Resumo: Este estudo realiza um levantamento sobre pesquisas que abordam jogos voltados para o ensino de línguas de sinais ou de línguas orais escritas para surdos com objetivo de mapear e caracterizar os jogos que têm sido utilizados em contextos educacionais. Realizou-se uma revisão sistemática da literatura nas bases Education Resources Information Center (ERIC), Web of Science e Scopus, utilizando como termos de busca as palavras: game, deaf e sign language. Na primeira busca, foram encontrados um total de 530 artigos. A seleção com base nos critérios de inclusão e exclusão resultou na análise de 31 trabalhos. A maioria dos jogos utilizados nos trabalhos são digitais, e um terço deles faz uso de algum dispositivo eletrônico para reconhecimento de gestos ou sensores. Os jogos para ensino de língua de sinais ou bilíngues representam a maioria dos estudos selecionados, porém observamos que boa parte ensina apenas o alfabeto manual ou sinais isolados das línguas de sinais. Poucos jogos fizeram o uso das línguas de sinais em situações que simulem um contexto real de comunicação.
Palavras-chave: Jogos, Educação de surdos, Línguas de sinais.
Abstract: This study carries out a survey about pieces of research which deal with games aiming at the teaching of sign languages and written oral languages to deaf people with the goal of identifying and characterizing the games which have been used for educational contexts. The researchers carried out a systematic review of literature using the Education Resources Information Center (ERIC), Web Science and Scopus database inserting the following terminologies in the wordsearch tool: ‘game’, ‘deaf’ and ‘sign language’. At first, a total of 530 studies were found, and based on a series of criteria, 31 papers were selected as a result of the search. The majority of the games dealt with in the papers are digital and one third of those utilize an electronic device for gesture recognition or sensor of some sort. Games in sign language or bilingual teaching represent most of the selected studies, even though it was observed that a good deal of those games teach only the manual alphabet or isolated sign from the respective sign languages. Furthermore, only a handful of those games make use of sign language in situations which simulate a real communicative context.
Keywords: Games, Deaf people education, Sign languages.
Resumen: Este estudio realiza una encuesta sobre investigaciones que abordan los juegos destinados a la enseñanza de lenguas de signos o lenguas orales escritos para sordos con el fin de mapear y caracterizar los juegos que se han utilizado en contextos educativos. Se realizó una revisión bibliográfica sistemática en las bases de datos Education Resources Information Center (ERIC), Web of Science y Scopus, utilizando como términos de búsqueda las palabras: game, deaf e sign language. En la primera búsqueda se encontraron un total de 530 artículos. La selección está basada en los criterios de inclusión y exclusión, que resultó en el análisis de 31 artículos. La mayoría de los juegos utilizados en las obras, son digitales y un tercio de ellos, utiliza algún dispositivo electrónico para reconocer gestos o sensores. Los juegos para la enseñanza de la lengua de signos o bilingües, representan la mayoría de los estudios seleccionados, sin embargo observamos que una buena parte enseña solo el alfabeto manual o signos aislados de las lenguas de signos. Pocos juegos han hecho uso de lenguas de signos en situaciones que simulan un contexto de comunicación real.
Palabras clave: Games, Educación de sordos, Lenguas de signos.
Revisão de literatura/Estudo teórico
Jogos para o ensino de línguas de sinais/línguas orais escritas para surdos: uma revisão sistemática da literatura
Games in sign languages/written oral languages teaching: a systematic review of literature
Juegos para la enseñanza de lenguas de signos/lenguas orales escritas para sordos: revisión sistemática de la literatura
Recepción: 12 Marzo 2021
Aprobación: 22 Octubre 2022
Publicación: 22 Noviembre 2022
Este estudo realiza um levantamento sobre pesquisas que abordam jogos voltados para o ensino de línguas de sinais ou de línguas orais escritas para surdos com objetivo de mapear e caracterizar os jogos que têm sido utilizados em contextos educacionais. Para tanto, foi realizada uma revisão sistemática da literatura norteando-se pelas seguintes questões de pesquisa: Quais jogos estão sendo usados para o ensino de línguas de sinais ou de línguas orais escritas para surdos? Os jogos estão em consonância com as teorias de educação de surdos?
As concepções e teorias que demarcam o estudo e pautam a análise dos trabalhos levantados na revisão sistemática de literatura são as teorias da educação, mais especificamente pelas lentes dos Estudos Surdos, que rompem com concepções que olham a surdez como deficiência Segundo Skliar (2016, p. 5),
os Estudos Surdos se constituem enquanto um programa de pesquisa em educação, onde as identidades, as línguas, os projetos educacionais, a história, a arte, as comunidades e as culturas surdas são focalizadas e entendidas a partir da diferença, a partir de seu reconhecimento político.
Dessa forma, a análise dos resultados dessa revisão sistemática se dá a partir dessa perspectiva, que compreende a educação de surdos pela diferença linguística, pela aceitação e valorização das línguas de sinais, das identidades e das comunidades surdas.
As Línguas de sinais são as línguas naturais do povo surdo, caracterizadas como gestuais-visuais que nasceram espontaneamente da necessidade de comunicação entre as pessoas surdas e possuem uma gramática própria. Isso quer dizer que não são códigos ou mímicas, línguas inventadas ou tampouco traduções das línguas orais. São línguas capazes de expressar ideias e conceitos, mesmo os mais abstratos. (GESSER, 2009)
Considerando sua natureza, as línguas de sinais são múltiplas e não são universais, ou seja, cada país ou região tem a sua própria língua de sinais, que pode ou não derivar de outras línguas de sinais. Nesse sentido, Gesser (2009), esclarece que, aqui no Brasil, por exemplo, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) tem origem na Língua Francesa de Sinais.
Em 1960, William Stokoe, linguista e professor do Gallaudet College em Washington, publicou o primeiro estudo analisando a American Sign Language (ASL), a partir das teorias para as línguas orais, conferindo o status de língua natural para a língua de sinais dos surdos americanos (LODI, 2004). A partir disso, outros países desenvolveram estudos que descreveram os sistemas linguísticos das suas línguas de sinais. No Brasil a Libras foi reconhecida, ganhando status de língua, em 2002, pela Lei 10.436.
Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (BRASIL, 2002).
As línguas de sinais têm assumido cada vez mais relevância para a vida dos surdos, tornando-se um dos mais importantes símbolos da identidade e cultura surda. Quadros e Schmiedt (2006, p. 15) descrevem a Libras como “língua que é o meio e o fim da interação social, cultural e científica da comunidade surda brasileira”. Ou seja, é por meio das línguas de sinais que os surdos experienciam e interagem com o mundo, aprendem, ensinam, constituem seus modos de vida, crenças, valores e identidades. Dessa forma, as línguas de sinais têm papel central nas aprendizagens dos estudantes surdos.
No Brasil, o Bilinguismo representa, hoje, o paradigma da educação de surdos e está regulamentado pelo Decreto 5626 (BRASIL, 2005). O contexto educacional bilíngue para surdos configura-se pela coexistência da língua de sinais e da língua oral, reconhecendo as diferentes funções das línguas, ou seja, a Libras é a língua de instrução ou primeira língua (L1), e o Português escrito deve ser concebido como segunda língua (L2) (QUADROS, 2006, 2008; LODI et al., 2014).
Na proposta bilíngue para surdos, o ensino de Libras deve ser ofertado desde a Educação Infantil, e o ensino da Língua Portuguesa escrita é baseado em técnicas de ensino de segundas línguas. Isso quer dizer que “partem das habilidades interativas e cognitivas já adquiridas pelas crianças surdas diante das suas experiências naturais com a Libras” (QUADROS, 2008, p. 29).
O avanço da tecnologia foi traçando marcos culturais relevantes nas possibilidades de comunicação entre pessoas surdas. A primeira delas foi o dispositivo de telecomunicação para surdos (TDD1, sigla em inglês), que poderia ser encontrado principalmente em shoppings e escolas de surdos, depois vieram os celulares, que permitiam troca de mensagens de texto e, com a democratização da internet, ampliou-se a comunicação pela língua escrita com os e-mails, sites e apps com chats, e as redes sociais. Por fim, destacam-se as recentes videochamadas, que possibilitaram a comunicação à distância em língua de sinais.
A tecnologia também favoreceu a acessibilidade, possibilitando ampliar as oportunidades de acessos à informação e ao entretenimento, como exemplo, com os plug-ins de traduções de sites para língua de sinais, os vídeos com conteúdos em língua de sinais, bem como os serviços de tradução e interpretação on-line.
Na área da educação, temos benefícios com essas possibilidades tecnológicas, destacam-se os vídeos educativos produzidos ou traduzidos/adaptados em línguas de sinais, sites com materiais didáticos e jogos digitais em língua de sinais. Entretanto, ainda, não encontremos em boa diversidade e grande quantidade de recursos.
É evidente a necessidade de ampliar e qualificar a oferta de materiais didáticos voltados aos estudantes surdos. Darde e Royer (2020) enfatizam a necessidade de criação desses materiais didáticos bilíngues ou em língua de sinais, impressos e digitais, como livros, piadas, poesias e desenhos animados para atender a singularidade linguística dos sujeitos surdos. Destaca-se, nesse contexto, a relevância de jogos bilíngues ou em língua de sinais, como ferramentas de aprendizagem de conteúdos e/ou das línguas envolvidas na educação dos estudantes surdos.
Os jogos caracterizam-se pelas regras (HUIZINGA, 1996), envolvem situações imaginárias (LEONTIEV, 2001), o desempenho de papéis (SEBER, 1997), a interação social e evocam emoções (WINNICOTT, 1982). Para Huizinga (1996, p. 12), o jogo “se insinua como atividade temporária, que tem uma finalidade autônoma e se realiza tendo em vista uma satisfação que consiste nessa própria realização”.
Os aspectos culturais e as identidades no universo do jogo ganham importância. Segundo Salen e Zimmerman (2012), a noção do jogo como algo que faz sentido, e consequentemente de que, para criar boas experiências de jogo, as mesmas precisam fazer sentido e ser significativas para o jogador, refere-se à interação lúdica significativa.
Os jogos digitais compartilham e combinam as diferentes características dos jogos com o acesso por um meio digital e a interatividade. Esses jogos ou games são caracterizados por serem atividade lúdica que possui regras e um universo que contextualizam as ações do jogador (SCHUYTEMA, 2008).
As características dos jogos digitais remetem à s possibilidades da aprendizagem baseada em games. O uso de jogos digitais na educação pode utilizar-se de jogos comerciais, projetados principalmente para entretenimento ou de jogos educacionais desenvolvidos com essa finalidade (CONNOLLY et al., 2012). Acrescenta-se, ainda, atividades pautadas na produção de jogos ou na adoção de estratégias gamificadas (VAN ECK, 2015).
O uso de jogos digitais na educação gera experiências (QUINN, 2005) e isso deve pautar o design dos jogos, porque é preciso pensar em como criar experiências que sejam envolventes e significativas.
A aprendizagem baseada em jogos tem sido reconhecida em contextos educacionais, pois são percebidos por constituir-se como uma abordagem potencialmente efetiva para o ensino e a aprendizagem, entretanto ainda temos poucas evidências em contextos mais amplos de uso de jogos digitais na educação (HAINEY et al., 2013). Essas evidências são menores ainda quando temos usos mais específicos dos jogos na educação, como a educação de surdos.
O presente estudo é uma revisão sistemática da literatura, que segundo o manual Cochrane Collaboration (HIGGINS et al., 2005 apud LEITE, 2018, p. 03) é “uma revisão de uma questão formulada claramente, que usa métodos sistemáticos e explícitos para identificar, selecionar e avaliar criticamente pesquisas relevantes, e coletar e analisar dados dos estudos incluídos na revisão”.
Nesse sentido, realizou-se uma pesquisa de artigos científicos sobre jogos voltados ao ensino de língua de sinais ou de língua oral escrita para pessoas surdas. Para fins dessa revisão sistemática, não nos atemos a nenhum conceito padrão para classificar ‘jogo’. Aceitou-se por ‘jogo’ aqueles que os pesquisadores dos estudos assim nomearam, dessa forma essa revisão sistemática pode abranger jogos, aplicativos, ambientes de aprendizagem e atividades gamificadas.
As bases utilizadas na revisão foram: Education Resources Information Center (ERIC), Web of Science e Scopus, selecionadas por serem bases confiáveis e reconhecidas no meio acadêmico, por oferecerem uma visão abrangente da produção mundial de pesquisa, sendo a primeira específica da área educacional e as demais de áreas multidisciplinares. Utilizamos como termos de busca as palavras game, deaf e sign language, escritos em inglês combinados com operadores booleanos AND e OR, aspas e asterisco para ampliar o alcance de publicações: game AND (deaf* OR "sign language"). Os campos de pesquisa foram personalizados de acordo com os mecanismos de busca de cada base, e não foram utilizados outros filtros de busca além de um recorte temporal de dez anos (2009 – 2019).
A seleção de artigos observou critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão foram artigos: 1) sobre jogos educativos para pessoas surdas ou para o ensino de língua de sinais e 2) que apresentassem um jogo voltado ao ensino da língua de sinais ou de língua oral escrita para surdos.
Foram excluídos artigos que não atenderam aos critérios de inclusão por apresentarem jogos para estudantes surdos com foco no ensino de conteúdo/disciplina (matemática, geografia, etc.), na terapia da fala/audição, comunicação ou outras habilidades/funções cognitivas. Foram excluídos também pesquisas bibliográficas e revisões sistemáticas de literatura.
Após a delimitação do protocolo de pesquisa, iniciamos a etapa de busca e seleção dos artigos, que aconteceu no período entre dezembro de 2019 e março de 2020. Na primeira busca foram encontrados um total de 530 artigos, sendo 19 da ERIC, 199 da Web of Science, e 312 da Scopus. Após serem excluídos os artigos duplicados, permaneceram 377 artigos para seleção.
Os artigos foram selecionados, com base nos critérios de inclusão/exclusão descritos acima, por meio da leitura do título e do resumo, e sequencialmente pela leitura na íntegra para confirmar ou excluir a seleção. Vale ressaltar que, para manter a confiabilidade dessa revisão sistemática, quando os resultados de busca, apresentados pelas bases de dados, foram atas ou anais de eventos/congressos, a pesquisadora buscou identificar e analisar, dentre os artigos que compunham os arquivos do evento, aquele que atendia aos termos de busca.
Uma adversidade encontrada ao longo do processo de seleção foi que nos deparamos com artigos sobre os mesmos estudos. Além de artigos idênticos, os relatórios que descrevem diferentes etapas de um mesmo estudo ou resultados em diferentes momentos também são considerados estudos duplicados (HIGGINS et al., 2019).
Ainda segundo o manual Cochrane (HIGGINS et al., 2019, p. 93) “é errado considerar vários relatórios do mesmo estudo como se fossem vários estudos. Porém, os relatórios secundários de um estudo não devem ser descartados, pois podem conter informações valiosas sobre o design e a conduta.” Dessa forma, fez-se necessário acrescentar como critério de exclusão os estudos duplicados. Selecionamos o artigo que melhor atendeu aos critérios de inclusão/exclusão dessa revisão sistemática, e os dezoito artigos que foram excluídos pelo novo critério serviram de fontes de informações complementares, quando necessário.
O fluxograma da Figura 1 apresenta a delineação do processo de seleção de artigos para essa revisão sistemática.
O Quadro 1 apresenta os trinta e um estudos incluídos e os identifica pelo título, autores e ano de publicação dos artigos.
O gráfico abaixo representa os países de origem dos estudos desenvolvidos:
Identificamos que nove estudos (29%) foram desenvolvidos no Brasil, e sete (22,6%) em Portugal. A Tunísia, Austrália, Indonésia e Estados Unidos desenvolveram dois estudos cada (6,5%), e outros países (Reino Unido, Malásia, Japão, Equador, Macedônia/Grécia, Croácia e México) um estudo cada. Destaca-se que Brasil e Portugal, juntos, representam mais da metade dos estudos encontrados sobre o tema.
O Gráfico 2 faz um panorama quanto ao ano de publicação dos estudos:
Podemos perceber que houve, a partir de 2014, um aumento significativo de pesquisas sobre jogos com o objetivo de ensinar línguas de sinais ou línguas orais escritas para surdos.
O próximo gráfico representa os estudos quanto à modalidade das línguas que os jogos pretendem ensinar: línguas de sinais, línguas orais escritas ou jogos bilíngues (para par linguístico de uma língua de sinais e uma língua oral escrita).
Cinco jogos (16,1%) visam o ensino de línguas orais escritas, seis (19,4%) trabalham com o ensino bilíngue, e vinte jogos (64,5%) se propõem ao ensino de línguas de sinais. Os jogos dos trinta e um estudos selecionados serão divididos em dois grupos para serem analisados conforme a modalidade de língua que o jogo pretende ensinar. O primeiro grupo abrangerá tanto os que objetivam o ensino de línguas de sinais, como os jogos bilíngues, pois, partimos do pressuposto que, ao se apresentarem como jogos bilíngues para surdos, esses jogos ensinam ambas as línguas e assumem os preceitos do bilinguismo se comprometendo com a valorização das línguas de sinais. O primeiro grupo totaliza vinte e seis jogos, e o segundo abrange os cinco jogos que visam ao ensino de línguas orais escritas para surdos.
Analisamos o público-alvo para o qual os vinte e seis jogos foram projetados. Dez estudos direcionam seus jogos para surdos, quatro para surdos e ouvintes, quatro para ouvintes, e oito não especificam. Podemos perceber que, apesar de serem jogos para o ensino de línguas de sinais, muitos deles são direcionados às crianças surdas, pois os pesquisadores percebem a necessidade de materiais educativos e/ou de entretenimento direcionados a esse público. Os jogos que se direcionam ao público ouvinte manifestam o interesse de possibilitar a ampliação de comunicação entre surdos e ouvintes
No Quadro 2, apresentaremos um panorama geral dos jogos, que possibilita visualizá-los traçando relações quanto ao tipo de jogo, os acessórios ou dispositivos utilizados, as línguas que pretendem ensinar, o uso das línguas de sinais e os recursos visuais empregados para ilustrar as línguas de sinais nos jogos.
Apenas no estudo de Bouzid et al. (2016) aparece a escrita de sinais. O MemoSign, um jogo bilíngue que opera em duas versões de pares linguísticos: Língua de Sinais Americana/Inglês escrito e Língua de Sinais da Tunísia/Árabe escrito, trabalha também com o registro das línguas de sinais em SignWriting (SW), para fornecer aos estudantes a oportunidade de uma escrita para sua primeira língua. O SignWriting é um sistema de escrita para línguas de sinais, criado em 1974 por Valerie Sutton. O SignWriting “pode registrar qualquer língua de sinais do mundo sem passar pela tradução da língua falada. Cada língua de sinais vai adaptá-lo a sua própria ortografia” (STUMPF, 2004, p. 51).
No Quadro 2, observa-se que a totalidade dos jogos são digitais, o que nos mostra que tem se intensificado o interesse por pesquisas sobre aprendizagens por meio de jogos digitais. Esses jogos utilizam dispositivos eletrônicos, como: sensor Leap Motion, Microsoft Kinect, luvas sensoriais, webcam e luvas vermelhas. Esses dispositivos desempenham diferentes funções na interação dos jogadores com os jogos. O jogo de Moura et al. (2013) utiliza a webcam para que os jogadores possam gravar e compartilhar entre si vídeos em língua de sinais. Quatro jogos utilizam o dispositivo Leap Motion (TORRES, CARVALHO, SOARES, 2018; ZIKKY et al., 2017; PARREÑO et al., 2017; SOARES et al., 2015B), três o sensor Kinect (ESCUDEIRO et al., 2016; SOARES et al., 2015A; GAMEIRO, CARDOSO, RYBARCZYK, 2014), um combina luvas vermelhas com a webcam (Madeo, 2011) e dois jogos utilizam luvas sensoriais (SOUSA et al., 2016; ZAFRULLA et al., 2010) para o reconhecimento das línguas de sinais nos jogos. Nesses jogos, é por meio do reconhecimento das línguas de sinais que os jogadores controlam um personagem, validam um desafio e/ou assinalam uma alternativa no jogo. É dessa forma que o jogo está avaliando a aprendizagem de língua de sinais do jogador.
O sensor Microsoft Kinect e o controlador Leap Motion são dispositivos de reconhecimento de gestos que, por meio de algoritmo de captura de movimento humano, permitem interações entre os jogadores e o jogo sem a necessidade de tocar em um controle ou na tela (SANTOS, 2018). As luvas sensoriais são dispositivos de hardware e desempenham função análoga aos dispositivos de captura de gestos. Nesses jogos, as luvas interpretam os gestos que estão sendo feitos pelos jogadores e enviam as informações adquiridas para o jogo no celular ou computador.
No que se refere à língua de sinais, categorizamos a manifestação do uso linguístico das línguas nos jogos. As categorias foram hierarquizadas do ensino menos completo ao mais completo: “alfabeto/números”, “sinais” e “frases”. Dessa forma, em “alfabeto/números” entram os jogos que ensinam apenas o alfabeto manual e/ou os números em língua de sinais. Em “sinais” temos os jogos que ensinam sinais isolados, sejam eles sinais soltos ou agrupados por temática, esses jogos podem ou não ensinar o alfabeto e números. E por fim a categoria “frases” trazem os jogos que ensinam as línguas de sinais por meio de diálogos e situações que retratem o uso da língua em contexto de comunicação, independente se ensinam alfabeto/números e/ou sinais soltos também.
A análise dos jogos revela que nove (34,6 %) ensinam apenas o alfabeto e/ou os números, doze jogos (46,2%) ensinam por meio de sinais isolados, e cinco jogos (19,2%) incluem frases no ensino de língua de sinais. Cabe ressaltar que o alfabeto manual ou alfabeto datilológico não é a língua de sinais em si, mas sim um código que representa as letras alfabéticas. O alfabeto manual é um recurso das línguas de sinais utilizado para soletrar nomes de pessoas e lugares, bem como para soletrar palavras que por ventura não sabemos sinalizar (GESSER, 2009). Ou seja, conhecer um alfabeto manual, que faz parte de uma língua de sinais, não significa saber a língua de sinais em si. Outra questão importante é que a utilização do alfabeto manual na comunicação requer que ambos, locutor e interlocutor, sejam alfabetizados na língua oral para que haja compreensão.
Percebemos que, dos nove estudos que apresentam jogos voltados apenas para o ensino do alfabeto manual ou dos números, seis deles (TORRES, CARVALHO, SOARES, 2018; PARREÑO et al., 2017; SOUSA et al., 2016; SOARES et al., 2015B; GAMEIRO, CARDOSO, RYBARCZYK, 2014; MADEO, 2011) tem suas pesquisas voltadas para o uso das tecnologias no desenvolvimento de jogos (dispositivo de captura de gestos, webcam e/ou luvas sensoriais) e, portanto, não são estudos desenvolvidos na área da educação de surdos, o que pode justificar o pouco aprofundamento nas questões relevantes para o ensino das línguas de sinais.
Ainda conforme o Quadro 2, doze desses jogos (46,2%) ensinam as línguas de sinais por meio de sinais isolados ou conjuntos de sinais agrupados por temática, como exemplo: sinais de animais, de transportes ou de alimentos. O ensino de línguas de sinais por meio de vocabulário isolado pode ser considerado precário para uma aprendizagem efetiva da língua. Apenas conhecer vocabulários de uma língua não garante que o aprendiz consiga se comunicar, o ensino de vocabulários isolados exclui as questões sintáticas da língua. Segundo Gesser (2012, p.139), ao aprender uma língua de sinais, o aprendiz “além do conhecimento lexical, precisa também entender as outras partes do funcionamento da língua para poder incorporar as palavras em seu discurso”.
Por fim, cinco jogos (19,2%) fazem o uso/ensino das línguas de sinais por meio de frases e/ou simulando situações de comunicação. Ao apresentar uma língua de sinais em contextos que simulem o uso real da língua, consegue-se representar a complexidade da língua, bem como a estrutura linguística da língua que se quer ensinar (GESSER, 2012). Um bom exemplo é quando, nos jogos, os sinais são ensinados usando-os para comunicar, informar, dialogar, recriando situações usuais da língua.
Ainda no Quadro 2, caracterizamos a “representação da língua de sinais”, ou seja, os recursos visuais empregados para representar as línguas de sinais ao longo de um jogo: imagens, vídeos, animações ou avatares. Registramos que apenas um estudo (3,8%) não utiliza nenhum recurso visual no jogo. Esse estudo (ZIKKY et al., 2017) tem sua pesquisa relacionada ao desenvolvimento de aplicativos de jogos para o ensino da língua de sinais (sistema indonésio Isyarat Bahasa Indonésia - SIBI), porém o artigo não especifica se há alguma etapa do jogo onde os sinais são ensinados. Pela descrição fornecida, o jogador vê imagens de letras e números e precisa responder em língua de sinais, o que sugere que o jogador deva ter conhecimento prévio da língua.
Sete jogos (26,9%) utilizam imagens para representar a língua de sinais e dezoito jogos (69,2%) utilizam vídeos, animações ou avatares como recursos visuais para o aprendizado da língua de sinais. Por serem línguas gestuais-visuais, as línguas de sinais se expressam por meio de movimentos corporais/faciais e a informação linguística é recebida pela visão. Dessa maneira, imagens estáticas são menos fidedignas do que vídeos, animação ou avatares para expressar essas línguas.
O avatar é uma animação gráfica que representa um personagem que interage com o conteúdo apresentado e é capaz de sinalizar, na língua, o que se pretende ensinar, simulando situações reais do uso das línguas de sinais. O estudo de Bouzid et al. (2016) observou que muitos estudantes, participantes da pesquisa, tentaram imitar os movimentos do avatar enquanto jogavam, e que a incorporação do avatar, sinalizando no jogo, auxilia para a aprendizagem correta dos sinais facilitando o processo de aprendizagem da língua.
A análise dos jogos revela que o estudo de Escudeiro et al. (2016) aborda um exemplo de jogo que explora todos os recursos categorizados em relação ao ensino/uso de língua de sinais, e uso de recursos visuais. O jogador controla o personagem, um avatar 3D que sinaliza na Língua Gestual Portuguesa, no mapa que possui três cenários principais e três cenários de avaliação, que mudam de acordo com o enredo do jogo, No primeiro cenário, o jogo ensina letras e números, no segundo, sinais e, no terceiro, frases completas, progredindo, assim, no uso da língua de sinais ao longo do jogo.
Gesser (2012) defende que o ensino de língua de sinais vai para além do ensino de língua, é também o espaço de desmistificar a surdez e de ensinar aos ouvintes sobre os surdos, sua língua e cultura. A autora está se referindo à oferta de cursos de Libras, mas podemos transpor essa afirmação para o contexto dos jogos com o mesmo propósito. Ao analisar os jogos, procuramos por elementos da cultura surda incorporados em suas narrativas. A literatura surda é um dos artefatos culturais presentes na cultura surda. (STROBEL, 2008). Os estudos de Soares et al. (2015A) e Ellis (2009) trazem, em seus jogos, histórias contadas em línguas de sinais, apesar de não explicitarem, nos artigos, quais os conteúdos dessas histórias.
O estudo de Canteri et al (2019), cujo objetivo é apresentar uma estrutura para o design de jogos educacionais direcionados para crianças surdas, aborda a experiência visual no jogo, que, segundo Strobel (2008), é outro artefato da cultura surda. Ao apontar critérios para uma estrutura satisfatória de jogos para surdos, esse estudo indica a necessidade de se evitar textos, para que a comunicação do jogo com o jogador seja sempre compreensível, em forma gráfica (ilustração) ou através da língua de sinais.
O estudo de Antunes et al. (2019), aparentemente, teve a intenção de incorporar elementos culturais ao criar seu enredo. A história se passa em um mundo de fantasia onde um feitiço retira a capacidade de ouvir e falar da maioria dos seres vivos, o que torna a língua de sinais a única alternativa para se comunicar. Porém, podemos perceber que esse jogo acaba anunciando a surdez da perspectiva patológica como algo ruim, uma maldição à espera da cura.
Segundo Gesser (2009), historicamente a surdez é concebida de duas formas: patologicamente ou culturalmente. Retratar a surdez como uma doença a ser curada, está ligada a uma visão patológica. Contraposta a essa visão, e aceita pelos estudos surdos, a visão sociocultural da surdez entende que “a surdez constitui uma diferença a ser politicamente reconhecida; a surdez é uma experiência visual; a surdez é uma identidade múltipla ou multifacetada e, finalmente, a surdez está localizada dentro do discurso sobre a deficiência” (SKLIAR, 2016, p.11) Nessa visão, entendemos a surdez, e os sujeitos surdos, pela ótica da diferença linguística, respeitando suas identidades, culturas e comunidades.
Nesta seção, analisaremos os jogos voltados para o ensino de línguas orais escritas para surdos. No Quadro 3, apresentam-se os jogos identificando a língua que se pretende ensinar, o tipo do jogo, os acessórios/dispositivos, uso e presença de recursos visuais em línguas de sinais e outros recursos visuais.
Dos cinco estudos que visam ao ensino de uma língua oral escrita, apenas o jogo do estudo de Davenport, Konad, Alber-morgan, (2019) é de tabuleiro. Usado para o ensino do Inglês escrito, faz parte de uma abordagem chamada “Reading Racetracks”. Projetado para parecer um circuito de Fórmula 1, o jogo utiliza cartões impressos para que, dentro de um tempo estimado, o estudante leia e sinalize, para o mediador, palavras visuais. O objetivo do jogo é a memorização de vocabulários e ortografia da língua inglesa (GRÜNKE, 2019).
Os outros quatro estudos são sobre jogos digitais, e apenas o jogo do estudo de Egusa et al. (2016) utiliza dispositivo eletrônico. Esse jogo usa o sensor Microsoft Kinect para a captura de movimentos amplos, por meio do salto, os estudantes escolhem a resposta correta dentre as alternativas, sobre a gramática da língua japonesa escrita.
Dos cinco estudos, apenas um (NASCIMENTO, LIZ, 2017) faz o uso da língua de sinais e utiliza imagens e animação em sinais como apoio visual para a aprendizagem da segunda língua. Esse estudo produziu jogos que fazem relação entre sinais da Libras e palavras da Língua Portuguesa. Os pesquisadores buscaram problematizar estratégias e metodologias adequadas para o ensino da segunda língua para os estudantes surdos, e desenvolveram jogos que “voltam o olhar para o surdo em sua perspectiva, e mostram o quão é importante o uso da língua de sinais no desenvolvimento e aprendizado da Língua Portuguesa” (NASCIMENTO; LIZ, 2017, p. 287).
Faz-se necessário lembrar que o ensino de uma língua oral escrita para surdos parte das habilidades cognitivas anteriormente adquiridas pela língua de sinais. Dessa forma, compreendemos que a presença da língua de sinais nos jogos que visam o ensino da língua oral escrita pode ser relevante para a aprendizagem dos estudantes surdos. Outra alternativa é a língua de sinais estar presente na mediação em sala, como no caso dos jogos dos estudos de Davenport, Konad, Alber-morgan (2019) e de Egusa et al. (2016), em que a mediação permitia a interação em língua de sinais entre os pares e mediadores.
Os jogos dos estudos de Robyansah (2018) e de Alismail et al. (2010)2 não utilizam língua de sinais, mas possuem imagens icônicas que ajudam a relacionar os conceitos com as palavras escritas. Esses recursos visuais se fazem relevantes, pois partimos do pressuposto que os surdos aprendem pela experiência visual e explorar imagens auxilia na associação de conhecimentos.
O jogo do estudo de Robyansah (2018) chamou a atenção por ser projetado para estudantes surdos e fornecer, junto com o feedback visual (carinha triste e feliz), um feedback auditivo por meio de áudio das palavras “certo” e “errado” na língua inglesa. Esse jogo poderia incorporar elementos culturais da comunidade surda trocando o áudio pela sinalização em línguas de sinais, se aproximando da realidade dos seus usuários finais.
Percebemos que ao longo dos anos houve um aumento significativo nas pesquisas que abordam ensino de línguas de sinais ou línguas orais escritas para surdos por meio de jogos. Brasil e Portugal se destacaram nas pesquisas sobre o tema, visto que, juntos, representam metade dos estudos selecionados por essa revisão sistemática. Os estudos selecionados foram muito diversos em termos dos objetivos da pesquisa, dos marcos teóricos e dos procedimentos metodológicos utilizados, refletindo a interdisciplinaridade das áreas que pesquisam o tema, as diversas origens das pesquisas e os múltiplos interesses por jogos.
Esse trabalho almejou fazer uma compilação dos estudos sobre jogos que visam ensinar línguas de sinais ou línguas orais para surdos e reuniu um acervo rico de jogos que poderão servir de referência para trabalhos futuros. Analisando o perfil dos jogos, observamos que quase a totalidade são jogos digitais, e um terço deles faz uso de algum dispositivo eletrônico para reconhecimento de gestos, como luvas sensoriais ou os sensores Leap Motion e Kinect. Os jogos são diversos, desde adaptações de jogos tradicionais, como memória, forca, palavras cruzadas, até jogos de aventura com diversos personagens e enredo.
Os jogos para ensino de língua de sinais ou bilíngues representam a maioria dos estudos selecionados, porém observamos que boa parte dos jogos ensina apenas o alfabeto manual ou sinais isolados das línguas de sinais, desconsiderando as questões sintáticas e de uso social da língua. Poucos jogos fizeram o uso das línguas de sinais em situações que simulem um contexto real de comunicação. O uso de avatar se mostrou um bom recurso visual com essa finalidade, pois permite que o jogador veja e imite os sinais, facilitando o processo de aprendizagem das línguas.
Essa revisão possui algumas limitações intrínsecas às revisões sistemáticas de literatura, seja pela escolha dos termos ou limitações pelas bases de dados. Uma limitação relevante dessa revisão é que a análise dos jogos foi pautada na escrita dos artigos selecionados e não na interação com os jogos.
Entendemos que é um campo que abrange principalmente duas grandes áreas do conhecimento, tecnologia e educação, e por isso os estudos são bastante diversificados, porém percebemos que nem todos os estudos estão familiarizados com os usuários aos quais esses jogos são destinados, os estudantes surdos. Constatamos que ainda há a necessidade de pesquisas sobre o tema, que assumam o compromisso com o aprendizado das línguas por meio dos jogos, embasados pelos preceitos dos estudos surdos.
Pretendemos, em trabalhos futuros, aprimorar a pesquisa sobre desenvolvimento de jogos digitais para a aprendizagem de estudantes surdos, com o intuito de pensar a criação de jogos que estejam em consonância com a educação de surdos, valorizando as especificidades das línguas, culturas e modos de aprender desses estudantes.