Resenhas
A JUDICIALIZAÇÃO DO ESPIRITISMO: O “crime indígena” de João Baptista Pereira e a jurisprudência de Francisco José Viveiros de Castro (1880-1900)
The Judicialization of Spiritism: João Baptista Pereira's Indigenous crime and the jurisprudence of Francisco José Viveiros de Castro (1880-1900)
La Judicialización del Espiritismo: El "crimen indígena" de João Baptista Pereira y la jurisprudencia de Francisco José Viveiros de Castro (1880-1900)
Recepción: 16 Enero 2022
Aprobación: 04 Febrero 2022
Esta obra A judicialização do espiritismo: O ‘crime indígena’ de João Baptista Pereira e a jurisprudência de Francisco José Viveiros de Castro (1880-1900) de autoria da Professora Doutora Adriana Gomes, pós doutorada em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; doutora em História Política e Cultura pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; mestra em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; com especialização em História Contemporânea pela Universidade Fluminense, possui ainda bacharelado e licenciatura em História pela Universidade do Rio de Janeiro.
Independentemente da sua formação majoritariamente na área de história, podemos perceber que durante a meticulosa pesquisa que empreendeu a autora para a produção dessa obra, não deixou de observar e considerar também os aspectos jurídicos, culturais e religiosos do Brasil nos anos finais do oitocentos, buscando compreender as circunstâncias e motivações que ensejaram a criação do questionável e controverso artigo 157 do código penal brasileiro de 1890, que tornava a prática do espiritismo um crime contra a saúde pública.
Assim no decorrer dos seis capítulos, a autora transita por temáticas que abrangem: o cenário político, questões sociais, coloniais, raciais e toda polêmica em torno do código penal da primeira república, em contraponto com alguns aspectos da nova constituição brasileira de 1891, nesse significativo período histórico do Brasil.
No decurso da obra fica evidenciado o corporativismo da classe médica de então, que se sentia incomodada com os procedimentos de cura mediúnica praticada por alguns seguidores da doutrina espírita que por vezes eram confundidos com procedimentos de tradições religiosas de matriz africana, assim como, as articulações da igreja católica que se preocupava com o surgimento de novas religiões no Brasil.
No primeiro capítulo intitulado: O homem e as suas ideias, a autora traça o perfil do indivíduo e do jurista maranhense Francisco José Viveiros de Castro, apresentando a trajetória do ilustre jurisconsulto, sua produção intelectual e destacando a sua importância para a jurisprudência brasileira salientando como o mesmo se valia do instrumento da retórica comum aos intelectuais do oitocentos. Sendo o juiz descendente de família da elite brasileira de então, teve acesso à educação de alto nível e rápida ascensão na carreira política e profissional. Sem desmerecer o seu empenho pessoal em pesquisar grandes autores mundo afora em especial da Europa, o que certamente influenciaria nas suas decisões sentenciais em relação ao artigo 157 do sobredito código penal, contendo forte viés embasado na antropologia criminal e no atavismo racial.
No segundo capítulo sob o título de: As ideias e os ideais no direito para combate à criminalidade, o enfoque é sobre as basilares escolas penais do oitocentos e suas perspectivas diante do crime e do criminoso, ou seja, discorre sobre as escolas penais mais representativas no Brasil do século XIX, que eram a Escola Clássica e a Escola Positiva (nova escola penal) que apresentavam entre si um certo antagonismo em suas interpretações jurídicas em relação ao crime e o criminoso. Destarte observa-se como a escola clássica de direito entende o estado de direito e o livre arbítrio e como a escola positiva do direito se estabelecia em condições de olhar o crime com o foco voltado para o criminoso, ou seja, um novo modo de analisar o delito, e certamente por isso recebeu outros títulos como nova escola penal; criminologia; escola determinista; escola antropológica; antropologia criminal e sociologia criminal.
O terceiro capítulo: O crime. Discorre sobre alguns jornais da época e apesar de constatar que o periódico “O Apóstolo”, vinculado a igreja católica, fazer também forte oposição ao espiritismo, a maior parte dos ataques à doutrina espírita foram publicados na Gazeta de Notícias que se alinhou em publicações sequenciais em desfavor do espiritismo, sem se preocupar com a verdade.
No quarto capítulo denominado: Um novo regime político, “um novo país”, uma nova constituição, mas antes... Um novo código penal, a autora apresenta o cenário político e social do Brasil no período que antecedeu a escrita do novo código penal e da nova constituição da primeira república; código penal preparado por João Batista Pereira e que foi rotulado na época como “O peior (sic) de todos os códigos conhecidos”. Frase essa proferida por João Pereira de Monteiro (1845-1904).
Temos então o capítulo cinco Reformador e o Jornal do Comércio: Os palcos das engendrações do codificador João Batista Pereira e da representação dos espíritas em meio as teias emaranhadas das retóricas.
Nessa etapa, assistimos ao embate na imprensa da então capital federal, o Rio de Janeiro, entre o periódico espírita Reformador e o Jornal do Comércio; incluindo algumas publicações do periódico católico O Apóstolo. As contendas editoriais se davam principalmente em torno do artigo 157 do novo código penal, criado para o novo regime republicano, com destaques para os embates entre o então presidente da FEB (Federação espírita brasileira) Dr. Bezerra de Menezes e o jurista autor do sobredito código de 1.890 João Batista Pereira, incluindo publicações contendo a carta dos espíritas ao ministro da justiça Campos Sales e também ao presidente da nova república Marechal Deodoro da Fonseca, ambas argumentando a inconstitucionalidade do artigo 157, reivindicando uma nova redação ou mesmo a supressão do polêmico artigo.
Temos ainda o capítulo seis, como o próprio título indica, que discorre sobre os processos criminais julgados por Francisco José Viveiros de Castro. Neste capítulo ressalta-se a importância da atuação dos magistrados em relação à jurisprudência gerada pelas sentenças criminais proferidas por Viveiros de Castro; cita ainda cinco casos práticos em que os acusados foram enquadrados no artigo 157 por crime de prática do espiritismo e correlatos, apresentando o entendimento do magistrado, que em suas sentenças apresentava a incompatibilidade do artigo 157 que tornava crime a prática do espiritismo enquanto a constituição vigente da nova república preconizava a liberdade de crença e práticas religiosas, bem como a liberdade de pensamento no Brasil.
Entendemos então que essa obra constitui ferramenta importante coadjuvante para pesquisadores na área do direito, por trazer significativos informes quanto a magistratura da primeira república e a jurisprudência gerada pelo jurisconsulto Viveiros de Castro; importância também para observadores da história da imprensa no Brasil na virada do século XIX para XX, pois podemos talvez já identificar na imprensa daquele tempo algo que hoje se denomina como “Fake News”, e claro que independente de todo o contexto de historicidade presente na obra, como de se esperar considerando a formação acadêmica da autora, devemos ressaltar a relevância do conteúdo da obra para pesquisadores das Ciências da Religião e mesmo Teologia, já que mostra como no primeiro código penal da nova república se permitia um artigo que tornava crime a prática do espiritismo, artigo esse que persistiu mesmo após a promulgação da primeira constituição da nova república no ano seguinte a nova norma penal, onde garantia a liberdade religiosa de crença e culto e inclusive de pensamento.