Artigos – Demanda contínua

Realidade virtual como ferramenta para reabilitação: estudo de caso

Virtual reality as technology for rehabilitation: acase study

Mauro Audi
Universidade de Marília, Brasil
Amanda Lavagnini Barrozo
Universidade de Marília, Brasil
Bruna de Oliveira Perin
Universidade de Marília, Brasil
João Batista Bezerra Frota
Instituto Federal de Educação, Brasil
Ligia Maria Presumido Braccialli
Faculdade de Filosofia e Ciências, Brasil

Realidade virtual como ferramenta para reabilitação: estudo de caso

Revista Educação Especial, vol. 31, núm. 60, pp. 153-165, 2018

Universidade Federal de Santa Maria

Recepción: 05 Octubre 2015

Aprobación: 08 Agosto 2017

Resumo: As atividades desenvolvidas nas terapias físicas convencionais as vezes são repetitivas e produzem a falta de estímulo por parte do participante. A utilização de ambientes virtuais pode representar, nessa realidade, uma poderosa ferramenta terapêutica que proporcione motivação e torne as sessões mais prazerosas. A realidade virtual é um recurso tecnológico que permite ao indivíduo a utilização de seus sentidos e movimentos naturais do corpo durante a participação em jogos virtuais, promovendo assim sua interação com um ambiente virtual. O objetivo dessa pesquisa foi verificar a opinião de um indivíduo com traumatismo cranioencefálico sobre um programa com jogos de realidade virtual. O estudo foi realizado com um participante que apresenta diagnóstico de traumatismo cranioencefálico. Ao longo da intervenção foi utilizado o videogame Xbox Kinect, e os jogos escolhidos exigiram a utilização de várias habilidades corporais, dentre elas o equilíbrio. A intervenção durou um mês e dois dias, sendo que nesse período foram realizados 21 atendimentos, com tempo de terapia aproximado de 25 minutos por atendimento. Ao final da pesquisa foi realizada uma entrevista semiestruturada dirigida ao participante, com roteiro prévio, apreciado por juízes. A análise qualitativa do conteúdo da entrevista revelou que o participante teve sentimentos de prazer e alegria ao realizar as atividades. De acordo com os resultados observados no estudo de caso, concluiu-se que a realidade virtual, como meio terapêutico, representa uma atividade motivadora que possibilita a melhora do equilíbrio corporal do participante.

Palavras-chave: Fisioterapia, Pessoa com deficiência, Reabilitação, Realidade virtual.

Abstract: The activities developed in conventional physical therapies are sometimes repetitive and produce a lack of stimulation on the part of the participant. The use of virtual environments can represent, in this reality, a powerful therapeutic tool that provides motivation and makes the sessions more enjoyable. Virtual reality is a technological resource that allows the individual to use their senses and natural body movements during participation in virtual games, thus promoting their interaction with a virtual environment. The purpose of this work was to verify the opinion of an individual with traumatic brain injury on a program with virtual reality games. A XBox Kinect® console was utilized for this intervention, and the selected games required the use of many physical abilities, including balance. The intervention lasted thirty-two days, and twenty-one attendances were performed in this period, with an average therapy time of approximately 25 minutes / attendance. A semi-structured interview with the participant was performed, with a pre-script approved by the evaluators. The qualitative analysis of the interview contents revealed pleasure and joy by performing the activities. According to the results observed in the case study, it was concluded that virtual reality, as a therapeutic means, represents a motivating activity that enables the improvement of the participant's body balance.

Keywords: Physical therapy, Disabled person, Rehabilitation, Virtual reality.

Introdução

Os estudos sobre Realidade Virtual (RV) surgiram na década de 60, sem grande sucesso, e a partir de 1980 começaram a ganhar forças e ficaram ainda mais conhecidos no início de 1990 com a tecnologia digital e a popularização dos jogos digitais (MENEGUETTE, 2010).

O termo realidade virtual foi criado para definir os mundos virtuais desenvolvidos com o uso da alta tecnologia, com o objetivo de convencer o usuário de que ele se encontra em outra realidade ao permitir a integração do usuário com o ambiente virtual. Assim, surge uma experiência de imersão e interação baseadas em imagens gráficas tridimensionais geradas por um computador. A RV permite ao usuário utilizar as percepções dos nossos cinco sentidos (MONTERO; ZANCHET, 2003).

A realidade virtual pode ser definida como uma simulação computacional que permite recriar ambientes reais no qual o sujeito é capaz de interagir com o jogo, viver a experiência e simular um ambiente real (PEREZ-SALAS, 2008). A simulação de um ambiente real no contexto funcional, pode contribuir como um meio adequado e motivador para intervenção em reabilitação física (SVEISTRUP, 2004).

De acordo com Cardoso et al. (2006), os ambientes virtuais são criados com o propósito de reabilitar pessoas com deficiência e visa recuperar a capacidade motora e as funções cognitivas. É uma terapia voltada para pacientes que apresentam danos cerebrais, fobias, autismo, lesões cerebrais traumáticas, paralisia cerebral e na prevenção de acidentes com idosos.

Um efeito importante na reabilitação promovida pela realidade virtual, é a possibilidade de interação do paciente com o ambiente virtual, favorece feedback imediato por parte do paciente, uma vez que obtém respostas favoráveis e imediatas da eficácia de seus movimentos. Isso provoca em seu cérebro estímulos para ajustar-se ao jogo e, realizando as correções necessárias, para que tenha um bom desempenho. Esse fato gera possibilidade para uma competitividade, em que o participante passa a exigir o máximo e o melhor de si mesmo (SCHIAVINATO et al., 2010).

Para Cardoso et al. (2006), o uso da realidade virtual na reabilitação de pessoas com deficiência física, quando comparado aos tratamentos que utilizam outras tecnologias, apresenta inúmeras vantagens, como a oportunidade de vivência de situações reais em um ambiente ilustrativo que encoraja a participação ativa e individualizada do participante que pratica movimentos que serão realizados posteriormente no mundo real; além de propiciar um ambiente divertido que gera um alto nível de motivação para a aquisição de conhecimento e aprendizagem.

Fatores como a intensidade do treinamento da habilidade requerida, a qualidade e a quantidade do feedback e a especificidade do treinamento desenvolvido são variáveis importantes para que haja ativação do SNC (MERIANS et al., 2006). Conclui-se que a associação da intensidade e repetição da atividade com um ambiente rico em estímulos é importante para que as modificações neurológicas ocorram.

O uso de realidade virtual como um ambiente de treinamento pode se tornar uma tecnologia para a recuperação de processos neurais dos indivíduos com alguma lesão por meio de treinamento sensório-motor intensivo, repetitivo e individualizado. Existem evidências que os circuitos neurais ativados durante a realização de uma atividade em ambiente virtual são semelhantes aqueles recrutados para as ações realizadas no mundo real (ADAMOVICH et al., 2009).

Nesse contexto, o principal benefício da utilização da realidade virtual com pessoas com deficiência é o de que possibilita a realização em ambiente virtual do que não pode ser realizado no mundo real, seja devido às limitações inerentes a própria deficiência, por motivos de segurança ou de motivação.

Dessa forma, as atividades realizadas em ambiente virtual possibilitam ao indivíduo com deficiência a reabilitação principalmente do controle postural, marcha, aumento da amplitude de movimento, de resistência muscular e de força muscular de membros superiores e inferiores; possibilidades de experimentar novas sensações e com melhores habilidades motoras; a experimentação e treino de habilidades funcionais, atividades de vida diária e ocupacionais com segurança; além da aprendizagem de novas habilidades sociais, conceitos espaciais e atividades de lazer.

Algumas características dos ambientes de RV favorecem a vontade de participação das pessoas com deficiência nas atividades. Harris e Reid (2005) em estudo realizado com crianças com paralisia cerebral citam as três principais características de um ambiente de RV para aumentar a volição do participante: (1) variação da atividade que resulte em um ambiente imprevisível que exige concentração e prontidão contínua por parte da criança; (2) ambiente desafiante que exige do participante um nível mais alto de concentração, assim o jogo não pode ser nem muito difícil nem muito fácil para as habilidades do usuário; (3) ambiente competitivo, pois incentiva o usuário a estabelecer metas concretas.

O objetivo da presente pesquisa foi verificar a opinião de um indivíduo com traumatismo cranioencefálico sobre um programa com jogos de realidade virtual.

Método

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Marília-UNIMAR, que seguiu as Diretrizes e Normas Internacionais e Nacionais especialmente as Resoluções n. 196/96 e Complementares do Conselho Nacional de Saúde, protocolo nº. 341.

Trata-se de estudo descritivo do tipo estudo de caso.

Participante

Foi participante do estudo um voluntário do gênero masculino, 30 anos, com diagnóstico clínico de traumatismo cranioencefálico decorrente de um acidente automobilístico.

O acidente ocorreu no dia 31 de janeiro de 2010 e o participante ficou 48 dias internado, dos quais 31 foram na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 17 na enfermaria. Enquanto estava na UTI permaneceu por 17 dias em coma e fez uso de ventilação mecânica invasiva. Durante o período de internação fez uso de colar cervical devido uma fratura da terceira vértebra cervical, realizou drenagem na face, teve broncoaspiração e apresentou dois episódios de pneumonia. Teve alta hospitalar no dia 19 de março de 2010.

Um mês após a alta iniciou a fisioterapia permanecendo em atendimento até o final de abril de 2011. Nesse período teve evolução em seu quadro de sequelas. O participante não possui nenhuma patologia pregressa, não faz uso de medicamentos, nega tabagismo, etilismo e nas atividades de vida diária possui moderada limitação nas atividades que exijam alto nível de equilíbrio corporal, como jogar futebol. O participante é estudante universitário e está afastado da sua atividade profissional.

Em 2014, retornou ao atendimento fisioterapêutico e durante o exame físico não foram encontradas alterações articulares, esqueléticas, de força e trofismo musculares, tônus, sensibilidade superficial e profunda e nem coordenação grosseira. Foram verificadas alterações motoras, alteração do equilíbrio estático e dinâmico e disdiadococinesia no membro superior direito.

O laudo do exame de ressonância magnética, realizado antes do início da terapia com games, foi constatado pequena área de gliose por contusão cerebral na transição temporo-occipital direita e sequela de lesão axonal difusa, nas seguintes regiões cerebrais: corpo caloso, pedúnculos cerebrais bilateralmente e pedúnculo cerebelar inferior direito.

Os equipamentos utilizados na pesquisa foram; um televisor de 29 polegadas da marca LG, um vídeo game X-BOX -360 Kinect com o CD de jogos Kinect Adventures, uma câmera fotográfica digital da marca Sonic com resolução de 12.1 megapixels, tripé de apoio com nível e simetrógrafo.

Procedimentos

Inicialmente foi elaborado um roteiro de entrevista com 44 questões, que passou pela apreciação de três juízes. As questões abordavam a opinião do voluntário em relação à satisfação, às dificuldades e à motivação e foram adequadas conforme sugestões dos juízes. O roteiro foi aplicado ao final do período de intervenção.

O programa com jogos de realidade virtual foi dividido em três etapas, que consistiram em: (a) avaliação inicial; (b) protocolo de intervenção; (c) avaliação final.

O participante foi avaliado inicialmente por meio do teste de Romberg que segundo O´Sullivan (2004), serve para avaliar o equilíbrio estático. Neste teste, o participante foi instruído a ficar ereto com os pés juntos, braços soltos ao longo do corpo e teve 3 minutos antes do início do teste para acomodação postural. O teste foi realizado em três etapas: com os olhos abertos, com olhos fechados, com olhos abertos e apoio unipodal direito e depois esquerdo, chamado Romberg Sensibilizado. Para auxiliar no teste, foi utilizado o simetrógrafo.

Na avaliação do equilíbrio dinâmico, foi utilizada a marcha em linha reta, avaliação que se consistiu em o participante caminhar sobre uma linha reta no chão, de 5,7 m, de modo que o calcâneo de um pé ficasse à frente dos artelhos do outro pé. Caminhou pela linha três vezes, ida e volta, na análise foi descartada a primeira vez.

Os testes foram filmados com câmera digital apoiada em um tripé, no teste de Romberg ela se encontrava 2,50 m distante do simetrógrafo e a 79 cm de altura. No teste da marcha ela se encontrava 80 cm distante da linha reta e a 79 cm de altura.

Protocolo de Intervenção

Para a intervenção com jogos de realidade virtual foi utilizado o videogame Xbox Kinect, com o CD de jogos Kinect Adventures e um televisor de 29 polegadas. Este videogame capta os movimentos realizados pelo usuário, os interpreta e transporta para o jogo sem a necessidade de controle ou outros dispositivos para jogar. A distância entre o vídeogame e o participante era sempre a mesma, que era ajustada pelo videogame. Para a terapia foram selecionados dois jogos: o Cume dos Reflexos, em que o cenário virtual do jogo é uma plataforma que percorre trilhos e o participante deve pular, agachar e desviar de obstáculos pelo caminho; Salão dos Ricochetes, jogo onde devem ser feitos movimentos de defesa de bolas com as mãos e pernas além de deslocamentos laterais, como se fosse um goleiro, o jogador deve tentar destruir caixas flutuantes com as mesmas bolas.

Os dois jogos apresentam nível básico, intermediário e avançado. Cada nível é composto por três jogos diferentes, ou seja, cada jogo compreende nove jogos no total. Em cada atendimento o voluntário jogava primeiro o Cume dos Reflexos e depois Salão dos Ricochetes, sendo um jogo do nível básico, outro do nível intermediário e outro do nível avançado. Foram realizados 21 atendimentos e em cada atendimento uma sequência de três jogos diferentes. A mesma sequência só seria repetida após 3 dias de intervalo, totalizando 7 atendimentos com cada uma. As sequências correspondem a: Saltador, Esquivador e Olímpico; Coletor, Vaqueiro e Metamorfo; Cruzador, Estilingueiro e Turbinado.

Para coleta de dados, foi escolhido o jogo “Cume dos Reflexos” que mais oferecia elementos para análise. Foram coletados dados referentes ao número de obstáculos totais, número de erros ao tentar vencer os obstáculos, tempo de duração do jogo e pontuação.

A intervenção durou um mês e dois dias e nesse período foram realizados quatro atendimentos por semana, com tempo de terapia aproximado em 25 minutos. Em todos os atendimentos foi aferida pressão arterial inicial e final. Durante cada terapia não foram realizados intervalos e o participante teve apenas pausas curtas, que correspondiam ao tempo de selecionar o próximo jogo.

Um dia após o término dos atendimentos, o participante foi submetido aos mesmos testes da avaliação inicial, que foram realizados no mesmo espaço físico, utilizando os mesmos equipamentos, concluindo com entrevista semiestruturada. A entrevista foi registrada por meio de filmagem.

Procedimentos de análise de dados

As informações verbais da entrevista foram transcritas na íntegra, adotando-se os seguintes critérios para a transcrição: 1) as pausas curtas foram indicadas por vírgula; 2) as pausas longas com reticências; 3) sinais de pontuação para entoações: ponto de exclamação, de interrogação, ponto final, dois pontos; 4) supressões de falas foram indicadas com colchetes e reticências [...]; 5) acréscimos ou comentários indicados apenas com colchetes [ ].

A análise do conteúdo oportunizou a identificação de três categorias: 1) Atividades da vida diária; 2) Opinião sobre a terapia com jogos de realidade virtual; 3) Sentimentos manifestados durante a terapia.

Resultados e discussão

Os resultados foram apresentados e discutidos em relação as três categorias identificadas no estudo.

Atividades da vida diária

Na categoria Atividades da vida diária foram identificadas 6 subcategorias: a) descer escadas; b) transpor obstáculos; c) correr; d) caminhar; e) equilíbrio; f) aquisições após a terapia.

Na subcategoria descer escadas o participante relatou que antes do início da terapia ele se sentia inseguro quando descia escadas, e que ao final da terapia ele tinha uma maior confiança. No seu relato foi possível identificar que após a intervenção a atividade era desenvolvida de forma automática e com maior confiança.

[...] antes eu tinha que pôr o pé e depois tomar o equilíbrio para depois mudar o outro [...] ainda estava inseguro

[...] eu acabei me soltando mais para descer [...] eu já estou colocando o pé e já estou tirando ao mesmo tempo para tentar dar essa corridinha na escada [...] mas isso [terapia com jogos] me deu uma confiança ainda maior no momento e eu consigo fazer hoje.

Quanto a capacidade de transpor obstáculos, o participante relatou que após intervenção estava mais seguro e confiante.

...] vencia, só que assim... Com mais insegurança que hoje. [...]

[...] não vou dizer que não tenho um pouco ainda [insegurança para vencer obstáculos [...] mas hoje estou bem mais confiante.

Segundo Santos et al. (2009), a RV pode promover a recuperação do equilíbrio corporal, por meio de um programa de exercícios físicos repetitivos e ativos que envolvem olhos, cabeça, corpo ou manobras físicas realizadas pelo próprio paciente e visa estimular o sistema vestibular e potencializar a neuroplasticidade do SNC. Os jogos de realidade virtual escolhidos para a terapia envolviam movimentos repetitivos de olhos, cabeça e corpo estimulando melhorar o equilíbrio.

Um estudo realizado por Schiavinato et al. (2010) que utilizou como instrumento de RV o Nintendo Wii com uma paciente de 24 anos, portadora de Ataxia Cerebelar Precoce, marcha atáxica e deficiência no equilíbrio, teve como resultados a melhora do equilíbrio e maior independência em suas atividades de vida diária.

Outro estudo, realizado por Doná, Santos e Kasse (2010), com uma mulher de 82 anos com diagnóstico de síndrome vestibular deficitária à direita, alterações multissensoriais, surdez súbita, queixa de desequilíbrio, vertigem crônica, histórico de quedas e que foi submetida à terapia com o Balance Rehabilitation Unit, teve como resultado a melhora do equilíbrio corporal funcional, da qualidade de vida e melhora da capacidade funcional.

Barcala et al. (2011) realizaram um estudo no qual avaliaram o equilíbrio de 12 pacientes hemiparéticos submetidos ao treino de equilíbrio com o programa Wii Fit, separados em dois grupos: um grupo controle fez apenas fisioterapia convencional por uma hora e o outro fez a fisioterapia por trinta minutos e mais trinta minutos de treino com auxílio do Wii Fit. Os resultados apontaram que tanto o grupo controle quanto o grupo que utilizou o Wii Fit obtiveram maior controle do equilíbrio estático, dinâmico e concluiu que o uso do dispositivo apresentou resultados significantes na reabilitação do equilíbrio de indivíduos hemiparéticos e pode representar mais um recurso terapêutico.

Os relatos da melhora do equilíbrio e das atividades funcionais, como para subir degraus, também são encontradas nos estudos realizados por (MORROW et al. 2006SAPOSNIK et al. 2011).

Dentre as habilidades adquiridas após a intervenção com o uso de videogame, a corrida parece ter sido uma grande conquista para o participante. Ele relatou que antes da intervenção não acreditava na possibilidade de voltar a correr.

Olha, dar uns trotinhos até que eu conseguia, mas...

[...] eu mesmo não considerava correr sabe, eu não considerava correr.

[...] então, acho que depois do tratamento, acho que uma das maiores conquistas foi que eu passei a considerar que aquilo que eu estava fazendo era uma corrida. [...] hoje mesmo dei duas voltas aqui [no campo] já... já tive uma boa melhora [...]

Em relação a caminhada, o participante considerou que após a intervenção adquiriu 100% de sua performance.

[...] eu caminhando, eu estou quase 100% e antes não. [...] eu tive a melhora na minha caminhada.

Pela percepção do participante após a intervenção ele teve uma melhora no equilíbrio postural, com diminuição do desequilíbrio durante as atividades.

Eu me desequilibrava mais antes[...] meu equilíbrio está bem melhor que antes.

Yang et al. (2008) atribuem a melhora do equilíbrio e locomoção, observada em seu estudo após a intervenção, à reorganização das redes neurais associadas a prática de movimentos repetitivos, que pode produzir potencialização sináptica. Neste mesmo contexto, Walker et al. (2010) também atribuiu a melhora da locomoção nos sete casos estudados que realizaram marcha em uma esteira, aos estímulos repetitivos, que geraram aprendizagem de novas habilidades motoras após uma lesão no sistema nervoso são específicos. Ambos defendem que o uso da RV transforma a atividade em uma tarefa direcionada que exige uma demanda cognitiva associada aos movimentos repetitivos.

Dentre as aquisições após intervenção, o participante relatou a possibilidade de voltar a jogar futebol, principalmente porque teve uma melhora na capacidade de responder aos estímulos de forma reflexa, na habilidade de saltar, e realizar defesas do lado direito.

Olha, que eu comecei fazer realmente depois dos jogos, eu comecei, eu voltei a jogar bola.[...] Se for ver bem, acho que uma das coisas que pode ser que tenha aumentado, não sei mensurar direitinho, mas, são os reflexos. Porque eu, jogando bola, nossa, eu mesmo me surpreendia com o que eu conseguia fazer [...] o reflexo meu de conseguir fazer uma defesa, de conseguir pular, isso aí eu acho que acabou marcando mais sabe? [...] consegui principalmente pular, pular direito, conseguir fazer defesa para o lado direito [...]Olha, que eu comecei fazer realmente depois dos jogos, eu comecei, eu voltei a jogar bola.

Conforme os relatos do participante, o uso do videogame contribuiu para aquisição de diferentes habilidades de atividades de vida diária. Os jogos utilizados durante as sessões exigiram do jogador a realização de atividades similares às atividades de vida diária, o que fez com que ele realizasse de forma mais descontraída os movimentos. Nesse sentido, Carr e Sheperd (2008), ressaltaram que o atendimento terapêutico para pacientes com TCE deve ser direcionada para o desempenho funcional de tarefas concretas da vida diária e também atividades descontraídas.

As terapias convencionais podem tornar-se desmotivadoras e monótonas ao paciente em função da repetição intensiva. Dessa forma, a realidade virtual tem sido proposta como um recurso que pode contribuir para a reabilitação de pacientes neurológicos, pois pode proporcionar interação, motivação e prazer na prática de exercícios específicos (DEUTSCH, 2011; LEVIN, 2011). O uso de RV proporciona a realização de tarefas que exigem do paciente movimentos repetitivos que envolve processos de diferentes modalidades sensoriais, como a visão, tato, propriocepção e audição de forma a fazer melhorias quantitativas, qualitativas nas atividades diárias e aumentar suas funções, melhorando a qualidade de vida independente (SVEISTRUP, 2004).

Os jogos selecionados para o participante tinha movimentos repetitivos, como pular, desviar de obstáculos, agachar, fazer desvios laterais e em cada terapia o próprio voluntário notava que ele conseguia realizar um movimento que não tinha realizado no atendimento anterior. A principal vantagem de usar a realidade virtual na reabilitação do TCE é o seu potencial para simular muitas situações da vida real ou imaginárias, proporcionando um ambiente seguro e consistente com potencial para repetições infinitas da mesma tarefa de avaliação ou treinamento, ao contrário de terapias convencionais (PIETRZAK; PULLMAN; MCGUIRE, 2014).

Opinião sobre a terapia com jogos de realidade virtual

Quanto a sua opinião em relação a terapia com o uso de jogos realidade virtual, o participante ressaltou que apesar de não gostar de videogame ele gostou das atividades. O participante justificou que a intervenção com jogos permitiu o uso do corpo todo, além de estimular atividades cognitivas.

É... Eu, eu gostei sabe [...] eu nunca fui fã de videogame, e para mim o que aproximou mais é que o videogame mexia com o corpo todo. Não era só você estar ali e usar os reflexos pequenos e usar a mente para jogar. Não, você tinha que usar o corpo todo [...]

Para Cardoso et al. (2006), a exploração dos ambientes virtuais por pessoas com deficiência oferece novas abordagens que são impossíveis de serem realizadas normalmente. O próprio participante mencionou na entrevista que gostou da terapia porque além do cognitivo, tinha que fazer movimentos com o corpo todo. Um estudo de revisão sistemática sobre o uso de videogame para a reabilitação após TCE indicou que apesar das limitações dos estudos, parece que esse tipo de intervenção pode melhorar a funcionalidade motora e cognitiva dos usuários (PIETRZAK; PULLMAN; MCGUIRE, 2014). Estudo realizado por Ustinova et al. (2014) sobre a eficácia do uso terapia com games para indivíduos com TCE a maioria dos participantes indicou um forte nível de satisfação com esse tipo de terapia.

Sentimentos manifestados durante a terapia

Na categoria Sentimentos manifestados durante a terapia foram identificadas 7 subcategorias: medo; angustia; alegria; motivação; ansiedade; prazer; insegurança.

Na subcategoria medo o participante relata que não sentiu medo durante a intervenção.

Medo não senti não.

O sentimento de alegria também foi relatado pelo participante, naqueles momentos em que o movimento necessário para o jogo era realizado com sucesso.

Muita.

[...] principalmente quando você estava tentando fazer um movimento e você acabava conseguindo fazer. Então aquilo me trazia uma alegria imensa.

Estudo de revisão sistemática indicou que a atitude do paciente em relação à terapia com realidade virtual foi mais positiva do que a terapia tradicional e os participantes demonstraram um entusiasmo maior, expressaram prazer e confiança aprimorada (PIETRZAK; PULLMAN; MCGUIRE, 2014).

O participante relatou que se sentiu motivado durante as terapias, que os jogos para ele não era uma simples brincadeira, era realmente uma terapia para obter ganhos em suas habilidades.

[...]. Acho que foi em tudo, em todos os sentidos sabe? Que os jogos ali pra mim era... Não era uma simples brincadeira, era algo pra, pra ter um ganho de recuperação minha [...] pra mim foi maravilhoso tudo que aconteceu.

Em alguns momentos relatou que se sentiu ansioso, principalmente no que se refere à realizar os movimentos que ele não estava conseguindo e ter um bom desempenho no jogo.

Um pouco... para conseguir fazer os movimentos que eu não realmente ainda não estava conseguindo fazer [...]

Uma pesquisa realizada com 152 jogadores com alguma deficiência, de nove países em todo o mundo, sobre a opinião do uso do videogame na reabilitação, concluiu que os respondentes gostariam que o setor de jogos introduzisse algumas mudanças no design do jogo para torná-los mais fáceis de usar para os jogadores com deficiência, inclusive oferecer uma variedade de velocidades e níveis de dificuldade dos jogos ou mudanças que permita aos jogadores ignorar algumas partes difíceis do jogo (FLYNN; LANGE, 2010).

O participante argumentou que participar da terapia foi prazeroso, principalmente quando conseguia realizar uma atividade que anteriormente era difícil.

Sim. [...] prazer em conseguir algo que você não conseguia. Isso me trazia um prazer muito grande.

De acordo com Dias, Sampaio e Taddeo (2009), a adaptação da utilização dos jogos e seus acessórios pelo paciente para atender os objetivos propostos na rotina do processo de reabilitação, é fator decisivo para o sucesso desta abordagem. Ao submeter o paciente ao jogo, como parte de seu tratamento, é garantido um envolvimento contínuo entre o paciente e sua rotina de reabilitação.

O envolvimento do voluntário com a terapia foi fator positivo para sua melhora: toda vez que não conseguia realizar determinado movimento ou atingir determinada pontuação, transformava aquilo em incentivo para na próxima vez melhorar seu desempenho. Os resultados do estudo coincidem com os relatos de Sveistrup (2004), que considera que o uso de RV como ferramenta para reabilitação possibilita aos indivíduos participarem de novas experiências gratificantes.

Conforme informações obtidas do voluntário ele não se sentiu inseguro durante as terapias.

Insegurança não.

Referências

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