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O processo de aprendizagem de pessoas cegas: um novo olhar para as estratégias utilizadas na leitura e escrita
O processo de aprendizagem de pessoas cegas: um novo olhar para as estratégias utilizadas na leitura e escrita
Revista Educação Especial, vol. 30, núm. 57, pp. 175-188, 2017
Universidade Federal de Santa Maria
Recepção: 19 Abril 2016
Aprovação: 22 Dezembro 2016
Resumo: Este trabalho tem como objetivo compreender como se dá a aprendizagem da leitura e escrita das pessoas cegas, quais os instrumentos e estratégias utilizados e o desafio diante das novas tecnologias. O referencial teórico sobre o assunto baseou-se em Bueno, (1993), Baptista, (2000), Marcuschi (2001), Vygotsky (1983), Sousa (2014), além de outros autores e documentos que abordam a referida temática. Como opção metodológica de pesquisa, foi adotada a pesquisa qualitativa, por meio do estudo bibliográfico. Na pesquisa, identificamos a necessidade de ressignificação da valorização do Sistema Braille, e que, mesmo diante do reconhecimento da importância e do avanço das tecnologias da informática, elas não são substitutivas do Braille, mas complementares. Tendo em vista que todos as estratégias e recursos utilizados apresentam limitações em determinadas situações, faz-se necessária a existência de um leque de oportunidades para que as pessoas cegas possam se comunicar, obter informações, ter acesso ao conhecimento, ser incluídas na sociedade e que exerçam, efetivamente, a cidadania.
Palavras-chave: Leitura e escrita, Sistema Braille, Novas tecnologias.
Abstract: This paper aims to understand how is the learning of reading and writing of blind people, what tools and strategies are used and the challenge in face to the new technologies. The theoretical framework on the subject was based on Bueno (1993) Baptista (2000), Marcuschi (2001), Vygotsky (1983), Sousa (2014), and other authors and texts dealingwith this theme. As a methodological search option has been adopted qualitative research through the bibliographic study. As a methodological search option has been adopted qualitative research through the bibliographic study. On the research, we identified the need to reframe the appreciation of the Braille System, and that even front ofrecognition of the importance and advancement of computer technologies, they are not substitutive of Braille, but complementary. In view of all the strategies used and resources present limitations in certain situations, it is necessary to have a range of opportunities for blind people to communicate, get information have access to knowledge, to beincluded in society and play effectively citizenship.
Keywords: Reading and writing, Braille system, New technologies.
Introdução
A presente pesquisa visa elucidar aspectos relacionados à aprendizagem das pessoas cegas no tocante ao processo de leitura e escrita, e da utilização de instrumentos e estratégias disponíveis para esse fim. Os autores que embasam este trabalho são: Bueno, (1993), Ochaíta e Rosa (1995), Baptista, (2000), Marcuschi (2001), Vygotsky (1983), Sousa (2014), Martins (2014), dentre outros.
A opção metodológica vincula-se à abordagem qualitativa, realizada por meio de pesquisa bibliográfica, priorizando autores que tratam do processo de aprendizagem da escrita e leitura em Braille, de diferentes alternativas de acesso à informação e ao conhecimento, bem como de outros elementos envolvidos nesse processo.
As diretrizes da Política Nacional do Livro, instituída pela Lei nº 10.753, também denominada de Lei do Livro, de 30 de outubro de 2003, visam assegurar o direito ao acesso ao uso do livro, o incentivo e a promoção do hábito de leitura por parte dos cidadãos (BRASIL, 2003).
No contexto atual, o livro, com sua multiplicidade de formas de acesso a todos os indivíduos, ampliou seu alcance, também, para as pessoas cegas. Embora Almeida (2005) ressalte, que, diferentemente da criança vidente, que incorpora os hábitos de leitura e escrita desde cedo, assistematicamente, por meio do acesso visual às muitas possibilidades de escrita nos jornais, revistas, rótulos diversos, brinquedos etc., a criança cega, no entanto, demora a entrar nesse universo, visto que o Sistema Braille não faz parte do dia a dia dela, ou seja, não é um objeto socialmente estabelecido antes da fase escolar, o que, certamente, pode trazer prejuízos no processo de alfabetização.
Buscando contribuir com tal discussão, este texto abordará o percurso histórico do acesso à leitura e à escrita pela pessoa cega, o Sistema Braille, o uso dos sentidos remanescentes no processo de aprendizagem da leitura e escrita. Abordaremos, ainda, o acesso à leitura por pessoas cegas, enfocando esse acesso por meio do ledor humano, de leitores de tela e do tato. Em relação às estratégias de acesso à escrita por pessoas cegas, será abordado o acesso à escrita por meio do sistema Braille, do uso de computador com ledores de tela, e, finalmente, acesso à escrita por meio de um transcritor.
O percurso histórico do acesso à leitura e à escrita da pessoa cega
Uma temática que tem sido discutida de forma intensa e mobilizado diversas pesquisas, é a relação linguística entre a leitura e a escrita. Para Marcuschi (2001), aqueles indivíduos que têm acesso à escrita desenvolvem habilidades como: falar e escrever, ouvir e ler. A leitura e a escrita são consideradas como práticas sociais básicas fundamentais para a participação social efetiva, e permite o aperfeiçoamento do homem. Neste percurso, ocorre o desenvolvimento intelectual e cultural do ser humano, que lhe possibilita a habilidade de comunicação e o acesso a informações, bem como o desenvolvimento da pessoa e a expressão de pontos de vista, visões de mundo, enfim, capacita-o a produzir conhecimento.
As pessoas cegas, ao longo das eras, tiveram acesso à transmissão de conhecimentos de forma intensa, por meio da oralidade, o que permitia sua participação na vida intelectual e política. A palavra dita prevalecia na transmissão cultural no contexto grego (MARTINS, 2014). Contudo, o uso da palavra escrita era limitado devido à falta de um sistema adequado às suas necessidades, pois elas não tinham acesso à cultura letrada (SOUSA, 2014).
Vários métodos e recursos foram testados na tentativa de se ensinar os cegos a ler, como: a gravação em relevo de letras e caracteres em madeira ou metal; sistemas de nós e pontos em cordas; caracteres recortados em papel e a utilização de alfinetes de diversos tamanhos pregados em almofadas. O acesso a esses recursos e métodos era somente possível àquelas pessoas de maior poder aquisitivo, e limitavam-se à leitura de textos curtos. Essas tentativas estavam relacionadas somente à leitura, A escrita, portanto, estava totalmente vedada a esses indivíduos (CASTRO apud SILVA, 2008, p. 53). Historicamente, o processo de aquisição da leitura por parte das pessoas cegas teve sua origem com o humanista Valentin Haüy, que foi considerado o pai da educação dos cegos. (BAPTISTA, 2000).
Na perspectiva de concretizar o sonho de ensinar os cegos a ler e dar-lhes um emprego Valentin Haüy iniciou, em 1784, seu trabalho com um jovem cego de 17 anos - François Lesueur, que perdera a visão com seis semanas de idade e que vivia da mendicância para sustentar a família. O jovem conseguiu avanços significativos com as aulas de Haüy, que utilizava letras do alfabeto em relevo para que fossem percebidas pelos dedos. Tratava-se de caracteres móveis que, ao serem manuseados, proporcionava a aprendizagem de letras, algarismos, números e frases. Os trabalhos realizados pelo abade L’Epée, os estudos de Diderot intitulados “Escritos sobre a Cegueira”, a sensibilidade diante da realidade de inúmeros cegos que viviam da mendicância e o contato com Maria Tereza von Paradis influenciaram Haüy a tomar a iniciativa de tal criação de seu sistema de leitura (FRENCH, 1932, p. 81 apud BUENO, 1993, p. 86).
Vale destacar, que, conforme os autores, o sistema utilizado por Haüy apresentava limitações e dificuldade de reconhecimento pelo tato, por seu alto custo por necessitar de grande quantidade de letras disponíveis. Nesse sentido, Martins (2014, p. 16) acrescenta mais algumas dificuldades em relação a esse sistema: “[...] o reduzido número de livros que permitia produzir, o elevado preço da impressão, o enorme tamanho dos volumes, a morosidade da leitura e o facto de não permitir a escrita às próprias pessoas cegas”.
Posteriormente, surge o capitão de artilharia Charles Barbier de la Serre, que criou, em 1808, um sistema de pontos em relevo denominado Código Militar/Sonografia ou Escrita Noturna. Tratava-se de um código secreto, de comunicação militar, que era usado para transmissão de mensagens entre soldados nas campanhas de guerra. O oficial levou seu invento para apresentar às pessoas cegas do Instituto Real dos Jovens Cegos, em Paris, que fora criado por Valetin Haüy.
Embora o referido código apresentasse vantagens em relação ao sistema de Haüy, nele também tinha limitações e dificuldades, como: o tamanho da cela, a relação entre os pontos e a fala que causava prejuízo ao aprendizado da ortografia, a quantidade dos pontos, que totalizavam doze. O seu invento, portanto, não logrou êxito. Seguem, abaixo, figuras das celas que representam a combinação de pontos e as letras do alfabeto criadas por Charles Barbier, que foi a inspiração para a criação da cela por Louis Braille.
Modelo das Celas de Barbier e de Louis Braille
http://es.slideshare.net/bcgclaudia/antecedentes-del-sistema-braille
Assim, inspirado no código de Barbier, um jovem cego, Louis Braille, que aprendeu a utilizá-lo, tentou aperfeiçoá-lo, reduzindo de 12 (doze) para 6 (seis) os pontos da cela, facilitando sua decodificação por meio de um simples toque de dedo e alterou a correspondência entre os pontos-sons da fala para pontos-letra escrita. Isso tornava possível a eliminação de erros ortográficos inerentes ao sistema de Barbier (FRENCH apud BUENO, 1993). Nascia, naquele momento, um grandioso invento que iria possibilitar a leitura e escrita por parte das pessoas cegas.
Sistema Braille: breve histórico
O criador do Sistema Braille - Louis Braille - nasceu no dia 04 de janeiro de 1809, em Coupvray, a 45km de Paris. Seu pai chamava-se Simon-René Braille e sua mãe, Monique Baron. Como era de costume, o menino acompanhava seu pai na oficina em que ele trabalhava fazendo selas e arreios para cavalos. Louis imitava-o utilizando as tiras de couro que o pai dava para ele. Em 1812, aos 03 anos de idade, acidentou-se ao brincar com uma sovela – instrumento pontiagudo – quando tentava perfurar o couro. A sovela escapou de sua mão e atingiu o olho esquerdo causando grave hemorragia e infecção que evoluiu, posteriormente para conjuntivite e oftalmia. A infecção atingiu, meses depois, o olho direito e Louis Braille ficou totalmente cego aos 5 anos de idade, em 1814.
Em 1816, Louis Braille começou a frequentar a escola de Coupvray, por intermédio do abade Jacques Palluy. Antoine Brecheret, o professor de Louis, incentivou-o a estudar em Paris. Com o apoio do abade, o garoto ganhou uma bolsa de estudos, em 1919 (aos 10 anos de idade), e matriculou-se no Instituto Real de Jovens Cegos, fundado por Valentin Haüy. Foi o início de uma nova etapa em sua vida (LEMOS et al, 1999). Mais tarde, em 1933, ele foi nomeado professor do instituto e dedicou-se também, à música destacando-se como organista e pianista.
O Sistema Braille foi criado pelo jovem cego francês, Louis Braille, após diversas tentativas de se descobrir um sistema efetivo que permitisse a comunicação pela escrita individual por parte das pessoas cegas,
Embora o Sistema tenha sido criado em 1825, ele só foi reconhecido pelo instituto, oficialmente, em 1854, como o ideal na substituição da linguagem escrita, dois anos após a morte de seu criador, devido à resistência e à polêmica entre o uso das letras em relevo e o de pontos, não somente por parte da instituição, mas de outros centros, de estudiosos da França e de outros países (FRENCH apud BUENO, 1993).
Estratégias de acesso à leitura utilizadas pelas pessoas cegas
O direito à comunicação e à informação é uma garantia que está assegurada, dentre outros documentos, na Lei Brasileira de Inclusão/Estatuto da Pessoa com Deficiência, Nº 13.146, de 6 de julho de 2015.
Foram várias as tentativas de se possibilitar o acesso à leitura por parte das pessoas cegas. Embora o Sistema Braille seja consagrado como o meio mais eficaz e superior de leitura e escrita individual, realizada tatilmente, existem outras possibilidades de acesso à informação. Vejamos.
Acesso à leitura por meio do tato
Para a aprendizagem das pessoas cegas, o sentido da audição e do tato são considerados mais relevantes, e, segundo os autores (OCHAÍTA; ROSA, 1995, p.184), “O sistema sensorial mais importante que a pessoa cega possui, para conhecer o mundo, é o sistema háptico ou tato ativo”. Nessa perspectiva, Sá, Campos e Silva esclarecem que:
O Sistema háptico é o tato ativo, constituído por componentes cutâneos e sinestésicos, através dos quais impressões, sensações e vibrações detectadas pelo indivíduo são interpretadas pelo cérebro e constituem fontes valiosas de informações. As retas, as curvas, o volume, a rugosidade, a textura, a densidade, as oscilações térmicas e dolorosas, entre outras, são propriedades que geram sensações táteis e mentais importantes para a comunicação, a estética, a formação de conceitos e de representações mentais. (SÁ; CAMPOS; SILVA, 2007, p. 16).
O tato ativo, manifesta-se de forma intencional, quando o indivíduo toca algo para obter informações por meio dos receptores da pele e dos tecidos. No tato passivo, a informação é recebida de forma não intencional, por meio das sensações de calor, frio etc. O sistema perceptivo háptico capta a informação articulatória, motora e de equilíbrio por meio dos receptores dos músculos e dos tendões.
Os processos psicológicos acionados na leitura e escrita tátil são diferentes dos que são acionados na leitura e escrita visual. A leitura tátil é feita com as pontas dos dedos, deslizando-os e com movimentos horizontais, visando ao reconhecimento dos pontos das letras. Esse processo é realizado letra a letra, o que pressupõe uma considerável carga de memória. A leitura visual é realizada por meio de rápidos movimentos oculares e, na sua totalidade, são apreendidas mais de uma palavra.
O canal principal da pessoa cega para assimilação, apreensão e compreensão do mundo é a mão. Sá (2008) ressalta que “A leitura tátil, por meio do braille, é “[...] o único caminho que permite a interação leitor/texto, pois via tato a mensagem passa direto do texto para o leitor”.
Os autores, abaixo, também reforçam essa informação.
A tatilidade sempre foi, ao lado dos códigos sonoro-verbais, a estratégia por excelência para a apreensão do mundo pelos indivíduos privados da visão. O braille, ao nosso entender, qualifica ainda mais a percepção tátil, tornando complexo o diálogo entre o cérebro e a mão nos processos de conhecimento do mundo. (SOUSA,2014, p. 95).
Tal como a leitura visual, a leitura braille leva os conhecimentos ao espírito através de mecanismos que facilitam a meditação e assimilação pessoal daquilo que se lê. [...] a perfeição na escrita está relacionada com a leitura braille que cada um faz, pois é através dela que entra em contacto com a estrutura dos textos, a ortografia das palavras e a pontuação. (BAPTISTA, 2000, p. 08).
A leitura tátil possibilita, por meio dos movimentos das mãos, o conhecimento da grafia das palavras, sinais de pontuação e proporciona uma maior independência. Embora não existam todas as publicações transcritas para esse sistema nem um acervo dinâmico e amplo disponível em todas as situações e ambientes, pela singularidade e opção de cada um, outras alternativas de leitura são usadas por elas.
Acesso à leitura por meio do ledor humano
O acesso à leitura por parte da pessoa cega pode ocorrer por meio de um ledor humano, Segundo o dicionário de Bueno (2009), Ledor (ô), adj., significa:” O que lê; leitor”. Ou seja, aquele que lê.
O ledor tem exercido um papel relevante na educação dos alunos com cegueira, como uma das atividades complementares oferecidas na prática de atendimento educacional especializado, nas salas de recursos multifuncionais, bem como em diversas situações quotidianas, visto que, grande parte do material escrito não está disponível ou transcrito para o Sistema Braille.
Manguel, relata essa rica experiência como ledor, na década de 60, do escritor argentino Jorge Luis Borges:
Antes de encontrar Borges, eu lia em silêncio, sozinho, ou alguém lia em voz alta para mim um livro de minha escolha. Ler para um cego era uma experiência curiosa, porque, embora com algum esforço eu me sentisse no controle do tom e do ritmo da leitura, era, todavia, Borges, o ouvinte, quem se tornava o senhor do texto. Eu era o motorista, mas a paisagem, o espaço que se desenrolava, pertenciam ao passageiro, para quem não havia outra responsabilidade senão o de aprender o campo visto das janelas. Borges escolhia o livro, Borges fazia-me parar ou pedia que continuasse, Borges interrompia para comentar, Borges permitia que as palavras chegassem até ele. Eu era invisível. (MANGUEL, 1997, p. 33).
Nessa perspectiva, Milton Schinca (1993), que era jornalista e trabalhou na unidade do livro falado da Fundação Braille do Uruguai, reflete:
Nosso dever é, pois, chegar ao outro, interpelá-lo, comovê-lo, comprometê-lo, fazer com que participe do que falamos [...]. Às vezes, penso que o nosso trabalho de ledores orais deveria ser como o vitral de uma janela através do qual o ouvinte visse sem ver-nos. Que lhe chegasse somente o autor e o texto e não a nossa leitura. Igualmente, ao passarmos por uma ponte, olhamos a paisagem sem prestarmos atenção à ponte. Nós, leitores profissionais, também deveríamos ser assim, apenas ponte que permita ao passante passar por ali atento ao panorama e não à estrutura sobre a qual vai avançando.
Ao ler escutando, a pessoa cega adentrará nas linhas e entrelinhas do que está sendo lido. Portanto, é preciso que o ledor, enquanto mediador entre autor e o livro ou texto, tenha a convicção da responsabilidade de expressar as emoções, as entonações, a dicção, a expressividade nas audiodescrições de imagens, enfim, em todos os aspectos envolvidos nesse processo.
Acesso à leitura por meio de leitores de tela
Diante da relevância do livro enquanto fonte de conhecimento e do direito que todos têm à informação, o livro pode se tornar acessível, também, por meio de ledores de tela. Esse é um meio eficaz que traz contribuições significativas não somente para pessoas com cegueira ou baixa visão, mas também para uma diversidade de leitores que têm comprometimentos físicos ou comprometimentos que impedem ou limitam o manuseio no formato impresso.
De acordo com Melo e Pupo (2010, p. 10), dentre os vários formatos de livros, existem os livros digitais que “[...] são cópias de qualquer livro para um arquivo de computador que possa ser reconhecido por algum editor de texto”. As autoras acrescentam:
Entre os dispositivos de voz sintetizada, estão os programas que convertem texto em fala (ex.: DeltaTalk) e os leitores de tela com síntese de voz (ex.: Jaws for Windows, NVDA, Orca, Virtual Vision). Com o DeltaTalk, desenvolvido para sistema Windows, o usuário seleciona um texto e aciona a tecla para que este seja "falado". Já os leitores de tela, além de converterem texto em fala, captam as informações textuais exibidas na tela do computador e as apresentam utilizando voz sintetizada. Favorecem, portanto, a percepção pela audição de menus e de barras de ferramentas, de arquivos e de pastas. Com uma série de teclas de atalho, tornam possível a operação de uma variedade de aplicativos, incluindo editores de textos e navegadores web. (Id. p. 28).
O recurso de leitores de tela apresenta-se como mais uma possibilidade de inclusão das pessoas cegas na sociedade tendo em vista que o uso do computador tem sido uma das fontes de informações vigentes nos processos educacionais, profissionais e de inserção social.
Conforme Tuttle apud Ochaíta e Rosa (1995, p. 196):
O trabalho de Tuttle (1974) evidenciou que os cegos são capazes de “ler escutando” a uma velocidade de 275 palavras por minuto sem que sua compreensão seja comprometida. Se somarmos a este dado as possibilidades oferecidas pela microinformática, com sintetizadores de voz, aparelhos de leitura óptica e programas de tratamento de texto específicos para cegos, [...] podemos ter a ideia de como estes avanços técnicos podem constituir um ajuda definitiva para superar os problemas apresentados por este tipo de leitura.
Diante desse contexto, fica claro que a leitura realizada por meio de ledores de tela assumem um papel fundamental no processo de aprendizagem das pessoas com deficiência visual.
Estratégias de acesso à escrita por pessoas cegas
Na sociedade, as crianças videntes têm contato com o mundo letrado desde cedo, por meio dos recursos visuais, como: revistas, rótulos, jogos, livros de histórias infantis, placas etc. Por essa razão, elas despertam o interesse e curiosidade para a leitura mesmo antes de iniciar a vida escolar, o que facilita o processo de aprendizagem, escrevendo com uma diversidade de objetos, como: gravetos, lápis, carvão etc.
Contudo, em se tratando das crianças cegas, ocorre de forma diferente:
A criança cega não passa com tal naturalidade por essas experiências enriquecedoras. Falta-lhe a condição de imitar; acaba, por essa razão, não tendo reais oportunidades de aprendizagem. O ato da escrita, tão simples e prazeroso para uma criança vidente, transforma-se numa lacuna para ela nos primeiros anos de sua vida. (ALMEIDA, 2002, p. 22).
As crianças cegas, geralmente, só têm contato com a escrita quando iniciam sua vida escolar. Faz-se necessário, no entanto, o estímulo intersensorial pelo manuseio de objetos, de contato com recursos que exercitem sua coordenação motora fina e grossa, visto que essas experiências contribuirão, posteriormente, para o aprendizado do braille.
A visão recebe a informação globalmente, sinteticamente, o que possibilita a agilidade na visualização de palavras, frases e, até mesmo, conteúdos de uma página inteira. O tato, no entanto, é analítico, ou seja, recebe a informação fragmentada, por parte, de forma analítica.
[...] A velocidade de leitura de um leitor cego experiente não supera 114 palavras por minuto (Mousty e Bertelson, 1985), enquanto a média dos videntes experientes encontra-se em torno de 280 palavras por minuto (OCHAÍTA e ROSA, 1995, p. 195).
Diante das especificidades existentes na leitura tátil, que acontece letra a letra, não se deve compará-la com a velocidade da leitura visual.
Acesso à escrita por meio do sistema Braille
O processo de aprendizagem da criança cega deve ser iniciado pela aprendizagem do Sistema Braille. Para tanto, é de suma importância que, no quotidiano dessa criança, seja apresentada a escrita mostrando bulas de remédios, caixas diversas que estão transcritas em braille, identificações em etiquetas de roupas, lancheiras etc. A escrita tem uma função social e cultural, além da educacional.
Ler com a mão como faz uma criança cega e ler com a vista são processos psicológicos diferentes, ainda que cumprem a mesma função cultural na conduta da criança e tenham, basicamente, um mecanismo fisiológico similar. (VYGOTSKY, 1983, p. 27 - 28).
Além da grafia Braille, as demais representações gráficas do sistema alfabético (a letra em caixa alta, cursiva e de imprensa, maiúscula e minúscula) podem ser representadas em várias texturas. (SÁ e ARGENTA, 2010, p. 38).
Eis os instrumentos utilizados na produção da escrita no Sistema Braille:
A reglete é uma régua de madeira, metal ou plástico com um conjunto de celas braille dispostas em linhas horizontais sobre uma base plana. O punção é um instrumento em madeira ou plástico no formato de pêra ou anatômico, com ponta metálica, utilizado para a perfuração dos pontos na cela braille. O movimento de perfuração deve ser realizado da direita para a esquerda para produzir a escrita em relevo de forma não espelhada. Já a leitura é realizada da esquerda para a direita. Esse processo de escrita tem a desvantagem de ser lento devido à perfuração de cada ponto, exige boa coordenação motora e dificulta a correção de erros (SÁ e CAMPOS, 2007, p. 24).
É importante considerar que esses instrumentos são imprescindíveis para a produção escrita em Braille e que é preciso que o aluno reconheça sua importância para o processo de aquisição da escrita, assim como, é importante o caderno, o lápis, a caneta etc. para os videntes.
Seguem, abaixo, modelos do kit básico composto pela reglete, prancheta e punção, bem como, a reglete positiva, que se trata de uma inovação visando facilitar e solucionar o problema do aprendizado da escrita e leitura em Braille com o uso de reglete. Com ela, os pontos já ficam em alto relevo e escreve-se da esquerda para a direita, a mesma posição da leitura. A reglete recebeu o nome de reglete positiva porque os pontos são escritos em alto relevo. Quando se escreve com a reglete convencional, os pontos são chamados de negativos, pelo fato de serem escritos da direita para a esquerda e ficarem em baixo relevo.
A Máquina Perkins Brailler, devido ao custo mais elevado, não está disponível e de amplo uso como a reglete, mas já é fabricada no Brasil e é um instrumento que existe nas instituições especializadas, em algumas Salas de Recursos Multifuncionais e em algumas escolas regulares onde têm alunos com deficiência.
Devido à praticidade e dinamismo que há na máquina de datilografia Perkins Brailler, muitas vezes as pessoas cegas preferem utilizá-la. Contudo, pela sua onerosidade, a reglete se torna mais acessível ao uso diário.
Acesso à escrita por meio do uso de computador com ledor de tela
Outra forma de acesso à escrita por parte das pessoas cegas é por meio da utilização do computador com síntese de voz. Inicialmente, são realizados exercícios para o domínio da localização dos caracteres no teclado. Alguns utilizam os teclados adaptados em Braille, outros, preferem não usar, haja vista que, após o domínio do mesmo, ele se torna dispensável.
As estratégias para identificação dos caracteres no teclado partem da criatividade do professor e da própria experiência da pessoa com deficiência visual. Algumas teclas têm formatos e tamanhos diferentes, como por exemplo, as das extremidades do computador.
A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI - do MEC, após levantamento realizado pelo Censo Escolar - envia para as escolas recursos específicos para pessoas cegas e de baixa visão, dentre eles, “A distribuição de laptops, equipamentos com programa com síntese de voz, para alunos cegos do ensino médio, é outra iniciativa relevante no contexto da Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” (SÁ e ARGENTA, 2010, p. 35). Comprova-se, diante disso, que as barreiras estão sendo quebradas.
As tecnologias da informática têm contribuído com o processo de inclusão social e educacional das pessoas com deficiência em geral. Contudo, não devem ser substitutivas do Sistema Braille, e sim, devem ser somadas a esse sistema como relevantes alternativas de acesso ao conhecimento.
Acesso à escrita por meio de um transcritor
O transcritor é aquele que transcreve de um código de escrita para outro. No Sistema Braille, esse profissional realiza a transcrição da tinta para o Braille ou do Braille para a tinta.
Diante do exposto, as pessoas cegas em algumas situações, como: concursos públicos, na realização de atividades acadêmicas e em diversas situações do quotidiano, necessitam de alguém que possa exercer essa função. Conforme orientações no site do Ministério da Educação e Cultura - MEC (BRASIL, 2016), em concursos ou Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM – os candidatos que necessitam de atendimento diferenciado têm o direito de fazer as solicitações conforme suas especificidades, de acordo com: http://vestibular.mundoeducacao.bol.uol.com.br/enem/atendimento-especial-no-enem-como-funciona.htm.
Dentre elas, estão:
Auxílio ledor: Indicado para estudantes com deficiência visual, visão monocular, deficiência intelectual, autismo, déficit de atenção, dislexia ou discalculia. O atendimento é prestado individualmente por duplas de ledores, que também podem atuar como transcritores de respostas.
Auxílio para transcrição: Candidatos com impossibilidades de escrever ou preencher o cartão-resposta podem contar com transcritores, que atuam em dupla e com o apoio de ledores. O atendimento é prestado para os candidatos citados anteriormente e realizado de forma individual.
Transcrever conteúdos, gabaritos de provas de concursos, redações, textos, informações dadas pelas pessoas cegas, recados, contatos telefônicos, dentre outros, faz parte das amplas atividades na rotina de um transcritor. Este é mais um recurso que contribui para o efetivo exercício da cidadania das pessoas cegas.
Conclusão
Diante da pesquisa realizada, evidenciamos, com clareza, que houve avanços nos meios de acesso à leitura e escrita por parte das pessoas cegas, e que, para a efetivação da aprendizagem, os sentidos remanescentes são considerados importantes. Notadamente, a somatória dessas alternativas de leitura e escrita contribuem para a inclusão das pessoas com deficiência na sociedade, possibilitando a autonomia e a igualdade de oportunidades para todos. Os desafios atuais, diante das novas tecnologias, é o aproveitamento de todos os recursos que facilitem esse processo.
Embora os ledores de tela das tecnologias da informática e os ledores e transcritores humanos contribuam com o processo de inclusão social e educacional das pessoas com deficiência em geral, elas devem ser somadas, acrescentadas ao sistema braille como relevantes alternativas de acesso ao conhecimento.
É preciso enfatizar que o uso do Sistema Braille nesse processo deve ser ressignificado e incentivado para que não se efetive a desbraillização, ou seja, a substituição desse relevante meio de aquisição da aprendizagem por outros meios.
Faz-se necessário, no entanto, que haja uma maior difusão do Sistema Braille por meio da realização de cursos e oficinas para professores e comunidade escolar para que eles possam ter mais subsídio no tocante ao trabalho com alunos cegos. As pessoas cegas, desde cedo, precisam também, conhecer os grandes benefícios desse sistema para que possam usá-lo no quotidiano.
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Autor notes
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