Resumo: O contexto sociorreligioso nas cidades brasileiras tem passado por muitas transformações por influência da pandemia Covid-19 e de políticas públicas implementadas (ou não). Por conseguinte, no movimento sociorreligioso kardecista emerge um grupo com novo perfil, os espíritas de esquerda. Neste artigo, justificamos e objetivamos nossa busca pela compreensão de quais seriam as motivações, as influências, os fatores e demais pressupostos que tem con(in)duzido esta ruptura, dissidência e/ou reconstrução do espiritismo à brasileira. Logo, nisto está posto o fio condutor de nossa inquietação. Como procedimentos metodológicos adotamos levantamento bibliográfico nas redes midiáticas priorizando os discursos, os estudos e eventos espíritas nas principais fontes de propagação do movimento espíritas que abordam este assunto, como por exemplo: Federação e União das Sociedades Espíritas de São Paulo, dentre outras.
Palavras-chave: Dissidência, Espiritismo, Esquerda, Reconstrução.
Abstract: The socio-religious context in our Brazilian cities has gone through many transformations due to the influence of the Covid-19 pandemic and of public policies implemented (or not). Therefore, in the Kardecist socio-religious movement, a group emerges with a new profile, the leftist spiritists. In this article, we justify and aim our search at understanding which would be the motivations, influences, factors, and other assumptions that have led to this rupture, dissent, and/or reconstruction of Brazilian spiritism. Therefore, in this lies the common thread of our restlessness. As methodological procedures, we adopted a bibliographic survey in the media networks, prioritizing the speeches, studies, and Spiritist events in the main sources of propagation of the Spiritist movement that address this subject: such as Federation and Union of Spiritist Societies of São Paulo, among others.
Keywords: Dissent, Espiritism, Leftists, Reconstrution.
Resumen: El contexto socio-religioso en nuestras ciudades brasileñas ha pasado por muchas transformaciones debido a la influencia de la pandemia Covid-19 y de las políticas públicas implementadas (o no). Por tanto, en el movimiento socio-religioso kardecista surge un grupo con un nuevo perfil, los espiritistas de izquierda. En este artículo, justificamos y orientamos nuestra búsqueda por comprender cuáles serían las motivaciones, influencias, factores y otros supuestos que han llevado a esta ruptura, disensión y / o reconstrucción del espiritismo brasileño. Por tanto, en esto radica el hilo conductor de nuestra inquietud. Como procedimientos metodológicos, se adoptó un relevamiento bibliográfico en las redes de medios, priorizando los discursos, estudios y eventos espíritas en las principales fuentes de propagación del movimiento espírita que abordan este tema, tales como: Federación y Unión de Sociedades Espíritas de São Paulo, entre otras.
Palabras clave: Dissidencia, Espiritismo, Izquierda, Reconstrución.
Dossiê
ESPÍRITAS DE ESQUERDA: rupturas, dissidências e (re)construção de novo ou (do novo)
Leftist Espiritists: breaks, dissents and (re)construction of the new or (re)construction again
Espiritas de Izquierda: ruptura, dissidência y (re)construciones del nuevo o (de lo nuevo)
Recepción: 03 Noviembre 2021
Aprobación: 07 Abril 2022
As religiões de uma maneira em geral sofreram interferências advindas pela pandemia Covid-19. As práticas de reuniões, rituais, foram adaptadas aos encontros virtuais, lives, reuniões em plataformas[1], etc. Logo o movimento espírita não ficou incólume a esta e outras situações como enveredamos em demonstrar ao longo deste manuscrito.
É fato consumado, a sociedade brasileira tem sofrido com as muitas transformações impostas pela pandemia como nas demais sociedades internacionais, embora, em graus diferenciados. No nosso caso, tais impactos se agudizam pelas mazelas sociais cá existentes como: má distribuição de renda, falta de um combate mais efetivo da fome e da pobreza, temáticas já bem conhecidas, mais que voltam a serem enfatizadas nas mídias, enfim, demonstrando insuficiência ou ausência de Políticas Públicas mais assertivas nas diversas áreas essenciais.
Portanto, tais impactos não se dão só no campo da Saúde Pública, propriamente dito, mas, se atrelam a Educação, Trabalho e Renda, Habitação, Segurança, Meio Ambiente, temas que geram, condicionam as Políticas Públicas que têm sido adotadas (ou não) nos governos estaduais, municipais e mais diretamente no governo federal que rege este nossos Brasis. Nota-se ainda, que o governo federal no período de 2019-2021 tem influenciado e/ou deixado se influenciar por muitos segmentos religiosos. Portanto, tal fato demonstra a porosidade existente entre parlamentares e religiosos, religião e política, laicidade e secularização, fenômenos e temas que são abordados com acuidade por pesquisadores e teóricos como Willaime (2012, p. 118), e especificamente no Brasil por Arribas (2017); Signates (2019); Burity (2020); Camurça (2021) entre outros em seus vários estudos sobre sociologia da religião.
Logo, o governo de Jair Messias Bolsonaro, tem se posicionado em elaborar e/ou implementar Políticas Públicas balizadas pelos interesses de grupos religiosos que o apoiam ou que já lhe apoiaram, contribuindo deveras para sua eleição e sua subida ao planalto na última eleição presidencial em 2018 (SIGNATES, 2019), como foi o caso dos segmentos protestantes. Haja vista, a bancada evangélica conjuntamente com a bancada ruralista e bancada da segurança pública atualmente constituem uma parte muito significativa da base de sustentação de seu governo.
Assim, temos a religião como fator de influência de parlamentares-religiosos ou vice-versa, que buscam sustentar no parlamento as mudanças que beneficiariam em tese seus interesses de cunho religioso, um poder espiritual envolvendo discussões e temas políticos.
As pautas mais comumente abordadas por estes grupos políticos-religiosos seriam: gênero, sexualidade, direitos sexuais e reprodutivos, direito penal, Estado laico, tolerância, diversidade, inclusão e demais temas ligados aos Direitos Humanos, temas que como afirma Arribas (2020, p. 15) “também adentraram nas pautas dos movimentos espíritas”.
Entretanto, é preciso ressaltar que existam em debates nestas bancadas as questões socioambientais e as crises ambientais (MIGUEL, 2012) que perduram e continuam sendo temas relevantes e de disputas também em outras bancadas e frentes, como por exemplo: controle sobre desmatamentos, ocupações de terras indígenas, contaminação de rios por garimpeiros (ASCEMA, 2018). E ainda, tem-se a não aceitação e/ou disponibilidade em implementação da Agenda 2030, sendo uma contradição para um país signatário deste compromisso ambiental internacional, glocal[2].
Neste contexto, nota-se de um lado, o apoio a esta governança por parte de evangélicos articulados (BURITY, 2020) e ruralistas (ASCEMA, 2018). De outro lado, pelo contrário, haveria um desconforto, um descontentamento por parte de tantos outros segmentos religiosos não-protestantes, que igualmente confiaram inicialmente por darem seus votos em prol da sustentação deste governo, como demonstra Signates (2019, p. 150). Segundo o autor, 40% dos espíritas votaram em primeiro turno e 48% votaram em segundo turno em Bolsonaro. E mais, conforme demonstra Marcelo Camurça trazendo dados obtidos da pesquisa Data Folha, “55% dos espíritas votaram no candidato de extrema direita Bolsonaro.” (CAMURÇA, 2021, p. 137).
Embora, estes não sejam unânimes, podemos verificar preliminarmente, que no seio do movimento espírita, atualmente despontam-se grupos identificados como de esquerda que expressam uma indignação contra o atual governo federal (ARRIBAS, 2020). Logo é este espiritismo (de esquerda) que será o fio condutor e objeto de estudo nesta pesquisa, do qual suscitam nossos questionamentos.
Como pergunta principal temos: o paradigma socioambiental tem contribuído para permitir uma real dissidência, ruptura com os princípios espíritas doutrinários, buscando consecutivamente uma (re)construção de um novo espiritismo emergente, uma vez que as políticas socioambientais preconizam a inclusão, a equidade e justiça social?
E como perguntas secundárias: a) quais são os fatores sociorreligiosos e políticos que estão interferindo nas relações espíritas com a sociedade e com seus membros, adeptos, simpatizantes deste movimento tão conhecido pelos insiders[3] como uma conjunção de pensamentos, reflexões e/ou desdobramentos em: filosofia, ciência e/ou religião? b) Quais são os pretextos, contextos, textos ou discursos que induziriam a uma nova forma de atuação de um espiritismo dito conservador em um espiritismo de esquerda?
Justificamos nosso interesse por esta temática de pesquisa, pelo fato de que podem existir somente grupos isolados nesta dinâmica de dissidência, ruptura, distanciamento com o kardecismo francês que aportou no Brasil ganhando novos e profundos contornos, dimensões como demonstrado por (LEWGOY, 2006; VILHENA, 2008), ou estaria ocorrendo mudanças de fato no comportamento sociorreligioso impulsionado pelas questões socioambientais as quais são o foco de nossas pesquisas.
Outra motivação estaria no foco central das ações políticas do governo Bolsonaro que traria implícitos os elementos disparadores para estas transformações internas no movimento espírita, conforme indicações do manifesto espírita (FÉLIX, 2019b). Logo tais fatos sociais necessitam de mais e maiores atenções para uma melhor compreensão.
Pois registramos difuso nas redes midiáticas, um conjunto de escritos, que permite-nos verificar precocemente, algumas explicações para tais posicionamentos, sem, contudo, demonstrar os fatores internos que estariam ocorrendo no âmbito sociorreligioso dos espíritas, o que nos motiva em aprofundar em tais questionamentos.
Portanto, é por um viés sociológico e em parte histórico-fenomenológico, que abordamos tais buscas por respostas para nossas inquietações.
Como metodologia, utilizamos levantamentos bibliográficos nos principais sites institucionais espíritas que disponibilizam seus estudos e eventos que são veiculados nas redes sociais no período de 18/07/2021 a 05/03/2022, além de ter consultado previamente outras bases de dados como periódico da Capes, Scielo, Banco de Teses da USP.
Haja vista, é preciso pontuar que os movimentos sociorreligiosos têm cada vez mais influenciado e/ou sido influenciados por meio das redes sociais midiáticas, daí o porquê da extração de informações dos sítios para nossas análises.
Desta forma, este artigo inicia-se pela compreensão da caracterização do que é ser o espírita no Brasil e no mundo. Na sequência, a continuidade de abordagem está na interpretação que os espíritas têm em relação as reformas políticas promovidas neste governo federal. E, finalmente, enveredamos por discutir ser ou não ser um espírita de esquerda em meio a um novo paradigma socioambiental vigente.
O espiritismo surge na França ainda no terceiro quartel do século XIX, em um período marcado fortemente por liberalismo e socialismo utópico, inclusive seu fundador - pedagogo, liberal - Hippolyte Léon Denizard Rivail (Allan Kardec) se aproximando, se envolvendo com a esquerda francesa e do anarquismo (SIGNATES, 2019; AMORIM, L., 2021; CAMURÇA, 2021). No Brasil, este movimento desembarca na Bahia em meio a uma cultura multivariada, marcada sob as mesclas de povos, costumes e tradições preconceituosamente ditas não civilizadas, sociedade como demonstra Lewgoy (2008) influenciada pela austera Igreja Católica e forte presença da elite brasileira da época.
Esta última, por sua vez, impõe não só seu proselitismo religioso, mas, impele as tentativas de uma nova professa de fé e seguimentos religiosos. Haja vista, durante décadas o kardecismo foi estudado por teólogos católicos que viam no movimento espírita brasileiro mais que uma simples ameaça na disputa de um mercado religioso como nos pontua Lewgoy (2006):
[...] o espiritismo foi reconsiderado como objeto por especialistas da Igreja Católica, numa época em que a concorrência de mercado religioso apontava mais para um trânsito livre entre filiações religiosas do que para o arrebate de membros em posições exclusivas ou conversões espetaculares. (LEWGOY, 2006, p. 161).
Contudo, Pereira (2020) em sua análise de discurso focado nos discursos e escritos espíritas, afirma que o:
[...] espiritismo brasileiro, não deixa de ser uma interpretação do espiritismo francês e uma reinterpretação do catolicismo brasileiro, [...] o qual seria fruto de um mecanismo de cerceamento e controle dos sentidos uma vez que adaptar, moldar-se a doutrina de matrizes cristãs era necessário para a sobrevivência do movimento aqui. (PEREIRA, 2020, p. 236).
Embora os espíritas combatessem uma ideia de religião calcada no modelo da Igreja Católica, composta de liturgia, ritual, imagens e sacerdotes, afirmando uma doutrina tríplice face (ARRIBAS, 2017), de tríplice aspecto, científico, religioso e filosófico (LEWGOY, 2006), este espiritismo não ficou incólume as suas subordinações e interpenetrações doutrinárias.
Em virtude disto, a cientista social Maria Angela Vilhena, focada no caso do Kardecismo originário da França, afirmou que no Brasil, existiam não só um espiritismo, mas, espiritismos em pluralidade como ocorre em demais segmentos protestantes como no pentecostalismo, haja vista, que os “[...] espíritas se diversificam, divergem, interagem, interpenetram-se em ideários e cosmovisões distintas entre si.” (VILHENA, 2008, p. 13). Tal constatação continua sendo atual em 2022.
Logo, podemos compreender que o Kardecismo se enquadra na definição de novos movimentos religiosos postulado por Willaime (2012):
[...] a) são frequentemente muito modernos no que diz respeito à sua organização e suas técnicas de divulgação; b) experiência é ali, valorizada: os indivíduos são convidados a um corpo de doutrinas, [...]; c) eles desenvolvem uma visão holística ao tentar reconciliar oposições clássicas entre o indivíduo, a sociedade, e o cosmos, o espiritual e o material. (WILLAIME, 2012, p. 102-105).
Talvez aí já estejam algumas pistas e respostas iniciais para nossos questionamentos, afinal, Arribas (2017) demonstra que o movimento religioso espírita no Brasil sempre buscou uma unificação do movimento, desde a última década do século XIX, sem ter muito sucesso quanto a esta questão. Nota-se que uma heterogeneidade do movimento sempre existiu (AMORIM, L., 2021), e nas décadas subsequentes do século XX tal fato se perdurou.
Contudo, tal busca pela unificação se asseverou nos anos 1960 com os movimentos estudantis que “[...] com seus mecanismos de difusão da doutrina espírita que adentravam no campo acadêmico nas universidades [...]” (AMORIM, P., 2014, p. 3); e nos demais anos que se adentram em 1970 e em décadas subsequentes já com as bases estruturadas das federações, associações, etc.
Nota-se que isto ocorreu frente a um período de prenúncio de um governo ditatorial, fatores que já sinalizavam que o movimento espírita romperia com muitas das suas relações doutrinárias com a Igreja Católica e continuaria por uma busca de um espiritismo unificado (CAMURÇA, 2021).
Entretanto, é com a (re)abertura democrática que o país vivenciou no final terceiro quartel da década de 1980, que o movimento espírita agrega ainda mais matizes em suas atuações. Afinal, foi com a promulgação da Constituição Cidadã que traz em seu artigo 5º um conjunto de direitos e garantias fundamentais, que de fato permitiu ao movimento espírita se posicionasse em defesa de uma diversidade religiosa pelo país a fora, e frente ao Estado laico e Democrático de Direito (BRASIL, 1988). Destarte, posicionamento sob as diferentes perspectivas filosóficas, científicas, religiosas. Contudo, as minorias ainda entendem que o respeito a diversidade religiosa não se materializou sob tais direitos de fato.
No movimento espírita, Arribas (2017) demostra como uma dentre as inúmeras tensões internas se expressam por meio dos vários personagens e instituições espíritas, e exterioriza como a luta pela autoridade de ditar o que é ou não é espiritismo conduz os diferentes atores a um jogo duplo de enunciação doutrinal e de consolidação do lugar de enunciação legítima pelas instituições.
Mas é possível/passível de se verificar em documentos disponíveis na Federação Espírita Brasileira que são e foram feitas inúmeras tentativas de orientar os espíritas em um movimento de união (FEB, 201o), o que pode ter sido ainda estendido com a assinatura do Pacto Áureo por representantes da FEB e de Entidades Federativas Espíritas dos Estados de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, entre outras. E como exemplo simples, somente para demonstrar o que paira sobre o pensamento de muitos espíritas sobre essa necessidade de unificação, citamos em 2019, a comemoração dos 60 anos do pacto áureo da unificação das mocidades e juventudes espíritas do Brasil (FEB, 2019).
Neste contexto, tais separações e/ou pela busca por unificação, não poderia ser mais pretextos para os espíritas no Brasil serem políticos passivos por estarem caracterizados com um comportamento ainda conservador nos dias atuais.
Afinal, haveria um condicionamento dos espíritas pautado por fazer leituras dos livros de autores espíritas, do exercício da caridade com ações corriqueiras frente as necessidades que “em tese” não exigem maiores esforços, como frequentar as instituições espíritas para a manutenção de ritos e costumes. Logo na compreensão Franklin Félix (liderança por transformação) ser espírita no Brasil precisa e deve ir:
[...] muito além de ler livros da Zíbia Gasparetto, doar roupas para o bazar do centro, tomar passe, beber água fluidificada ou frequentar as palestras evangélicas. [...] É pôr em prática princípios, valores e um compromisso genuíno com a justiça e a transformação social. (FÉLIX, 2019a).
Dessa maneira, haveria de ir se rompendo com a passível e naturalizada – aqui no Brasil – a cultura espírita (MENDONÇA, 2006), a qual, também é exportada para outros países, portanto, ocorrendo deste modo uma transnacionalização deste espiritismo cultural que já se fixou em mais de 30 países (LEWGOY, 2008).
Retratando o espiritismo em suas origens no exterior, Félix (2019a) afirma que Kardec entendia que desde que uma pessoa se intitulasse espírita, ela já teria motivos suficientes para iniciar essa transformação e reforma íntima (que é um compromisso consigo mesma em um primeiro instante), passando a se esforçar para se tornar melhor e contribuir, assim, para o adiantamento, uma progressão positiva da humanidade, o que de fato implica no exercício pleno de cidadania, de consciência política, científica, religiosa, etc.
Em virtude disto, por se afirmarem plenos por este pensamento kardeciano e ainda, incomodados(as) com às leituras equivocadas e enviesadas por aqueles que estão fazendo com o legado de Kardec, e ainda, pela captura do movimento espírita brasileiro pelos setores mais reacionários e fundamentalistas, é que espíritas de todos os cantos do País e de fora dele, teriam se reunido, presencialmente ou virtualmente, para expressar seu repúdio quanto a estas situações (FÉLIX, 2019a).
Afinal, se por um lado o Brasil ostenta ser o maior país católico do mundo, por outro seria também a nação com maior número de espíritas, segundo os números oficiais (MENDONÇA, 2006), passando a ostentar outro título: o de maior nação espírita do planeta (BERNARDO, 2019).
Conforme Arribas apud Bernardo (2019) e França (2021), o espiritismo crescera em torno de 65% a 70% entre o Censo 2000 e o Censo de 2010 respectivamente, e nenhum outro grupo religioso teria crescido tanto no mesmo período.
Embora, na última década o crescimento tenha sido tão expressivo, o crescimento no número de espíritas no Brasil não se restringe a um passado tão recente. Mas, mesmo com o crescimento quantitativo de espíritas, no que se refere as atuações qualitativas em se aproximar das questões sociais advindas de movimentos sociais e das minorias, isto ainda é uma incógnita, pois conforme Signates (2019):
No Brasil espírita, jamais o debate político ou social teve esse nível de sofisticação ideológica. Aqui, o espiritismo se constrói numa forte luta pelo direito à identidade religiosa, debaixo do pesado combate da Igreja Católica, num momento em que o romantismo reprimia inclusive o catolicismo popular. (SIGNATES, 2019, p. 142).
Além disso, a “[...] crítica moralista da política é o tom da direita espírita, sintonizada com a onda conservadora que percorreu a sociedade nos últimos anos.” (SIGNATES, 2019, p. 150). E segundo Camurça (2021) as bases para um conservadorismo teriam sido estabelecidas ainda entre as décadas de 1930-1950, por um espiritismo não tão experimental e liberal quanto na França, mas bem adequado às crenças e práticas de um catolicismo tradicional, correspondente à visão de mundo de camadas médias (funcionários públicos, professores, militares, dentre outros). Portanto, conservador de costumes da época na qual emergia também os padrões de família, comportamentos estadunidenses estereotipados que para cá foram importados.
É fato, estamos experimentando uma crise sem precedentes em todos os aspectos sociais, políticos, econômicos, ambientais conforme retrata a nota dos espíritas progressistas em 2021 (ESPÍRITAS À ESQUERDA, 2021).
Todavia para Célia Arribas um algo de positivo pode ser extraído desse contexto, “o fato de convocar os fiéis da fé kardecista ao exercício cívico, tão oportuno quanto necessário em tempos de fortes ataques ao Estado Democrático de Direito” (ARRIBAS, 2020, p. 15).
Afinal, seria a partir desses fatos, que emergem nossos questionamentos sobre os ensinamentos, as práticas e se a cultura espírita de fato e de direito, estaria e/ou tem contribuído para se posicionar frente aos desmandos, descasos, desatenção com aqueles socioeconomicamente ou socioambientalmente mais vulneráveis?
Pois conforme Félix e Maurício (2020):
Palestras e reuniões que abordam apenas o aspecto comportamental do indivíduo são de pouca efetividade. Não conseguem mexer no cerne do problema das relações sociais, traduzido no imenso abismo entre dramas e necessidades daqueles que são capazes de pagar por um caro evento e aqueles que representam a maioria absoluta do povo que é pauperizada e incapaz sequer de alcançar as propostas daquelas falas impolutas e alienadas da realidade social brasileira. (FÉLIX; MAURÍCIO, 2020, grifos nossos).
Nota-se então que as reformas trabalhistas[4], partidárias e de controle do gasto do erário, não geraram os resultados positivos que foram implantados no imaginário e nas expectativas dos brasileiros causando inquietações. Nem mesmo, os cortes[5] de gastos com as áreas da Saúde e Educação foram o suficiente para o controle das corrupções de maneira mais efetiva, como foi massivamente difuso pela mídia televisiva em o governo Temer antecedente ao de Bolsonaro.
Assim, diante disto, uma liderança espírita focada nestes resultados promoveu um instrumento político conclamando o movimento espírita a se unir em torno do debate mais participativo, democrático em prol das demandas advindas dos vários espaços públicos e, que precisam de fato e de direito serem de ordem da esfera pública, da coletividade pública e não de uma elite que impõe suas regras, mantendo o status quo. Logo, tem-se conforme Petição Pública Brasil, o manifesto espírita elaborado em 2018/2019 o qual postula:
Espíritas que somos, abaixo-assinados, pertencentes a diferentes ideologias políticas e apoiadores de diversas candidaturas do campo democrático, tornamos pública a nossa posição por eleições livres, democracia plena, Estado de Direito, justiça imparcial, direitos humanos, não-violência, respeito, fraternidade, tolerância e paz entre todos/as. Por esse motivo, nos juntamos a outros/as religiosos/as, mulheres, negros/as, LGBT+, jovens, educadores, intelectuais, artistas e ao povo brasileiro, para dizermos em alto e bom tom:#EleNão, #EleNunca, #EleJamais. (PETIÇÃO PÚBLICA BRASIL, 2018, grifo nosso).
Nota-se então, temos aí um meio ambiente cultural que está em plena mutação de pensamentos, reflexões, ajustes, acomodações que de certa forma vão ao encontro daquilo que se propõe na Agenda 2030, que é a redução das desigualdades sociais (ODS 10), da pobreza (ODS1), da fome (ODS2), por Cidades Sustentáveis (ODS, 11) gerando e promovendo a cultura de paz (ODS 16), entre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2016).
Logo, o paradigma[6] ambiental estaria, então e de certa maneira, influenciando diretamente nas questões sociais, econômicas e ambientais[7]. Haja vista, como descreve Villarraga (2013): “[...] as diversas religiões, principalmente estrangeiras, já estariam diretamente [envolvidas] com assuntos relacionados ao Desenvolvimento Sustentável, portanto, imersas em um paradigma ambiental.” (VILLARRAGA, 2013, p. 78).
E como afirma Miguel (2012) a crise ambiental está instalada como fruto de consequência das escolhas feitas pelos humanos como uma lida diária. Logo, observamos a necessidade de compreender como os espíritas na atualidade se posicionam em relação as questões socioambientais, afinal, já existem experiências em sentido de fazer uma discussão mais profunda, reflexiva no interior dos espaços de convivência espírita como destacamos a seguir.
Villarraga (2021) demonstra que experiências de cunho educacionais, focadas na conservação e na preservação ambiental são perfeitamente possíveis de serem debatidas e implementadas nos centros espíritas, inclusive, de maneira política e para fins políticos de inclusão social, democrática e participativa. Entretanto, estas experiências muito se assemelham a práticas embrionárias, esparsas, mas é claro que aí, de novo, temos o paradigma ambiental promovendo mudanças, gerando novas formas de comportamentos, quiçá, uma forma de militância em prol da vida, do planeta, da sustentabilidade socioambiental.
Parafraseando Shakespeare, atualmente o espiritismo vive um momento entre ser (isto) ou não ser (aquilo) eis a dissensão!
Tomando por base que evoluir pressupõe passar por uma série de melhoramentos, aperfeiçoamentos, avanços em sentido positivo, como triunfo, sucesso, e contrariamente involuir pode estar implícito como piorar o estado, imperfeição, fracassos, retrocessos, etc., passamos a refletir sobre o movimento em si.
Tais reflexões no seio do movimento espírita tem sido uma condicionante em compreender as motivações para um movimento espírita de esquerda que, tem inúmeros fatores direcionados na busca de uma sociedade mais solidária, com avanços e com melhorias que de fato possam garantir boa qualidade de vida de maneira equitativa, mais justa e fraterna a todos.
Neste contexto, existem grupos dissonantes dos ensinamentos tradicionais advindos de um espiritismo kardecista francês que aportando no Brasil, ganha novas (re)interpretações, configurações (PEREIRA, 2020); (VILHENA, 2008).
Por conseguinte, servindo-nos do poema concretista de José Lino Grünewald, o qual demonstramos abaixo, é que intentamos compreender o fenômeno no espiritismo:
Para uma melhor compreensão do que seja conservador ou de esquerda no movimento espírita, se faz necessário resgatarmos antes, alguns conceitos importantes como conservadorismo, progressismo, entre outros, utilizados com frequência pela doutrina espírita, a saber: a Andragogia e Reforma Íntima.
Iniciando pela Andragogia, essa é uma Teoria Educacional difusa na década de 1970 pelo norte americano Malcolm Knowles e seus pares, a qual significa a ciência ou arte de orientar adultos a aprender, isto é: “[...] uma tentativa séria de dar o enfoque ao aprendiz. [...] A ideia mais popular na educação e treinamento de adultos [...], na qual encontra sua etimologia do grego: Andros – adulto, e Gogos - conduzir.” (KNOWLES; HOLTON III; SWANSON, 2005, p. 18-19). Em termos sintéticos, se refere ao ato de conduzir o adulto ao conhecimento.
Nota-se então que a Andragogia, diferentemente da pedagogia[8], tem como seu principal foco o processo de ensino-aprendizagem diretamente relacionado aos adultos sendo este um processo muito pessoal, diferenciado, de foro íntimo, interativo.
É certo que neste processo, o indivíduo terá suas influências, motivações, experiências e interesses de vida em apre(e)nder algo, um conhecimento novo para desenvolver tantos outros e novos comportamentos. Logo, esse aprendizado acontece internamente e envolve a reintegração de suas experiências anteriores, e por conseguinte, é esse apre(e)nder que pode vir sim, a influenciar o comportamento de religiosos, haja vista, as “[...] aplicações do modelo andragógico para a educação do trabalho social, educação religiosa, educação universitária e pós-graduação, treinamento gerencial e outras esferas.” (KNOWLES; HOLTON III; SWANSON, 2005, p. 68, grifo nosso).
Nota-se que esta prática pedagógica tem sido utilizada também no movimento espírita, apesar de existir um consenso sobre a existência de uma pedagogia espírita[9] propriamente dita, muito difusa em federações, uniões, associações, etc., como podemos observar disponível na própria Associação Brasileira de Pedagogia Espírita (ABPE).
No kardecismo esse processo andragógico ganha vigor na medida em que se busca (in)(com)(dis)(trans)(re)formar esse movimento social, pautado pela filosofia, todavia, em suas facetas interpretativas como sendo uma filosofia, religião e ciência (ARRIBAS, 2020).
Neste processo está implícito a ideologia de como participar, agir, pensar e refletir sobre a importância do espiritismo como uma doutrina, resgatando pensamentos, filosofias de um tempo passado, com ações neste presente para se construir no futuro, haja vista, que estamos vivenciando novos paradigmas, como é o caso do paradigma socioambiental.
Há que se afirmar que ao aprender novos conhecimentos o ser humano pode consequentemente vir a gerar novos comportamentos, existirá sim uma (1) nova forma de pensar e agir em relação aquilo que estava cognitivamente estruturado, (2) uma outra forma do pensamento gerar o novo, (3) dar outra conformação no pensamento preliminar sobre determinado assunto, tema, objeto, objetivos, enfim, uma reforma do pensamento, o que exige o conformar, moldar, se adaptar, adequar a algo, a alguma coisa, a algum momento, fato histórico, etc.
Neste contexto, para Knowles, Holton III e Swanson (2005) “[...] a aprendizagem é permanente, na medida em que gera problemas e que podem ser compartilhados por outros e até onde o próprio compartilhar contínuo é enriquecedor.” (KNOWLES; HOLTON; SWANSON, 2005, p. 46). Assim, o indivíduo experimenta a reforma íntima individual cognitiva.
Cabe ressaltar que Kardec enfatizou como descreve Moura (2019):
[...] a importância da educação como condição para o processo evolutivo humano, entendido nos seus aspectos intelectuais e morais. [...] Kardec via a educação como um remédio eficaz para o combate ao mal em geral e às más tendências que o Espírito manifesta desde cedo e que devem ser observadas pelos pais. [...] Afirmou, ainda, que só “[...] a educação poderá reformar os homens [...]” (MOURA, 2019, p. 63, grifo nosso).
Dessa forma, a reforma íntima que está proposta no espiritismo é um conceito polissêmico, com múltiplas interpretações e compreensões, do que seja se apropriar e de se utilizar dos conhecimentos (profanos) para determinados fins similares como postulou o clássico Max Weber, ou seja, voltados para este mundo, portanto, semelhantes àqueles descritos na Andragogia.
Pois para Signates (2019, p. 140) o corolário moral do individualismo espírita estaria na concepção de que não há transformação válida e eficaz senão a individual, a pessoal, a da intimidade da alma humana e que, portanto, seria nessa dimensão da dogmática espírita que se percebe a centralidade da noção desta reforma íntima, como fundamento para todo e qualquer desenvolvimento histórico ou social.
Assim como no Kardecismo, esse termo, reforma íntima, é um dos conceitos também utilizados nas religiões de matriz africana como a Umbanda (TULLY, 2017) e no Candomblé. Para o autor, a reforma íntima seriam mudanças comportamentais, um processo de transformação contínuo, de autoanálise, da busca do conhecimento pela intimidade espiritual, libertando-nos de nossas imperfeições e permitindo-nos atingir o domínio de si mesmo, das paixões, das emoções. E mais, a “Umbanda como religião é consecutivamente instrumento de Fé, Devoção e Evolução exige reforma íntima do médium e de todo o seu adepto, a mudança é necessária” (TULLY, 2017).
E para Oliveira (2010, p. 24) a reforma íntima sem martírio estaria pautada em roteiros de combate, vigília e treinamento para instauração das linhas éticas no processo autotransformador como: a) postura de aprendiz; b) observação de si mesmo; c) renúncia; entre outros.
Nota-se então que a reforma íntima se mantém sob uma aura de que ela só ocorreria por meio de uma experiência transcendental e ao longo do aperfeiçoamento do espírito, como se propõe Kardec focado na filosofia de sua época. Mas, há que se refletir que as reformas de pensamento, de comportamento podem levar anos para que ocorram de fato.
Contudo, Lewgoy (2006) afirma que para a construção reflexiva sobre fatos sociais se faz necessário com maiores e mais profundas reflexões por meio de consensos construídos, haja vista, que:
Não há no espiritismo uma autoridade ou livro sagrado que possa dar a última palavra em disputas internas atuais, mas uma multiplicidade de instâncias que vão dos centros espíritas às Federações, estaduais, nacionais e internacionais que continuam a ser atores de forte destaque, ainda que sem a hegemonia de períodos anteriores. (LEWGOY, 2006, p. 155).
E ainda, de acordo com Mendonça (2006)
[...] esse "novo espiritismo" preserva[ria] os pilares básicos da religião: a imortalidade do espírito, sua reencarnação e evolução, além da possibilidade de comunicação entre vivos e mortos. Mas se baseia muito mais em leituras e na introspecção que em rituais ou sessões que invocam supostas forças do além. São incentivadas também as duas práticas mais fortes da doutrina: a caridade e a tolerância religiosa. (MENDONÇA, 2006).
Tais pensamentos descritos se aproximam daquilo que seja um conservadorismo “[...] designado por um sistema de crenças que visa a manutenção das políticas e padrões de ordem vigentes. Apoia-se no apego à tradição e nos antigos costumes em oposição às mudanças ou inovações.” (ORTEGA; ROSA SILVA, 2020, p. 24).
Inclusive há que se destacar que estudos demonstram que estamos vivenciando de fato, “[...] uma onda conservadora, a qual a revelaria oscilações no comportamento de atores religiosos até aqui, se movendo num contexto expansivo de acolhimento de demandas por reconhecimento, direitos e provisão social [...]” (BURITY, 2020, p. 14).
Logo, seria preciso mais que uma evolução intelectual e quiçá, a moral do espírito imortal que se almeja em possuir no espiritismo (FÉLIX, 2019a). Inclusive, por isso, já se tem foco em horizonte próximo no que tange a forma de educação no movimento espírita, onde surgirão os que estão sendo chamados Núcleos Espíritas Populares (NEPs), cuja atuação se dará nas periferias das cidades (PAJOLLA, 2021). Inclusive personalidade importante da ABPE, como Dori Incontri, já assina o manifesto de espíritas de esquerda por coadunar com este foco educacional, quiçá, para um outro futuro.
Nota-se então que existem outras necessidades que não mais aquelas, e somente, aquelas de firmar a doutrina espírita na sociedade, mas, de torná-la uma doutrina pragmática, intervencionista nas/em demandas sociopolíticas, socioeconômicas, socioambientais, direcionando este movimento espírita em direção ao novo paradigma ambiental.
Logo, se por um lado tais motivações sociopolíticas despertam, provocam estas cismas, rupturas e dissidências, por outro, promovem (ou buscam promover) novos arranjos, colaborações, novos direcionamentos, posicionamentos, como demonstra Pajolla (2021):
[...] No começo de 2016, o clima de polarização política que levou ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff contaminava, também, as casas espíritas. A apologia à ofensiva conservadora era a regra nos encontros religiosos e discursos públicos feitos por lideranças ligadas à doutrina. (PAJOLLA, 2021).
Nota-se que parecia existir um silenciamento sobre as questões políticas dentro das casas espíritas. Segundo o autor, tais assuntos políticos geravam problemas e quando aconteciam, as falas eram contrárias às perspectivas progressistas, criando constrangimento para fiéis que não se identificavam com o conservadorismo predominante.
Nisto já observamos indícios de dissensos, de rupturas repletos de pensamentos e características progressistas, entendidos, contrariamente aos conservadores, uma vez que conforme expõe Ortega e Rosa Silva (2020):
[...] os progressistas lutam contra as desigualdades, as injustiças sociais, pela inclusão e reconhecimento da diversidade: social, étnica, de gênero, raça etc. Lutam pela mudança social com suas práticas e demandas, participam da construção da cultura político-social de uma nação, e contribuem para a conscientização da sociedade. (ORTEGA; ROSA SILVA, 2020, p. 103).
Dessa forma, torna-se transparente que os Espíritas de ou à Esquerda, estão buscando um maior engajamento para atuação sociopolítica, uma nova forma de organização social dos adeptos da doutrina (PAJOLLA, 2021), como está patente também no manifesto produzido em 2019. E mais, as inspirações para tal ensino seriam focadas no educador e filósofo Paulo Freire, e nas práticas das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) (PAJOLLA, 2021).
Logo, tais intentos se aproximam de um dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, o ODS 4 o qual está direcionado a Educação de Qualidade, que por sua vez visa assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e que busca promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos, bem como seu conjunto de metas, e mais especificamente, a meta 4.7 que preconiza que até 2030, temos o desafio de:
[...] garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável, inclusive, entre outros, por meio da educação para o desenvolvimento sustentável e estilos de vida sustentáveis, direitos humanos, igualdade de gênero, promoção de uma cultura de paz e não-violência, cidadania global, e valorização da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento sustentável. (ONU, 2016, p. 25, grifo nosso).
Em virtude disto, cabe neste instante ratificar que esta Agenda 2030 é um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade, a qual busca fortalecer a paz universal com mais liberdade, com a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões - incluindo a pobreza extrema.
Portanto, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, a propósito, agenda da qual nenhum movimento sociorreligioso possa prescindir conforme interpretramos e foi demonstrado até aqui.
Por conseguinte, acredita-se que as religiões, resgatando um pensamento Weberiano, possuem um conjunto de ações religiosas ou magicamente exigidas que são voltadas em um primeiro instante para a vida terrena, para fins de bem-estar, pois o intuito destas ações seriam para que “vás muito bem e vivas muitos e muitos anos sobre a face da Terra” (WEBER, 2012, p. 279). Logo o cuidado, a defesa e a proteção do meio ambiente, quiçá, deve estar inserido neste contexto de bem-estar tão buscado pelo ser humano ou o ser religioso.
Após um percurso longo sobre os processos históricos no movimento espírita, podemos compreender que as cismas, as cisões, as rupturas e as dissidências ocorrem em meio a um turbilhão de eventos de cunho político e cultural em um continuum, mas, que diante de um conjunto de eventos disruptivos na atualidade, encontra na concorrência religiosa, na concorrência política, as motivações, matizes para se ter novos posicionamentos associados à de esquerda.
Embora, nota-se a postura de um espiritismo conservador ainda orbitando em torno de governos tendenciosos à ditatoriais, distanciando das premissas de um espiritismo francês que flertara com o socialismo utópico, logo, de esquerda no século XIX, atualmente, já se observa que não se trata de se construir um novo movimento espírita, mas, sim de um retorno, de um reencontro, uma retomada daquele espiritismo filosófico e científico que se debruçava(ra) sobre as demandas sociais, portanto, um reformar, reavivar do pensamento Kardeciano novamente em suas bases filosóficas, científicas.
As demandas sociais já são outras em uma sociedade midiatizada em redes, as curas mediúnicas e os estudos doutrinários, embora, tenham seu lugar bem definido no seio espírita, já começam a dar lugar para outras abordagens de participação social. Estas quiçá, sejam tão importantes quanto as anteriores em tempos e século anteriores, como é o caso da militância política, as questões socioambientais, etc., deslocando-se assim em direção das demandas sociais mais urgentes neste nosso século XXI.