Revisão de literatura/Estudo teórico
Recepção: 29 Julho 2020
Aprovação: 12 Novembro 2020
Publicado: 20 Janeiro 2021
DOI: https://doi.org/10.5902/1984686X48498
Resumo: O objetivo do presente artigo é apresentar uma revisão integrativa de literatura com vistas à identificação dos tratamentos psicoterapêuticos, farmacológicos ou que utilizaram a comunicação alternativa como intervenção para os casos de crianças com mutismo seletivo. Para este fim, considerou-se o levantamento bibliográfico em base de dados virtuais como método de análise. Foram selecionados os descritores nas versões português e inglês (“mutismo seletivo”, “crianças”, “adolescente”, “tratamento”, “intervenção”, “escola”, “comunicação alternativa e ampliada”, “selective mutism”, “children”, “adolescent”, “treatment”, “intervention”, “augumentative and alternative communication”) e utilizados, isoladamente ou combinados entre si, por meio do operador boleano “and” de acordo com a particularidade de cada base de dados. Como resultado, foram identificados 27 estudos, entre eles: artigos na íntegra, teses, dissertações publicadas em português e inglês nas bases de dados Google Acadêmico, ERIC, PubMed, Scielo, Web of Science, bibliotecas virtuais de universidades públicas nacionais e uma biblioteca virtual de uma universidade americana. Para a seleção final dos estudos foram definidos parâmetros de inclusão, conforme os três itens a seguir: a) estudos empíricos que mostrassem efeitos de intervenções, publicados entre os anos de 2006 a 2017; b) participantes com até 18 anos de idade e com o diagnóstico de mutismo seletivo, de acordo com os critérios do DSM 4 e 5; c) intervenções psicoterapêuticas, farmacológicas ou que utilizassem a comunicação alternativa. Foram excluídas as publicações que não atendessem aos critérios acima. Concluiu-se que intervenção terapêutica predominantemente utilizada é a cognitiva comportamental, sem indicar um tempo de intervenção específico.
Palavras-chave: Mutismo Seletivo, Intervenção, Comunicação Alternativa e Ampliada.
Abstract: The aim of this article is to present an integrative literature review with a view to identifying psychotherapeutic, pharmacological treatments or that used alternative communication as an intervention for the cases of children with selective mutism. For this purpose, the bibliographic survey in virtual databases was considered as a method of analysis. Descriptors were selected in the Portuguese and English versions ("selective mutism", "children", "teenager", "treatment", "intervention", "school", "alternative and expanded communication", "selective mutism", "children", “Adolescent”, “treatment”, “intervention”, “augumentative and alternative communication”) and used, alone or combined with each other, through the Boolean operator “and” according to the particularity of each database. As a result, 27 studies were identified, including: full articles, theses, dissertations published in Portuguese and English in the Google Scholar databases, ERIC, PubMed, Scielo, Web of Science, virtual libraries from national public universities and a virtual library of an American university. For the final selection of studies, inclusion parameters were defined, according to the following three items: a) empirical studies showing the effects of interventions, published between the years 2006 to 2017; b) participants up to 18 years of age and diagnosed with selective mutism, according to DSM criteria 4 and 5; c) psychotherapeutic, pharmacological or alternative communication interventions. Publications that did not meet the above criteria were excluded. It was concluded that therapeutic intervention predominantly used is cognitive behavioral, without indicating a specific intervention time.
Keywords: Selective mutism, Intervention, Alternative and Extended Communication.
Resumen: El propósito de este artículo es presentar una revisión integral de la literatura con el fin de identificar tratamientos psicoterapéuticos, farmacológicos o que usen comunicación alternativa como una intervención para los casos de niños con mutismo selectivo. Para ello, se consideró la encuesta bibliográfica en bases de datos virtuales como método de análisis. Los descriptores fueron seleccionados en las versiones portuguesa e inglesa ("mutismo selectivo", "niños", "adolescente", "tratamiento", "intervención", "escuela", "comunicación alternativa y expandida", "mutismo selectivo", "niños" , “Adolescente”, “tratamiento”, “intervención”, “comunicación aumentativa y alternativa”) y se usan, solos o combinados entre sí, a través del operador booleano “y” según la particularidad de cada base de datos. Como resultado, se identificaron 27 estudios, incluidos: artículos completos, tesis, disertaciones publicadas en portugués e inglés en las bases de datos de Google Scholar, ERIC, PubMed, Scielo, Web of Science, bibliotecas virtuales de universidades públicas nacionales y una biblioteca virtual de una universidad estadounidense. Para la selección final de los estudios, se definieron los parámetros de inclusión, de acuerdo con los siguientes tres ítems: a) estudios empíricos que muestran los efectos de las intervenciones, publicados entre los años 2006 a 2017; b) participantes de hasta 18 años de edad y diagnosticados con mutismo selectivo, de acuerdo con los criterios DSM 4 y 5; c) intervenciones de comunicación psicoterapéuticas, farmacológicas o alternativas. Se excluyeron las publicaciones que no cumplían con los criterios anteriores. Se concluyó que la intervención terapéutica predominantemente utilizada es la cognitiva conductual, sin indicar un tiempo de intervención específico.
Palabras clave: Mutismo selectivo, Intervención, Comunicación alternativa y extendida.
Introdução
O mutismo seletivo , tema central deste artigo, de acordo com o DSM – 5 (APA, 2014) envolve o fracasso persistente para falar em situações sociais específicas nas quais existe a expectativa para tal, como por exemplo: na escola, apesar de o fazê-lo em outras situações (APA, 2014). Tal fracasso não se deve a um desconhecimento ou desconforto com o idioma exigido pela situação social. O transtorno interfere significativamente na realização educacional ou na comunicação social. Sua duração mínima é de um mês (não limitada ao primeiro mês de escola). Não se trata de um transtorno da comunicação, como o transtorno da fluência com início na infância, nem ocorre exclusivamente durante o curso de transtorno do espectro autista, esquizofrenia ou outro transtorno psicótico.
Os dados do DSM – 5 (APA, 2014) mostram que a prevalência do transtorno de mutismo seletivo varia entre 0,03 e 1% da população, o que o caracteriza como raro. A prevalência parece não diferenciar sexo ou raça/etnia, e manifesta-se com maior frequência em crianças menores. O mutismo seletivo já é considerado, por alguns estudos (HUA, MAJOR, 2016; RIBEIRO, 2013), um tipo de fobia social e é considerado uma condição debilitante, causando interferências nas atividades educacionais ou de comunicação social. São crianças notadamente sensíveis, tímidas, ansiosas, bem como negativistas, opositoras, manipuladoras e controladoras. Trata-se de um transtorno raro, pesquisado há mais de um século e que não possui expressivo número de investigações sistemáticas. O transtorno tem sido relacionado a um excesso de timidez, ansiedade e comportamento opositor. Muitos casos (79%) começam na pré-escola e tem curso transitório (LEVITAN et al., 2011; ISOLAN, PHEULA, MANFRO, 2006; TURKIEWICZ et al., 2008; PEIXOTO, 2006; PRADO, REVERS, MARROCOS, 2008; RIBEIRO, 2013; POKORSKI, POKORSKI, 2012; DUMMIT et al., 1996; FACON, SAHIRI, RIVIÈRI, 2008; SHRIVER, SEGOOL, GORTMAKER, 2011; CLEAVE, 2009; KHELE et al., 2012; LANG et al., 2011; COHAN, CHAVIRA, STEIN, 2006; MANASSIS, TANNOCK, 2008; REUTHER et al., 2011; SHARKEY et al., 2008; KUMPULAINEN, 2002; BERGMAN et al., 2013; OON, 2010; OERBECK et al., 2014; PONZURICK, 2012; VECCHIO & KEARNEY, 2009; BUNNELL, BEIDEL, 2013).
Todos os autores pesquisados (TURKIEWICZ et al., 2008; PEIXOTO, 2006; PRADO, REVERS, MARROCOS, 2008; RIBEIRO, 2013; HAGERMAN et al., 1999; DUMMIT et al., 1997; LEVITAN et al., 2011; CASEY, 2010; REUTHER et al., 2011; STEINHAUSEN et al., 2006) além de citarem a descrição exposta no parágrafo acima, ainda contribuem com outras especificações tais como o comprometimento do funcionamento saudável e adequado do contexto social no período escolar, bem como ressaltam que estas crianças possuem todas as habilidades e competências linguísticas necessárias para o estabelecimento de comunicação em qualquer contexto, primordialmente o familiar. Pode existir uma recusa, determinada por um comportamento opositivo, em falar em determinadas situações sociais (DUMMIT et al., 1997; RIBEIRO, 2013).
As intervenções e tratamentos encontrados e disponíveis para os profissionais da área da saúde e educação apontaram, em sua grande maioria, para o uso de técnicas terapêuticas cognitiva comportamentais e comportamentais, o uso de medicamentos ou a combinação entre essas estratégias com sucesso (LEVITAN et al., 2011; ISOLAN, PHEULA, MANFRO, 2006; TURKIEWICZ et al., 2008; PEIXOTO, 2006; PRADO, REVERS, MARROCOS, 2008; RIBEIRO, 2013; POKORSKI, POKORSKI, 2012; DUMMIT et al., 1997; FACON, SAHIRI, RIVIÈRI, 2008; SHRIVER, SEGOOL, GORTMAKER, 2011; CLEAVE, 2009; KHELE et al., 2012; LANG et al., 2011; COHAN, CHAVIRA, STEIN, 2006; MANASSIS, TANNOCK, 2008; REUTHER et al., 2011; SHARKEY et al., 2008; KUMPULAINEN, 2002; BERGMAN et al., 2013; OON, 2010; OERBECK et al., 2014; PONZURICK, 2012; VECCHIO, KEARNEY, 2009). Em pesquisas internacionais foram descritos tratamentos que se utilizaram de recursos de alta tecnologia, tais como aplicativos usados em tablets e dispositivos de voz, porém, em dois deles, sem mencionar que se tratava do emprego de Comunicação Alternativa (HOLLEY, JOHNSON e HERZBERG, 2014; SKACEL, 2014; PONZURICK, 2012; BUNNELL, BEIDEL, 2013). A Comunicação Alternativa envolve o emprego de gestos manuais, posturas corporais, expressões faciais, uso de miniaturas, de símbolos gráficos (como fotografias, gravuras, desenhos e linguagem alfabética), de voz digitalizada ou sintetizada por meio dos quais pessoas sem fala articulada, devido a fatores psicológicos, neurológicos, emocionais, físicos e/ou cognitivos, podem efetuar a comunicação face a face (GLENNEN, 1997; NUNES, 2003).
Procedimentos metodológicos
Para estudo considerou-se o levantamento bibliográfico em base de dados virtuais como método de análise. Foram selecionados os descritores nas versões português e inglês (“mutismo seletivo”, “crianças”, “adolescente”, “tratamento”, “intervenção”, “escola”, “comunicação alternativa e ampliada”, “selective mutism”, “children”, “adolescent”, “treatment”, “intervention”,“augumentative and alternative communication”) e utilizados, isoladamente ou combinados entre si, por meio do operador boleano “AND” de acordo com a particularidade de cada base de dados. Como resultado, foram identificados 27 estudos, entre eles: artigos na íntegra, teses, dissertações publicadas em português e inglês nas bases de dados Google Acadêmico, ERIC, PubMed, Scielo, Web of Science, bibliotecas virtuais de universidades públicas nacionais e uma biblioteca virtual de uma universidade americana. Para a seleção final dos estudos foram definidos parâmetros de inclusão, conforme os três itens a seguir: a) estudos empíricos que mostrassem efeitos de intervenções, publicados entre os anos de 2006 a 2017; b) participantes com até 18 anos de idade e com o diagnóstico de mutismo seletivo, de acordo com os critérios do DSM 4 e 5; c) intervenções psicoterapêuticas, farmacológicas ou que utilizassem a comunicação alternativa. Foram excluídas as publicações que não atendessem aos critérios acima. As análises iniciais realizadas nos 27 estudos encontrados nesta revisão, de acordo com os critérios de inclusão já descritos, tiveram como objetivo rastrear e explorar dados de produção, tais como: a) a origem do material encontrado como nacional ou internacional, b) o período com o maior número de publicações, c)os tipos de tratamento mais usados, d)os fármacos utilizados, e) a duração dos tratamentos e f) o uso da comunicação alternativa como intervenção. Posteriormente foram confeccionados dois quadros com dados como a) o objetivo do estudo, b) o número de sujeitos envolvidos, c) os métodos empregados e d) os resultados encontrados. A partir do quadro foi possível identificar que o objetivo dos estudos se direcionava para a utilização de estratégias e intervenções para o mutismo seletivo. Os sujeitos envolviam não somente as crianças, mas também professores e familiares. O método mais encontrado foi o estudo de caso e a maioria dos resultados foram satisfatórios.
Quanto à origem do material publicado no primeiro quadro, foram encontrados 20 estudos internacionais - em sua maioria publicados nos Estados Unidos, enquanto no Brasil foram identificadas três publicações apenas. A revisão foi composta por 21 artigos, uma tese e um capítulo de livro. Foi verificado que o maior número de publicações, no período de revisão compreendido para esse estudo, ocorreu no ano de 2008.
Resultados e discussão
Os estudos apontaram para a utilização dos seguintes tipos de tratamento: terapia cognitiva comportamental, terapia cognitiva comportamental multimodal, role playing, psicodrama, modelação, esvanecimento de estímulo, modelação, terapia de grupo, gerenciamento de contingências e psicanálise (PEIXOTO, 2006; FACON, SAHIRI, RIVIÈRI, 2008; SHARKEY et al., 2008; VECCHIO, KEARNEY, 2009; OON, 2010; SHRIVER, SEGOOL, GORTMAKER, 2011; REUTER et al., 2011; OERBECK et al., 2012, 2014; HUNG, SPENCER, DRONAMRAJU, 2012; OOI et al., 2012; BERGMAN et al., 2013; CAMPOS E ARRUDA, 2014; MITHELL, KRATOCHWILL, 2013; MAYWORM et al., 2014; LANG et al., 2015; KLEIN et al., 2017).
É consenso entre os autores que a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), combinada ou não ao uso de fármacos, apresenta o maior número de publicações. Foi constatado que a escola é um dos locais de preferência para a realização de pesquisas. O acervo envolveu estudos de caso e estudos experimentais ou quase experimentais.
A seguir serão descritos os tratamentos que foram mais utilizados pelos estudos selecionados na revisão realizada. São eles: terapia cognitivo comportamental utilizando gerenciamento de contingência, esvanecimento de estímulo e modelagem.
Citada nos estudos de Cohan, Chavira e Stein (2006), Oerbeck et al. (2014), Reuther (2011), a terapia cognitivo-comportamental (TCC) consiste em um tipo de tratamento desenvolvido por Aaron Beck na década de 60 dirigido à modificação de pensamentos e comportamentos disfuncionais. Trata-se de uma modalidade terapêutica eficiente para o atendimento de diversas demandas no que diz respeito aos transtornos mentais. Outra forte característica da TCC diz respeito à amplitude de seu alcance quanto aos níveis de educação e renda, bem como ao atendimento de culturas e idades variadas (BECK, 2013; HOFMANN, 2014).
O gerenciamento de contingência é um tipo de intervenção que envolve o estabelecimento de um acordo que se refira ao recebimento de uma recompensa, reforço positivo do comportamento desejado para intensificar e manter a motivação, aplicado a respostas comportamentais específicas (objetivos) - nesse caso, as respostas orais (FRIEDBERG, MCLURE, GARCIA, 2011). A escolha da recompensa é feita em colaboração com a criança e é fornecida no momento em que o comportamento alvo é emitido (COHAN, CHAVIRA, STEIN, 2006; OERBECK et al., 2014; REUTHER et al., 2011). Por outro lado, deve-se esclarecer a criança quais as consequências da não emissão do comportamento alvo. É importante considerar a frequência dos comportamentos alvo e quem é o responsável pela oferta da recompensa ao atingir o objetivo proposto. Quando utilizada em família, esse tipo de estratégia proporciona a diminuição de conflitos entre pais e filhos, - por exemplo, ao deixar clara quais são as expectativas de ambos e aumentando a qualidade do relacionamento entre eles. Adicionalmente, faz com que os responsáveis assumam um papel mais ativo no desenvolvimento da criança, além de encorajar a interação e a cooperação (FRIEDBERG, MCLURE, GARCIA, 2011).
Como intervenção muito citada nos estudos, destaca-se o esvanecimento de estímulo. Este, segundo Skacel (2014), pode ser usado de duas formas: com pessoas e com situações. No primeiro caso, quando utilizado para ampliar a quantidade de pessoas com quem a criança pode falar, deve-se inicialmente estabelecer contato com a criança em um ambiente confortável para ela falar e gradativamente incluir outras pessoas, uma a uma. Quando é usado a partir da situação, para que a criança fale em outras situações e outros ambientes, a criança pode ser levada gradualmente do ambiente onde ela está confortável para aquele que a deixa mais estressada (SKACEL, 2014). Peixoto (2006) também descreve a intervenção salientando que o início deve ocorrer em uma situação especial onde a criança consiga estabelecer comunicação oral. Os ambientes nos quais o indivíduo mostra dificuldade em oralizar são diversos, podendo incluir os locais próximos à escola, os corredores e locais do seu interior, a sala de aula e parques. As dificuldades podem surgir quando a criança é questionada em emitir respostas em volume e frequência de fala de forma adaptativa. É dado como exemplo o caso de uma criança que pode ser recompensada por falar com um colega de classe com quem ele já estabelece comunicação oral em ambientes diferentes da escola (OERBECK et al., 2014; REUTHER et al., 2011).
Além da estratégia acima descrita, de forma combinada pode-se adotar a modelagem que, segundo os autores (COHAN, CHAVIRA, STEIN, 2006; REUTER et al., 2011), produz efeitos bem-sucedidos. De acordo com Friedberg, McLure e Garcia (2011), a modelagem influencia o desenvolvimento de novos comportamentos. Isso se dá por meio de aprendizagem por observação de modelos apropriados que podem ser os pais ou os cuidadores de um indivíduo. Também pode ocorrer por meio de personagens de histórias, de filmes ou de televisão que também servem como modelos. A intenção é que essa observação amplie o repertório de estratégias de uma criança, bem como servir como motivação para a mudança. Além dessa técnica, também pode-se utilizar a auto-modelação. Esta pode ser baseada na gravação de vídeos da criança onde ela terá oportunidade de conhecer sobre seu próprio comportamento. Em casos de mutismo seletivo, deve-se gravar seu comportamento falante, bem como quando permanece muda, de modo a fornecer uma amostra mais completa do seu repertorio comportamental.
Reuther (2011) e Oerbeck et al. (2014) ainda citam a psicoeducação e a restruturação cognitiva como técnicas importantes a serem utilizadas em casos de mutismo seletivo.
Além dos tratamentos acima expostos, foram identificados também os fármacos mais usados em intervenções para o transtorno. Foi possível verificar o uso da fluoxetina com frequência maior que os demais conforme apontado abaixo. Não é a intenção do presente estudo descrever os efeitos dos fármacos sobre os sintomas do mutismo seletivo, uma vez que informações sobre os efeitos de seu uso são limitados vem sendo cada vez menos utilizado (HUA & MAJOR, 2016).
Quanto ao tempo de aplicação de cada intervenção, observou-se uma diversidade conforme o quadro abaixo apresentado:
É possível verificar como a duração dos tratamentos encontrados variou de um estudo para o outro mesmo quando alguns deles utilizam intervenções semelhantes. Infere-se, nesse caso, que não há como precisar o tempo com que cada um reagirá aos tratamentos escolhidos utilizados para cada caso.
A partir dos dados expostos depreende-se que o transtorno de mutismo seletivo desperta maior interesse em pesquisadores internacionais e que preferem a publicação de estudos de caso. De fato, ainda são poucas as pesquisas experimentais e quase experimentais.
Um fator importante para ser destacado é a participação de poucos indivíduos na maior parte dos estudos. Dois mil e oito foi o ano em que um maior número de pesquisas foi divulgado e a partir de então as publicações voltaram a diminuir, embora não tenham apresentado uma regularidade.
Não há um consenso acerca da duração de cada tipo de tratamento. Assim, a partir da análise aqui realizada verificou-se que a terapia cognitivo comportamental se mostra como a mais usada e, de acordo com o consenso dos autores, é a intervenção mais promissora com os efeitos mais positivos, superando inclusive o uso dos fármacos (PEIXOTO, 2006; FACON, SAHIRI, RIVIÈRI, 2008; SHRIVER, SEGOOL, GORTMAKER, 2011; LANG et al., 2011; REUTHER et al., 2011; BERGMAN et al., 2013; OERBECK et al., 2014; BUNNELL, BEIDEL, 2013; OERBECK et al., 2012; HUNG, SPENCER, DRONAMRAJU, 2012; KRATOCHWILL et al., 2012; MITCHELL, KRATOCHWILL, 2013; LANG et al., 2015; MAYWORM et al., 2014). Foram considerados os autores que utilizaram a terapia cognitiva comportamental, a terapia comportamental e suas estratégias de intervenção, mesmo que isoladamente.
Verificou-se que quatro dos estudos foram conduzidos em ambiente escolar e nenhum afirmou que o uso de recursos da comunicação alternativa fora intencionalmente empregado.
A escola, geralmente, é o espaço onde se identifica os primeiros sintomas do mutismo seletivo. É nesse espaço que a criança inicia sua maior exposição à interação e comunicação com o maior número de indivíduos estranhos a ela. Muitos casos (79%) começam na pré-escola e têm curso transitório (TURKIEWICZ et al., 2008). Nesse sentido é vital que os profissionais que atuam nesse contexto tenham conhecimento dos avanços recentes na literatura acerca dos tratamentos mais usados para o transtorno de mutismo seletivo que abordem, sobretudo, o cenário escolar (ZAKSZESKI, DUPAUL, 2016). Conforme verificado, as pesquisas são destinadas, em sua maioria, ao campo da saúde envolvendo a psicoterapia e a farmacologia.
As intervenções que tenham utilizado a Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) no contexto escolar para o atendimento de necessidades de crianças com mutismo seletivo foram incluídas na revisão, pois foi identificado que o uso dos recursos da CAA diminui a pressão sobre o indivíduo na produção de sua fala, reduzindo sua ansiedade e potencialmente auxiliando a comunicação oral (BEUKELMAN, MIRENDA,1998; MILLAR, LIGHT, SCHLOSSER, 2006; KING, 2010; LOYD, KANGAS (1994).
Como mostra o quadro acima, foram identificados quatro estudos que mencionam o uso de CA no contexto escolar em casos de crianças com mutismo seletivo. Dos quatro, apenas um (SKACEL, 2014) denomina, de forma propriamente dita, o uso de CA. Assim, torna-se o único estudo que verdadeiramente reconhece os efeitos dessa modalidade comunicativa.
Inicialmente Ponzurick (2012) descreveu o uso, na escola, de estratégias tais como o uso de escrita, gestos e apontamentos como forma de estabelecer comunicação. Trata-se do uso de recursos de CA de baixa tecnologia, mas que não são devidamente classificados como tal pelos autores. Nos estudos de Bunnel e Beidel (2013) e Skacel (2014) foram utilizados recursos de CA de alta tecnologia como o iPad e, conforme dito anteriormente, somente Skacel (2014) denominou e também descreveu em seu estudo a correta classificação do tratamento que utilizou para obter os resultados acima descritos no quadro. Nesse mesmo sentido, Holley, Johnson, Herzberg (2014) utilizaram um dispositivo de voz, mas também não o classificaram como um recurso de alta de tecnologia da CA.
Considerações finais
A partir da análise e da revisão realizada, foi possível identificar que os diversos tratamentos utilizados pelos pesquisadores não dialogam entre si, ou seja, transversalizam suas explorações e resultados. Há um grupo de pessoas focadas em abordagens farmacológicas, outro focado em terapias, que embora citem em maior número o uso da terapia cognitivo comportamental, apresentam certa diversidade nas modalidades terapêuticas que incluem, por vezes, a combinação entre os fármacos e as terapias, primordialmente a terapia cognitiva comportamental, além do uso da comunicação alternativa. Além disso, também realizam seus estudos em ambientes que variam entre a clínica e a escola. Levando em consideração que o reconhecimento do mutismo seletivo ocorre inicialmente na escola, os mais interessados parecem ser os profissionais da área da saúde e não da educação.
Todavia, a presente análise identificou dedicou-se a identificar a necessidade de aproximação entre os profissionais da saúde, da psicologia e da educação com o intuito de gerar conhecimento de estratégias que sejam combinadas, uma vez que a integração entre a família, professores e profissionais de saúde pode promover efeitos profícuos. Com isso, essa análise traz à tona outra questão: qual seria a razão de profissionais que se utilizam de CA não as classificarem como tal? A resposta para tal indagação serve como motivação para investigações futuras, bem como para a reflexão sobre o alcance que a CA atinge. Por outro lado, essa modalidade de comunicação pode estar focada em um determinado público fazendo com que não seja usada e nem divulgada em outros âmbitos. Ou seja, pode estar focado somente na população alvo que envolve indivíduos os quais, devido a fatores psicológicos, neurológicos, emocionais, físicos e/ou cognitivos - como aqueles com paralisia cerebral, esclerose lateral amiotrófica (ELA), deficiência intelectual, autismo, dentre outros - não conseguem efetuar comunicação face a face por meio da fala articulada e por isso podem se utilizar da Comunicação Alternativa.
A partir do exposto, o presente estudo propôs uma nova possibilidade que não apenas terapêutica ou medicamentosa para lidar com as características do mutismo seletivo, conforme apresentado. Foi possível identificar que as principais características e funções da CAA auxiliam no manejo da ansiedade, mais especificamente nos casos de mutismo seletivo.
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