporada à ciência oficial em sua época. A teoria dinâmica ou ondulatória do fluido universal, proposta por Mesmer, foi assim adotada pelos espíritos superiores nas obras da doutrina espírita. Desse modo, podemos concentrar na sequência das páginas da obra de Kardec, citações das duas teorias, a dos fluidos imponderáveis que ele aprendeu dos manuais de física, e da do fluido universal proposta por Mesmer e desenvolvida pelos espíritos. Por fim, como veremos na obra A gênese, Kardec definiu a segunda teoria como princípio fundamental estabelecida pela concordância do ensino dos espíritos superiores. (FIGUEIREDO, 2016, p. 408 a 409).

As influências das Ciências que estão presentes de modo geral na obra kardeciana, particularmente da Física e da Química, ficam claramente estabelecidas no livro A Gênese, em sua primeira parte, dos capítulos IV até o X, que tratam, entre outros, dos seguintes assuntos: 1) papel da ciência na gênese; 2) o espaço e o tempo; 3) a matéria; 4) as leis e as forças; 5) a criação primária; 6) a criação universal; 7) os sóis e os planetas; 8) os satélites; 9) os cometas; 10) a Via Láctea; 11) as estrelas fixas; 12) os desertos do espaço, 13) eterna sucessão dos mundos. No início dessa primeira parte, Kardec afirma:

Impotente se mostrou o homem para resolver o problema da Criação, até o momento em que a Ciência lhe forneceu para isso a chave. Teve de esperar que a Astronomia lhe abrisse as portas do espaço infinito e lhe permitisse mergulhar aí o olhar; que, pelo poder de cálculo, determinasse com rigorosa exatidão o movimento, a posição, o volume, a natureza e o papel dos corpos celestes; que a Física lhe revelasse as leis da gravitação, do calor, da luz e da eletricidade; que a Química lhe mostrasse as transformações da matéria e a Mineralogia os materiais que formam a superfície do globo; que a Geologia lhe ensinasse a ler, nas camadas terrestres, a formação gradual desse mesmo globo. À Botânica, à Zoologia, à Paleontologia, à Antropologia coube iniciá-lo na filiação e sucessão dos seres organizados. Com a Arqueologia pôde ele acompanhar os traços que a humanidade deixou através das idades. Numa palavra, completando-se umas às outras, todas as ciências houveram de contribuir com o que era indispensável para o conhecimento da história do mundo. Em falta dessas contribuições, teve o homem como guia as suas primeiras hipóteses. (KARDEC, 1990, p. 85).

As citações de Kardec a respeito da matéria são particularmente interessantes, porque demonstram que ele se baseava na Física corrente, e que, além de questionarem a ponderabilidade da matéria, estão intimamente ligadas com as teorias do éter e do vácuo de seu tempo, como ele descreve:

Há um fluido etéreo que enche o espaço e penetra os corpos. Esse fluido é o éter ou matéria cósmica primitiva, geradora do mundo e dos seres. Ao éter são inerentes as forças que presidiram às metamorfoses da matéria, as leis imutáveis e necessárias que regem o mundo. Essas múltiplas formas, indefinidamente variadas segundo as combinações da matéria, localizadas segundo as massas, diversificadas em seus modos de ação, segundo as circunstâncias e os meios, são conhecidas na Terra sob os nomes de gravidade, coesão, afinidade, atração, magnetismo, eletricidade ativa. Os movimentos vibratórios do agente são conhecidos sob os nomes de som, calor, luz etc. (KARDEC, 1990, p. 111).

As influências de Mesmer na obra kardeciana vão além das questões do fluido universal, a ponto de o mesmo afirmar que “o magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, e das duas, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere.” (KARDEC, [1869] 2007b, p. 28).

Diante de todas essas constatações, como fica a questão de que Kardec afirma que sua obra é dos Espíritos e não sua? (KARDEC, 2008, p. 3).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Poderia se dizer ao ler essas linhas, que isto tudo o que afirmamos até aqui é um equívoco, já que na verdade a obra é dos espíritos, e que a influência do meio em que o Espiritismo foi formado não influenciou o seu conteúdo, já que teria sido trazida ao mundo pelos Espíritos Superiores. Os defensores dessa ideia argumentarão isso, usando as próprias palavras de Kardec, que afirma que essa doutrina não é sua e sim legada pelos espíritos, como está escrito no subtítulo de sua obra básica O Livro dos Espíritos, que diz:

PRINCÍPIOS DA DOUTRINA ESPÍRITA, sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade - segundo os ensinos dados por Espíritos superiores com o concurso de diversos médiuns - recebidos e coordenados por Allan Kardec. (KARDEC, 2008, p. 3).

Dirão que o resultado da obra foi cunhado no Plano Espiritual e que Kardec foi apenas conduzido, e que fosse qual fosse o meio em que a obra tivesse surgido, o seu conteúdo seria o mesmo e não seria influenciado pelos seres humanos na terra. E a respeito dessas eventuais opiniões, lançamos mão das argumentações de C. P. Tiele que trata da questão da influência exercida por homens de gênio e/ou dos fundadores das religiões no seu desenvolvimento. Diz ele:

Mas será que isso significa que eles mesmos de fato não são nada fora do comum, que, como ensina Hegel, eles são meros “instrumentos sem vontade nas mãos do mundo do espírito”, de modo que, embora desempenhem um papel importante na história, são apenas atores, que não escreveram o drama em si, ou mesmo como marionetes, movidos por uma mão invisível? Devemos [...] considerá-los apenas como meios de comunicação, nos quais as ideias e o autodesenvolvimento, são refletidos, de modo que está fora de questão falar de indivíduos proeminentes ou de sua influência no desenvolvimento? Ou devemos, [...] reduzir toda originalidade e todo gênio ao dom de uma maior receptividade às ideias dos outros, para que as pessoas assim dotadas sejam simplesmente como indivíduos que se elevam um pouco mais do que os outros e que, portanto, apenas recebem os raios de luz um pouco mais cedo do que os habitantes do vale? Certamente que não! [...] É sua própria vontade que os aciona, mais poderosa e mais verdadeiramente do que se obedecessem a suas inclinações inferiores, seu amor pela facilidade e o medo do ser humano. A verdade em cujo serviço eles se alistam, seja qual for sua fonte, e por mais que a tenham alcançado, tornou-se sua posse, e ao segui-la e proclamá-la eles escutam apenas os ditames de seu próprio coração. (TIELE, 2022, p. 249, tradução nossa[21])

A importância que se dará, portanto, a Kardec está intimamente relacionada à interpretação dos fatos, pois isso é o que modifica a percepção do indivíduo e faz com que ele “preencha as lacunas de seu entendimento” com aquilo que ele possui de concreto, que é a sua realidade pessoal. A diferença entre o que se apresenta e o que percebemos é o que Edward Schillebeeckx chama de “referente disponível ou ideal” e que cria a sua experiência a partir das imagens construídas com as marcas de uma cultura específica, permitindo ao crente entrar em relação com o “verdadeiro referente” mediado por cada pessoa em sua experiência específica. Dessa forma, segundo Schillebeeckx, as diversas interpretações religiosas tomam forma, e: “o surgimento de muitas religiões pode ser explicado [...] pela multiplicidade de experiências humanas do mundo e do homem dentro de experiências específicas e diversas tradições de experiência específicas e diversificadas” (SCHILLEBEECKX, 1994, p. 34).

Quando se estuda o Espiritismo é importante avaliar qual foi o papel de Kardec, pois os seus fiéis na sua grande maioria o chamam de codificador, pois entendem que, o que ele fez foi dar forma à doutrina nascente. Como já citamos anteriormente Eliade diz que havia no século XIX uma “ansiosa procura das origens da Vida e da Mente, o fascínio pelos ‘mistérios da Natureza’, o impulso de penetrar e decifrar as estruturas internas da Matéria – todos esses anseios e impulsos denotam uma espécie de nostalgia pelo primordial, pela matriz original universal.” (ELIADE, 1989, p. 59). E entendemos que não só Kardec foi fortemente influenciado por essa ansiedade pela procura das origens, como a rápida aceitação de O livro dos Espíritos no seu lançamento denota que o ambiente era propício, e se assim não fosse sua obra não teria continuado até os dias de hoje.

Ainda que os espíritos fossem os responsáveis exclusivos pelo um pretenso sucesso da propagação dessa ideia, eles certamente levariam em conta o ambiente e a época em que essa doutrina viesse a ser cunhada, procurando os meios adequados. Entendemos, então que mesmo aí, tudo o que foi relatado acerca do século XIX e as influências recebidas por Kardec faz todo o sentido. Dessa forma entendemos que tanto a sua bagagem intelectual foi fundamental na organização do conhecimento que estava segundo seus fiéis sendo oferecido pelos espíritos, quanto essa bagagem acadêmica facilitou a inserção dessas ideias no meio em que foi recebida.

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Notas

1 Termo usado para descrever as tendências do pensamento e da literatura na Europa e em toda a América durante o século XVIII, antecedendo a Revolução Francesa. Foi empregado pelos próprios escritores do período, convencidos de que emergiam de séculos de obscurantismo e ignorância para uma nova era, iluminada pela razão, a ciência e o respeito à humanidade.
2 O ano entre colchetes se refere à data de publicação original do livro.
3 O movimento Iluminista nos Estados Unidos começou um pouco antes de sua independência em 4 de julho de 1776. (SOCIENTIFICA, 2022)
4 O Livro Obras Póstumas foi uma compilação de textos legados por Allan Kardec feita por um dos membros da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas P. G. Leymarie.
5 É importante destacar que embora fortemente vinculados, a Revolução Francesa e o Iluminismo, não são a mesma coisa. O movimento iluminista é anterior e não foi concentrado na França como já destacamos anteriormente. Estamos aqui focando apenas nos eventos franceses que influenciaram o pedagogo francês Rivail (Allan Kardec).
6 Vamos, filhos da Pátria/ O dia da glória chegou / Contra nós da tirania / A bandeira sangrenta é levantada /A bandeira sangrenta é levantada / Você ouve no campo / Os uivos de soldados ferozes /Eles vêm até os seus braços / Matar seus filhos, seus companheiros / Às armas cidadãos! Formem seus batalhões! /Marchemos, marchemos / Que o sangue impuro regue nossos sulcos. (FRANCE, 1792)
7 Les représentants du peuple français, constitués en Assemblée nationale, considérant quel'ignorance, l'oubli ou le mépris des droits de l'homme sont les seules causes des malheurs publics et de la corruption des gouvernements, ont résolu d'exposer, dans une déclaration solennelle, les droits naturels, inaliénables et sacrés de l'homme, [...]En conséquence, l'Assemblée nationale reconnaît et déclare, en présence et sous les auspices de l'Être suprême, les droits suivants de l'homme et du citoyen.Article 1er -Les hommes naissent et demeurent libres et égaux en droits. Les distinctions sociales ne peuvent être fondées que sur l'utilité commune.Article 2 -Le but de toute association politique est la conservation des droits naturels et imprescriptibles de l'homme. Ces droits sont la liberté, la propriété, la sûreté, et la résistance à l'oppression.Article 3 -Le principe de toute souveraineté réside essentiellement dans la nation. Nul corps, nul individu ne peut exercer d'autorité qui n'en émane expressément. Article 4 -La liberté consiste à pouvoir faire tout ce qui ne nuit pas à autrui : ainsi, l'exercice des droits naturels de chaque homme n'a de bornes que celles qui assurent aux autres membres de la société la jouissance de ces mêmes droits. Ces bornes ne peuvent être déterminées que par la loi. [...]Article 10 -Nul ne doit être inquiété pour ses opinions, même religieuses, pourvu que leur manifestation ne trouble pas l'ordre public établi par la loi.Article 11 -La libre communication des pensées et des opinions est un des droits les plus précieux de l'homme : tout citoyen peut donc parler, écrire, imprimer librement, sauf à répondre de l'abus de cette liberté dans les cas déterminés par la loi.”
8 “[...]en présence et sous les auspices de l'Être suprême [...].”
9 “Christianity has [...] long vanished, not only from the reason but from the life of mankind.”
10 Aqui tratamos a secularização no sentido da contraposição que se fazia ao religioso pela visão de ciência que o mundo vivia àquela época, questionando a autoridade formal da Igreja. “Inúmeras vezes antes da Reforma, a fronteira entre o religioso e o secular foi redesenhada; mas a autoridade formal da Igreja permaneceu sempre preeminente. Nos séculos seguintes, com o surgimento triunfal da ciência moderna, do modo moderno de produção e do Estado moderno, as igrejas elas mesmas assumem uma posição clara acerca da necessidade de se distinguir o religioso do secular, transferindo, como de fato o fizeram, o peso da religião cada vez mais na direção das disposições e motivações do indivíduo crente. A disciplina (intelectual e social)iria, nesse período, gradualmente abandonar o espaço religioso, cedendo seu lugar à ‘crença’, à ‘consciência’ e à ‘sensibilidade’.” (ASAD, 2010, p. 269)
11 Do contrato social ou princípios do direito político”. (ROUSSEAU, 2003).
12 “Emílio, ou Da Educação” (ROUSSEAU, 2004).
13 Mesas girantes, mesas falantes ou dança das mesas é uma prática em que os participantes se sentam ao redor de uma mesa, colocam as mãos sobre ela e esperam que ela se movimente para oferecer respostas dos espíritos, sejam por batidas ou por indicações de letras do alfabeto. Tais práticas foram muito populares no século XIX. Esse fenômeno chamou a atenção de Rivail, que, por sua vez, começou a estudá-lo em função de ser um pesquisador do magnetismo, também conhecido por Mesmerismo.
14 [...] un sentiment profondément créatif, une confiance absolue dans l'édification et le renouvellement du monde.
15 Para Alfred Russel Wallace, coautor da teoria do evolucionismo biológico e espiritualista, “a evolução tem um propósito e não se dá a partir do acaso -o universo mostra não apenas um desígnio, mas uma intenção.”.The Last of the Great Victorians, Special Interview with Dr. Alfred Russel Wallace (in: The Millgate monthly, Aug. 1912. Disponível em: <https://people.wku.edu/charles.smith/wallace/S750.htm>. Acesso em 03 nov. 2017).
16 A denominação ‘cientifismo’, ‘cientismo’ ou ‘cientificismo’ identifica a exacerbada convicção de que só é possível explicar e orientar o comportamento humano e a convivência social pela via da ciência ‘positiva’. Positivismo, evolucionismo spenceriano, o haeckelismo e outras correntes monistas constituíram exemplos do pensamento ‘cientificista’ que também se caracterizou pelo sectarismo dogmático e intolerante dos adeptos de cada uma das correntes que abrangia no final do século XIX. (COLLICHIO, 1988, p. 17.)
17 A teoria do éter é o nome dado ao conjunto de ideias produzidas principalmente na segunda metade do século XIX com o objetivo de dar um corpo coeso às teorias físicas existentes até então. Apesar de podermos encontrar traços fortes dessa teoria desde o pensamento de Isaac Newton (1642-1727), foram Hendrik Lorentz (1853-1928) e Henri Poincaré (1854-1912) os cientistas que ficaram conhecidos como autores dela. Hoje a teoria do éter é vista como uma abordagem equivocada para os fenômenos naturais. Ela não é mais lecionada ou defendida enquanto teoria física, restando-lhe somente seu grande valor histórico, embora a física moderna na atualidade venha reabrindo a discussão a esse respeito com as novas teorias a respeito da “matéria escura”
18 O éter foi proposto por pensadores da antiguidade como sendo uma substância sutil, imperceptível, que preencheria todo o espaço do universo, como explicitado na nota anterior, pois uma região onde não existe nada, nenhum tipo de matéria, era algo impensável, seria o não ser. A partir desses pensadores, o espaço vazio, o vácuo, portanto, não poderia existir.
19 A Química do século XIX concebia duas forças atômicas: coesão e afinidade. A coesão unia as moléculas homogêneas como as partículas do ouro entre si, dando origem ao metal. Já a afinidade seria uma atração de combinação de moléculas heterogêneas, como a atração do hidrogênio e do oxigênio para formar a água. (FIGUEIREDO, 2016, p. 404)
20 É importante lembrar que do ponto de vista da ciência em geral as teorias de Mesmer são consideradas controversas, porém Paulo Figueiredo, o autor aqui citado estuda Mesmerdo ponto de vista do Espiritismo, e isso seria questionável se não estivéssemos fazendo uma análise nesse artigo da influência do século XIX em Kardec. E ele mesmo em diversos pontos de sua obra cita Mesmer e sua teoria sobre o magnetismo. Somente na revista espírita Mesmer é citado em jan. 1864, out. 1864, maio 1865 e mar. 1867. Kardec chega inclusive a afirmar que: “o magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmea” (KARDEC, RE: Jan/1869, p. 28).
21 But does this imply that they themselves are nothingout of the common, that, as Hegel teaches, theyare mere "will-less tools in the hands of the world-spirit"so that, though they play an important partin the world's history, it is merely as actors, whohave not written the drama themselves, or even asmarionettes, moved by an invisible hand? Must we[...]regard them as nothing butmedia, in which ideas, self-developing, are reflected,so that it is out of the question to speak of preeminentindividuals or their influence on development?Or must we[...]reduce alloriginality and all genius to the gift of greater receptivity for the ideas of others, so that persons thusgifted are simply like men who stand a little higherthan others, and who therefore merely receive therays of light a little earlier than dwellers in thevalley?Surely not![...]It is their own will that actuates them,more powerfully and more truly than if they obeyedtheir lower inclinations, their love of ease and fearof man. The truth in whose service they enlist,whatever be its source, and however they have attainedto it, has become their possession, and infollowing it and proclaiming it they listen solely todictates of their own hearts
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