Relato de pesquisa
O ensino de matemática para alunos do 9º ano com deficiência intelectual atendidos na sala de recursos multifuncional
Mathematics teaching for 9th grade students with intellectual disabilities attended in the multifunctional resource room
Enseñanza de las matemáticas para alumnos de 9° grado con discapacidad intelectual atendidos en la sala de recursos multifuncional
O ensino de matemática para alunos do 9º ano com deficiência intelectual atendidos na sala de recursos multifuncional
Revista Educação Especial, vol. 35, pp. 1-21, 2022
Universidade Federal de Santa Maria
Recepción: 15 Junio 2022
Aprobación: 09 Noviembre 2022
Publicación: 15 Diciembre 2022
Resumo: Neste artigo são apresentados resultados de uma pesquisa de mestrado na qual buscou-se refletir sobre o ensino de matemática para a diversidade, e a complexa tarefa que esse processo exige quando almeja-se promover uma educação inclusiva. Metodologicamente, por meio da análise documental, de registros e da observação participante, foi explicitado como quatro alunos com deficiência intelectual matriculados no 9º ano do ensino fundamental em salas de aula regulares, porém, com distintos históricos de atendimento educacional especializado em salas de recursos multifuncionais, se desenvolveram ao longo da sua escolarização, contrapondo ambas salas e analisando os seus atendimentos no sistema público de ensino. Como destaque, evidenciou-se a necessidade da busca por estratégias para a inclusão escolar verdadeiramente ocorrer, razão pela qual práticas educativas de matemática, formações iniciais e continuadas de professores, diagnósticos precoces da deficiência intelectual, atendimentos especializados e ações governamentais precisam ser aprimoradas, para assim superarem os entraves ainda existentes na educação básica.
Palavras-chave: Ensino de matemática, Deficiência Intelectual, Inclusão.
Abstract: This paper presents results of a master's research in which we sought to reflect on the teaching of mathematics for diversity and the complex task that this process requires when promoting an inclusive education. Methodologically, through document analysis, records and participant observation, it was explained how four students with intellectual disabilities enrolled in the 9th grade of elementary school in regular classrooms, but with historicals of specialized educational support in multifunctional resource rooms, developed throughout their schooling, contrasting both classrooms and analyzing their assistance in the public education system. As a highlight, it was evident the need to seek strategies so that school inclusion really occurs, reason why mathematics educational practices, initial and continuing teacher training, early diagnosis of intellectual disability, specialized care and government actions must to be improved in order to overcome the obstacles that still exist in the basic education.
Keywords: Mathematics teaching, Intellectual disabilities, Inclusion.
Resumen: En este texto son presentados resultados de una investigación de maestría en la que se busca reflexionar sobre la enseñanza de las matemáticas para la diversidad y la compleja tarea que demanda este proceso cuando se pretende promover una educación inclusiva. Metodológicamente, a través del análisis documental, registros y observación participante, se explicitó cómo cuatro alumnos con discapacidad intelectual matriculados en el 9° grado de la enseñanza fundamental en salas de aula regulares, pero con distintos históricos de auxilio educativo especializado en salas de recursos multifuncionales, se desarrollaron a lo largo de su escolaridad, contrastando aquí ambas salas y analizando su asistencia en el sistema educativo público. Como énfasis, se hizo evidente la necesidad de buscar estrategias para que la inclusión escolar efectivamente ocurra, por lo que las prácticas educativas en matemática, la formación inicial y continua docente, el diagnóstico precoces de la discapacidad intelectual, la atención especializada y acciones de gobierno necesitan ser mejorados, a fin de superar los obstáculos aún existentes en la educación básica.
Palabras clave: Enseñanza de las matemáticas, Discapacidad intelectual, Inclusión.
Introdução
Situações do cotidiano escolar são importantes fontes de pesquisa e de crescimento educacional, de sorte que delas resultam demandas que podem, dentre outras, direcionar para a melhoria do ensino básico. Então, com o propósito de enfatizar a diversidade e modificar o ensino de matemática, levando em conta, nessa perspectiva, a educação inclusiva (EI), desenvolvemos uma pesquisa de mestrado da qual compartilhamos dados e alguns resultados significativos alcançados, cuja íntegra pode ser vista em Lins (2019).
Essa pesquisa foi desenvolvida com quatro alunos do 9º ano do ensino fundamental (EF), e a escolha do público se deu porque esses alunos estavam encerrando uma fase escolar primordial, sendo que haviam passado anos frequentando tanto o ensino regular quanto o atendimento educacional especializado (AEE). Aliás, todos foram indicados para a sala de recursos multifuncional (SRM) ainda nos anos iniciais e tiveram a oportunidade de frequentá-la na rede pública municipal e estadual de ensino.
No que concerne à disciplina de matemática, o 9º ano é marcado por uma retomada de conteúdos, muitos deles abordados nos anos anteriores do EF, além da introdução de conceitos novos que são explorados mais detalhadamente no ensino médio (EM). Nessa etapa, é esperado que todos os alunos atinjam altos níveis de amadurecimento, o que os possibilitará desenvolver habilidades necessárias aos anos escolares posteriores e à sua vida cotidiana e cidadã.
Como a professora pesquisadora, na época, lecionava para três turmas do 9º ano, e muitos dos seus alunos eram conhecidos de anos letivos anteriores, como também eram familiares os seus históricos de indicação para o AEE, sendo assim possível identificar um grande número de casos numa mesma situação, a observação participante mostrou-se como a metodologia adequada a ser empregada na ocasião, atendendo as expectativas procedimentais da pesquisa.
O seu desenvolvimento ocorreu em uma escola pública da rede estadual de ensino e um dos motivos para isso foi o fato de esse ser o ambiente de trabalho, de indagações e de angústias da professora pesquisadora. Outros fatores ainda podem ser listados quanto à representatividade das instituições públicas de ensino quando tratamos de questões como o número de alunos por sala e a sua diversidade cultural e social, o acesso público e gratuito à educação, a presença de alunos com deficiências, além da transparência e o acesso a dados importantes, como índices de matrícula, de evasão ou mesmo de repetência.
A problemática dessa pesquisa adveio, então, a partir da necessidade de repensar o ensino de matemática, apresentado como questionamento principal a pergunta: é possível conceber o ensino de matemática em sala de aula regular, atendendo as peculiaridades e diferenças de todos os alunos, num espaço único e sem distinções, um preceito essencial à educação inclusiva?
Para isso, buscamos conhecer os alunos do 9º ano do EF com indicativo para AEE, estudando sobre a SRM, como ocorrem as indicações dos alunos para esse serviço e o enfoque dado nos atendimentos. Realizamos uma análise do percurso de cada aluno e a relação escolar estabelecida com a deficiência intelectual e o ensino de matemática, característica em comum dos alunos estudados, observando os aspectos trabalhados durante o período de escolarização e os avanços relacionados a sua participação no AEE.
O objetivo principal foi a compreensão do AEE ofertado na rede pública de ensino e suas contribuições para o ensino e a aprendizagem de matemática em sala de aula regular (SAR) aos alunos. Para isso, buscamos a compreensão sobre o desenvolvimento da EI, tanto em leis como em livros, artigos e trabalhos acadêmico-científicos, atentos às perspectivas e aos desafios que a inclusão proporciona, bem como aos aspectos do ensino de matemática e às propostas educativas que tratam do tema. Assumimos como embasamento teórico referências da educação e da educação matemática.
Como resultado, finalizamos com algumas considerações em resposta aos objetivos e indagações que surgiram ao longo da pesquisa, mantendo sempre em mente a ideia de que a matemática pode ser universalizável e acessível para todos, fazendo a indicação de ações que podem ser aplicadas na SAR, diante da diversidade e de maneira inclusiva.
Referencial teórico-metodológico
A necessidade da formação escolar dá à educação matemática a tarefa de enfatizar a participação atuante e crítica dos alunos e professores perante a matemática. Para isso, fazem-se necessárias mudanças nas práticas de ensino desenvolvidas em sala de aula e, sobretudo, é necessária uma boa estruturação escolar, capaz de identificar situações ou problemas ainda nas fases iniciais do ensino dos alunos e de apresentar soluções para a obtenção de resultados melhores e mais significativos para os envolvidos, conforme os anos escolares passam.
Em Paraná (2013), notamos que muitos problemas encontrados no dia a dia escolar são frutos da multiplicidade de alunos com dificuldades de aprendizagem e que não são atendidos em suas necessidades, e o distanciamento da formação docente e as práticas pedagógicas são apontadas neste como fatores relevantes, resultando em medidas de intervenção incompatíveis com as situações apresentadas, e que, por consequência, não alcançam os resultados educacionais esperados, colaborando com o aumento dos índices de alunos com déficits de aprendizagem e com a própria evasão escolar.
Compreendemos, também, que os problemas de aprendizagem são, em si mesmos, contextuais e relativos, e que cada aluno é diferente, em capacidade de aprendizagem, em seu contexto sociocultural, em suas motivações e formas de se desenvolver e, assim, é necessário, primeiramente, compreender o processo de ensino-aprendizagem. Negar essa pluralidade se configura em negar a natureza da escola, que é extremamente rica em características e especificidades que, por sua vez, se convertem em desafios aos professores e à comunidade escolar.
Após a Constituição de 1988, diversas leis se estabeleceram em nosso país com o intuito de promover o efetivo direito à educação para todos, porém, é notório que o acesso pleno às escolas regulares é muito recente e ainda tem muito a avançar. Segundo Lübeck e Rodrigues (2013, p. 16), sendo “conscientes e sensíveis à diversidade e às diferenças, notamos que é preciso reorganizar a escola para transformá-la”, pois a escola atualmente tem recebido alunos com as mais distintas características, e por isso deve se adequar às suas necessidades, e que “[...] levar em conta [ess]a diversidade é uma oportunidade de desenvolvimento e de aprendizagem” (LÜBECK; RODRIGUES, 2013, p. 17).
A inserção de alunos na SAR com o objetivo de cumprir a lei não garante a efetiva inclusão, apesar de ser parte do processo, “é preciso ter consciência de que somos todos diferentes, ainda que tenhamos a mesma dignidade e os mesmos direitos como pessoas e como cidadãos” (LÜBECK; RODRIGUES, 2013, p. 16). Assim, é crescente a demanda por profissionais atentos a esse quadro e, consequentemente, de escolas preparadas e capazes de se reinventar a fim de promover uma educação inclusiva e para todos. Pensar no termo inclusão sem relacioná-lo a mudanças de estrutura, funcionamento e formas de ver o outro é um ato ingênuo e tão excludente quanto imaginar que exista inclusão efetiva sem reconhecer e aceitar que todos são diferentes em suas particularidades, inclusive os alunos sem deficiência.
Para Martins et al. (2010, p. 31), “o termo inclusão reflete o momento histórico de um processo de progressão porque passa a visão de nossa sociedade relativa à deficiência.” Esse momento, segundo os autores, “reflete uma luta maior pela educação para todos”, sendo parte de um processo mais amplo em que toda a sociedade deveria estar inserida e consciente da busca por direitos e melhorias na educação, em uma perspectiva de “igualdade de valores e direitos”, em que a pessoa deveria ter assegurada uma educação de qualidade e compreendidas as suas particularidades, sendo que tal processo tornaria natural a inclusão plena, sobretudo, das pessoas com deficiência.
Observar o ambiente escolar é um exercício necessário para a autoavaliação dessa estrutura na busca por melhores formas de ensinar e aprender as diferentes disciplinas do contexto escolar. E um dos caminhos que podem ser traçados é o da inclusão, porém, segundo Teixeira (2010, p. 150), “grande parte dos estudos sobre o tema, principalmente na área de educação, faz referência quase que exclusiva à questão das pessoas com necessidades especiais: os deficientes.” Como o foco do nosso estudo aqui se referiu ao desenvolvimento dos alunos na SAR, o olhar estendido até estes tomou a perspectiva de uma educação matemática inclusiva, haja vista que ensinar matemática também se faz aprendendo, ouvindo, observando e compreendendo o aluno e as condições que melhor o conduzem ao sucesso educativo, dentro das potencialidades que cada um apresenta.
O estudo se desenvolveu sobre o ensino de matemática por meio da observação na SAR de alunos do 9º ano do EF com indicativo de participação no AEE. E com intuito de compreender a complexidade do processo de ensino-aprendizagem de matemática diante da perspectiva inclusiva, buscamos uma escola estadual do município de Foz do Iguaçu de médio a grande porte que oferecesse o AEE na própria instituição, além de haver pelo menos um 9º ano que, em uma classe, ao menos um dos alunos possuísse o indicativo para o AEE e que fosse aluno frequente na SAR. Juntando as premissas, a escola onde a professora pesquisadora atuava cumpriu os requisitos.
A pesquisa manteve seu foco em instituições da rede estadual de ensino, e por se tratar de instituições públicas, estas possuem um maior número de alunos, classes sociais distintas e acesso gratuito. Além disso, seus históricos de reprovação, de evasão escolar e de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) são maiores se comparados com as instituições privadas, além de representar a realidade de uma grande parcela da população. O AEE oferecido nas SRM de Foz do Iguaçu, município do Paraná, por exemplo, é feito quase exclusivamente pela rede pública de ensino, sendo identificada em apenas uma escola de EF da rede particular no ano de 2018.
Como primeiro passo, foi realizado um estudo sobre o funcionamento da instituição, a forma como os alunos são indicados para o AEE, como o processo de inclusão escolar ocorre e a finalidade educacional buscada no AEE. Em paralelo, houve o levantamento do número de alunos matriculados nos 9º anos no ensino regular dessa instituição, e, destes quais possuíam matrícula ou indicativo para o AEE. Tais números foram fornecidos pelo diretor da escola por meio do Sistema Estadual de Registro Escolar (SERE).
Diante dos dados, foi possível identificar um grupo de alunos com característica e potencial para participar da pesquisa. O grupo se dividia em três turmas de 9º ano, nas quais a professora pesquisadora lecionava. Assim, depois de consultar individualmente os alunos e devidamente autorizada por estes e seus responsáveis, a pesquisa foi realizada, sobretudo, por meio da observação participante. Essa metodologia se mostrou ideal, pois, como professora regente das turmas, a pesquisadora não poderia ser totalmente neutra em um ambiente em que era preciso interagir com os pesquisados durante o processo em que todos estavam abarcados.
No desenvolvimento da pesquisa, então, foram observados alunos em seu ambiente natural, ou seja, na SAR, originando um caráter descritivo e explicativo ao estudo, visando dar familiaridade ao tema investigado com a principal finalidade de analisar a realidade do AEE realizado em SRM em comparação ao ensino de matemática na SAR e seu impacto na formação e desenvolvimento ao longo dos anos dos alunos envolvidos.
Segundo Fiorentini e Lorenzato (2007), as pesquisas desse tipo são realizadas em locais onde os fenômenos ocorrem naturalmente e que o pesquisador frequenta coletando dados junto aos comportamentos naturais das pessoas como, por exemplo, conversando e estudando em classe. D’Ambrósio (2012, p. 93) já dizia que este tipo de pesquisa “é focalizada no indivíduo, com toda a sua complexidade, e na sua inserção e interação com o ambiente sociocultural e natural.” Para Borba e Araújo (2006, p. 24), as “pesquisas que utilizam abordagens qualitativas nos fornecem informações mais descritivas, que primam pelo significado dado às ações” e a identificação dos fatores determinantes para a ocorrência dos fenômenos é considerada como preocupação central. Além disso, estas pesquisas explicam a razão e o porquê das coisas, sendo uma das modalidades que mais se aprofundam no conhecimento da realidade. Por essa razão, são consideradas complexas e delicadas, podendo recorrer a múltiplos métodos, como o observacional (GIL, 2008).
Para a delimitação do número de sujeitos, a priori, realizamos um levantamento dos alunos matriculados no 9º ano do EF, obtendo um total de 103 (cento e três) registros. Destes, mantivemos como foco 16 (dezesseis) alunos que apareceram no SERE com o indicativo ou a matrícula para o AEE, determinando assim eventuais pesquisados.
Como próximo requisito, os alunos deveriam frequentar, ou ter frequentado, o AEE na SRM em algum momento de sua vida escolar. Este dado foi obtido analisando suas fichas de arquivo, com seu histórico documental, matrícula e justificativa para participação neste atendimento. Dos prováveis participantes, apenas quatro possuíam registros e estavam todos caracterizados no caso, e, coincidentemente, com deficiência intelectual.
Estes foram convidados a participar da pesquisa, além de realizar a comunicação e o convite aos seus responsáveis. Com a aceitação dos consultados, realizamos estudos sobre os alunos quanto às suas necessidades e o seu histórico de participação na SRM, bem como dos mecanismos de inclusão deles no sistema, os desafios encontrados nas práticas adotadas, os resultados esperados e os obtidos com esse trabalho, por meio da análise documental dos registros e dos relatos da professora regente do AEE de 2018.
Para a análise documental, consideramos os documentos que poderiam caracterizar o público da pesquisa que, segundo afirmam Lüdke e André (2012, p. 38), “estes incluem desde leis e regulamentos, normas, pareceres, cartas, memorandos, diários pessoais, autobiografias, livros, estatísticas e arquivos escolares”, enfim, uma variedade de fontes.
A observação dos alunos ocorreu no 2º semestre de 2018, diante da autorização do colégio e do compromisso da pesquisadora e dos envolvidos com a confidencialidade da identidade dos pesquisados, e no sigilo quanto à realização da pesquisa ao restante da comunidade escolar a fim de preservar os seus participantes e manter a naturalidade das ações realizadas nas aulas, buscando, nisto, melhor compreender as características do desenvolvimento de cada um com a menor interferência externa possível.
Os dados foram coletados durante as aulas por meio de observações da professora pesquisadora e descritas num diário de campo, e foram relatadas impressões acerca das dificuldades encontradas, questionamentos e possíveis dúvidas, o envolvimento dos alunos nas atividades e seu desenvolvimento diante dos desafios surgidos. Foi um “relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 150).
Ao fim das observações, foi aplicado um questionário que, segundo Cervo, Brevian e Silva (2007, p. 53), “é a forma mais usada para coletar dados, pois possibilita medir com mais exatidão o que se deseja.” O objetivo deste foi saber as concepções dos alunos envolvidos no processo educativo e no ensino de matemática, bem como a forma com que se identificam com esta disciplina.
A análise dos resultados foi realizada seguindo os preceitos da pesquisa qualitativa que, segundo Prodanov e Freitas (2013, p. 113), “depende de muitos fatores, como a natureza dos dados coletados, a extensão da amostra, os instrumentos de pesquisa e os pressupostos teóricos que nortearam a investigação.” Sob a perspectiva desses autores, esse processo pode ser definido por “uma sequência de atividades, que envolve a redução dos dados, a sua categorização, a sua interpretação e a redação do relatório.”
A finalidade da análise consistiu na procura por compreensão do desenvolvimento desses alunos e na exposição de pontos positivos alcançados, destacando os motes de reflexão necessários para o desenvolvimento de práticas de ensino que incorporem ao cotidiano dos alunos formas mais acessíveis e que despertem seu interesse, colaborando para apreensão dos conteúdos matemáticos estudados e tornando-os mais significativos, além de nutrir como proposta principal um ensino inclusivo que contemple os alunos em suas características peculiares, colaborando assim com o ensino de matemática numa perspectiva inclusiva.
Resultados e discussões
A partir dos dados do SERE, foi possível saber que, no ano de 2018, dos 1.506 (mil quinhentos e seis) alunos matriculados no ensino regular da escola onde a pesquisa ocorreu, 103 (cento e três) constavam no relatório como alunos com deficiência para o 1º semestre, dos quais 78 (setenta e oito) apresentavam algum distúrbio da aprendizagem, 17 (dezessete) deficiência intelectual, cinco altas habilidades/superdotação, um transtorno déficit de atenção e hiperatividade e um com baixa visão. Os alunos possuíam diferentes idades e estavam distribuídos entre as turmas regulares dos vários níveis de ensino.
É necessário observar que os alunos com distúrbio da aprendizagem representavam 75,7% dos alunos. Tal fato pode ser melhor entendido quando observamos a maneira como é feita a avaliação diagnóstica dos alunos para a sua inserção no AEE. No caso, para justificar essa classificação, “cabe informar que há outros alunos que estão sendo avaliados pelas professoras das salas de recursos, para também receber atendimento” (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2014, p. 38).
Segundo Drouet (2006, p. 28), “a avaliação diagnóstica consiste em submeter as crianças a uma série de provas que reúnem todas as capacidades, habilidades e aptidões necessárias à aprendizagem”. Tal prática é realizada como uma avaliação inicial, em que o professor da SRM realiza uma análise prévia dos resultados deste aluno na SAR, junta-se a isso os relatos dos professores das diferentes disciplinas, além da observação das características individuais apresentadas por cada indivíduo.
Caso a avaliação apresente resultados abaixo da média esperada para a faixa etária em que o aluno se encontra, os responsáveis por ele são comunicados para buscar a avaliação de um especialista na área da saúde e a escola passa a integrar este aluno no AEE, mesmo antes do laudo ser entregue para que este aluno tenha acesso ao AEE. O fato de grande parte dos alunos possuir algum diagnóstico de distúrbio de aprendizagem também se dá pela ampla interpretação do termo distúrbio que, segundo Drouet (2006, p. 91), “significa perturbação ou alteração no comportamento habitual de uma pessoa [...], distúrbios são problemas ou dificuldades no processo ensino-aprendizagem.”
Porém, muitas famílias optam por não realizar a avaliação com um especialista, por diversos motivos, sejam eles financeiros, morais ou sociais, acabando por não incluir seus filhos efetivamente no AEE. Um reflexo disso é a quantidade de alunos efetivamente matriculados na SRM. Dos 103 (cento e três) listados no relatório, apenas 54 (cinquenta e quatro) estavam com a matrícula ativa no serviço, o que representava apenas 52,4% dos alunos que precisariam do atendimento oferecido.
Como o foco da pesquisa se ateve aos alunos do 9º ano do EF, foi possível verificar que, dos 54 (cinquenta e quatro) alunos ativos no sistema de matrícula como alunos da SRM, 16 (dezesseis) estavam no 9º ano, com distribuição em quatro turmas regulares, na média de quatro alunos por turma. Ao realizar o questionamento se estes participavam ou haviam participado da SRM, tivemos que: cinco alunos declararam nunca ter frequentado o AEE e, destes, dois relataram desconhecer a necessidade de participar na SRM. Sete não frequentavam mais, mas frequentaram em anos anteriores e deixaram de participar por ingressar no mercado de trabalho, não desejar participar por vergonha e desinteresse, ou por precisar cuidar de irmãos menores nos períodos em que as aulas ocorrem. Nesses últimos casos, os responsáveis pelos alunos assinaram a ata de desistência em participar do AEE, já que a escola oferece esse serviço, mas não pode obrigar ninguém a participar, sendo encargo dos tutores legais a opção pela frequência ou não nesse atendimento.
Os alunos que frequentavam o AEE eram quatro, sendo que um deles possuía altas habilidades/superdotação e era atendido em uma instituição parceira da Secretaria de Estado da Educação (SEED), com atividades centralizadas na característica apresentada pelo aluno, portanto, este não participou da pesquisa, pois não frequentava a SRM em questão. Os outros três alunos que declararam frequentar a SRM na instituição possuíam um longo histórico em seus registros e faziam parte do AEE desde os anos iniciais, mesma característica apresentada por um dos alunos que declarou não participar mais desse atendimento e que não constava mais como matriculado na SRM por vontade própria, pois, ao completar 18 (dezoito) anos, em 2017, decidiu não participar do AEE.
Tal fato pode ser constatado nas fichas dos que participavam ou participaram da SRM, junto ao arquivo, onde constam as informações dos atendimentos prestados, laudos feitos na fase inicial do EF, quando esses existiam, além de progressos e dificuldades relatadas pelas professoras que acompanharam estes alunos durante sua jornada escolar. De todos os alunos, somente os últimos quatro possuíam essa documentação disponível na SRM.
Estes foram diagnosticados ainda na infância, entre oito e nove anos, e a escola de EF que frequentavam fez essa avaliação inicial, onde foram observadas as primeiras dificuldades de aprendizagem. Apesar dos quatro apresentarem diagnósticos diferentes nas primeiras avaliações psicoeducacionais, todos foram considerados com deficiência intelectual ao entrarem nos anos finais do EF, sendo então alunos com históricos ricos e de relevância extrema para nossa pesquisa. Vale ressaltar que a deficiência intelectual não era o objetivo dessa pesquisa, que tinha como foco os alunos com NEE que estavam na SAR, porém, no decorrer do processo de identificação dos mesmos, esta tornou-se importante e passou a ser considerada e investigada.
Assim, conforme a classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID-10, a deficiência intelectual corresponde ao desenvolvimento incompleto do funcionamento intelectual, relacionado com o comprometimento das funções cognitivas, responsáveis pela capacidade de aprender e compreender, englobando linguagem, percepção, aquisição da informação, raciocínio e memória, por exemplo, funções responsáveis, dentre outras ações, pela realização de cálculos, escrita, leitura e movimentos (MALLOY-DINIZ et al., 2010).
Segundo Dias e Oliveira (2013, p. 170),
Comparada às deficiências motoras, sensoriais e de comunicação, a deficiência intelectual encontra-se em situação peculiar, tanto devido à invisibilidade inerente ao indivíduo não sindrômico, como pelas representações sociais dominantes que, ao passo que atribuem à pessoa com deficiência intelectual uma cognição infantil, contribuem para lhes excluir do direito a uma vida adulta autônoma e cidadã.
Para Veltrone e Mendes (2011, p. 415), “na atualidade, a condição da deficiência intelectual deve ser compreendida enquanto a interação entre uma pessoa com funcionamento intelectual limitado e seu ambiente.” As autoras destacam a necessidade de manter o compromisso com os apoios necessários, pois com reforços individualizados e específicos é possível a melhora na vida cotidiana dessas pessoas. Para além disso, um grupo de alunos com deficiência intelectual pode receber classificações de diferentes níveis entre si, mas com características comuns relacionadas à aprendizagem.
Já Drouet (2006, p. 196-197) destaca que,
Geralmente, seus problemas de aprendizagem são devidos à incapacidade de acompanhar o mesmo ritmo de seus colegas de mesma faixa etária. [...] têm um nível de maturidade inferior ao da maioria das crianças da mesma idade e são mais lentas, podendo ter uma defasagem de um, dois ou mesmo três anos em relação às outras crianças. Muitas delas são mais lentas apenas no nível intelectual [...] revela[ndo] problemas de aprendizagem já na fase pré-escolar. Por sua incapacidade de atenção, sua dificuldade em atender regras ou ordens simples, seu desinteresse e alheamento, é incapaz de acompanhar o nível da classe. Ao chegar à 3ª ou 4ª série do primeiro grau [i.e., 4º ou 5º ano do EF], começa a ter dificuldades maiores e consegue progredir muito pouco a partir de então. Tem dificuldade de comunicação, porque seu vocabulário é muito restrito.
Por outro lado, Veltrone e Mendes (2011, p. 419) afirmam que
[...] a condição de deficiência intelectual não é um conceito monolítico, pois engloba desde pessoas com dificuldades circunscritas à aprendizagem acadêmica, até indivíduos com dificuldades acentuadas em todos os domínios da existência humana, e que, portanto, é impossível estipular quaisquer generalizações para a categoria como se fosse um único bloco de indivíduos com as mesmas necessidades educacionais especiais.
Segundo Costa, Picharillo e Elias (2016), a matemática é elemento essencial para o desenvolvimento da vida independente diante das necessidades da sociedade moderna, porém, boa parte da população apresenta dificuldades na aprendizagem desta disciplina. Em especial, destacam que alunos com deficiência intelectual possuem dificuldades mais concentradas, tal como dificuldades com habilidades de percepção espaciais, distâncias e sequenciamentos; de pensamento e raciocínio, o que dificulta a resolução de problemas; de memória, não conseguindo lembrar de informações e símbolos matemáticos que lhes foram apresentados; possuem um baixo grau de generalização, não conseguindo aplicar o que foi aprendido em contextos diferentes ao apresentado; diante de situações formais de aprendizagem, não conseguem manter a atenção e a concentração; para participarem das atividades frequentemente necessitam da mediação de um professor, demonstrando baixo nível de motivação, sobretudo quando identificam a ausência de clareza e aplicação social direta, além do nível de dificuldade proposta no problema.
Para compreender melhor a condição em que se encontravam os alunos, realizamos a análise documental obtida na SRM. Para descrição dos participantes, são utilizados os nomes fictícios: Caio, Tatiana, Ricardo e Pedro, sem relação alguma com suas identidades originais, tampouco com os demais que frequentavam esse serviço na ocasião, buscando assim manter a confidencialidade dos sujeitos observados e de seus colegas.
A sua grande dependência da professora na execução de atividades e o baixo nível de concentração foi um fator observado nos quatro alunos, sendo que Caio e Tatiana apresentaram maior disponibilidade na execução de tarefas e foram mais determinados em cumpri-las. Caio se sentia mais motivado quando podia dar maior significado ao conteúdo estudado e, principalmente, em assuntos de seu interesse. Tatiana, apesar de não ser muito seletiva, também obtinha melhores resultados na aplicação de instrumentos de ensino com maior significância e menos abstração.
Pedro tinha pouca motivação, mas era estimulado e acompanhado pela família e mantinha-se frequente nas atividades do AEE, e, mesmo com atrasos em seu processo educativo, obteve significativa melhora no desenvolvimento. Já Ricardo tinha uma relação conturbada com a escola e não aceitou, desde sua inclusão no AEE, a ajuda que recebia. Sempre foi muito arredio, afrontando as pessoas que representavam autoridade sobre ele, inclusive sua família, não desenvolvia as atividades pedidas e acumulava um grande número de faltas na SRM. Como efeito, tinha um longo histórico de idas e vindas ao AEE, com significativa melhora no rendimento escolar quando ali estava, mas, mesmo assim, persistia em não se fazer presente sempre que podia.
As orientações para superar as dificuldades dos alunos se assemelhavam em parte, com problemas na escrita, leitura e codificação dos símbolos que representam as letras e palavras, possuindo ainda dificuldades em questões de lógicas e matemática advindas de problemas de concentração e compreensão de conteúdos, não estabeleciam as relações básicas de quantidade, tempo e cálculo de operações simples, porém, com o auxílio do AEE, apresentaram evidentes avanços na SAR, cada um a seu tempo e a sua maneira.
Em todos os relatórios, ficaram nítidas as avaliações comportamentais como fatores de relevância no desenvolvimento social dos alunos, sendo descritas características de amabilidade e sociabilidade como pontos positivos e a falta destes como pontos negativos no processo educativo. Os relatórios não deixaram claro as consequências de possíveis maus comportamentos, mas servem mantendo um histórico comportamental atualizado a cada novo documento que era redigido sobre eles.
Sobre as observações realizadas no 9º ano, estas confirmaram aspectos descritos nos arquivos dos alunos no AEE. Pedro manteve-se com grande timidez nas aulas, era muito calado e raramente demonstrava suas emoções, além de não questionar ou expor dúvidas. Era dependente da professora e não tinha motivação para realizar atividades em que precisasse expressar conteúdos novos. Eram necessários constantes elogios sobre os avanços e a simplificação dos conteúdos ao máximo, buscando extrair respostas aos problemas. Se mostrava disposto a responder quando identificava algum conceito que já compreendia, porém, ao avançar e não compreender algo, parava de tentar. Apresentava grandes dificuldades na escrita de palavras simples quando não podia copiá-las de algum lugar, reproduzindo-as como falava.
Observando o histórico de Tatiana e ela na SAR, esta continuava com dificuldades de concentrar-se e prosseguir o raciocínio sobre os problemas que exigissem a resolução algébrica, porém, bastante comprometida e persistente, buscava perguntar e tirar dúvidas. Compreendia melhor quando as questões podiam ser exemplificadas por meio de imagens e relacionadas a problemas do cotidiano. Apesar disso, apresentou avanços nos conteúdos estudados e obteve bons resultados.
Caio necessitava de constante significação dos conceitos matemáticos que estavam sendo abordados na fase de alfabetização, além de atividades e métodos de ensino que lhe chamassem atenção e incentivassem sua criatividade. Com o passar dos anos e a participação nos AEE, chegou ao 9º ano do EF com um pensamento matemático bem desenvolvido, possuía autonomia na busca por respostas e não era mais dependente da professora, mantinha uma característica questionadora e apresentava uma maior atenção em atividades e explicações diferenciadas, lúdicas e relacionadas ao cotidiano. Apesar de não participar mais do AEE, esse atendimento foi relevante para o seu desenvolvimento, sendo possível notar seus avanços na SAR, relatados pelo próprio aluno no questionário.
Ricardo, apesar do difícil relacionamento entre ele e seus colegas, evidenciado em alguns momentos, desenvolveu-se com notável avanço nos períodos em que participou do AEE. A resistência apresentada em relatar a participação neste serviço e o acumulado de faltas que tinha quando possuía matrícula na SRM refletiram em seu desenvolvimento, tendo atrasado mais do que os demais em relação ao término do EF e ingresso no EM.
A relação familiar, o afinco no acompanhamento dos alunos, além da disponibilidade e dedicação de cada um, considerando suas condições individuais, foram fatores assaz relevantes para os avanços ou as pausas dos seus processos educativos. A diferença no desenvolvimento dos alunos se deve, também, ao meio social e familiar de cada um. Dias e Oliveira (2013) destacam que fatores como a exposição deficitária aos bens culturais, suporte socioafetivo inapropriado e inadequação de projetos pedagógicos promovem, nos alunos, um sentimento negativo da deficiência intelectual como condição debilitante.
Para Rodrigues (2006), a formação de professores preparados para trabalhar com a inclusão deve vislumbrar as deficiências, dando ênfase no conhecimento da diversidade humana, contemplar a deficiência intelectual, com a intenção de conhecer as diferenças no intuito de incluir e não justificar a segregação. Dessa forma, os professores estariam preparados para realizar um esboço de ações e de planejamentos que permitam realizar estratégias que atendam todos os seus alunos.
Outrossim, um grande número de alunos com deficiências na escola não determina diretamente que estes estejam presentes no AEE, porém, é garantido que estejam na SAR, sendo este o fator que determina a necessidade de mudanças e desenvolvimentos nos modelos educativos oferecidos em todas as disciplinas. E o ensino de matemática não pode ficar inerte ou alheio à realidade, sendo necessária uma reflexão na composição de práticas integradoras e inclusivas capazes de tornar seu ensino mais atrativo e efetivo na SAR para todos os alunos.
O desafio apresentado na perspectiva inclusiva é a construção de uma escola capaz de revelar-se na igualdade de oportunidades e propiciar a mesma qualidade a todos os alunos com responsabilidade, isto é, dar oportunidades iguais nem sempre traz consigo o significado de oferecer um mesmo tratamento a todos. A escola deve ter como objetivo possibilitar o mesmo acesso sem esquecer-se que isto não significa oferecer os mesmos meios de permanência para os alunos com NEE (KASSAR, 2007).
Pensar a matemática numa perspectiva inclusiva, isto é, segundo Martinho (2016, p. 8), em uma “matemática para todos, é uma expressão muito poderosa e carregada de significado”. A autora diz que a afirmação traz implicitamente a ideia de que todos temos a predisposição para aprender a matemática necessária para a vida, nos desenvolvendo como cidadãos críticos e ativos. Tal fato se dá por uma educação inclusiva e capaz de estimular cada aluno a aprender e a exercitar capacidades úteis para o seu cotidiano, colaborativas no desenvolvimento da curiosidade e na predisposição para o trabalho crítico que colabore no desenvolvimento da autonomia, do significado ao que se aprende, na capacidade de argumentação, da resolução de problemas e no desenvolvendo da capacidade de ir mais além para atingir o máximo de suas potencialidades.
A necessidade de uma escola para todos, sem distinções, torna-se aí evidente, e o compromisso de educar para a liberdade, para o desenvolvimento de capacidades individuais, promovendo uma visão crítica e questionadora, além da cooperação e o entendimento, são características fundamentais de uma escola atenta e aberta a ensinar e aprender (TEIXEIRA, 2010). E mais, Diodatti (2016) afirma que “o ensino da Matemática para o aluno com deficiência exige uma significação maior de conteúdos e, para isso, é necessária uma mudança de atitude e de visão do docente.” Portanto, compreender o espaço em que se insere e os elementos que o compõem é de fundamental importância para o seu sucesso.
Quando essa compreensão ocorre e os esforços são realizados para atender grupos que aparentemente apresentam maiores dificuldades em um espaço coletivo, como consequência, atenderemos igualmente às necessidades apresentadas por indivíduos que não estão nesses grupos, mas que farão parte de um contexto e de ações que possuem objetivos direcionados e que acabam beneficiando todos os envolvidos.
Aliás, para D’Ambrósio (2001, p. 20), “o mundo atual está a exigir outros conteúdos, naturalmente outras metodologias, para que se atinjam os objetivos maiores de criatividade e cidadania plena”, pensando em uma matemática mais significativa, e isso só será possível repensando uma série de situações. Uma destas situações se refere a necessidade de formação continuada dos professores de matemática, que deve ser vista, segundo Moreira, Manrique e Martins (2016, p. 75), como “uma forma de dirimir eventuais dúvidas, conceituar e enxergar a disciplina de matemática como área do conhecimento dinâmico partícipe de todo o conhecimento da sociedade e da diversidade.”
Privilegiar formações continuadas voltadas a esse foco possibilitaria aos professores conhecer questões que envolvem a legislação em que a EI se insere, os direitos dos alunos com deficiência, as diferentes formas de atendimento oferecidas a esse público, as tipologias de deficiência, os encaminhamentos da filosofia que tange a esfera inclusiva, a inclusão em aulas de matemática, além de características socioemocionais dos alunos (MOREIRA; MANRIQUE; MARTINS, 2016). Porém, esta não é a única via para a inclusão.
Os professores são agentes importantes neste processo, mas precisam de meios e de formas para realizar as formações, feitas com tempo livre para isso e com amparo das equipes pedagógicas e professores das SRM. É no trabalho colaborativo que o caminho se abre para estas ações. Portanto, não basta governos e secretarias proporem metas e estratégias sem dar condições para que sejam alcançadas. Suas imposições e políticas atravancam as melhorias e engessam a ação docente.
A criação de ambientes propícios para o ensino é outro ponto importante na busca por uma educação inclusiva. As escolas podem contribuir para a reorganização do conhecimento sobre as NEE dos alunos e, colaborativamente, ajudar muito no fazer dos professores que ensinam matemática. Moreira, Manrique e Martins (2016, p. 79) falam em
Divulgar informações a respeito de manifestações saudáveis acerca do processo de inclusão em aulas de matemática; criar grupos de discussão a respeito das potencialidades e necessidades dos alunos; discutir textos que abordam a temática durante os momentos de coordenação coletiva; realizar palestras com especialistas da temática em reuniões de pais e mestres; apreciar a inclusão como uma filosofia que oportuniza lidar com a diversidade, contribuindo para a inserção social e pedagógica do aluno com necessidades educacionais especiais e, finalmente, priorizar a formação continuada em toda a sua extensão.
Tais propostas são sugeridas pelos autores com a finalidade de minimizar atitudes que possam desfavorecer o processo inclusivo, com o objetivo de tornar professores e a comunidade escolar engajadas em uma educação voltada para todos os alunos e suas diferenças, sem preceitos generalistas e capazes de observar a diferença como algo presente na interação social, o que faz parte das características humanas.
Outras ações se somam a estas quando pensamos em salas de aulas e alunos, sendo necessário perceber que todos aprendem de formas diferentes, e utilizar meios que auxiliem o ensino são ferramentas de grande valor no processo educativo que se pretende estabelecer. Porém, segundo Rodrigues (2006), isso não implica que cada aluno tenha que aprender por um método diferente e individualmente, o que não tornaria a escola funcional na realidade contemporânea, mas que se fazem necessárias estratégias e objetivos condizentes com a realidade dos alunos, com objetivos educacionais atuais e bem estabelecidos, com abordagens diferenciadas capazes de promover a aprendizagem sem criar mais desigualdades.
Não há dúvida que a colaboração entre o atendimento ofertado na SRM e na SAR favorece o processo educativo. Segundo Ferreira (2016), uma das atribuições dadas aos professores da SRM é auxiliar e oferecer apoio aos professores da SAR com a finalidade de dar suporte aos alunos com NEE, realizando adaptações em materiais que permitam aos mesmos manipular, observar e interagir de formas distintas com objetos e conceitos trabalhados nas aulas.
Nestes termos, pensar uma educação matemática inclusiva envolve conhecer todos os alunos, pesquisar suas dificuldades e procurar formas de solucioná-las, atendendo a todos, sem distinção, em um mesmo espaço educativo, com dedicação e em colaboração com muitos. Esse é um caminho possível, o que não quer dizer que seja simples perfazer.
Considerações finais
O patamar educativo, no qual a sociedade atualmente se encontra, mostra cenários multifacetados, e estudar algumas características suas, sobretudo o ensino de matemática sob aspectos inclusivos, bem como problemas e questões que se delineiam nos caminhos da pesquisa, não é uma via tranquila nem fácil de ser percorrida e vencida. É necessário admitir que falar de EI é muito mais complexo do que se pensa.
Talvez por ingenuidade, desconhecimento e até visões socialmente enraizadas em práticas e formas distorcidas de ver o mundo, compreender que a EI só se efetiva quando temos em mente que todos são diferentes, não é um conceito imediato, mas é necessário e precisa ser trabalhado. E permitir que esse conceito oriente ações educativas é um grande passo para uma escola melhor e mais humana.
Pesquisas, leituras e debates fazem com que pensemos e repensemos conceitos que não eram passíveis de mudanças no íntimo de nossa consciência até que fossem questionados, e esse exercício desempenhou um grande papel na mudança enquanto profissionais da educação. Nessa jornada, foram pesquisados alunos conhecidos de anos anteriores, mas que nunca haviam sido realmente observados, com tantos detalhes e sob bases científicas. Isso mostrou como aprimorar nossas práticas e ações docentes. Essa observação na SAR mostrou-se ainda uma grande aliada no desenvolvimento das aulas.
Além disso, algumas questões que influenciaram os processos de ensino em que os alunos estavam envolvidos puderam ser identificadas, tais como o círculo sociocultural, os problemas familiares, a forma como compreendiam o mundo e se viam como indivíduos, fato que exercia influência direta em suas ações, principalmente no meio escolar em que estavam expostos, sujeitos às mais variadas avaliações e julgamentos que eventualmente poderiam minar seus egos e torná-los mais ou menos populares, ou ainda taxá-los como diferentes desta ou daquela forma.
A resistência aos AEE é um fator a ser destacado, porque o diagnóstico recebido por um aluno não é suficiente para incluí-lo na SRM, mesmo que isso seja garantido por lei, entretanto, é certo que este estará na SAR. Tal cenário é fértil à pesquisas da educação matemática e ao desenvolvimento destas enfocando o acompanhamento dos alunos na SRM, no ensino de matemática, a experiência profissional dos professores do AEE e a sua formação, além de outros; são fontes de estudos que colaboram para uma educação inclusiva em construção.
A participação dos alunos pesquisados na SRM e no AEE que frequentaram tiveram um importante papel de oferecer as condições necessárias para o percurso educativo dos quatro pesquisados. A utilização de materiais diferenciados, a oportunidade de trabalho com um número reduzido de alunos, a proximidade dos professores das SAR e SRM com as características dos alunos e de suas necessidades também foram fatores de grande importância para seu desenvolvimento.
Para mais, o ensino de matemática pode ser acessível a todos os alunos, inclusive para aqueles com dificuldades, desde que seja oportunizado de forma mais próxima da realidade, sendo exemplificado por meio de situações, esquemas, figuras e contextos que permitam aos alunos observarem sua relevância na vida cotidiana, tornando-os parte da construção do seu conhecimento. A composição de teorias matemáticas, destacando seu desenvolvimento junto às demais disciplinas, como uma ciência em constante progresso, assim como a própria humanidade, mostra eficácia na constituição do conhecimento dos alunos em foco.
Sustentar um ensino centrado nas necessidades e potencialidades individuais dos mesmos, principalmente com atendimentos individualizados, mostrou-se uma metodologia necessária e eficaz aos observados na SAR, contudo, os desafios para os atendimentos são grandes e as demandas vão além dos esforços dos professores regentes das turmas. Algumas destas demandas são da ordem de políticas públicas e de ações que possam colaborar para um número menor de alunos por turma, a disponibilidade de professores auxiliares para o atendimento de todos os alunos e de suas dúvidas, além de materiais e formações específicas para os professores.
É necessário meios para que as escolas se tornem inclusivas, não bastando apenas cobrá-las de suas obrigações, algo estabelecido pela legislação ou órgãos reguladores. Realizar um planejamento antecipado e conjunto de ações no âmbito escolar é um dos caminhos, muito diferente do que se vê agora, configurado por ações individuais, cheias de intenções, todavia com propósitos desordenados, que colaboram para a identificação tardia dos alunos que necessitam de um AEE, atrasando, assim a elaboração de condutas educativas na SAR que melhorem o ensino e a aprendizagem, identificação que também é responsabilidade da família e sociedade, possibilitando a continuidade de serviços já estabelecidos e que podem dar uma luz frente aos caminhos que precisam ser traçados pelos profissionais que atendem esses alunos no presente e que os atenderão no futuro.
Por fim, importa destacar que um processo educativo não se configura em esforços individuais, mas cada um faz a diferença à sua maneira, em atitudes cotidianas, e é no trabalho coletivo, na troca de informações e na capacidade de compreender que todos os alunos são seres únicos, que aprendem de formas diferentes, que será possível promover uma educação para todos, uma educação inclusiva, seja esta na disciplina de matemática ou em qualquer outra disciplina que se queira ensinar.
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