Resumo: Com o objetivo de se conhecer as práticas dos profissionais de Intervenção Precoce (I.P.) e analisar em que medida essas práticas coincidem com as representações das famílias realizou-se o presente estudo que contou com a participação de uma profissional de I.P. e a mãe de uma criança que beneficia dos serviços prestados por essa mesma profissional. Trata-se de um estudo qualitativo de cariz compreensivo e interpretativo. Foi utilizado como instrumento de colheita de dados a entrevista semiestruturada. Os principais resultados mostram que as práticas dos profissionais de intervenção precoce não se distanciam das representações das famílias sobre essas mesmas práticas, podendo dizer-se, a partir do discurso das práticas e representações, que estamos perante uma profissional de I.P. experiente, com formação adequada, que adota na sua prática o saber-saber, saber-fazer e saber-ser, que centra a sua ação na família. Os resultados são congruentes com uma prática profissional próxima do estipulado pelos normativos portugueses para a Intervenção Precoce. A comunicação entre o profissional e a família é preferencialmente informal e nos discursos do sujeitos não é notória a existência de momentos específicos para tarefas de monitorização e avaliação conjunta do Plano Individual de Intervenção Precoce.
Palavras-chave:Intervenção PrecoceIntervenção Precoce,PráticasPráticas,RepresentaçõesRepresentações.
Abstract: In order to know the practices of Early Intervention professionals and analyze the extent to which these practices are consistent with the representations of the families it was carried out this study with the participation of an Early Intervention professional and the mother of a child who benefits from the services provided by the same professional. It is a qualitative study of a comprehensive and interpretative nature. It was used as data collection instrument the semi-structured interview. The main results show that the practices of early intervention professionals don't distance themselves from representations of families over these practices. It can be said, from the discourse of the practices and representations, that we are dealing with an experienced E.I. professional with appropriate training that takes in her practice: knowledge, know-how and know how to be; she focuses her action in the family with everything that this implies and she is aware of the difficulties related to the Early Intervention. The results are congruent with that stipulated by Portuguese legislation for early intervention professionals. The communication between the professional and the family is preferably informal and in the speeches of the participants is not evident the existence of specific moments for tasks of monitoring and joint evaluation of the Individual plan of Early Intervention.
Keywords: Early Intervention, Practices, Representation.
Resumen: Con el objetivo de conocer las prácticas de los profesionales de Intervención Precoz (I.P.) y analizar si esas prácticas coinciden con las representaciones de las familias se ha realizado el presente estudio con el apoyo de una profesional de I.P. y la madre de un niño que beneficia de los servicios prestados por la misma profesional. Se trata de un estudio cualitativo de cariz comprensivo e interpretativo. Se ha utilizado la entrevista semiestructurada, como herramienta de recogimiento de datos. Los resultados revelan que las prácticas de los profesionales de Intervención Precoz no se alejan de las representaciones de las familias en relación a las mismas prácticas, así se puede decir, a partir del discurso y representaciones, que estamos ante una profesional de Intervención Precoz experimentada, con formación adecuada, que adopta en su práctica el saber-saber, saber-hacer y saber-ser que centra su acción en la familia con todo lo que esta conlleva y que tiene conciencia de las dificultades que asolan la Intervención Precoz Los resultados son congruentes con los estipulados por la legislación portuguesa para los profesionales de I.P. La comunicación entre el profesional y la familia es preferentemente informal y en los discursos de los participantes no se evidencia la existencia de momentos concretos para tareas de seguimiento y evaluación conjunta del plan individual de Intervención Precoz
Palabras clave: Intervención Precoz, Prácticas, Representacionees.
Intervenção precoce: práticas e representações
Early intervention: practices and representations
Intervención precoz: de las prácticas a las representaciones
Recepción: 17 Agosto 2017
Aprobación: 02 Junio 2018
O conceito de Intervenção Precoce (I.P.) refere-se a diferentes tipos de prestação de serviços conduzidos com o objetivo de prevenir, melhorar ou solucionar os problemas das crianças com risco grave de atraso no seu desenvolvimento e das suas famílias. Em função do modelo adotado, das necessidades ou prioridades da família, da complexidade dos contextos e dos recursos existentes, criam-se, implementam-se e avaliam-se os programas (CARVALHO, 2011).
A teoria do suporte social de Dunst constitui o quadro teórico conceptual com maior aceitação em Portugal no âmbito da I.P. (Almeida, 2000; Rafael, & Piscalho, 2017). Dunst (2002), refere que para os programas de I.P. terem sucesso, isto é, para que promovam o desenvolvimento da criança, devem seguir os seguintes princípios: centrar-se nas necessidades da família, fortalecendo o funcionamento individual e familiar; valorizar o sentido de comunidade, partilhando valores e necessidades comuns; respeitar crenças e valores na família; mobilizar recursos e apoios, construindo sistemas de suporte formais e informais; construir e fortalecer relações de cooperação entre pais e técnicos, partilhando ideias, experiências e práticas profissionais; e ter em conta o ambiente natural de aprendizagem da criança.
Os principais objetivos da I.P. são direcionados à criança e à família, tendo em vista a criação de condições que facilitem o processo de aprendizagem, o desenvolvimento de capacidades e o apoio à integração. Ao nível da família, a I.P. pretende promover ou melhorar a interação familiar, reforçar a autonomia da família na aquisição ou desenvolvimento das suas competências, assim como reforçar a sua participação em todo o processo de intervenção.
O enquadramento legal da I.P. em Portugal surgiu, pela primeira vez, com o Despacho Conjunto nº891/99. No ponto 2, definiu a Intervenção Precoce como
uma medida de apoio integrado, centrado na criança e na família, mediante acções de natureza preventiva e habilitativa, designadamente do âmbito da educação, da saúde e da acção social, com vista a assegurar condições facilitadoras do desenvolvimento da criança com deficiência ou em risco de atraso grave de desenvolvimento; potenciar a melhoria das interações familiares; reforçar as competências familiares como suporte da sua progressiva capacitação e autonomia face à problemática da deficiência (Diário da República, 1999, p.15566).
O enquadramento legal da I.P. em Portugal é ditado pelo Decreto-Lei nº281/2009, de 6 de outubro que tem por objeto, na sequência dos princípios traçados na Convenção das Nações Unidas dos Direitos da Criança e no âmbito de Plano de Ação para a Integração das Pessoas com Deficiência ou Incapacidade 2006-2009. a criação de um Sistema Nacional de Intervenção Precoce (SNIPI), que consiste, como menciona o artigo 1º do Decreto-Lei nº281/2009, de 6 de outubro,
num conjunto organizado de entidades institucionais e de natureza familiar, com vista a garantir condições de desenvolvimento das crianças com funções ou estruturas do corpo que limitam o crescimento pessoal, social, e a sua participação nas atividades típicas para a idade, bem como das crianças com risco grave de atraso no desenvolvimento (Diário da República, 2009, p. 7298).
O SNIPI contempla as crianças entre os 0 e os 6 anos que tenham alterações nas funções ou estruturas do corpo que limitam a participação nas atividades típicas para a idade e contexto social ou com risco grave de atraso de desenvolvimento, bem como as suas famílias (artigo 2º do Decreto-Lei nº281/2009, de 6 de outubro). Já no artigo 3º do Decreto-Lei nº281/2009, de 6 de outubro se considera a “Intervenção Precoce na Infância (IPI)” como “ o conjunto de medidas de apoio integrado centrado na criança e na família, incluindo acções de natureza preventiva e reabilitativa, designadamente no âmbito da educação, da saúde e da acção social”. (Diário da República, 2009, p.7299). De acordo com o artigo 4º o SNIPI tem como objetivos:
assegurar às crianças a proteção dos seus direitos e o desenvolvimento das suas capacidades, através de acções de IPI em todo o território nacional; detectar e sinalizar todas as crianças com risco de alterações ou alterações nas funções e estruturas do corpo ou risco grave de atraso de desenvolvimento; intervir, após a detecção e sinalização nos termos da alínea anterior, em função das necessidades do contexto familiar de cada criança elegível, de modo a prevenir ou reduzir os riscos de atraso no desenvolvimento; apoiar as famílias no acesso a serviços e recursos dos sistemas da segurança social, da saúde e da educação; envolver a comunidade através da criação de mecanismos articulados de suporte social (Diário da República, 2009, p. 7299).
Todos os casos devem ser identificados e sinalizados tão breve quanto possível e, desta forma, devem ser acionados todos os mecanismos necessários à definição de um Plano Individual de Intervenção Precoce (PIIP) que atenda às necessidades das famílias e elaborado por Equipas Locais de Intervenção (ELI), multidisciplinares, que representem todos os serviços que são chamados a intervir.
Segundo Buysse e Wesley (2005), os diferentes papéis que os profissionais de I.P. têm que desempenhar podem ser enquadrados em três grandes metas: planear, implementar e avaliar a intervenção com as crianças e as famílias; promover cuidados básicos e educação de elevada qualidade; e impulsionar o desenvolvimento profissional e este domínio de intervenção. O objetivo fulcral da sua intervenção é melhorar a qualidade de vida da criança e sua família. Por outro lado, os profissionais de I.P. têm agora que desempenhar novos papéis e participar num sistema de coordenação inter-serviços (CARVALHO et al, 2016).
Segundo Portugal e Santos (2003, p.168), “a experiência indica que dar oportunidade ao técnico de intervenção precoce directa de reflectir o seu trabalho, pensar e falar sobre as interacções com as crianças e famílias, num contexto de reuniões de trabalho psicologicamente confortáveis e seguras, sob a orientação de um supervisor, é crucial para o sucesso da intervenção”.
Na verdade, para o exercício da sua profissão, o profissional de I.P. tem que ter algumas características fundamentais, a salientar: o saber ser e saber estar em contexto de visita domiciliária com a família; apoiar os pontos fortes e sistemas naturais da família; apoiar as relações saudáveis criança-progenitor; compreender o desenvolvimento normal e atípico da criança; ser flexível, maduro, empático e assertivo; conhecer a legislação relativa à criança, família, educação de infância e I.P.; dominar o vocabulário comum às várias disciplinas envolvidas na intervenção; saber resolver conflitos e ter capacidades para integrar conhecimento de outras disciplinas. Isto só será possível se o profissional conseguir fazer uma aplicação refletida do saber transdisciplinar, ou seja, se adequar a teoria à prática (FERNANDES, 2015).
A operacionalização do SNIPI e a qualidade dos serviços prestados depende: i. da qualidade da interação entre as famílias e as diferentes instituições intervenientes no processo, ii. da qualidade do Plano Individual de Intervenção Precoce – PIIP- elaborado por Equipas Locais de Intervenção (ELI); equipas multidisciplinares, que representem todos os serviços que são chamados a intervir, iii. Da qualidade da relação entre os profissionais de I.P. e as famílias, atendendo ao aspeco central desta relação na promoção ou melhoria da interação familiar, do reforço da autonomia da família na aquisição ou desenvolvimento das suas competências, assim como reforçar a sua participação em todo o processo de intervenção, numa abordagem “...centrada na família, focalizada nas relações, baseada nas forças, ecológica e reflexiva” (SANTOS, 2007, p.93, apud FERNANDES, 2015).
Considerando que a literatura refere que os programas de maior sucesso em I.P. são aqueles em que os profissionais e famílias colaboram entre si, fazendo estas parte integrante da equipa (DEVANEY; MCGREGOR; CASSIDY, 2017; FERNANDES; SERRANO; BARBA, 2016; MCWILLIAM; WINTON; CRAIS, 2003; SERRANO; PEREIRA, 2011), assume especial relevância o conhecimento das práticas dos Profissionais de I.P. e perceber em que medida o entendimento dos Profissionais de I.P. sobre as suas práticas coincidem com as representações das Famílias sobre as mesmas. No seguimento de que refere Bailey e colaboradores (1998) - Os estudos que visam avaliar a eficácia dos programas de I.P. devem abordar as percepções que a família tem relativamente à sua experiência e à satisfação como participante no programa, assim como a influência que a I.P. tem nos vários aspetos da vida familiar.
A amostra deste estudo é constituída por uma Profissional de I.P. e por uma Mãe que representa a Família de uma criança de 4 anos com paralisia cerebral, que beneficia dos serviços de uma ELI do distrito de Braga. Trata-se, assim, de uma família da classe média, cujo agregado familiar é constituído por quatro elementos: o pai, com 44 anos, eletricista de profissão, a mãe, com 33 anos, auxiliar de ação médica de profissão e em licença para apoio à filha, a irmã, com 14 anos, estudante e a “Lia”, com 4 anos, com paralisia cerebral diagnosticada aos 7 meses, com referenciação e início da intervenção dos serviços da ELI, na sequência deste diagnóstico.
Realizaram-se duas entrevistas semi-estruturadas a uma Profissional de I.P. e à Mãe de uma criança que beneficia do apoio de uma Profissional de I.P. As entrevistas pretendiam o percebero em que medida as práticas dos profissionais de I.P. coincidem com as representações das Famílias e as questões focaram-se, essencialmente, na formação/ perfil da Profissional I.P.; sobre a I.P. centrada na família com questões acerca da participação da família, dos contextos de trabalho com a criança, da ação da Profissional de I.P., da reflexão feita com a família, dos apoios/ informações prestados à família, das preocupações/ necessidades da família; e ainda, sobre as dificuldades nas práticas/satisfação da família.
Para a análise e interpretação dos dados obtidos através das entrevistas, recorreu-se à análise de conteúdo, que conferiu a possibilidade de compreender o discurso dos informantes, determinando as categorias ou temas que permitiram uma melhor compreensão dos significados atribuídos pelos entrevistados. A análise de conteúdo foi realizada de acordo com os procedimentos referenciados em Bardin (2013). As categorias foram definidas à priori, de acordo com o referencial teórico da Intervenção Precoce e os processos regulamentados para a intervenção do professional em Intervenção precoce. As categorias e subcategorias são expressas na organização dos dados em tabela.Por razões éticas, designou-se os participantes por “Profissional de I.P.” e “Família (Mãe)” e à criança deu-se o nome fictício de “Lia”.
Como já foi referido, a análise de conteúdo foi o método de análise de dados selecionado para examinar os resultados obtidos através das entrevistas. Deste modo, foram elaboradas tabelas que se encontram divididas por categorias gerais (C1 a C3) que dizem respeito aos temas gerais abordados nas entrevistas e por categorias específicas (Q1 a Q17), as quais vão ao encontro ao tema abordado em cada questão. Por ser turno, as unidades de registo referem-se às respostas efetuadas por cada entrevistada, designadas por “Profissional de I.P.” e “Família (Mãe)”.
Assim, a apresentação por categorias é uma forma de organizar os dados exprimidos sob a forma de palavras, reagrupando-os, de forma a que o assunto apareça na coluna da esquerda e os dados são descritos e registados na coluna da direita. Sempre que as respostas de ambas as entrevistadas forem coniventes, aparecerá uma barra cinzenta a destacar estas mesmas respostas.
Apresentam-se, de seguida, as tabelas e uma análise relativa ao conteúdo das mesmas.
A Tabela 1 diz respeito à categoria geral “C1 Formação/ Perfil dos Profissionais de I.P.” e, através da análise da mesma, é possível verificar que estamos perante uma Profissional de I.P. que está já há 11 anos ao serviço de uma ELI (Q1), com uma formação de base em Educação de Infância (Q2), um Mestrado em Educação Especial e uma posterior Especialização em Intervenção Precoce (Q3), sendo todos estes dados do desconhecimento da Família (Mãe) entrevistada.
Em relação à importância de uma formação adequada para se trabalhar como Profissional de I.P. (Q4), ambas as entrevistadas pensam ser realmente importante essa formação.
No que diz respeito às qualidades indispensáveis num Profissional de I.P./ adoção na prática (Q5), as duas respostas cruzam-se no sentido em que a Profissional diz que se tem de ver I. P. à luz dos olhos da família e deixar sempre a última palavra para esta e a Mãe diz que o Profissional deve pedir ajuda à família, pois esta pode ajudar muito. As dimensões profissionais, a empatia, abertura e humanidade que coexistem na visão do professional e da mãe são congruentes com as recomendações quanto ao Papel dos profissionais para as políticas de IP da European Agency for Development in Special Needs Education (2011), o Código de ética do Profissional de IP (2009) nos princípios de relação com a família. O perfil do professional com competência técnica e dotado de capacidade empática acompanha o preceituado nas boas práticas em Intervenção precoce (DIVISION FOR EARLY CHILDHOOD, 2014; DUNST, 1998) e os resultados de estudos realizados em Portugal (MATOS; PEREIRA, 2011; RODRIGUES; SEIXAS; PISCALHO, 2011; TEGETHOF , 2007).
De resto, a Profissional de I.P. fala-nos de qualidades como gostar da área, não criticar, observar, ouvir, não julgar. Já a Mãe aponta como qualidades indispensáveis do Profissional de I.P. o profissionalismo, a ambição de fazer mais e melhor, o humanismo, o ser um bom mediador burocrático, o ser especial, qualidades todas estas que atribui à Profissional de I. P. que trabalha com a sua filha.
A Tabela 2 – “C2 I.P. Centrada na Família” retrata as práticas de uma Profissional de I.P. e as representações de uma Família (Mãe) relativamente à intervenção realizada. Estamos perante uma Profissional de I.P. que está, pelo terceiro ano letivo, como mediadora de caso da “Lia” (Q6) e que tem trabalhado com ela nos anos anteriores em casa, ou seja, no contexto domiciliário. No presente ano letivo foi opção conjunta de que a intervenção deveria ser realizada no contexto escolar (jardim de infância) onde a “Lia” ingressou pela primeira vez, mesmo com o objetivo de capacitar o contexto.
Relativamente à participação da família desde o momento da referenciação (Q8), consegue verificar-se, pelas respostas de ambas as entrevistadas, que houve a participação desta família em todas as fases do processo.
Segundo a Profissional de I.P. e a Mãe, a ação da Profissional de I.P é centrada na família (Q9), pois todo o trabalho é direcionado em função das potencialidades da família e do que esta pensa ser mais relevante no momento. O acordo do profissional e da mãe relativamente ao foco da intervenção ser a família reflete o estabelecido nos normativos legais (Decreto-Lei 281/09, de 6 de outubro), os princípios éticos assumidos pelos profissionais em IP (Código de ética do Profissional de IP, 2009), e o alargado consenso científico e de boas práticas em Intervenção precoce (DAVIS; GAVIDIA-PAYNE, 2009; DIVISION FOR EARLY CHILDHOOD, 2014; DUNST, 2002; DUNST, 2014; FERNANDES, 2015; SHONKOFF; MEISELS, 2000)
No que concerne a outros aspetos tidos em conta na intervenção com a “Lia” (Q10), embora a Profissional de I.P. e a Mãe sejam convergentes quando dizem que é tido em conta o contexto escolar, divergem depois o discurso, referindo a Profissional de I. P. que tem em conta a parte terapêutica, uma vez que acha fundamental a existência de um trabalho concertado em prol do desenvolvimento da criança, apontando como dificuldade para esta concertação a falta de tempo.
Quanto à reflexão com a família sobre as intervenções/evoluções (Q11) verifica-se, perante os discurso das duas entrevistadas, que há uma partilha constante (semanal ou quinzenal) sobre as intervenções e evoluções da “Lia”, sendo que a Profissional de I.P. foca que prefere os momentos informais aos formais, por serem mais tranquilos para a família, tentando sempre perceber o que esta sente e pensa sobre a intervenção e refletindo sobre as práticas. O discurso do professional não é absolutamente claro sobre o tipo de informação prestada ou se o mesmo é feito em relação ao Plano Individual de Intervenção Precoce. Parece existir preferência por uma comunicação não mediada pela documentação formal, escrita, ou pela existência de momentos específicos para tarefas de monitorização e avaliação conjunta. Atendendo a que a “implementação e monitorização do PIIP é um processo com caráter de continuidade que engloba a troca permanente de informações entre famílias e profissionais...” (OLIVEIRA, 2015) os momentos de comunicação podem tornar-se mais significativos se possuírem um caráter mais formal. Estudos sobre a realidade portuguesa indiciam resistências e dificuldades de alguns profissionais de Intervenção precoce no desenho e execução dos estudos e na participação das famílias (OLIVEIRA, 2015) que podem justificar a opção do profissional por uma abordagem mais informal.
Os apoios/ indicações/ orientações prestados à família por parte da Profissional de I.P. (Q12) passam, segundo os relatos, por apoio emocional, apoio social, apoio em termos de fornecimento de material para a família trabalhar com a “Lia”. É evidente o enfoque dado pela Mãe à necessidade, essencialmente no início, de apoio emocional, remetendo para o processo de luto pelo qual passou. O legislador estipulou indicações gerais para uma resposta em termos do apoio social, emocional e material às crianças e família em intervenção precoce, atribuindo ao Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI), através dos recursos dos Ministérios do Trabalho e da Solidariedade Social, da Saúde e da Educação, a responsabilidade de “ a) Identificação dos recursos e necessidades da criança e da família; b) Identificação dos apoios a prestar” ( n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei 281/09, de 6 de outubro). Os apoios salientados pela mãe e pelo profissional são, ainda, consistentes com os referenciados em estudos realizados, em Portugal, com idêntica metodologia (MACHADO; SANTOS; ESPE-SHERWINDT, 2017).
No que diz respeito à existência de um plano de trabalho/ demonstração de estratégias à família para a promoção do desenvolvimento da “Lia” (Q13), as duas respostas demonstram que não é dado um plano de trabalho à família, mas antes pistas e demonstrações com materiais/ jogos de como esta pode aproveitar todos os momentos de uma rotina para fomentar o desenvolvimento da “Lia”. As respostas dos sujeitos parecem indiciar uma reduzida presença nas práticas quotidianas de um documento escrito formal, Plano Individual de Intervenção Precoce, organizado pelos profissionais e pelas famílias, que permita, a todo o momento, a clarificação das intervenções, objetivos, formas e momentos de avaliação dos resultados, contrariamente ao preconizado pelo Decreto-Lei 281/09, de 6 de outubro e pelas recomendações da European Agency for Development in Special Needs Education (2005). Existe, no entanto, a sensibilização da família de forma permanente para a utilização sistemática das oportunidades fornecidas pelos contextos naturais, o que configura boas práticas preconizadas pela Division for Early Childhood (2014).
Nas respostas à questão respeitante à informação prestada pela Profissional de I.P. à família sobre legislação/ fornecimento de panfletos ou outros (Q14) verifica-se que, segundo a Mãe, estamos perante uma Profissional de I.P. que dá todas as informações e ajudas necessárias à família. Já a Profissional de I.P. refere algumas das informações/ ajudas que costumam dar às família e que passam por ações de sensibilização, de informação e de divulgação, por colaborar nas idas ao médico e interceder junto deste e por ajudar no requerimento de subsídios.
Quanto ao conhecimento das preocupações/ necessidades da família por parte da Profissional de I.P. (Q15), verifica-se que esta é atenta, presente e conhece, de facto, as principais preocupações e necessidades da primeira. As preocupações desta Família passam, essencialmente, pela eminência do regresso ao trabalho da mãe e pelo receio pelo futuro da filha e o seu desenvolvimento. As necessidades apontadas passam pela questão financeira, uma vez que esta família canaliza todo o dinheiro tendo em vista o desenvolvimento/melhoria da “Lia”.
A análise da Tabela 3, cuja categoria geral se intitula “C3 Dificuldades nas Práticas/ Satisfação da Família” permite constatar o que funciona menos bem nas práticas dos Profissionais de I.P. e a satisfação com o trabalho da Profissional de I.P./serviços da ELI.
Relativamente ao que funciona menos bem nas práticas dos Profissionais de I.P. (Q16), a Profissional de I.P. entrevistada refere que a proximidade com a família nem sempre é fácil pelo seu perfil, que os médicos nem sempre são colaborativos e que a articulação entre a equipa não funciona muito bem, dizendo que tentam pôr em prática a transdisciplinaridade, mas o tempo é muito pouco para reunirem e articularem. Já a Mãe reporta à invasão de privacidade de que a família é alvo, reforçando a importância para a criança e família da manutenção dos profissionais que trabalham com as crianças.
Por fim, e no que diz respeito à satisfação da família com o trabalho do Profissional de I.P./ serviços da ELI, constata-se que a percepção da Profissional de I.P. relativamente à satisfação da família corresponde, efetivamente, ao que foi referido pela Família, ou seja, há uma grande satisfação desta família com a Profissional de I.P. e com a equipa da ELI.
O presente estudo permitiu verificar bastante identidade entre as práticas do profissional de I.P. e as representações da família, inversamente ao estudo de Pimentel (2005) que aponta a existência de discrepâncias entre as percepções de pais e destes profissionais.
Relativamente às qualidades indispensáveis num profissional de I.P. e apontadas na literatura (CARVALHO, 2011), este estudo permitiu constatar que estão a ser postas em prática na sua maioria: Tanto a família como a profissional de I.P. valorizam o bom entendimento e empatia família-profissionais, surgindo, de igual modo, uma sintonia grande entre as respostas da família e da profissional, o que sugere a existência de comunicação e troca de informações aberta e sistemática.
No caso do presente estudo constatou-se que, neste momento, a intervenção está a ser realizada no contexto escolar, reconhecendo-se a importância, ainda assim, da partilha constante do trabalho realizado com a família e salvaguardando-se, por parte da profissional de I.P., o regresso ao contexto domiciliário, assim que a família ache pertinente. Por outro lado, pode referir-se aqui a resistência que, por vezes, as famílias têm à “invasão” da sua casa e que, em muitos casos, tem a ver com o seu perfil que não é fácil e, noutros casos com mudanças constantes de profissional de I.P., sendo este último um dos problemas apontados pela mãe quando questionada sobre o que funciona menos bem nas práticas dos profissionais e I.P./ serviços da ELI.
O estudo permitiu constatar que houve/ há uma grande participação da família em todo o processo de intervenção e que todo o trabalho é centrado na família. O profissional deve, sempre em conjunto com a família,
Descobrir forças e capacidades, providenciar informação necessária e relevante às necessidades atuais da criança e da família, e apoiar incondicionalmente os seus esforços para otimizar as suas competências parentais e os avanços desenvolvimentais da criança (SANTOS, 2007, apud FERNANDES, 2015, p.93).
Isto exige uma reflexão/ avaliação constantes que se verificou que é feita no caso apresentado, uma demonstração/ apresentação de estratégias que também acontecem e, ainda, uma partilha, apoio e orientação contínuos presentes nos discursos das entrevistadas.
Analisando globalmente os resultados deste estudo, verifica-se que as práticas dos profissionais de I.P. não se distanciam das representações das famílias sobre essas mesmas práticas, na maioria das respostas, podendo dizer-se, a partir do discurso das práticas e representações, que estamos perante uma profissional de I.P. experiente, com formação adequada, que adota na sua prática o saber-saber, saber-fazer e saber-ser, que centra a sua ação na família com tudo o que esta implica e que tem a noção das dificuldades que assolam a I.P., reconhecendo que a família está satisfeita com o seu trabalho.
Embora neste estudo se tenha abordado uma profissional com formação adequada, a literatura sugere que a preparação adequada de um número suficiente de profissionais para trabalharem em I.P. é o maior desafio que a atual legislação coloca (CARVALHO, 2011). As práticas muito diversificadas existentes a nível nacional (RAFAEL; PISCALHO, 2016), tornam difícil avaliar o grau em que respeitam as práticas recomendadas internacionalmente (GRONITA ET AL., 2011).
Para terminar, acrescenta-se que, apesar das respostas da família e da profissional de I.P. que participaram neste estudo não serem representativas do conjunto de profissionais e famílias do nosso país, espera-se que estes resultados possam servir de referência na análise das práticas desenvolvidas noutros contextos, contribuindo para uma melhor compreensão dos aspetos positivos e negativos dessas mesmas práticas e, claro, para a promoção da qualidade da I.P.