Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
A PASTORAL UNIVERSITÁRIA: história, missão, desafios e cenários
Rosinei Costa Papi Dei AGNOLI
Rosinei Costa Papi Dei AGNOLI
A PASTORAL UNIVERSITÁRIA: história, missão, desafios e cenários
PASTORAL CARE IN THE UNIVERSITY: history, mission, challenges and scenarios
PASTORAL UNIVERSITARIA: historia, misión, desafíos y escenarios
Interações, vol. 18, núm. 1, e181t10, 2023
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: O trabalho de pesquisa nesse artigo destaca o percurso histórico da ação pastoral junto às juventudes no âmbito singular e plural da universidade e a missão da Pastoral Universitária. O objetivo é conhecer os processos de mudanças ao longo do tempo, as marchas e contramarchas na história e nas diretrizes das ações pastorais num ambiente específico e desafiador. Trata da compreensão dos cenários, dos desafios e das realidades socioculturais, políticas e religiosas que impactam a geração universitária, a fim de propor caminhos de diálogo e ações pastorais, a partir da escuta e da participação das juventudes nos espaços de decisões e no processo de planejamento das ações na comunidade acadêmica. A metodologia da pesquisa é descritiva e exploratória fundamentada em aportes teóricos. A pesquisa permitiu identificar uma geração universitária contemporânea mais plural, menos preconceituosa, religiosa e politizada. Portanto, o estudo apontou a urgência de conhecer o perfil da geração universitária contemporânea para construir ações pastorais que correspondam às realidades atuais.

Palavras-chave: Geração universitária, Juventudes, Pastoral Universitária.

Abstract: The research work in this article highlights the historical path of pastoral action with youth in the singular and plural scope of the university and the mission of University Pastoral. The objective is to know the processes of changes throughout time, the marches and counter-marches in history and the guidelines for pastoral actions in a specific and challenging environment. It deals with the understanding of the sociocultural, political and religious scenarios, challenges and realities that impact the university generation, in order to propose paths of dialogue and pastoral actions, based on listening and the participation of youth in decision-making spaces and in the process of planning of actions in the academic community. The research methodology is descriptive and exploratory based on theoretical contributions. The research allowed the identification of a more plural, less prejudiced, religious and politicized contemporary university generation. Therefore, the study pointed to the urgency of knowing the profile of the contemporary university generation to build pastoral actions that correspond to current realities.

Keywords: Generation university, Youths, University Pastoral.

Resumen: El trabajo de investigación de este artículo destaca el rumbo histórico de la pastoral juvenil en el ámbito singular y plural de la universidad y la misión de la Pastoral Universitaria. El objetivo es conocer los procesos de cambio a lo largo del tiempo, las marchas y contramarchas de la historia y los lineamientos para la acción pastoral en un entorno específico y desafiante. Se trata de la comprensión de los escenarios, desafíos y realidades socioculturales, políticas y religiosas que impactan en la generación universitaria, con el fin de proponer caminos de diálogo y acciones pastorales, basados en la escucha y la participación de los jóvenes en los espacios de toma de decisiones y en el proceso de planificación de acciones en la comunidad académica. La metodología de investigación es descriptiva y exploratoria basada en aportes teóricos. La investigación permitió identificar una generación universitaria contemporánea más plural, menos prejuiciosa, religiosa y politizada. Por ello, el estudio destacó la urgencia de conocer el perfil de la generación universitaria contemporánea para construir acciones pastorales que correspondan a las realidades actuales.

Palabras clave: Generación universitaria, Jóvenes, Pastoral Universitaria.

Carátula del artículo

ARTIGOS

A PASTORAL UNIVERSITÁRIA: história, missão, desafios e cenários

PASTORAL CARE IN THE UNIVERSITY: history, mission, challenges and scenarios

PASTORAL UNIVERSITARIA: historia, misión, desafíos y escenarios

Rosinei Costa Papi Dei AGNOLI
PUC Minas, Brasil
Interações, vol. 18, núm. 1, e181t10, 2023
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Recepción: 05 Diciembre 2021

Aprobación: 08 Julio 2022

1 INTRODUÇÃO

A compreensão das realidades socioculturais, religiosas, políticas e econômicas das juventudes e dos espaços em que vivem e atuam permite traçar planos de ação pastoral e evangelizadora mais próximos dos desejos, dos sonhos e das necessidades da geração universitária contemporânea. Os pontos cruciais para a construção coletiva das ações são os caminhos da escuta atenta e da sinodalidade.

Há necessidade de caminhar com as juventudes e mergulhar nesse multiverso juvenil. A dinâmica do caminho ocorre a partir do ambiente específico de atuação, vivência e inserção das juventudes. Estar em sintonia com as crenças e descrenças, as visões de mundo, a convivialidade e a percepção dos enfrentamentos e dos desafios vivenciados pela geração universitária contemporânea.

Há urgência em conhecer quem são as juventudes que estão nas universidades e que tempo é esse que se vive dentro e fora do âmbito universitário. Perceber qual universidade acolhe esses/as jovens e que mundo plural e singular é esse em que as juventudes atuam e convivem. Torna-se importante a abertura para a escuta das juventudes nos espaços de decisões e planejamentos da universidade e na Pastoral Universitária. Urge a disposição para ouvir os sonhos e os desafios da geração universitária.

Revela-se de extrema importância que o ambiente e as realidades específicas dos/as jovens sejam considerados; que se leve em conta o lugar vital das juventudes e as situações nas quais convivem cotidianamente. Portanto, as Pastorais Específicas de Juventude, tornaram-se opção por uma ação mais concreta, entre elas a Pastoral Universitária, pois visam acompanhar os jovens em seus ambientes específicos, e assim proporcionar “meios, mística, alternativas e propostas novas de estilo de vida e de militância, sem tirá-los de seu ambiente, de suas raízes, culturas e valores, que os torne conscientes de sua realidade e solidários com os mais necessitados e oprimidos” (CELAM, 2013, n. 580).

As Pastorais Específicas da Juventude na América Latina se dirigiam aos operários, estudantes, camponeses, universitários, indígenas, jovens urbanos e jovens do meio popular, e muito mais, um trabalho diferenciado com a pluralidade do mundo juvenil. Cada país se organizou a partir de sua realidade e de sua experiência, mas atento ao processo de uma pastoral orgânica e de conjunto.

Esse artigo trata do caminho histórico da Pastoral Universitária, das marchas e contramarchas na atuação junto às juventudes, da missão pastoral na universidade e da importância da compreensão dos cenários e desafios da geração universitária contemporânea.

2. PASTORAL UNIVERSITÁRIA E OS DESAFIOS E CENÁRIOS DAS JUVENTUDES
2.1 Breve percurso histórico da pastoral universitária

A evangelização no âmbito universitário e a ação da Pastoral Universitária nesse multiverso são importantes para a formação humana integral em um ambiente específico, mas principalmente deve-se perceber essa realidade universitária complexa, singular e plural. E, assim, saber dialogar com todos os atores que convivem na comunidade acadêmica. Conhecer as realidades socioculturais, políticas, econômicas e religiosas presentes no âmbito universitário possibilita construir ações em consonância com a vida e os sonhos das juventudes.

O Documento de Aparecida (2007) mostrou a importância do diálogo entre fé e razão, fé e cultura e a formação humanística. A fé compromissada com a dignidade da pessoa humana e a solidariedade devem pautar as ações pastorais. Registrou o texto conclusivo da Conferência de Aparecida que “é indispensável que se cuide do perfil humano, acadêmico e cristão dos que são os principais responsáveis pela pesquisa e docência” (CELAM, 2007, n. 342). Por isso, ressaltou em suas conclusões a importância da Pastoral Universitária:

É necessária uma pastoral universitária que acompanhe a vida e o caminhar de todos os membros da comunidade universitária, promovendo um encontro pessoal e comprometido com Jesus Cristo e múltiplas iniciativas solidárias e missionárias. Também se deve procurar ser uma presença próxima e dialogante com membros de outras universidades públicas e centros de estudo (CELAM, 2007, n. 343).

A Pastoral Universitária (PU) teve suas raízes na antiga JUC (Juventude Universitária Católica) e recebeu atenção da Igreja no Brasil desde o 2º Plano Bienal – 1973-1974. De fato, a articulação nacional iniciou em 1979, no estado do Espírito Santo.

Sempre houve uma grande proximidade da Pastoral da Juventude e a Pastoral Universitária (PU), mas hoje a PU compõe o Setor Universidades da Comissão Episcopal Pastoral para a Cultura e Educação. Essa Comissão compreende atualmente, o Setor Universidades, o Setor Cultura, o Setor de Educação, o Setor Ensino Religioso e o Setor Bens Culturais.

Foram muitas mudanças e estruturações ocorridas ao longo do tempo com o objetivo de caminhar em comunhão e sinodalidade. Resta saber, de fato, se houve benefícios com esses novos processos e as novas composições de trabalho. Analisar se a inserção da Pastoral Universitária na Comissão Episcopal Pastoral para a Cultura e Educação trouxe mais frutos e integração nos campos da educação e cultura do que se fizesse parte da Pastoral Juvenil.

O público-alvo dessa Comissão em que a Pastoral Universitária está inserida tornou- se mais amplo. São os/as educadores/as, a comunidade universitária, os/as professores/as, os/as estudantes e os atores no mundo da cultura e da educação. Houve uma maior abrangência e inclusão de mais atores pertencentes ao universo da cultura e da educação, e não especificamente as juventudes.

Importa registrar, no percurso histórico da PU, a intrínseca ligação entre a Teologia da Libertação e a Pastoral Universitária. Há uma forte correlação entre o processo de implantação da Teologia da Libertação, a sua maneira de compreender o mundo, a atuação dessa teologia na história, na vida do povo, nas lutas cotidianas com as juventudes universitárias. Segundo o sociólogo Luiz Alberto Gómez de Souza (1984), as ações da juventude universitária católica foram espaço de germinação da Teologia da Libertação.

O pesquisador Paulo Agostinho N. Baptista (2015) retomou a história do surgimento da Pastoral Universitária, a relação entre a juventude universitária católica e a Teologia da Libertação, bem como os conflitos advindos da atuação das lideranças da Juventude Universitária Católica – JUC, que abraçava outro jeito de ser e agir na Igreja e no mundo, com uma visão mais aberta e inserida nas realidades e nos desafios das juventudes em seus ambientes específicos. Mostrou ainda nesse período uma presença significativa no âmbito universitário e atuação em quase 60% das cidades com cursos universitários:

A história da pastoral universitária no Brasil começa com o redentorista Pe. Júlio Maria, no Rio de Janeiro, que criou a “União Católica Brasileira”, em 1908. E em 1929, sob a presença de Alceu de Amoroso Lima, surge a “Ação Católica Brasileira”, que se integrou à Ação Católica – AC em 1937. Essa AC se especializa em JAC, JEC, JIC, JOC e JUC (juventude agrária, estudantil, independente, operária e universitária), a partir de 1950 (CNBB, 1988, p. 37). A JUC será a grande referência da história dessa pastoral. [...] os conflitos com as lideranças da JUC acabaram levando ao fim do movimento em 08 de novembro de 1966, em Carta de Dom Vicente Scherer, Secretário do Apostolados dos Leigos da CNBB. Deve-se destacar que a JUC chegou a ter sua presença em quase 60% das cidades com cursos universitários (BAPTISTA, 2015, p. 53 e 54).

Merece registro ainda, de acordo com a memória histórica de vários pesquisadores (BEOZZO, 1984); (GÓMES DE SOUZA, 1984); (BAPTISTA, 2015), que a Pastoral Universitária percorreu um caminho de lutas e conflitos. Os pesquisadores citados pontuaram que a Pastoral Universitária sobreviveu graças ao trabalho incansável de muitos assessores no acompanhamento e formação de novos grupos. Registraram a resistência dos grupos na cidade de Lins (após 1968), em Ponta Grossa (1969) e Ribeirão Preto (1970). Mais grupos se formaram, com assessoria do jesuíta e teólogo João Batista Libanio, no Rio de janeiro, Belo Horizonte e Juiz de Fora.

A história da Pastoral Universitária ressurgiu a partir de dois encontros mobilizadores de jovens de todo Brasil na década de 1970. Um encontro em 1975, na cidade de Vitória (aproximadamente 800 jovens), e outro em 1977, na cidade de Lins (3.000 jovens/120 universitários). Os/as jovens universitários/as começaram a se articular em encontros nacionais com representatividade de todo país, e a se organizar em coordenações regionais.

O primeiro encontro aconteceu em 1979, o Encontro Nacional da Pastoral Universitária – ENPU, na cidade de Vitória. Em 1980, há o 2º ENPU, novamente em Vitória, com a discussão do método Ver-Julgar-Agir (ver/confrontar/agir a partir das realidades) e a metodologia de Revisão de Vida em pequenos grupos chamados pequenas nucleações.

Esses encontros nacionais e a dinâmica organizacional da Pastoral Universitária – PU cresceram paulatinamente. O 3º ENPU aconteceu em São Paulo, em 1982, e, um novo assessor o jesuíta Hilário Dick assumiu os trabalhos com a Pastoral da Juventude e a Pastoral Universitária, que provocou novo dinamismo nas ações pastorais junto às juventudes universitárias.

Importante perceber que foram muitos entraves e medos para reconhecer a autonomia dos/as jovens e a capacidade de participação deles nos espaços de decisão. Dick afirmava que as juventudes eram pouco valorizadas e muito controladas, porque estava em jogo o exercício do poder. Pontuou num pronunciamento feito no 3º Congresso Latino- Americano de Jovens, em Los Teques (Venezuela), de 05 a 12 de setembro de 2010, tendo como tema a Revitalização da Pastoral Juvenil Latino-Americana, e destacou que:

Eles e elas são bons se fazem o que os adultos, padres e bispos pensam e determinam... A prova mais cabal disso é que a juventude começou a ser alguém na história, não somente na América Latina, apenas no fim da década de 1930, com a Ação Católica Geral. Organizações juvenis com a vivência do jovem como protagonista só surgem, de fato, ainda de forma tímida, com a Ação Católica Especializada, a partir da década de 1950. É um fenômeno histórico do qual nem sempre temos consciência. Esse “processo” que estamos vivendo e que nos atrevemos a chamar de Revitalização da Pastoral Juvenil Latino-Americana começou, portanto, há 30 anos atrás... (DICK, 2010, p. 3).

No 4º ENPU, em 1984, foi um ano decisivo de mudança para a Pastoral Universitária, em que começou a articulação da criação de uma Pastoral Universitária mais plural, com as várias expressões juvenis reunidas, as Comunidades Universitárias de Base – CUBs (movimento italiano Comunhão e Libertação), o Movimento de Cristãos Universitários – MCU, e os grupos diocesanos das igrejas locais.

Numa mesma dinâmica de aproximação e ação se inseriram grupos tão plurais, e até mesmo antagônicos e polarizados. Alguns pesquisadores (LEITE, 2000); (SANTOS, 2004) indicaram que as CUBs se aproximavam do Movimento Carismático, do Projeto Universidades Renovadas – PUR, hoje MUR, e dos conhecidos Grupos de Oração Universitária - GOU, dentro das universidades.

Assim, o processo histórico da Pastoral Universitária seguiu o caminho das marchas e contramarchas, avanços e retrocessos, por meio de diálogos e tensões. No 5º ENPU, em 1986, na cidade de Nova Iguaçu, houve o reconhecimento da pluralidade na PU e das relações tensionadas entre os grupos CUBs, MCU e os grupos diocesanos PU/Pluralista.

No ano seguinte, 1987, acontece em Campinas o I Encontro Nacional dos Grupos de PU das Instituições de Ensino Católico Superior - IECS, que tratou sobre a PU nas Instituições de Ensino Superior - IES católicas. Apareceu a concepção de Universidade em Pastoral, expressão muito utilizada por Hilário Dick. Produziu-se a partir desse encontro um documento conclusivo intitulado Carta de Betânia, que define a pastoral nas universidades católicas.

Aconteceu nesse mesmo ano o I Encontro Nacional da Pastoral Universitária em Brasília e definiu-se a identidade da PU como pastoral e não movimento. Em 1988, na cidade de Brumadinho, realizou-se o 6º ENPU, com apoio de todos os grupos existentes, vale dizer, a PU diocesana, as CUBs, os MCU, da PU PUC Minas e da PU UFMG (BAPTISTA, 2015).

Vale ressaltar a contextualização desse tempo histórico apontada por Baptista (2015), de 1960 a 1990, que evidenciou de fato o período de enfrentamentos conflituosos e momentos importantes dentro e fora do âmbito eclesial, como o Concílio do Vaticano II, a Conferência de Medellín, o surgimento da Teologia da Libertação e a ditadura civil-militar. Foram muitas idas e vindas no processo da Pastoral Universitária, bem como os cenários, as lutas sociopolíticas, as mudanças estruturais e organizacionais para ocupar espaço na ação pastoral, com as especificidades e características próprias desse âmbito universitário.

Foram movimentos históricos polêmicos e contrapostos que permearam a história, a vida social e política e as ações pastorais, ora na luta pela democracia e o exercício da cidadania, ora na busca de um distanciamento do campo sociopolítico:

Todo esse processo, dos anos de 1960 até os anos de 1990, acontece num momento rico da história brasileira e internacional. Apenas para referenciar, destacamos alguns: o Concílio Vaticano II (1962-1965); Medellin (1968) e surgimento da TdL (entre 1962-1968); ditatura civil-militar (1964-1985); luta pela Anistia a partir de 1975, e pela Redemocratização e Diretas-Já em 1983; o movimento Constituinte, que culminará com a nova Constituição de 1988; o início do pontificado de João Paulo II (1978) e os problemas com a TdL, a partir de 1984, e também a conferência de Puebla (1979); crise política no Brasil (Tancredo Neves, Sarney, Color, Itamar, Fernando Henrique) e crise econômica (advento do Real); crescimento dos (neo) pentecostalismos (católicos e protestantes); virada conservadora mundial (Reagan, Thatcher, Kohl); queda do muro de Berlim e crise dos socialismos ... (BAPTISTA, 2015, p.58)

Não resta dúvida, houve a presença marcante dos jovens, especialmente dos jovens universitários, na efervescência da Teologia da Libertação, e nos movimentos sociopolíticos e culturais que clamavam por libertação e democracia. Aconteceram mudanças drásticas de cenários e realidades socioculturais e políticas.

Cabe, portanto, os questionamentos a respeito da participação e da mobilização sociopolítica das juventudes e da ação da Pastoral Universitária, nos dias de hoje, diante de tantas mudanças na organização e nas diretrizes pastorais, a partir do processo histórico e do envolvimento das juventudes universitárias nas transformações dos cenários e das realidades socioculturais, políticas, religiosas. Torna-se importante perceber os movimentos da participação política, cultural e religiosa das juventudes.

Desde então, e mais intensamente no pontificado do Papa Bento XVI, se percebeu o contexto de conflitos e tensões. Apareceu a complexidade no diálogo entre a Pastoral da Juventude e os jovens dos movimentos religiosos. Nas análises do teólogo Comblin (1983) já se apontavam desde o início as dificuldades no processo de articulação entre as várias expressões juvenis.

Acentuou Baptista (2014), em seus estudos e análises comparativas sobre o perfil da geração universitária nos anos de 1990, 2013 e 2017, o processo de mudanças e conflitos no decorrer dos enfrentamentos históricos. Trouxe resultados e análises importantes para conhecer o fenômeno das juventudes e a atuação no mundo e na universidade. Destacou que “deve-se incentivar estudos e pesquisas sobre/para levantamento das realidades das juventudes. Não é possível trabalhar com ela sem conhecê-la” (BAPTISTA, 2014, p.33).

Baptista (2014) apontou ainda o perfil diferenciado das juventudes e os múltiplos interesses que campeiam o mundo da geração universitária em tempos distintos. Mesmo em relação à Pastoral Universitária e ao interesse em participar das ações na universidade registrou que:

Em relação à juventude universitária, pesquisa de 1991, com universitários da PUC Minas, 32,2 % manifestavam interesse em participar da Pastoral Universitária. Na nova pesquisa em 2013 encontram-se os seguintes resultados: - 48,4 % têm interesse em participar de atividades em comunidades carentes; - 37,2 % têm interesse em participar de grupos de reflexão na universidade; - 27,2 % têm interesse em participar de celebrações na universidade; - 3,4 % dos universitários católicos se identificam com a TdL versus 14,4 % que o fazem com Renovação Carismática Católica, ou seja, em números absolutos, 750 x 3.200 alunos, num universo aproximado de 45.000 (BAPTISTA, 2014, p.32).

Portanto, as mudanças nos cenários sociopolíticos, religiosos e culturais, o processo de articulação da ação pastoral com as juventudes, as novas diretrizes e novas formas de organização das expressões juvenis na Igreja e no mundo, as estratégias e metas, as influências e interferências ideológicas e pastorais da hierarquia eclesial revelam para onde as juventudes caminham e querem caminhar.

Dentre tantas mudanças ocorridas, a criação do Setor Universidades pela CNBB trouxe novas configurações e propostas de ação junto às juventudes universitárias. O Setor Universidades foi criado em 2007 com o objetivo de pensar e articular a ação evangelizadora no âmbito universitário e estabelecer linhas gerais comuns e um caminho de diálogo entre as diversas expressões e rostos das juventudes presentes nas universidades.

Os membros do Setor Universidades pensaram construir juntos, de forma organizada e articulada, a ação pastoral no meio universitário, mas uma pastoralidade “que se abre ao diálogo e à comunhão com a cultura e a intelectualidade, formando novas lideranças que na sociedade contribuam na construção de um mundo mais justo e fraterno” (CNBB, 2013, p. 6). Houve a percepção de que o momento exigia a tarefa de formar pessoas conscientes e bem-preparadas em todas as dimensões humanas, nos novos areópagos, entre eles, o âmbito universitário:

Tarefa de grande importância é a formação de pensadores e pessoas que estejam em níveis de decisão, evangelizando, com especial atenção e empenho, os “novos areópagos”. Um dos primeiros areópagos é o mundo universitário. Uma consistente pastoral universitária é a necessidade em quase todas as Igrejas Particulares. Quanto mais nos empenharmos em conscientizar e capacitar nossos leigos a partir de sua própria profissão, no empenho do diálogo fé e razão, estaremos animando sua vocação no mundo e, consequentemente, auxiliando na melhoria da sociedade (CNBB, 2015, n.118).

A proposta de trabalho do Setor objetivou indicar e sugerir linhas de ação, com respeito à pluralidade de cada realidade universitária, em um documento de reflexão e orientação de como ser presença eclesial num contexto tão singular. Surgiu, assim, o documento orientador Estudos da CNBB 102 – “O seguimento de Jesus Cristo e a ação evangelizadora no âmbito universitário” (2013). Esse documento acentuou a fundamental missão da Igreja nesse complexo ambiente e registrou que:

A universidade é o lugar da pergunta, da reflexão e da busca de sentido. É o espaço privilegiado para a descoberta e a vivência da vocação profissional. A presença da Igreja nesse ambiente é necessária e importante para acompanhar a comunidade acadêmica nesse tempo de estudo, trabalho, pesquisa e extensão. A presença ética, criativa, acolhedora, fraterna, servidora na comunidade acadêmica faz a diferença, numa sociedade cada vez mais marcada pela redução da razão a mero fator instrumental, produtor de ciência e de tecnologia, indiferente às ameaças e à dignidade da pessoa humana ou à destruição do planeta (CNBB, 2013, n.4).

A universidade é o espaço privilegiado e campo de missão da Pastoral Universitária que busca permear as estruturas acadêmicas com os valores humanísticos e éticos. A Pastoral Universitária em seus eixos de atuação (espiritualidade, formação-reflexão e socioeducativo) almeja uma pastoralidade encarnada, acolhedora e dialogal.

2.2 Missão da pastoral universitária

A Pastoral Universitária é a ação evangelizadora da Igreja no âmbito universitário, considerada uma pastoral de fronteira e espaço privilegiado de diálogo com a cultura e o mundo dos saberes. Torna-se fundamental essa presença da Pastoral Universitária como oportunidade de fecundar esse ambiente com os valores do Evangelho e os ideais de um mundo mais justo e solidário. A Pastoral Universitária busca enriquecer-se com o diálogo no mundo acadêmico.

A Pastoral Universitária deve permear com os valores cristãos a vida na universidade, no âmbito da pesquisa, ensino e extensão, com a articulação dos três eixos de ação: a espiritualidade, a reflexão-formação e a ação social solidária. O intuito é contribuir para que a formação acadêmica seja integral a partir de um novo humanismo solidário.

As premissas da ação pastoral na universidade são a atitude dialogal, o acolhimento, a abertura ao diferente, o respeito e a capacidade de cultivar relacionamentos fraternos e pacíficos. As pessoas que se dedicam a essa tarefa na universidade necessitam ter a disponibilidade de tempo para estar junto, para cultivar laços de amizade e fazer coisas juntos com as juventudes universitárias.

Em 2018 surgiu um documento referencial, de construção e reflexão coletiva, o Estudos da CNBB 112 – Setor Universidades da Igreja no Brasil: Identidade e Missão (2019), a fim de atualizar e avançar sobre essa realidade, em razão de inúmeras transformações nos cenários eclesiais e universitários. Os eixos norteadores da atividade pastoral, o eixo da espiritualidade, o eixo da reflexão e o eixo socioeducativo, articulados e em constante equilíbrio com o tripé ensino, pesquisa e extensão, resultaram numa dinâmica de atuação transversal e integradora no âmbito universitário.

O Setor Universidades, que compõe a Comissão Episcopal Pastoral para a Cultura e Educação, se desdobrou ainda em Setor Universidades Regional, Setor Universidades Diocesano e a Pastoral Universitária no âmbito das Instituições de Ensino Superior.

Há ainda um longo caminho a percorrer para o fortalecimento da rede de articulação da Pastoral Universitária no âmbito da IES e a formação permanente dos agentes para compreensão das realidades e os desafios da geração universitária, bem como a atuação pastoral neste âmbito singular e plural.

As propostas de ação para o trabalho da Pastoral Universitária podem ser implementadas nas Instituições de Ensino Superior: comunitárias, confessionais ou não, privadas ou públicas, e em diversas formas organizacionais. O mais importante é propiciar o diálogo entre fé e cultura no âmbito universitário. Criar um espaço de compartilhamento entre a fé e os múltiplos saberes. Favorecer uma experiência de encontro e de partilha da fé e da vida de todos e todas presentes na comunidade acadêmica.

A formação de pequenos grupos de vivência para a partilha da vida e dos desafios acadêmicos é muito importante, como grupos de estudos, grupos de espiritualidade, rodas de conversas sobre temáticas atuais, grupos e coletivos de debates, grupos de professores, grupos de funcionários, grupos e movimentos sociais.

Cabe ainda à Pastoral Universitária promover a interação, o diálogo e a unidade dos diversos grupos religiosos e não-religiosos, e promover no âmbito da pesquisa, do ensino e da extensão o diálogo crítico, a defesa do princípio da dignidade da vida humana com a “[...] presença coerente, projetos e atividades, que explicitem a dimensão política, profética e libertadora da fé cristã [...] iniciativas e ações em defesa de uma sociedade sustentável, que preserve a vida e o meio ambiente” (CNBB, 2013, n.8).

A tarefa que se impõe é semear a cultura da paz e da justiça social, da sociedade fraterna, solidária e ecológica. A universidade é um campo propício e desafiador da pergunta, das dúvidas, das antíteses e das sínteses, da formação integral, da interpelação, da abertura e do convívio com a pluralidade e a diversidade:

Encontramo-nos num mundo cada vez mais plural e complexo, no qual muitas posições que se pretendem humanistas e humanizadoras não representam uma visão crítica e construtiva da realidade, além de favorecer compreensões reducionistas e empobrecedoras da vida humana. Do mesmo modo, há configurações religiosas atuais que favorecem experiências de alienação, infantilização e, inclusive, de exploração mercantilista da fé. É urgente oferecer critérios claros de juízo e discernimento que permitam às pessoas fazerem escolhas de forma mais adequada, escolhas que favoreçam a conquista da realização e da vida plena (CNBB, 2013, n. 27).

A tarefa da Pastoral Universitária é dialogar e acolher a todos e todas. E as experiências pastorais e evangelizadoras devem propor o engajamento social; o compromisso na realização do bem comum e da justiça social; as ações voluntárias e solidárias e a luta pela construção de uma sociedade mais humana e mais justa.

O critério da transversalidade e a imersão nas estruturas acadêmicas possibilitarão a reflexão conjunta e a formação humana integral, bem como a abertura à diversidade social, cultural e eclesial presente na universidade, que resultarão em profissionais mais humanos e capazes de transformar a realidade em que vivem e atuam:

O âmbito universitário abarca, em suas fronteiras, uma vasta diversidade de sujeitos e saberes não sobrepostos, mas com seus valores e significados próprios, construídos a partir de uma dinâmica histórica, cultural, social diferentes e que se encontram nesse universo. Assim, a atividade pastoral nesse ambiente deve ser um lugar primordial de diálogo, acolhida e escuta sensível dessas realidades, buscando, através do fortalecimento identitário, do exercício da alteridade, do respeito à diversidade, aproximação entre os saberes (fé, ciência, razão, cultura), propor espaços e atividades de diálogo horizontal na aproximação desses sujeitos e seus saberes (CNBB, 2019, n. 54).

Diante da tarefa de conhecer as realidades do fenômeno sociocultural das juventudes, do âmbito universitário e do perfil atual da geração universitária, cabe ainda perceber/confrontar os cenários e os desafios prementes para propor as ações pastorais para/com as juventudes.

2.3 Cenários e desafios das juventudes e da ação pastoral na universidade

Os processos históricos, os cenários e os desafios das juventudes precisam de análise meticulosa, estudo e pesquisa permanentes. Torna-se crucial a percepção atenta da contemporaneidade e dos sinais do tempo presente em confronto com as realidades e tempos anteriores, porque “a história do jovem e da jovem torna-se, pouco a pouco, a história do mundo" (CELAM, 2013, n. 873).

As juventudes hoje vivem sitiadas e situadas por múltiplos cenários e desafios que precisam enfrentar e conviver com eles. Os maiores desafios enfrentados são as desigualdades sociais, o acesso restrito à educação de qualidade, o desemprego, a difícil inserção no mercado de trabalho, a desqualificação profissional e a falta de oportunidade para qualificação, a drogadição, a violência no campo e na cidade, a migração, as mortes das juventudes pretas e periféricas, as crises existenciais, a exclusão, a pobreza (NOVAES, 2006).

Os impactos do mundo contemporâneo globalizado e neoliberal sobre os/as jovens são enormes e diversificados. Várias caracterizações retratam as juventudes, entre elas, a centralidade das emoções e a relativização dos valores e tradições; o alto grau de subjetividade; a necessidade de estímulos constantes (geração zapping); a descrença nos compromissos definitivos; as relações interpessoais mais abertas; a fragmentação da identidade; o sincretismo religioso e o ecumenismo; o hedonismo e a vulnerabilidade psicológica (ABRAMOVAY, 2020; FERNANDES, 2010).

Importa ressaltar que cada geração tem as suas marcas e lutas, de acordo o processo histórico e as realidades sociopolíticas e culturais. Conhecer o perfil da geração juvenil e da geração universitária, bem como as realidades, os desafios e os cenários em que estão inseridas possibilitam ações e relações mais profícuas. Olhar as realidades que vivem e atuam as juventudes é uma tarefa complexa, exige uma compreensão ampla, integral, e de muitos saberes, pois “pode se tornar injusta quando se parte de uma perspectiva unicamente de ordem social, econômica, cultural, religiosa ou política, e não de sua integralidade” (CELAM, 2013, n. 30).

As transformações advindas do fenômeno da globalização em suas dimensões econômica, cultural e comunicacional impactaram profundamente a compreensão do mundo, das relações e da convivialidade, inclusive o mundo juvenil e o mundo da geração universitária. Esse fenômeno global atingiu e modificou a forma de pensar, amar, relacionar- se e de sentir. Há uma grande diversidade de juventudes, de diferentes etnias, riquezas culturais, linguagens, expressões e sensibilidades impactadas pelos fenômenos da globalização, do pluralismo e do relativismo.

Encontra-se nesse cenário globalizante/capitalista/neoliberal uma diversidade de rostos concretos de jovens, indígenas, afro-americanos, camponeses, suburbanos marginalizados, que sofrem a desestruturação da sociedade que exclui e oprime os mais frágeis, entre eles os adolescentes e os jovens (CELAM, 2013).

Há um cenário de desilusão por parte das juventudes em relação ao campo político, “não acreditam que as instituições levem a vida a sério e, por isso, criticam-nas e não participam delas ou, pior, negam-nas.” (CELAM, 2013, n. 57,58 e 59). De fato, as juventudes, em sua maioria, se ausentam dos espaços políticos e decisórios pois “costuma sentir pouco representada em espaços de tomada de decisões políticas [...] abre-se-lhes pouco espaço de participação em matéria política e de programas juvenis”. (CELAM, 2013, n. 57,58 e 59).

Vê-se hoje também o cenário de uma sociedade fragmentada em que a centralidade da pessoa e a sobrevalorização da subjetividade individual ocupam maior espaço no mundo juvenil, em detrimento dos interesses coletivos, dos vínculos comunitários e da concepção integral do ser humano na sua relação com o mundo e com Deus, como acentuou o Documento de Aparecida:

Vivemos uma mudança de época cujo nível mais profundo é o cultural. Dissolve-se a concepção integral do ser humano, sua relação com o mundo e com Deus; aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes do último século (...) Surge hoje, com grande força, uma sobrevalorização da subjetividade individual. Independentemente de sua forma, a liberdade e a dignidade da pessoa são reconhecidas. O individualismo enfraquece os vínculos comunitários e propõe uma radical transformação do tempo e do espaço, dando papel primordial à imaginação (CELAM, 2007, n.44).

Percebe-se, nesse contexto atual, o fenômeno da religiosidade difusa, de forte subjetivismo, a religiosidade como um bem de consumo. Vê-se o rompimento da experiência de fé no sentido de pertença eclesial e de compromisso social. Novas realidades emergem do mundo juvenil, e, uma dessas realidades é o retorno ao sagrado, a busca da transcendência de forma mais livre e descomprometida com o formalismo da religião, como pontuaram os estudos da socióloga Silvia Fernandes (2010), e do pesquisador Cleto Caliman (1998), e destacou o documento do Conselho Episcopal Latino-Americano (2013):

[...] para os jovens, fica claro que, falar de Deus e de religiosidade, não é o mesmo que falar de religião. Aceita-se a religiosidade, mas se resiste ao formalismo da religião[...] por que não acreditar que a juventude traz outra compreensão do sagrado e da transcendência na vivência da própria afetividade, do corpo, da sexualidade, dos desejos e das rebeldias, dos sonhos e das esperanças, das buscas e posturas tipicamente juvenis? (CELAM, 2013, n.780 e 785).

Segundo o teólogo João Batista Libanio, o processo biopsicossocial, afetivo e emocional dos jovens se modificou muito. Observa-se maior maturação biológica e lentidão no amadurecimento psicológico. A imaturidade reflete na incapacidade de assumir compromissos permanentes:

Vive-se no reino do individualismo, da lógica da vida privada, do presentismo, da hegemonia solitária do capitalismo. Os jovens buscam a festa, a beleza, a felicidade no momento presente. Há um contentar-se com momentos felizes sem continuidade e sem preocupação com o futuro. Desconhecem e desacreditam dos caminhos dos compromissos políticos sérios e envolventes. Preferem pequenos engajamentos humanitários em causas que tocam de perto sua rua, no máximo o seu bairro ou cidade (LIBANIO, 2011, p. 241).

Na cultura pós-moderna, o acento forte é o presente, o imediato, o traço narcisista, a centralidade do sujeito em si mesmo. A afirmação da autonomia e da subjetividade ganham passos acelerados. Avança o reino da estética e da exterioridade. Acelera-se a experiência sexual sem cultivar o afeto, e ao mesmo tempo, supera-se a repressão, o negativismo em relação ao corpo, ao prazer e ao sexo.

O processo de superação continua a romper com as atitudes machistas, preconceituosas e desrespeito às opções sexuais das pessoas. Os jovens rejeitam qualquer forma de autoridade impositiva, mas querem dialogar nos campos da educação, da religião, da política, da sociedade para esclarecer as posições e as visões de mundo.

Houve um crescimento assustador no campo da tecnociência que exerce um tremendo fascínio nas juventudes, pois é uma forma rápida e ágil de pensar. Circulam no meio digital simultaneamente muitas informações. Constata-se tensão entre a instrumentalização do saber, sem criatividade nem humanidade, e o saber criativo, reflexivo, humanizado, socializado em favor do bem comum (NOVAES, 2018; ABRAMOVAY, 2020; FERNANDES, 2010).

Vive-se um tempo de escasso convívio familiar, que provoca impactos na vida e nos afetos dos/as jovens. A diminuição das relações intrafamiliares decorre do ritmo moderno de vida e de trabalho, e, assim, as relações virtuais ganham maior espaço. O mundo virtual é uma realidade difusa e um campo aberto de possibilidades, conhecimentos e experiências. Cria-se uma visão de mundo, de tempo e de relações; de percepção de si mesmo e dos outros, nessa cultura amplamente digitalizada. São ambientes que os jovens passam muito tempo. Também é um território de solidão, manipulação, exploração e violência.

Há, de fato, novas configurações da realidade juvenil, nos diversos âmbitos onde vivem e atuam, inclusive no âmbito universitário, em que os jovens apresentam traços específicos e diferenciados de gerações anteriores. Segundo o documento de Estudos da CNBB 112 (2019), as marcas atuais no ambiente universitário são a mobilidade urbana e rural que causa sobrecargas nos estudantes (física, transporte, alimentação e moradia, questões financeiras, viabilidade das práticas religiosas, danos pedagógicos e psíquicos); o fenômeno das migrações e diversidade de estudantes (bolsistas, indígenas, migrantes internacionais); mulher no ensino superior; o impacto da pobreza na vida acadêmica e as políticas públicas educacionais em descaso; desafios do ensino à distância; a internet e a articulação das redes digitais.

O perfil da geração juvenil e da geração universitária sofrem mudanças profundas. O âmbito universitário plural e singular também comporta muitas realidades, é um ambiente multiverso, de sujeitos e saberes, portanto, o caminho do diálogo, da alteridade, do respeito à diversidade torna-se crucial. Surgem novas formas de linguagem e interações no mundo juvenil e no mundo acadêmico mediado também pelo mundo digital:

As redes sociais definem um espaço antropológico relacional, identificativo, histórico. São os espaços de integração em torno de experiências de narração, vivências entrelaçadas, onde a pessoa se sente no centro da história, espectadora e não apenas mera consumidora. [...] Novas formas de expressão de si mesmo [...] nota-se uma nova busca de sentido, de pertença, de relação entre a dimensão local e a global (CELAM, 2013, ns.41-42).

Assim, os agentes da Pastoral Universitária precisam conhecer as realidades socioculturais, políticas, religiosas e econômicas concretas da geração universitária contemporânea para acolher, dialogar e propor caminhos novos nas ações pastorais e evangelizadoras.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De fato, a universidade é um espaço fundamental da formação humana integral, cidadã e democrática. A educação superior detém uma função social inegável, qual seja, a responsabilidade e o compromisso intra e extramuros, mediante o tripé do ensino, da pesquisa e da extensão. E a ação pastoral na universidade precisa permear as estruturas da universidade e dialogar constantemente com a comunidade acadêmica.

A universidade é “o espaço desafiador da pergunta, da formação, da interpelação, da abertura ao novo [...].” O ambiente universitário tem papel crucial “no mundo da cultura, na formação das mentalidades e na formação de profissionais” (CNBB, 2013, n.19, 3 e 4) que ocuparão espaços de poder e decisão na sociedade. “A universidade é o lugar da reflexão e da busca de sentido. É espaço privilegiado para a descoberta e a vivência vocacional” (CNBB, 2013, n.19, 3 e 4).

A proposta da pesquisa na abordagem e nas indagações junto à geração universitária demonstra a pertinência e a essencialidade do debate, especialmente neste tempo de mudança de época, e diante dos cenários sociopolíticos e culturais contemporâneos. Todos os espaços de diálogo e decisões políticas, de modo especial, o âmbito universitário, devem se abrir e intervir na discussão e conhecimento dos desafios e cenários que impactam a geração universitária. A Pastoral Universitária pode e deve abrir espaços e oportunidades de escuta e de debates para construir na universidade a consciência crítica e corresponsável por uma sociedade mais justa, humana e democrática.

A participação política de todos os/as interlocutores/as no pacto social por uma sociedade mais justa e humana, por uma educação integral e inclusiva faz-se urgente. Por isso, interessa colher os questionamentos da geração universitária e dialogar sobre o que pensam da política social e educacional, da educação inclusiva e integral, da religiosidade, do pluralismo e da diversidade. A escola e a universidade ganham quando escutam, respeitam e entendem as linguagens das juventudes, e para isso, precisam saber ouvir, valorizar, e a partir deles, repensar/ reconstruir o caminho de sentidos para a vida, fazer com eles e não só para eles.

A universidade busca um novo tempo, a partir da reflexão, do “curvar-se” sobre seus passos e atitudes. Quer repensar sua ação em diálogo com sua própria identidade, e na escuta profunda e madura de todos os seus interlocutores, diante das contestações e dos conflitos internos e externos. Urge a compreensão da relação das juventudes com as experiências religiosas, não religiosas, sociais e políticas - as transformações no modo de pensar, viver, agir e relacionar com o mundo moderno pois revela o contexto atual e para onde caminha a contemporaneidade.

Vê-se, a necessidade de se reinventar para acompanhar esta “mudança de época”, esse tempo de crises poliédricas. A crise é oportunidade de crescimento e aprendizado; é possibilidade de se desvencilhar do que é velho, e abrir-se ao novo que já está entre nós. Faz- se necessário ouvir muito e ouvir a todas e todos. Provocar as perguntas mais do que dar respostas prontas. Os desafios que se apresentam são muitos, a começar pela definição das prioridades e a retomada do processo de humanização da vida no mundo.

O cenário atual pede uma universidade “em saída”, comprometida com as mudanças na sociedade sociopolítica e cultural, atitude dialogal, o cuidado com a Casa Comum, abertura à avaliação constante e ao pacto educativo global. A geração universitária pode e deve contribuir para os novos caminhos e participar do diálogo amplo com todos os atores sociais por uma economia mais justa, uma educação integral qualificada, comprometida e atenta às necessidades da realidade contemporânea. A Pastoral Universitária pode favorecer esse caminho dialogal.

As juventudes buscam a inserção no mundo; reivindicam o direito à participação ativa no cenário nacional e mundial. De fato, querem ser vistos como parceiros e interlocutores das decisões nos processos sociopolíticos educacionais, e não meros destinatários das ações pensadas para elas.

A pesquisa da geração universitária contemporânea, com a identificação dos aspectos socioeconômicos, culturais e as crenças/descrenças neste âmbito específico, visa conhecer melhor as necessidades e os desafios, a partir deles mesmos, o que os jovens pensam, seus sonhos e expectativas, seus sofrimentos e limites, e suas possibilidades e potencialidades. Em outro espaço será importante partilhar os dados encontrados.

Não resta dúvida de que compreender as juventudes é um grande desafio e um aprendizado contínuo, em razão da dinamicidade da história e das transformações constantes nos cenários e nos desafios das juventudes e da geração universitária.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, Miriam. Palestra de Miriam Abramovay, da FLACSO Brasil, parte do Curso Juventudes e Educação, Identidades e Direitos. Youtube, 18 mar. 2020. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=mDK2ID1dkzg. Acesso em 15 out. 2020.
BAPTISTA, Paulo Agostinho Nogueira. Teologia da Libertação e Juventude. Congresso Internacional Sociedade de Teologia e Ciências da Religião.C749a. Anais do 27º Congresso Internacional da SOTER: espiritualidades e dinâmicas sociais: memória – prospectivas / Organização SOTER. Belo Horizonte: SOTER, 2014. 2747 ISSN: 2317-0506
BAPTISTA, Paulo Agostinho Nogueira. Teologia da Libertação e Pastoral Universitária: aspectos históricos e perguntas desafiantes. Congresso Internacional Sociedade de Teologia e Ciências da Religião C749a. Anais do 28º Congresso Internacional da SOTER: religião e espaço público: cenários contemporâneos / Organização SOTER. Belo Horizonte: SOTER, 2015.
BEOZZO, José Oscar. Cristãos na Universidade e na Política. Petrópolis: Vozes, 1984.
CALIMAN, Cleto. A sedução do sagrado. O fenômeno religioso na virada do milênio. Petrópolis: Vozes, 1998.
CELAM CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Documento de Aparecida. Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe. São Paulo: Paulus, 2007.
CELAM CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO. Civilização do Amor – Projeto e missão. Brasília: Edições CNBB, 2013.
COMBLIN, José. Os movimentos e a pastoral latino-americana. Revista Eclesiástica Brasileira – REB, Petrópolis, v. 43, n. 171, p. 227-262, jun. 1983.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2015-2019. São Paulo: Paulus, 2015.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Estudo 102 – O seguimento de Jesus Cristo e a ação evangelizadora no âmbito universitário. São Paulo: Paulus, 2013.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Documento de Estudo 112 – Setor Universidades da Igreja no Brasil: Identidade e Missão. São Paulo: Paulus, 2019.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Documento final da XV Assembleia Geral do Sínodo da Juventude: Os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Brasília: CNBB, 2018.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Exortação Apostólica Pós-sinodal do Papa Francisco. Christus Vivit: para os jovens e para todo o povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2019.
DICK, Hilário. Revitalização da Pastoral Juvenil Latino-Americana. In.: Congresso Latino-Americano de Jovens, III., 2010, Los Teques (Venezuela), Pronunciamento. Venezuela: 2010. Disponível em: www.pjlatinoamericana.org. Acesso em: 10 out. 2020.
FERNANDES, Sílvia Regina Alves. Jovens religiosos e o catolicismo – escolhas, desafios e subjetividades. Rio de Janeiro: Quartet/FAPERJ, 2010.
GÓMEZ DE SOUZA, Luiz Alberto. A JUC: os estudantes católicos e a política. Petrópolis: Vozes, 1984.
LEITE, Ariane Vieira. Os movimentos universitários católicos e as diretrizes internacionais da Igreja Católica: os casos do PUR e da PU. Belo Horizonte: 2000. 163f. Monografia (Conclusão de curso PUC Minas).
LIBANIO, João Batista. Para onde vai a juventude? São Paulo: Paulus, 2011.
NOVAES, Regina. Os jovens de hoje: contextos, diferenças, trajetórias. In: Almeida, Maria Isabel Mendes de; EUGENIO, Fernanda (orgs). Culturas jovens: novos mapas do afeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p.105-120, 2006.
NOVAES, Regina. Juventude e Religião: sinais do tempo experimentado. Interseções, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 351-368, dez. 2018. Disponível em: https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/intersecoes/article/view/39020. Acesso em 15 out.2020.
SANTOS, Ivna Sá dos. Dai-lhes vós mesmos de comer: um livro histórico e testemunhal do Projeto Universidades Renovadas. Belo Horizonte: Itapuã, 2004.
Notas
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por Redalyc