Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
ESPIRITISMO EM PERSPECTIVAS
Jáder dos Reis SAMPAIO
Jáder dos Reis SAMPAIO
ESPIRITISMO EM PERSPECTIVAS
Spiritism in Perspectives
Espiritismo en Perspectivas
Interações, vol. 17, núm. 2, pp. 479-483, 2022
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
resúmenes
secciones
referencias
imágenes
Carátula del artículo

Resenhas

ESPIRITISMO EM PERSPECTIVAS

Spiritism in Perspectives

Espiritismo en Perspectivas

Jáder dos Reis SAMPAIO
Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (2004), Brasil
Interações, vol. 17, núm. 2, pp. 479-483, 2022
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Recepción: 24 Noviembre 2021

Aprobación: 11 Enero 2022

Espiritismo em Perspectivas

O espiritismo é pouco estudado no Brasil (ALBUQUERQUE, 2015.; ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA ORAL.2010; STOLL, 2002.; GIUMBELLI, 1997.), que contraditoriamente é o país com o maior número de adeptos. Dos estudos dos anos 60 realizados por Cândido Procópio Camargo houve uma percepção da existência e relevância dos cerca de quatro milhões, duzentos e sessenta mil espíritas[1] e de sua enorme rede de instituições religiosas e assistenciais, bem como de sua singularidade social. Esse autor, contudo, estudou o espiritismo dentro de uma perspectiva de continuum mediúnico (NOGUEIRA, 2021; CAMURÇA, 2017), da qual se estudava as religiões consideradas mediúnicas, inclusive as de matriz africana, como pertencentes a uma mesma noção. Nessa visão, o espiritismo, denominado kardecismo (CAMARGO, 1961), encontrava-se em um polo do continuum e a umbanda no polo oposto, embora não houvesse simetria.

Uma nova geração de estudiosos das humanidades e das ciências humanas e sociais em geral, principalmente antropologia, história e psicologia, desenvolveram estudos mais direcionados ao espiritismo, e esse livro tem por conteúdo apenas o polo kardecista, sob a ótica da história, da filosofia, da antropologia e da sociologia.

No primeiro capítulo, Humberto Schubert Coelho aborda a história do espiritismo francês do século 19, na interlocução possível com os movimentos filosóficos que aconteceram na Alemanha, na França e na Inglaterra. Ele destaca autores usualmente não citados pelos historiadores do espiritismo francês, mas que trataram de temas espíritas em sua filosofia. Comte, Herbart, Schelling, Fichte, Spencer, Kant, e outros ocupam um lugar no texto que compõe um tapete que exibe uma figura complexa a partir de diferentes fios de pensamento no qual o espiritismo e o espiritualismo moderno surgem como escolas do espiritualismo filosófico, um contraponto que fica no meio do caminho da metafísica criticada e do positivismo emergente.

Marcelo Gulão Pimentel, autor do segundo capítulo, focaliza-se no desenvolvimento do discurso metodológico do Kardec ao longo de sua obra. A proposição original de Pimentel é que no início do trabalho de Kardec ele contava com cerca de dez médiuns apenas para fazer a verificação de suas afirmações, enquanto no final, ele recebia a correspondência de um número muito elevado de centros espíritas, tendo que trabalhar com a questão da fiabilidade do conhecimento. Segundo o autor, ao longo do tempo Kardec vai se tornando mais e mais protagonista da elaboração do conhecimento espírita e sua explicação de como trabalha sofre pequenas mudanças que ele aponta no texto. O trabalho, no entanto, foge à questão da fonte do conhecimento (as fontes de informação do mundo dos espíritos são sempre orais e discursivas, raramente objetivas e às vezes controversas) e do seu impacto na construção de um conhecimento que se considera científico, aos moldes das ciências naturais, e filosófico, e que se propõe religioso de uma forma singular, ao final de sua obra.

O terceiro capítulo, escrito por Gomes e Serafim, identifica uma sentença emitida pelo juiz Francisco José Viveiros de Castro no processo criminal de Tito Augusto Diniz dos Santos, enquadrado no artigo 157 do código penal de 1890 que considerava o espiritismo como crime. As autoras discutem a influência do pensamento de Nina Rodrigues, na atenuação da pena que fez o juiz, por se tratar de alguém com origens africanas (Tito era pardo), incapaz de avaliar corretamente o mal que causava. Elas também discutem a polêmica jurídica que essa legislação gerou no período da república velha, que levou Vieira de Araújo a propor que a norma penal fosse substituída.

O quarto capítulo discute as relações entre o espiritismo e a psiquiatria. Angélica Almeida escolhe teorias que abordam essa relação como uma disputa por legitimidade social. Ela aponta então os argumentos empregados pela psiquiatria contra o espiritismo e vice-versa. Essencialmente há a construção da representação da mediunidade como loucura e do espiritismo como fábrica de loucos, uma doença de alcance social tão perniciosa como a epilepsia (à época sem tratamento). Angélica apresenta também as estratégias discursivas do espiritismo contra a psiquiatria da época. A conclusão da autora foi que os espíritas aos poucos ocuparam o campo religioso (conceito de Bourdieu), com o discurso da caridade e do auxílio aos necessitados pela mediunidade e cura e cederam aos médicos o campo científico, deixando de disputar o mesmo espaço social.

No quinto capítulo Marcos M. Marques desenvolve um trabalho que propõe a construção histórica do espiritismo como religião. Na primeira parte se trata a relação entre espiritismo, mesmerismo e homeopatia, sendo a última considerada prática de caridade. Uma análise das publicações da Revista Reformador (órgão da Federação Espírita Brasileira) e da tese de Emerson Giumbelli, mostra a tensão entre o grupo dos científicos e dos místicos pelo poder da Federação até a hegemonia do grupo de caráter religioso. Por fim, se analisa a gestão de Bezerra de Menezes, do grupo dos religiosos, na Federação Espírita Brasileira, destacando sua busca por uma unidade das práticas dos centros espíritas em funcionamento no Brasil.

O sexto capítulo de André V. C. S. da Cunha, trata das relações entre o espiritismo e a igreja entre os anos 1933 e 1935. O autor entende que o espiritismo nesta época era febiano, religioso e terapêutico, e, ao mesmo tempo seguindo um corte epistemológico lítero-religioso. Nesse período, destacam-se os conflitos orais e escritos entre católicos (especialmente padres e outras autoridades eclesiásticas) e autores espíritas. Da Cunha descreve uma mudança de estratégia dos católicos, que começam com a demonização dos espíritas, passam para a patologização, baseando-se no discurso psiquiátrico brasileiro. Ele também faz uma descrição de publicações anticatólicas selecionadas, publicadas no período.

No sétimo capítulo, Alexandre Caroli Rocha se detém nas edições do livro Parnaso de além-túmulo. Além da análise detida das diversas edições do livro, das inclusões e exclusões de poemas, e até mesmo das alterações e correções, o autor desenovela aos olhos do leitor uma trama na qual, ao final, o livro de poesias acaba guardando uma identidade com os conteúdos de O livro dos espíritos, primeiro livro publicado por Allan Kardec, e apresenta uma lista original de associação entre os itens do livro de Kardec e as poesias do Parnaso.

O oitavo capítulo emprega o pensamento de Pierre Bourdieu para articular as publicações uma liderança espírita do município de Santa Maria - RS e de algumas ideias do livro psicografado por Chico Xavier, Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho com a análise sociopolítica de diferentes momentos da república brasileira encontrada na monografia de Sinuê Necker Miguel. O autor destaca as publicações de Fernando do Ó, considerado “agente autorizado a falar em nome do espiritismo na cidade de Santa Maria”, e o associa com projetos que buscavam reforçar o espírito progressista da cidade.

O nono capítulo foi escrito por Marcos José Diniz Silva em parceria com o Dr. Arthur César Isaia e trata da identidade espírita, tendo por base o pensamento de Paul Ricoeur e de Pierre Bourdieu. Essencialmente os dois autores do capítulo buscam na identidade de dois médiuns brasileiros, Chico Xavier e Divaldo Franco, uma associação com mentores que apresentam uma trajetória de reencarnações ligadas à Igreja Católica: Emmanuel e Joanna de Ângelis. Os autores do capítulo ligam essas simpáticas curiosidades reencarnatórias a uma ancoragem memorialística e identitária do espiritismo brasileiro, inserindo-o na tradição da religião cristã em renovação. Eles destacam em sua conclusão que essas identificações (ou pelo menos sua aceitação pelos espíritas e pela Federação Espírita Brasileira) fazem parte da disputa hegemônica interna e externa dos projetos identitários no campo religioso.

No último capítulo, Marcelo Camurça, discute em um recorte de sete minutos do 34º Congresso estadual espírita de Goiás, no qual o médium Divaldo Pereira Franco, a partir de uma pergunta sobre identidade de gênero, fez uma espécie de confissão de orientação pessoal política conservadora. O episódio gerou uma reação por parte de um conjunto de espíritas, que assinaram um abaixo-assinado público contrário às posições políticas e sobre a sexualidade apontadas pelo expositor e médium baiano, identificando-se como espíritas progressistas. O autor conclui pela fragmentação das interpretações no meio espírita, mesmo havendo uma espécie de discurso autorizado da parte de médiuns, dirigentes e instituições federativas, que seria hegemônico.

O livro apresenta uma tendência contemporânea de interlocução entre diferentes áreas de conhecimento que estudam um mesmo objeto ou sujeito, possibilitando a construção de uma visão mais rica e menos reduzida do que se estuda.

O espiritismo passa a ter sua história e seus conflitos melhor estudados, principalmente com o acesso a novos arquivos, proporcionado pelas novas tecnologias que possibilitaram o acesso a documentos que antes só se fariam presencialmente. As novas narrativas possibilitam uma compreensão mais dinâmica do campo simbólico do espiritismo no Brasil e no exterior.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Tiago Paz. Chico Xavier e a construção simbólica do “Brasil” enquanto “coração do Mundo” e “Pátria do Evangelho”. Mneme. Revista de Humanidades. Caicó – RN, v. 16, n. 36, p. 129-148, jan./jul. 2015.
CAMARGO, Cândido Procópio. Kardecismo e umbanda. São Paulo: Pioneira, 1961.
ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA ORAL: testemunhos, história e política, 10., 2010. Recife. Mendonça Jr, Adolfo. O espiritismo e algumas religiões mediúnicas: candomblé e umbanda. Anais...
WOLFART, Graziela. O espiritismo se vê como uma religião cristã, IHU-On line, Revista do Instituto Humanitas-Unisinos, n. 349, 1 nov. 2010. Disponível em https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/3624-maria-laura-viveiros-de-castro
STOLL, Sandra Jacqueline. Revista de antropologia. São Paulo, v. 45, n. 2, 2002. https://doi.org/10.1590/S0034-77012002000200003 disponível em https://www.scielo.br/j/ra/a/HtfFWc98NLk6mvVgkLsZ8kK/?lang=pt
GIUMBELLI, Emerson. O trabalho dos mortos: uma história da condenação e legitimação do espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
NOGUEIRA, Léo Carrer As múltiplas influências da umbanda: do continuum mediúnico ao rizoma umbandista, Revista Expedições, Morrinhos/GO, v. 12, Fluxo Contínuo, jan./dez. 2021 – ISSN 2179-6386
CAMURÇA, Marcelo. A teoria do continuum mediúnico de Cândido Procópio Camargo nos anos 1960-1970: atualizações e transformações contemporâneas. Religare. v. 14, n. 1, p. 05-27, agosto de 2017.
Notas
Notas
1 O IBGE estimou a proporção de espíritas no censo de 2010 como 2% da população. Como o censo de 2020 não foi realizado, mantivemos a proporção encontrada em 2010, mesmo observando que houve um aumento na proporção de espíritas entre 2000 e 2010.É, portanto, uma estimativa conservadora e não considera o fenômeno multirreligioso brasileiro, apenas a declaração de pertença à religião para o censo
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por Redalyc