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EDUCAÇÃO E HUMANIZAÇÃO: análise de teorias de Raimon Panikkar em vista da criação de Projetos Políticos Pedagógicos mais dialógicos
Education and Humanization: analysis of Raimon Panikkar’s theories in view of the creation of more dialogic Pedagogical Political Projects
Educación y Humanización: análisis de las teorías de Raimon Panikkar con vistas a la creación de Proyectos Políticos Pedagógicos más dialógicos
EDUCAÇÃO E HUMANIZAÇÃO: análise de teorias de Raimon Panikkar em vista da criação de Projetos Políticos Pedagógicos mais dialógicos
Interações, vol. 17, núm. 2, pp. 397-415, 2022
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Recepción: 02 Febrero 2022
Aprobación: 07 Julio 2022
Resumo: O ambiente escolar brasileiro é diverso em vários aspectos: social, cultural, econômico, religioso, no gênero e no ético-racial. Atrelado a isso, percebe-se que cada membro da comunidade escolar possui experiências únicas, sujeitos da própria história, porém, articulados com outras realidades. A pluralidade estimula e limita as escolhas. O ambiente educacional torna-se lugar favorável para o convívio com a diferença e com os diferentes. A presença de atitudes intolerantes na comunidade escolar apresenta, por um lado, a realidade externa aos seus muros; por outro lado, aponta sua negligência e a afasta de um de seus grandes propósitos: educar para a humanização. Este artigo analisa algumas teorias de Raimon Panikkar (1918-2010) visando construir Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) democráticos e promover ambiente escolar humanizador. Filósofo e teólogo espanhol, residiu também nos EUA e na Índia, aprendeu a refletir sobre a pluralidade, inerente a todas as culturas. Suas concepções, particularmente, da atitude pluralista, do método de diálogo e da noção de ortopráxis, podem estimular toda comunidade escolar a entrar na dinâmica participativa e construir PPPs democráticos. O Ensino Religioso, enquanto área de conhecimento, pode exercer papel fundamental na regência das diversas áreas presentes no processo educacional.
Palavras-chave: Educação, Raimon Panikkar, Humanidades, Projetos Políticos Pedagógicos, Diálogo inter-religioso.
Abstract: The Brazilian school environment is diverse in many aspects, such as social, cultural, economic, and also in terms of gender and ethics. Linked to all this, it is clear that the members of the school community have unique experiences, as subjects of their own history and articulated with other realities. The phenomenon of plurality, in its turn, indeed encourages and also limits choices. The educational environment, in turn, is favorable to living with difference and with the different. The presence of some intolerant attitudes within the school community presents, on the one hand, the reality outside its own walls; on the other hand, it points out its negligence, moving it away from one of its great purposes: education for humanization. This article analyzes some theories of Raimon Panikkar (1918-2010) in order to build democratic Pedagogical Political Projects (PPPs) and promote humanity scholar environment. Spanish philosopher and theologian, who also lived in the USA and India, he learnt to reflect about plurality inherent to all the cultures. Their conceptions, particularly those related to the pluralistic attitude, the method of dialogue and the notion of orthopraxis, may encourage the entire school community to engage in participatory dynamics and build democratic Pedagogical Political Projects aimed at the formation of the Humanities. Religious Education, undoubtedly, as an area of knowledge, can play a fundamental role in the regency of the various areas present in the education process.
Keywords: Education, Raimon Panikkar, Humanities, Pedagogical Political Project, Interreligious dialogue.
Resumen: El ambiente escolar brasileño es diverso en varios de sus aspectos, es decir, social, cultural, económico, religioso, de género y ético-racial. Vinculado a eso, se puede ver que cada miembro de la comunidad escolar tiene experiencias únicas y son sujetos de su propia historia, pero, atados a otras realidades. La pluralidad estimula y limita opciones. En ese sentido el entorno educativo se convierte en un lugar propicio para que uno pueda convivir con la diferencia y con los diferentes. La presencia de actitudes intolerantes en la comunidad escolar presenta, por una parte, la realidad fuera de sus muros; por otra, señala su negligencia y la aleja de uno de sus grandes propósitos: educar para la humanización. Este artículo analiza algunas teorías de Raimon Panikkar (1918-2010) buscando construir Proyectos Políticos Pedagógicos democráticos y promover ambiente escolar humanizado. Filósofo y teólogo español que vivió en EUA y en la India, aprendió a reflexionar sobre la pluralidad inherente a todas las culturas. Sus concepciones, en particular de la actitud pluralista, el método del diálogo y la noción de ortopraxis pueden estimular a toda la comunidad escolar a entrar en la dinámica participativa y en la construcción de los Proyectos Pedagógicos Políticos democráticos destinados a la formación de las Humanidades. La Educación Religiosa, como área de conocimiento, puede jugar un papel fundamental en la regencia de las diversas áreas presentes en el proceso de educación
Palabras clave: Educación, Raimon Panikkar, Humanidades, Proyecto Político Pedagógico, Diálogo interreligioso.
1 INTRODUÇÃO
As escolas brasileiras são ambientes que abrigam grande diversidade social, cultural, racial, religiosa e de gênero. Atrelado a isso, é possível perceber que cada membro da comunidade escolar possui experiências únicas capazes de moldar a forma como cada um reage aos estímulos educacionais, de ampliar as percepções de mundo e de reafirmar identidades pessoais. Tendo em vista o contexto plural nesses ambientes, a educação se torna um meio que favorece não apenas o conhecimento intelectual, mas principalmente o conhecimento emocional e espiritual de cada criança e adolescente. Para tanto, um dos instrumentos capazes de considerar as experiências pessoais e de proporcionar a inclusão de diferentes pontos de vista à educação é o Projeto Político Pedagógico (PPP), documento obrigatório para qualquer instituição escolar.
Nesse cenário, este artigo trabalha com algumas teorias de Raimon Panikkar visando construir PPPs democráticos e promover ambiente escolar humanizador.[1] Utilizamos como método, a pesquisa bibliográfica e a análise de suas obras, uma vez que este possui experiência plural e procura resguardar a riqueza desta pluralidade em seus escritos. Lecionou na Universidade de Harvard e na Universidade de Santa Bárbara, nos EUA; morou boa parte de sua vida na Índia. Ao conviver com as tradições do hinduísmo, budismo e catolicismo e tendo formação em Filosofia (1946), em Química (1958) e em Teologia (1961), o autor apresenta riqueza de pluralidade de experiências intelectuais, culturais e religiosas. Assim acreditamos que suas reflexões podem nos auxiliar a pensar nossa realidade educacional de forma mais dialógica. Neste contexto, emerge a pergunta: como seus escritos e teorias podem contribuir para repensarmos os PPPs, a partir de nossa realidade cultural?
A resposta a esta pergunta se dará em três seções, intimamente articuladas. A primeira seção se encarregará de apresentar e explicar as características do PPP e do Currículo Referência de Minas Gerais (CRMG). A segunda, apresentará algumas teorias de pluralismo e de diálogo desenvolvidas por Panikkar e como as mesmas se relacionam com o contexto educacional brasileiro. Reforçando a importância de um PPP bem estruturado, criticaremos a ideia de uma base curricular comum para todas as realidades brasileiras, considerando o conceito de ortopráxis de Panikkar. Por fim, a terceira seção será dedicada ao desenvolvimento de ações humanizantes através do Ensino Religioso e das Ciências Humanas.
2 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: UMA FERRAMENTA EDUCACIONAL
O PPP é um documento obrigatório para qualquer instituição escolar. Firmado pela LDB de 1996, se propõe a estabelecer as concepções de ensino de determinada escola e indicar as práticas pedagógicas e objetivos educacionais de curto, médio e longo prazo que a instituição em questão busca alcançar. Assim, o documento possui caráter norteador das atividades cotidianas do ambiente escolar.
A clareza de sua importância e a participação da comunidade escolar em sua construção tornam o PPP mais dinâmico e com perspectivas de ser melhor acolhido e assumido por todos os envolvidos. Ele apresenta à sociedade o modo como a instituição escolar compreende todo o processo educacional e estabelece as metodologias pedagógicas que pretende empregar, bem como os demais critérios de ação educacional.
Projeto, latim projectum, refere-se a algo lançado à frente, portanto, requer certa ruptura com o passado e o presente:
Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores (GADOTTI, 2021, p. 4).
Assim, o projeto articula o passado e o futuro, porém, se firma na realidade do presente. Por isso, carrega consigo rupturas e utopias coletivas ao envolver todos os membros da comunidade escolar e local. Educadores, educandos, funcionários e as famílias responsáveis pelos estudantes, todos devem ser considerados no momento de elaboração de um PPP.
Segundo Veiga (1995, p. 15), o PPP:
[...] busca um princípio, uma direção. É uma ação intencional, com sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto político pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade. (VEIGA, 1995, p. 15)
Os que lideram a construção do PPP de uma escola devem ficar atentos às necessidades de todos os membros sobre os quais trabalha e atua. Esse processo é profundamente pedagógico e educacional, pois todos são envolvidos e aprendem ao mesmo tempo em que executam e vice-versa. O conhecimento intelectual e emocional são ingredientes essenciais para a boa fermentação da massa, que será carregada de humanismo.[2]
Para confirmar a demanda de autonomia e resguardo da especificidade de cada localidade na construção do PPP, em meados de 2013, o governo brasileiro deu início à elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Esta realidade está descrita no artigo 26 da LDB (BRASIL, 1996), que diz:
[...] os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (BRASIL, 1996)
Entretanto, este documento tem dividido a opinião de profissionais da educação em função dessa caraterística padronizadora: base comum. Esta, por sua vez, torna-se objeto essencial e obrigatório para a elaboração dos PPPs de diferentes escolas. Ressalta-se a expressão a ser complementada, do artigo, pois abre perspectiva para o resgate e o cuidado com as particularidades de cada localidade escolar. Contudo, tendo em vista o caráter de ensino comum priorizado, o verbo complementar sugere que as experiências e demandas de cada escola estejam em segundo plano. Tal fato pode contribuir para o distanciamento da relação educando-escola-educador-comunidade.
A LDB ainda estabelece critérios que correspondem aos princípios básicos democráticos que devem ser incluídos nas linhas de todo PPP. Em seu artigo terceiro, precisamente nos incisos de número três e quatro, propõe que o ensino brasileiro deve estar atento, em sua dinâmica, à questão do pluralismo de ideias, às concepções pedagógicas e ao respeito à liberdade e à tolerância (BRASIL, 1996).
Em função da nova realidade legislativa, as escolas tiveram de adaptar seus PPPs de acordo com as diretrizes dadas pela BNCC até o ano de 2020. Exigência que levou algumas instituições a optar pela terceirização do trabalho à um profissional externo à escola para escrevê-lo. Condição que pode gerar PPPs genéricos e focados somente nas determinações da BNCC e da LDB. Isso corrobora para uma atitude com pouco viés democrático, pois a consulta à comunidade escolar fica prejudicada. Ressalta-se que o PPP “não é algo que é construído e em seguida arquivado ou encaminhado às autoridades educacionais como prova do cumprimento de tarefas burocráticas. Ele é construído e vivenciado em todos os momentos, por todos envolvidos com o processo educativo da escola [...]” (VEIGA, 1995, p. 12).
A construção de um PPP também não se faz sem o currículo de referência do estado em que reside a instituição educacional em questão. Isto permite maior objetividade e proximidade com a realidade do público regional. No caso de Minas Gerais, há o Currículo Referência de Minas Gerais (CRMG), que norteia os rumos para educação de todo o estado em concordância com as proposições da BNCC.
Constituído por profissionais de diferentes regiões do estado, o CRMG é relevante não apenas para instituições públicas, mas também para particulares, pois procura assegurar distintas visões que compõem a realidade educacional mineira. O documento é resultado de uma parceria entre a Secretaria de Estado de Educação (SEE), a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME), o Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (SINEP/MG) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação de Minas Gerais (UNDIME-MG). Portanto, o CRMG procura assegurar a presença das realidades dos estudantes das diversas salas de aula do estado de Minas Gerais.
O CRMG, assim como a BNCC, incluiu Ensino Religioso como área de conhecimento e estabeleceu que a disciplina não deve privilegiar nenhuma religião, sendo necessário tratar cada uma delas com igual importância. A elaboração de um PPP, portanto, não pode ser realizada a partir de uma única visão da realidade e de religiosidade. Em nosso contexto plural, um documento que promova apenas as ideias de certa religião, em particular, correrá sério risco de fomentar exclusão, intolerância e repulsa ao diálogo com o outro, naturalmente diferente. O PPP, sendo uma ferramenta educacional, que procura guiar as ações da escola, não deve ser estritamente norteado por um único viés religioso, mas, sim, aberto à noção de pluralidade e pluralismo que compõem a identidade religiosa nacional. Deve proporcionar um ambiente apto à tolerância e ao diálogo entre os que professam crença religiosa, bem como com aqueles que não professam crença alguma.
Tendo em vista a necessidade de um olhar plural e multicultural para a elaboração do PPP, utilizamos, como anunciado, obras do filósofo e teólogo Raimon Panikkar, devido sua amplitude de horizontes. Conferindo maior objetividade: qual a contribuição teórica de Raimon Panikkar para a compreensão e execução de um processo educacional humanizante no mundo contemporâneo, marcado pela pluralidade e pela exigência de métodos de diálogo?
3 O PENSAMENTO DE RAIMON PANIKKAR E OS CAMINHOS PARA O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO
O PPP agrega as variadas disciplinas do currículo da Educação Básica, que são fundamentais para a formação intelectual dos estudantes, incluindo os temas transversais, que são de ordem cultural e existencial. Nesse sentido, possibilita a discussão sobre a diversidade religiosa, as questões de gênero e sexualidade, bem como sobre a consciência étnico-racial. Raimon Panikkar, por refletir sobre o ser humano e dispor de experiências culturais do Ocidente e do Oriente, pode contribuir para que o PPP se torne ainda mais humanizante. Suas obras refletem sua trajetória pelo cristianismo, hinduísmo e budismo e discutem temas como interculturalidade, inter-religiosidade e convívio com o diferente.
Num mundo plural, que traz marcas de intolerância e desrespeito, Panikkar apresenta elementos capazes de fazer com que as diversidades interpessoais possam ser compreendidas, vivenciadas e compartilhadas, de modo a criar um ambiente de inclusão e de harmonia. Na diversidade que perpassa a realidade escolar, suas teorias sobre o pluralismo, o diálogo e a ortopráxis podem dar grande contribuição aos PPPs.
3.1 Pluralismo como atitude
O pluralismo é apontado por Panikkar como conceito que diz respeito a uma atitude e não apenas à percepção de que a sociedade é heterogênea e que possui realidades divergentes. Enquanto a pluralidade aponta para a diversidade, para o quantitativo, o pluralismo busca analisar as diferenças que as perpassam. Nesse sentido, o pluralismo é a consciência da realidade plural. A pluralidade permeia as sociedades desde os seus primórdios, visto que guerras, disputas e conflitos devido às diferenças culturais, religiosas, étnicas e econômico-sociais, perpassam a história das nações. Panikkar (2018a, p. 81) diz que
[...] não somos pluralistas integrando tudo em uma visão do mundo 'pluralista'. Somos pluralistas se cremos que nenhum de nós possui a pedra filosofal, a chave do segredo do mundo, o acesso ao centro do universo, admitindo que ele exista; se nos abstemos de pensar tudo de um modo exaustivo para não destruir 'a coisa pensada' (das Gedacht, no der Gedanke [o pensamento]) e ao que pensa. Isto não é irracionalismo. É humildade intelectual e sentido comum. (PANIKKAR, 2018a, p. 81)
O pluralismo nos permite compreender que há Verdade e Mistério que está para além dos seres humanos e do cosmos. Ter consciência pluralista significa saber que não temos a pedra filosofal, entretanto, ela está presente em toda construção humanizante, pois nos disponibiliza ao encontro com o outro diferente de nós. Por isso, a atitude pluralista nos coloca em movimento, em constante e profundo diálogo com o diferente e com as diferenças[3]. Assim, "O pluralismo adota uma atitude não dualista ou advaita que defende o pluralismo da verdade porque a própria realidade é pluralista [...]" (PANIKKAR, 2020, p. 403)[4].
A diversidade existente em um único grupo não pode ser ignorada e/ou desprezada, pois eclode em conflitos que geram intolerâncias, agressividades e destruição, em diferentes aspectos. A atitude pluralista possibilita o reconhecimento da existência do outro simplesmente por ser outro, não classificando como correta ou incorreta, superior ou inferior. A convivência só se torna possível se ambos optarem pelo reconhecimento das diferenças e por diálogos respeitosos.
Em relação aos ambientes escolares brasileiros, a pluralidade pode ser percebida notoriamente, uma vez que cada região apresenta singularidades e realidades distintas umas das outras. Essas diferenças não devem ser negligenciadas pelas escolas, mas, sim, incentivadas e trabalhadas de forma a abarcar cada experiência como única. A reflexão sobre a diversidade permite a compreensão de que o pluralismo existente é riqueza inquestionável e deve, portanto, ser cultivado.
Ao ultrapassar o reconhecimento da diversidade, as teorias de Panikkar vão se tornando referenciais para as instituições de ensino, já que essa diversidade não deve ser excluída, mas assumida enquanto possibilidade transformadora. O pluralismo não busca estabelecer uma forma única de se pensar, mas de enaltecer as diferenças através da prática do respeito e da tolerância entre todos em uma sociedade. Nesse horizonte do pluralismo, Panikkar aponta para algum método de diálogo?
3.2 Métodos de diálogo
Para compreendermos as teorias de diálogo apresentadas por Panikkar, faz-se necessário breve conhecimento da relação Eu-Tu-Isso[5]. Essa relação diz respeito a nossa conduta pessoal para com os outros ao nosso redor, o que nos faz perceber uma dependência interpessoal em todas as nossas atividades cotidianas. O Eu diz respeito ao nosso autoconhecimento e a nossa maneira própria de perceber o mundo. O Tu, por sua vez, se refere ao outro, que também possui uma maneira própria de interpretar a realidade ao seu redor, mas o Eu não pode conhecê-la por completo[6]. Entretanto, ambos estabelecem relação dialógica, propiciando mútua implicação e possibilitando alargamento da compreensão do si-mesmo de cada um.
Eu e Tu expressam a dimensão subjetiva do humano, enquanto o Isso está no âmbito do objetivo. A relação Eu-Isso não é dialógica, de mútua implicação, mas compreendida como instrumental. A relação Eu-Tu permite a liberdade entre os envolvidos e abre espaço para o diálogo. Nela, a consciência estaria presente tanto no Eu quanto no Tu, e para que possamos conviver com as diferenças Panikkar afirma:
[...] não posso verdadeiramente conhecer, nem, portanto, comparar, sistemas de crenças fundamentais dos outros se não compartilho essas crenças, e não posso compartilhá-las se não conheço também, de alguma maneira, a quem tem essas crenças, ao tu — não como outro (isto é, um não-eu), senão como um tu. Observe-se que falo de crenças e não meramente de opiniões objetivas sobre a realidade. (PANIKKAR, 2018b, p. 78).
Deste modo, se não reconhecermos como nosso Tu — a experiência, a comunidade, a interculturalidade — aquele que classificamos como diferente de nós, será praticamente impossível alcançar o respeito e a tolerância. A relação dialógica não anula o Eu e nem o Tu, mas os reafirmam em suas diferenças e especificidades. Isso possibilita que ambos avancem na construção de seus conhecimentos e habilidades humanas.[7]
Para Panikkar (2018a, p. 370), "é óbvio que não existe uma linguagem intercultural, uma língua universalis, como prognosticava o século XVIII, quando se entusiasmou com o descobrimento de uma metodologia científica universal, de uma mathesis universalis [...]". Constrói-se o diálogo a partir da disponibilidade de cada pessoa para entrar na dinâmica do encontro com o outro. Cada um leva suas particularidades e permanece aberto para a escuta das especificidades do outro. Há várias maneiras de acontecer esta interação. Panikkar apresenta duas teorias que podem ser compreendidas como métodos de diálogo: o diálogo dialético e o diálogo dialógico ou dialogal.
O diálogo dialético “pressupõe que somos seres racionais e que o nosso saber é regido sobretudo pelo princípio da não contradição” (PANIKKAR, 2018b, p. 82). Seu pressuposto é a objetividade, a lógica e clareza dos argumentos. Entretanto, "do ponto de vista lógico do argumento, é impecável, porém, situa a racionalidade lógica antes da realidade humana, ou por cima dela" (PANIKKAR, 2018a, p. 359). Na análise de Pietro e Rueda (2016, p. 92), “o diálogo dialético busca o convencimento do outro, 'vencer com' minha verdade; se dá na arena da luta entre combatentes”. Trata-se de um diálogo que exige atenção plena e profunda coerência na defesa de determinado ponto de vista, seja científico ou doutrinal.
O diálogo dialógico, por outro lado, diz respeito a um diálogo entre sujeitos que discutem acerca de si mesmos. Trata-se do ser enquanto ser que está presente no diálogo e não somente seus pensamentos. A importância do assunto a ser debatido revela a perspectiva e a personalidade das partes envolvidas, fazendo com que a vontade de dialogar não esteja ligada ao quão falante o interlocutor seja, e sim ao desejo de participar e compartilhar sua compreensão advinda de sua experiência. "O campo do diálogo dialogal não é a arena lógica da luta entre as ideias, mas sim a ágora espiritual do encontro dos seres que falam, escutam e que, espera-se, que tenham consciência de ser algo mais do que 'máquinas pensantes' ou res cogitans" (PANIKKAR, 2006, p. 52). Busca conjunta e de mútua implicação dos saberes apreendidos, compartilhados e gestados no diálogo.
A criatividade, tão própria do ser humano, fecunda estas relações interpessoais. Com Panikkar (2018b) podemos apontar três elementos que compõem o diálogo dialógico: a) a confiança no outro que revela a fonte verdadeira de compreensão e conhecimento; b) o ato de escutar o outro; c) a procura de uma verdade em comum, na qual não se supõe compreensão e conhecimento total. O pressuposto do diálogo dialógico refere-se a percepção de que o outro não é meramente outro ou um objeto de conhecimento, e sim uma fonte de autocompreensão. Neste diálogo, a opinião correta não importa tanto, mas sim os diferentes pontos de vista em que ela se baseia.
Em contrapartida, o diálogo dialético ocorre na esfera da realidade objetificada, pois argumentamos, concordamos e discordamos devido ao cumprimento de regras objetivas seguindo padrões objetivos. Não é possível entender as convicções de alguém se elas não forem compartilhadas. As divergências entre diferentes religiões ou espiritualidades podem ocorrer em virtude da falta de prática de diálogos, ou até mesmo do abandono ou da inexistência de clareza dos métodos de diálogo: o dialógico e o dialético. Provavelmente, as diferenças doutrinárias são menos problemáticas do que posicionamentos com viés mais econômico ou de política administrativa. No dizer de Panikkar, "a dialética é o otimismo da razão. O diálogo, o otimismo do coração" (2007, p. 252 apud PRIETO; RUEDA, 2016, p. 92).
Para Panikkar, a promoção do conhecimento e do respeito deriva da combinação das esferas dialógica e dialética. Elas não se opõem, mas podem interagir, pois não há encontro de meras ideias, mas encontro entre pessoas (PANIKKAR, 2018b, p. 84). O importante é ter o discernimento e saber usar um ou outro, ou mesmo, a interação entre ambos métodos de diálogo. Neste contexto, é possível os métodos de diálogo interagirem para possibilitar uma educação para a cidadania?
3.3 Métodos de diálogo, ortopráxis e contexto educacional
O ambiente da educação escolar é essencialmente plural. Na escola encontram-se diferentes camadas, saberes e estratos sociais, favorecendo o acontecimento do educar para o convívio com o diferente e com as diferenças. Assim, é essencial que as instituições educacionais trabalhem na construção e manutenção constantes de espaços saudáveis e de ambiente pluralista.
Afirmar esse processo de construção significa que as ações pedagógicas devem pautar-se em princípios profundamente humanitários e estimular a promoção da paz e da tolerância no convívio escolar. A prática destes valores habilita os educandos a entrarem na dinâmica do respeito e do reconhecimento do diferente desde os primórdios do processo educacional. Espera-se que essa prática seja de toda a comunidade escolar e seja levada para seus arredores. Nesse sentido, o PPP construído democraticamente já se torna uma prática e um instrumento de efetiva configuração de mentalidade e prática pluralista.
Com esse pressuposto, afirmamos que as escolas precisam conhecer e praticar o diálogo dialógico e o diálogo dialético de forma a interligá-los com as regras existentes — sejam elas estabelecidas pela legislação ou pela própria escola —, com o objetivo de tornar seu funcionamento mais eficiente. As formas de diálogo apresentadas são capazes de incluir a participação de atores internos e externos à comunidade escolar visando desenvolver o PPP de maneira mais participativa possível. A perspectiva vislumbrada é que a prática destes métodos de diálogo na construção do PPP favoreça e estimule sua execução também de forma mais participativa.
Compreendendo que todo projeto responde a um tempo específico, torna-se fundamental a revisão do PPP com certa frequência, de modo que novas pautas sejam abrangidas e reavaliadas, como por exemplo, a desigualdade de gênero, orientação sexual, étnico-racial e intolerância religiosa e cultural. Inquietações e sensibilidades dos educandos poderiam ser levadas em consideração através de pesquisas institucionais, nas quais fariam avaliações de todo ambiente educacional bem como o processo de construção do conhecimento. Nessa fase de avaliação, torna-se fundamental apresentar um campo para que todos os envolvidos possam expressar seus sentimentos. Reuniões constantes de toda comunidade escolar, seja por setor ou conjuntamente, são importantes para manter e avançar no exercício dialógico. Aprender a falar e a escutar as considerações alheias, a ter direitos e deveres se configuram como exercício da cidadania no ambiente escolar. Estas são dimensões essenciais para se construir um espaço dialogal humanizador.
Os conflitos seguirão presentes durante a construção do PPP. Por isso, a importância da discussão dos métodos de diálogo por todos — diretor, educadores, educandos, pais ou responsáveis e funcionários — de forma que um possa auxiliar o outro a superar os atritos. O objetivo do diálogo não é acabar com as divergências entre as partes, mas sim praticar a atitude de escuta, fazendo com que o outro se sinta acolhido para se expressar. Através de conversas construtivas, essas opiniões precisam ser levadas em consideração e o documento, ao ser finalizado, deve ficar à disposição de toda a comunidade escolar. Ele é o resultado de todo este processo democrático e aponta diretrizes para a construção conjunta do conhecimento, tanto intelectual quanto afetivo.[8]
Seguindo este percurso, o PPP poderá ser compreendido a partir da noção de ortopraxis, proposto por Panikkar. Trata-se de compreender a realidade a partir da prática ou via a ação, daí que emergem as normas. A ortopraxis se articula com a noção de ortodoxia. Enquanto esta se refere ao sistema teológico ou de doutrinas de determinada religião, estabelecido pelas autoridades; a ortopráxis tem ponto de partida na realidade viva das pessoas, na sua existência e se direciona para o respeito às diferenças. Em suas palavras, “a tolerância emerge somente quando se supera o âmbito excessivamente intelectualista e entra em outro, mais elevado — ou mais profundo” (PANIKKAR, 2018a, p. 190). A ortopraxis articula a dimensão teórica e prática que compõe o ser e o agir humanos.
Para que a ortopráxis seja desenvolvida no ambiente educacional, é importante que as pessoas estejam abertas para ouvirem umas às outras e reconhecerem que as próprias divergências em si são o motivo da necessidade de tolerar e que as opiniões que se multiplicam são dignas de consideração. No processo de construção do conhecimento, por exemplo, a Pedagogia de Projetos e o Projeto de Trabalho são excelentes ferramentas, pertinentes ao desenvolvimento integral das pessoas em sua educação escolar.[9]
Nessa perspectiva, as instituições escolares estimulariam a construção do conhecimento, tanto no ambiente interno quanto no externo, pois permitiriam que os estudantes percebessem a escola como uma ferramenta de mudança em sua comunidade. A ortopráxis também possibilitaria aprofundamento nas relações interpessoais, ampliando a capacidade cognitiva e analítica dos alunos, passando de um olhar crítico dos problemas enfrentados localmente para pensar as grandes adversidades sociais. Essa relação entre teoria e prática permitiria que o educando se reconhecesse como agente transformador da sua realidade.
Há algum lugar específico no processo educacional mais propício para a articulação e expressão da ortopráxis?
4 HUMANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ATRAVÉS DO ENSINO RELIGIOSO E DAS CIÊNCIAS HUMANAS
A BNCC define que o Ensino Religioso tem o conhecimento religioso como objeto de estudo.[10] Isso inclui as manifestações religiosas e a cosmovisão de diversas culturas em relação à tradição, à crença, aos saberes, às narrativas, aos símbolos, aos ritos e princípios, dentre outros. Expressa, propriamente, a responsabilidade deste ensino em tratar os conhecimentos religiosos a partir de concepções e pressupostos éticos e científicos, sem privilegiar crenças ou convicções particulares.
Essa perspectiva implica que na abordagem de seus conteúdos há de se considerar diferentes bases culturais e religiosas, sem desconsiderar a existência das filosofias seculares e de outras concepções sobre o sentido da espiritualidade. De tal maneira, ao inserir o Ensino Religioso na estrutura curricular, uma instituição de educação não deve privilegiar ou desprezar quaisquer religiões e espiritualidades. Todos, crentes e não crentes, hão de ter espaço para se expressar nesse âmbito de estudos, intrinsecamente ligado às questões socioculturais.
A BNCC (BRASIL, 2018a, p. 436) propõe como objetivos do Ensino Religioso:
a) Proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religiosos, culturais e estéticos, a partir das manifestações religiosas percebidas na realidade dos educandos;
b) Propiciar conhecimentos sobre o direito à liberdade de consciência e de crença, no constante propósito de promoção dos direitos humanos;
c) Desenvolver competências e habilidades que contribuam para o diálogo entre perspectivas religiosas e seculares de vida, exercitando o respeito à liberdade de concepções e o pluralismo de ideias, de acordo com a Constituição Federal;
d) Contribuir para que os educandos construam seus sentidos pessoais de vida a partir de valores, princípios éticos e da cidadania. (BRASIL, 2018a, p. 436)
Na mesma perspectiva, o CRMG retoma os objetivos para a disciplina em questão, e acrescenta que
[...] dentre os parceiros da comunidade educativa na implementação do Currículo Referência de Minas Gerais, especialmente para o componente curricular Ensino Religioso, a ação-reflexão docente é muito importante. E ela exige, por razões históricas, como a limitação dos cursos de formação de professores para essa área, que haja atualização constante e uma formação continuada [...] (MINAS GERAIS, 2018, p. 879).
Tal fragmento designa aos docentes a necessidade de estarem devidamente preparados para ministrar o Ensino Religioso. Afinal, trata-se de uma disciplina de extrema importância e não deve ser ministrada com negligência ou imperícia, já que contribui para a formação dos discentes em sua totalidade. Isto significa que a disciplina formará o estudante não apenas em questões meramente conteudistas ou acadêmicas, senão para as humanidades, para o cuidado e o exercício da cidadania. Entretanto, apesar de sua notória importância e necessidade, a oferta do Ensino Religioso é obrigatória nas instituições de ensino, mas a disciplina se mantém de cunho facultativo para os estudantes.
Esta característica facultativa expõe a disciplina à concepção de que a Federação a compreende como algo complementar à carreira educacional de seus cidadãos, e não como requisito indispensável aos estudantes. Uma vez que a tolerância e o respeito entre religiões e espiritualidades são características demandadas para a real prática da cidadania, a presença da disciplina Ensino Religioso pode corroborar para a manutenção de práticas cidadãs, de modo a evitar atitudes agressivas e até mesmo violentas — sejam elas verbais ou físicas — entre pessoas de crenças e convicções distintas.
Além disso, conforme acentuado por Raimon Panikkar, vivemos em uma sociedade pluralista, tornando-se, portanto, uma necessidade vital ser um sujeito pluralista. Caso contrário, em sua perspectiva, há risco do mito do pluralismo, no qual apenas se reconhece a mera existência do plural, mas não se aprende a dialogar com toda a significância dessa realidade. Daí a necessidade de ter profissionais da educação bem qualificados para tratar o pluralismo de forma educativa. De tal maneira, se na sala de aula o professor – conforme bem apontam a BNCC e o CRMG –, não estiver preparado para lidar com o diverso, tão pouco será capaz de formar pessoas que o façam. Assim, se o docente não se atentar à habilitação em nível de licenciatura, a escola não será capaz de estabelecer requisitos que promovam esse ideal. Como indicado pelo artigo 2º da Resolução nº5 de 28 de dezembro de 2018, a Ciências da Religião é responsável pela formação desses docentes: “O curso de licenciatura em Ciências da Religião constitui-se como habilitação em nível de formação inicial para o exercício da docência do Ensino Religioso na Educação Básica” (BRASIL, 2018b).
A disciplina Ensino Religioso também pode ser reconhecida como instrumento para a realização da ortopráxis, fazendo com que os estudantes conversem sobre a diversidade a partir das próprias experiências plurais, aprendam a lidar com elas e transformem a realidade em que vivem. Deste modo, compreender a importância do Ensino Religioso significa entender que vivemos em um mundo de diferenças e diversidades, cujo diálogo, a justo modo pluralista, vem a ser imprescindível para uma convivência saudável entre os seres humanos e no cuidado com a vida planetária. Parcerias e colaborações em várias áreas do saber tornam-se necessárias para viabilizar processos educacionais promissores. No caso, a cooperação entre a área do Ensino Religioso e a área das Ciências Humanas, como disposto na BNCC, oportuniza grandes possibilidades, mesmo tendo em vista o caráter facultativo do Ensino Religioso.
Os métodos de diálogo propostos por Panikkar se configuram como importantes perspectivas a serem incorporadas nas salas de aula. Como previsto pela BNCC, o Ensino Fundamental — anos iniciais e finais — deve ser capaz de desenvolver o autoconhecimento nos educandos e a ideia de pertencimento em um todo e, conjuntamente, aprimorar a interação com o outro de maneira respeitosa. Assim, é possível observar e desenvolver a relação Eu-Tu nos ambientes escolares: para que a criança possa compreender o outro como ser lógico e de sentimentos, ela precisa se conhecer, entendendo seus limites e suas capacidades. A partir da dinâmica do autoconhecimento, ela conseguirá perceber o Eu de outro educando e criará vínculos com ele através da relação Eu-Tu. Nela, ambos os sujeitos se reconhecerão como um Eu de convicções e, mesmo que não possam compreender por completo o Eu do outro, será capaz de respeitá-lo como Tu.
Para que essas relações sejam estabelecidas de forma construtiva e saudável, os diálogos dialógico e dialético podem ser utilizados em conjunto nas salas de aula. Uma vez que eles são capazes de despertar o olhar racional e humano naqueles que o praticam - razão/emoção -, os educadores podem promover dinâmicas e discussões que tratem de temas sociais já pertencentes ao cotidiano das crianças e adolescentes. Essas práticas, além de poderem ampliar sua experiência intelectual — diálogo dialético —, possibilitam o exercício da cidadania — diálogo dialógico —, promovendo o respeito dos educandos não só uns com os outros, mas também com todos os membros da comunidade escolar, de modo a gerar relações interpessoais saudáveis e um ambiente harmonioso e plural.
Essa dinâmica na realidade escolar pode ser percebida na BNCC (2018a, p. 398) quando afirma:
[...] destaca-se a capacidade de comunicação e diálogo, instrumento necessário para o respeito à pluralidade cultural, social e política, bem como para o enfrentamento de circunstâncias marcadas pela tensão e pelo conflito. A lógica da palavra, da argumentação, é aquela que permite ao sujeito enfrentar os problemas e propor soluções com vistas à superação das contradições políticas, econômicas e sociais do mundo em que vivemos. (BNCC, 2018a, p. 398)
Tendo em vista a importância do diálogo, outra maneira de utilizá-lo no ambiente escolar seria através da incorporação de perguntas provocativas durante o desenvolvimento do conteúdo programático. Esta prática deixaria mais claro o método de diálogo dialético e dialógico. Juntos, educadores e educandos construiriam caminhos de paz e de tolerância, percebidos como respeito e reconhecimento das diferenças e dos diferentes.
O Ensino Religioso e as Ciências Humanas se apresentam como áreas do conhecimento capazes de ampliar atitudes cidadãs através do desenvolvimento de olhares e de práticas plurais e humanas – ortopráxis. O currículo teórico de cada disciplina permite o conhecimento de problemas nacionais e mundiais relacionados à intolerância, tanto no campo religioso quanto no cultural. Entretanto, torna-se essencial despertar para a necessidade de que outra história pode ser escrita por cada um dos presentes no ambiente escolar. É possível transpor relacionamentos abusivos, práticas de intolerância e desenvolver uma educação para o cuidado, interpessoal e planetário. Torna-se necessário que práticas dialógicas sejam incorporadas às salas de aula, pois, desta forma, os educandos serão estimulados a desenvolver atitudes cidadãs. A conversa e a troca de informações e de experiências entre as pessoas da comunidade escolar se configuram como instrumentos importantes para a educação, o amor e a liberdade, permitindo a manifestação do diferente, sem que haja temor e julgamento.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O âmbito escolar é significativamente plural. Nele, encontramos a comunidade escolar composta por educadores, educandos, família, direção e demais funcionários da instituição, com as mais distintas visões de mundo, colaborando em prol de um objetivo principal: a educação. Em função desta realidade, a prática do diálogo se apresenta como importante ferramenta de inclusão. Afinal, uma escola sem espaço ao diálogo trairia os princípios básicos de sua concepção pedagógica estabelecidos por documentos legislativos, como a Constituição Federal, a BNCC e o CRMG, que atribuem e garantem o exercício da democracia.
Os PPPs das instituições escolares devem estar pautados em ações de teor democrático que visem à formação cidadã de seus educandos. Contudo, nem sempre a escola empenha-se propriamente neste papel de responsabilidade social, pois na elaboração de importantes documentações norteadoras, como o PPP, é comum não haver o movimento participativo requisitado para sua preparação, isto é, o de consulta a toda a comunidade escolar, acabando por inibir e reduzir a democracia. Torna-se, então, um desafio constante para as instituições escolares criar condições de construir PPPs com a participação ativa de todos os inseridos nesse processo.
A ortopráxis se faz necessária para a construção de um ambiente saudável em que a realização do processo do cuidado e do conhecimento se tornem realidade. As teorias de Panikkar, de modo particular, o método do diálogo dialético e do diálogo dialógico, no interior da comunidade escolar, sobretudo quando atribuído à formulação do PPP, permitem a não discriminação de qualquer grupo de pessoas ou de opiniões.
Ainda em uma ótica pedagógica, destaca-se também o Ensino Religioso presente em determinados currículos e referenciado em documentos como o CRMG. Este ensino, por sua vez, seria um meio de realização prática — ortopráxis — dos importantes pontos de discussão, podendo gerar instrumentalizações educacionais que acolham as teorias de diálogo, além de estimular o respeito e a atitude pacífica entre uma das diversidades encontradas na escola: a religiosa. A escola, portanto, é um ambiente de pluralidade e deve ser também capacitada ao pluralismo.
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Notas