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MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E POLÍTICA DE SAÚDE: desafios para as práticas integrativas e complementares no SUS
Henriqueta Tereza Sacramento; Raquel de Matos Lopes Gentilli
Henriqueta Tereza Sacramento; Raquel de Matos Lopes Gentilli
MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E POLÍTICA DE SAÚDE: desafios para as práticas integrativas e complementares no SUS
CAPITAL GLOBALIZATION AND HEALTH POLICY: challenges for complementary and integrative practices in SUS
Revista de Políticas Públicas, vol. 20, núm. 1, pp. 103-120, 2016
Universidade Federal do Maranhão
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Resumo: Este artigo discute resultados parciais de uma pesquisa de avaliação da experiência do serviço de Práticas Integrativas e Complementares (PICs) do município de Vitória-ES. Tem por objetivo analisar como as determinações da economia e da política afetam o direito social à saúde, materializado no SUS, tomando-se como base experiência da PICs. Os procedimentos metodológicos, de natureza qualitativa, foram definidos a partir da perspectiva de análise crítica da sociedade de classes. Nos resultados foram identificados que, apesar da experiência ter iniciado em 1992, isto não se constituiu em condição suficiente para uma consolidação mais significativa. Constata que as PICs estão sujeitas às mesmas contradições que permeiam a gestão do SUS e ainda recaem sobre elas, restrições relacionadas a divergências entre os paradigmas da saúde. Conclui que, apesar dos entrevistados se considerarem comprometidos com a institucionalização das PICs, verifica-se, na prática cotidiana, que ainda existem muitas ressalvas ao modelo.

Palavras-chave:Transformações societáriasTransformações societárias, Política de saúde Política de saúde, Sistema Único de Saúde Sistema Único de Saúde, Práticas Integrativas e Complementares Práticas Integrativas e Complementares.

Abstract: challenges for complementary and integrative practices in SUS : This paper discusses preliminaries results of an evaluation research on services experience of Integrative and Complementary Practices in the city of Vitória-ES. Aims to analyze how the decisions of economics and politics affect the social right to health materialized in the SUS, using as basic the experience of PICs. The methodological procedures of a qualitative nature were defined from the critical perspective of analysis of class society. The results identified at although the experience has started in 1992 it consisted not in sufficient condition for a more significant consolidation. Is was found that PICs is subjected to the same contradictions that permeate the SUS management and still fall on them restrictions related to disagreement among health paradigms. It concludes that despite the respondents consider themselves committed to the institutionalization of PICs; it turns out in the daily practice there are still many restrictions to the model.

Keywords: Social transformations, Health policy, Health Nacional System, Integrative and Complementary Practices.

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Artigos - Dossiê Temático

MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL E POLÍTICA DE SAÚDE: desafios para as práticas integrativas e complementares no SUS

CAPITAL GLOBALIZATION AND HEALTH POLICY: challenges for complementary and integrative practices in SUS

Henriqueta Tereza Sacramento
Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM), Brasil
Raquel de Matos Lopes Gentilli
Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM), Brasil
Revista de Políticas Públicas, vol. 20, núm. 1, pp. 103-120, 2016
Universidade Federal do Maranhão

Recepção: 18/01/16

Aprovação: 07/03/16

1 INTRODUÇÃO

A questão da garantia dos direitos se encontra no cerne das contradições das sociedades modernas e democráticas. Emerge nos Estados democráticos capitalistas do século XX e crescem como demandas de reconhecimento de direitos por qualidade de vida e por redução das desigualdades sociais (BOBBIO, 1992). São políticas que respondem aos carecimentos humanos em saúde, educação, trabalho, vida digna, etc., sem, contudo, deixar de espelhar e reproduzir as desigualdades concretas que se encontram associadas a confrontos, paradoxos e contradições das relações de classes nas sociedades do capital.

Nestas sociedades, a legalidade democrática constitui-se como uma fiança mínima para a existência da proteção do Estado aos direitos sociais e como garantia de um mínimo de sociabilidade que envolva a vida coletiva de homens e mulheres em suas condições de existência real. Esta condição do ser social, como partícipe de uma coletividade de sujeitos de direitos, não evanesce, entretanto, as condições de classe social em que vivem os segmentos de trabalhadores que dependem de seus direitos reconhecidos e respeitados e da capacidade de construção e reconstrução cotidiana de uma cultura jurídica democrática que os regulamentem e os protejam. Tais pressupostos se constituem em fundamentais anteparos protetivos dos trabalhadores às concretas transformações do capital e suas repercussões sobre o mundo do trabalho. As atuais marcas do conflito social, que incidem sobre a totalidade social, exasperam os antagonismos da relação capital- trabalho e também se alastram sobre a pluralidade das demandas concretas da vida social e dos espaços políticos e organizacionais, onde tais demandas são instituídas.

A crise política atual, que resulta no domínio do mercado sobre os Estados nacionais, também enfraqueceu as conquistas históricas, as instituições e a cultura da solidariedade. Segundo Nogueira (2001), provoca uma profunda desmobilização e fragmentação das lutas políticas, com repercussões ambíguas e contraditórias nos encaminhamentos dos governos e de seus respectivos projetos políticos.

É neste panorama de perdas históricas dos avanços políticos democráticos das últimas décadas, que se encontra o cenário da fragilização dos espaços da política de saúde e o esvaziamento dos conteúdos doutrinários do Sistema Único de Saúde (SUS). A perda das conquistas históricas, acentuada pela tendência privatista, tem recolocado em outro contexto, a clivagem tradicional da distinção entre pobres e cidadãos, discutida por Santos (1979) em Cidadania e Justiça.

Nesse sentido, o universalismo que a princípio, se constitui como uma vantagem fundamental do processo civilizatório, revela-se como uma materialidade de contradições e ambiguidades. Nas políticas públicas, para as quais não existe “[...] um sistema de obrigações e penalidades.” (NOGUEIRA, 2001, p. 95), esse universalismo depende de decisões, alocações, providências governamentais, transferência de rendas, definidas ao sabor da correlação de forças dos movimentos sociais, da solidariedade social e dos vínculos coletivos.

Enfim, as políticas sociais em geral, e a política de saúde em particular, representam historicamente um avanço fundamental nas relações sociais das sociedades capitalistas. Entretanto, as contradições de classes e as desigualdades de renda no Brasil foram progressivamente ganhando visibilidade e materialidade nas decisões políticas e econômicas referentes ao SUS.

2 O ESTADO NA ERA DA MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL

A dominação de classe se manifesta de forma difusa, separando o capitalista da aplicação direta dos meios de coação, mas não da relação social que a suporta – a forma concreta do Estado -, conformando o sujeito social por meio de instituições e organizações sociais. As instituições

[...] costumam acionar essa fiança das relações de dominação (inclusive das relações capitalistas de produção), quando o que é promessa virtual e subjacente às mesmas, é invocado para que se efetive. (O’DONNELL, 1981, p. 77).

Não se trata, portanto, de uma forma de manifestação direta sobre os sujeitos sociais concretos, mas de uma condição de existência do capitalismo, de sua relação social e de sua produção e reprodução como já fora analisada por Marx, que assim a resume no Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política de 1859:

Na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e espiritual em geral. (MARX, 1977, p. 301).

Apesar de Marx não citar explicitamente o Estado como instituição neste excerto, pode-se nele observar, entretanto, a existência de uma articulação da vida material dos homens aos demais aspectos políticos e jurídicos da sociedade, na qual o Estado realiza a mediação da dominação. Ao explicitar que as relações de produção e a estrutura econômica constituem a base real da sociedade, Marx fornece os elementos fundamentais para a compreensão de sua relação com o Estado.

Os condicionantes da totalidade dialética do Estado constituem-se nos elementos fiadores das relações de classe existentes na sociedade, organizada dinamicamente, mas não sem contradições e conflitos. Os interesses de classe ultrapassam dialeticamente, entretanto sem negar, as formas mais complexas e elaboradas, presentes na concepção de Estado mencionada no Manifesto do Partido Comunista como “[...] comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa.” (MARX; ENGELS, 1977, v. 3, p. 23).

Se o Estado é mais que um comitê de negócios, não deixa de ser um ponto de articulação central com a sociedade civil. Na interpretação de Carnoy (1990), Marx identifica que o Estado teria sua origem nas condições materiais de existência, oriundas das relações de produção situadas na sociedade civil.

Octávio Ianni (1980, p. 36-37) observa que Marx não se furtara de estudar o Estado burguês de sua época como uma monumental superestrutura que fora usada como força de poder “[...] para acelerar a reprodução do capital e, ao mesmo tempo, destruir ou incorporar os remanescentes do feudalismo.”, além de incorporar as classes subalternas como “[...] subjugadas, mas não aniquiladas.”

Em suas análises sobre o Estado, Ianni (1980) aponta o aspecto preponderante do lugar das ideias e da política na explicação da sociedade em suas relações com o Estado e com os detentores do poder econômico. Nesse sentido, adverte que o Estado se manifesta como um fenômeno constituído e constituinte das relações de classe que existem na sociedade, em cuja natureza emerge a “[...] conciliação de interesses desiguais e contraditórios, como os da burguesia, da classe média e do proletariado.” (IANNI, 1980, p.38).

Em Marx podem ser verificadas as pré-condições de existência do Estado capitalista atual, em sua determinação concreta e em sua historicidade, onde estão apontados seus elementos constitutivos: os aparatos repressivos e ideológicos, o exercício do poder sobre os negócios públicos e os elementos de dominação de classe, possibilitando uma compreensão estrutural do Estado em articulação com os “[...] interesses comuns de todos os membros de uma sociedade de classes.” (OFFE; RONGE, 1984, v. 3, p. 123), organizando a vida coletiva dos homens, a vida de todas as classes sociais, enfim, a vida de toda a sociedade.

Nesse sentido, passa a ser de responsabilidade daqueles que o encarnam (governantes, gestores, burocratas e tecnocratas): a ordenação dos negócios privados de interesse público, o estabelecimento dos mecanismos do sistema tributário, a ordenação jurídica e política e seu próprio funcionamento. Além disto, incluem-se ainda a realização de ações no sentido de desenvolver mecanismos de legitimação de seu funcionamento, tendo em vista a compatibilidade dos interesses divergentes e contraditórios, ordenados por meio das estratégias políticas de coalizão e de gestão (OFFE; RONGE, 1984).

O processo de mundialização do capital em curso, o mais novo ciclo de expansão e intensificação do capitalismo, tem modificado e reorientado as forças econômicas, políticas e as relações sociais em todo planeta. Essa transformação mundial, está sendo gestada desde o término da Segunda Guerra Mundial, transformando, reorientando e transfigurando antigas realidades, originando seu mais recente processo de autotransformação, que se consolida a partir da década de 1980.

As intervenções anticíclicas, que os Estados adotaram para controlar as crises econômicas no pós-Segunda Guerra Mundial, nos meados do século XX, incluíram redistribuição social por meio de políticas sociais compensatórias que, pensadas pela lógica keynesiana, de certa forma, refrearam o crescimento da política neoliberal por aproximadamente três décadas. Mas os neoliberais conseguem, enfim, reverter a política do Estado protetor a partir de sucessivas vitórias eleitorais em todo o mundo, iniciadas na Inglaterra em 1979 (ANDERSON, 1995).

O neoliberalismo consolida-se como estratégia política hegemônica, realizando um conjunto de transformações econômicas com desdobramentos, políticos e culturais, pondo em marcha, na visão de Ianni (2003), mais um ciclo da revolução burguesa. Esta deixa de ser nacionalizada e passa a se realizar em âmbito planetário, dando origem à ordem mundial que “[...] revela uma nova e poderosa matriz de surpresas e inquietações, possibilidades e ilusões.” (IANNI, 2003, p. 21).

O processo de autotransformação do capital põe em jogo novas formas de sociabilidade, forças sociais, modos de ser e estilos de vida, realidades e imaginários, provocando, inclusive, reconfigurações nos espaços históricos e geográficos, onde continuamente “[...] indivíduos e coletividades são desafiados a pluralizar e multiplicar as suas perspectivas.” nas formas da generalizada a assustadora lógica da destruição criativa, do aprofundamento do desemprego estrutural, da lumpenização generalizada (IANNI, 2003, p. 21).

Sob a apologia da recuperação das perdas do processo de acumulação do período anterior e de uma necessária disciplina orçamentária de contenção de gastos públicos e ampliação da livre competitividade estrutural dos mercados, os neoliberais geraram a criação das condições que permitiram o rompimento de todas as barreiras nacionais que dificultavam a expansão do capital para além das fronteiras dos Estados nacionais por todo o planeta.

No entendimento de Chesnais (1996), a concentração de capitais privados, que tiveram origem nesse processo, permitiu a expansão exponencial do capital financeiro, predominantemente rentista e parasitário e a sua presença na produção de bens e serviços, desde que promissores economicamente. Tal mecanismo, cujos capitais se movimentam sem vínculos com o Estado-nação, passaram a determinar os rumos da economia, aumentando seu domínio e poder para todas as áreas da vida social. O capital passa a investir naqueles setores que são potencialmente criadores de novas expansões tecnológicas, organizacionais e produtivas mais adequadas à acumulação flexível, inclusive nas políticas públicas, que se revelam novos nichos de mercado rentáveis, como é o caso da saúde.

Emergiram do complexo da reestruturação produtiva, estratégias políticas de redução das ações do Estado em investimentos destinados à maioria da população e restrições aos serviços das políticas públicas. O fundo público foi canalizado para alimentar o Mercado financeiro, estimulando aplicações especulativas com elevadas taxas de remuneração, o que tornou menos atrativo o investimento do capital em atividades produtivas de mercadorias. Como consequência dos investimentos especulativos para os trabalhadores pode-se identificar a redução dos postos de trabalho, a ampliação do processo de exploração da força de trabalho por meio de técnicas de gestão que intensificam a produtividade, estimulam a competição entre trabalhadores e dificultam a organização sindical (IAMAMOTO, 2012).

As condições atuais de crise estrutural do capital e sua complexa reestruturação produtiva desenvolvem-se a partir da generalização de um novo paradigma produtivo, o modelo toyotista. Essa lógica, que tem originado as mutações na morfologia social do trabalho e no sociometabolismo do capital, impacta profundamente na constituição das relações sociais do trabalho, nas formas de gestão e na “[...] captura da subjetividade do trabalho vivo.” (ALVES, 2013, p. 235-236). Associada à hegemonia do capital financeiro, encontram-se no centro da dinâmica da acumulação do valor, a maquinofatura. Sua lógica encerra uma síntese de processos produtivos da manufatura (superexploração do trabalho vivo pela mais-valia absoluta) e da grande indústria (exploração da força de trabalho utilizando a mais-valia relativa), revolucionando a relação homem-máquina (ALVES, 2013).

As recentes mutações nos modos de vida e em todas as relações sociais, conforme Marx já anunciara nos manuscritos Econômicos e Filosóficos (de 1844) e em A Ideologia Alemã (de 1846), são retomados por Alves (2011) para explicar as transformações das relações do homem com a tecnologia, com a ideologia da gestão e com as novas condições determinadas pela realidade da rede informacional. A atual lógica da precarização do trabalho não se restringe ao trabalho fabril. Ela se estende ao trabalho no setor de serviços privados e públicos com repercussões na lógica da empregabilidade, carreira e salário, operando novas condições de trabalho com flexibilidade nas formas de contratação, de remuneração e de jornadas de trabalho.

A lógica da esfera da financeirização do capital captura o Estado, as empresas nacionais, as classes sociais e os grupos que assumem o ônus das exigências dos mercados. Tal lógica estreita as relações e responsabilidades dos governos no campo monetário e financeiro e ampliam a

[...] liberdade dada aos movimentos do capital concentrado para atuar no país sem regulamentação e controle, transferindo lucros e parte dos salários oriundos do trabalho para valorizar-se na esfera financeira e especulativa. (IAMAMOTO, 2007, p. 28).

3 DIREITO SOCIAL À SAÚDE E A FLEXIBILIZAÇÃO DA ECONOMIA

A consolidação do avanço democrático na sociedade brasileira, construído ao longo das lutas antiditatoriais do período 1964-1979, conseguiu colocar na pauta política dos movimentos sociais, o debate sobre a Reforma Sanitária, a despeito do impulso privatista do período. Os atributos que levaram a Reforma Sanitária sair vitoriosa na Constituição de 1988 foram, conforme assinala Bravo (1996), a qualidade de sua formulação técnica, a mobilização da sociedade civil e a pressão sobre os parlamentares, expressa na proposta de Emenda Parlamentar encaminhada ao Congresso Constituinte, assinada por 150 mil eleitores e 167 entidades.

Da Constituição de 1988 emergem os direitos sociais como um dos dispositivos da tarefa da redemocratização do país, sobretudo pelas grandes aspirações de superação da profunda desigualdade social, produzida ao longo da história do país. Nesse sentido, funda- se um novo modelo de assistência à saúde, universal e pública para os brasileiros, entrando no cálculo

[...] da equalização de oportunidades sociais e da eliminação das situações de subumanidade em que se encontra[va] quase um terço da população. (BUCCI, 2006, p. 10).

O legado político de tais iniciativas foi a introdução, na forma da Lei, da consagração dos direitos sociais a partir da concepção de seguridade social, da efetiva extensão da oferta de serviços públicos à população, da redemocratização do Estado brasileiro, incluindo em sua base como cidadãos, os segmentos sociais mais pobres da sociedade. No período pós-Constituição, entretanto, a concepção de seguridade social sofreu um esvaziamento, segmentando-se nos seus três componentes: previdência social, saúde e assistência social.

A política de saúde instituiu um modelo de atenção universal e de controle único de todos os serviços públicos e privados, o SUS, a partir do qual se tornou possível a organização dos diferentes níveis de atenção, organizados hierarquicamente em três níveis de atenção, segundo a complexidade dos serviços. Em sua trajetória, nestes 25 anos de existência, implantou, e, posteriormente, alargou serviços da Atenção Básica com a Estratégia de Saúde da Família (ESF), os serviços de vigilância em saúde, a vacinação em massa, a reorganização da saúde mental, a sistematização de serviços de saúde do trabalhador, o atendimento e controle das doenças transmissíveis, inclusive as DST/AIDS, etc. Evoluiu na organização dos serviços de média e alta complexidade, realizando diagnósticos e cirurgias cardíacas, transplantes, e os complexos tratamentos oncológicos. No campo da gestão criou os sistemas de monitoramento e avaliação de serviços, implantação de bancos de dados diversos, e atualmente estimula procedimentos de humanização dos serviços. Instigou a participação do usuário no controle social via Conselhos de Saúde e Conferências de saúde, entre outros. Apesar de todas as dificuldades, tensões e contradições conseguiu se expandir, transformando-se numa gigantesca rede de serviços no país. Pela complexidade e dimensões da estrutura organizacional do SUS, o Estado tem enfrentado dificuldades de gestão para equacionar suas várias atribuições de produzir serviços, prover direito à saúde, regular os serviços e produtos de saúde públicos e privados (COHN, 2009).

A articulação da prestação dos serviços do SUS envolve uma interatividade central dos complexos tecnológicos e industriais da produção de medicamentos, vacinas, equipamentos médicos, insumos para diagnóstico e hemoderivados (GADELHA; MALDONADO, 2011). Tudo isso demanda maior aporte de recursos, sobretudo pela mudança do perfil epidemiológico da população (PRATA, 1992), que decorre de fatores ligados ao processo de envelhecimento, à redução das taxas de natalidade e do controle das doenças infecciosas, a partir dos quais se tem registrado, cada vez mais frequentemente, a ocorrência de doenças cardiovasculares, neoplasias, diabetes, doenças renais crônicas e a morbimortalidade associadas às causas externas, etc., que demandam mais gastos do sistema com medicamentos, procedimentos terapêuticos, diagnósticos, cirurgias, e serviços de terapias intensivas.

Os serviços da atenção especializada e de alta complexidade ofertados pelo SUS estão geralmente associados à compra de serviços e envolvem atividades produtivas de setores econômicos do capital nacional e internacional. Englobam os setores industriais que já operavam tradicionalmente, e os novos, relacionados à produção de vacinas, produtos biológicos, medicamentos, fitoderivados e novos equipamentos de diagnóstico, etc. Gadelha (2003) observa que todo esse conjunto de atividades industriais, que operam tanto no setor público, quanto no privado e na articulação entre ambos, vem impondo uma nova lógica de gestão com modelos de padrão empresarial em atividades que, apesar de não se apresentarem como primordialmente lucrativas, estão focadas no desempenho, na qualidade e na lógica da produtividade capitalista. Ligam interesses dos setores associados ao complexo industrial da saúde a necessidades da gestão pública em atender às demandas do setor. Revela-se, assim, a própria complexidade contraditória da estrutura do sistema de saúde brasileiro nas suas várias formas de atenção e prestação de serviços.

As contradições que se manifestam na política de saúde, estão presentes na sociedade e no Estado brasileiro. Em análise sobre a década de 1990, Bravo (1998) já identificara a existência e persistência destas contradições nos projetos em disputa na área de saúde, que, acredita-se, nunca tenham deixado de existir. Na realidade, o projeto privatista e o projeto da reforma sanitária, apesar de existirem em constante disputa política, encontram-se articulados pela mediação do Estado a esse grande complexo industrial, que envolve o grande capital e se vincula a empresas de seguro de saúde e ao capital financeiro (ANDREAZZI, 2013).

Fleury e Ouverney (2008) observam que na política de saúde existem múltiplos interesses e poucos consensos sobre os diversos problemas que a afligem. São disputas que refletem interesses concretos que existem na sociedade e se fazem representar nas estruturas legais, institucionais e organizacionais visando o acesso a repartição do poder do Estado. As relações em disputa acabam influenciando toda a política e a forma como são alocados os recursos. São “[...] processos decisórios envolvendo atores e interesses sociais [...] por meio dos quais se definem prioridades e estratégias.” (FLEURY; OUVERNEY, 2008, p. 50).

A efetivação da universalização dos serviços em saúde tem enfrentado uma série de obstáculos com as restrições financeiras, particularmente em relação à

[...] organização estatal em todas as suas dimensões, particularmente em relação às formas de captação e distribuição dos recursos. (FLEURY, 2011, p. 2687).

A autora considera ainda que nem sempre as decisões políticas são bem concebidas e a distribuição de recursos, pelos gestores e dirigentes, não observa as necessidades de equidade da oferta de serviços à população. Longe de se apoiar numa concepção política de esfera pública democrática, a distribuição de recursos está associada a interesses de segmentos e frações de classe que conseguem materializar seus negócios nas relações com o Estado.

Analisando a experiência da reforma sanitária, Cohn (2009) aponta um conjunto de problemas que necessitam ser mais bem analisados. Entre eles, destaca a necessidade da retomada da discussão dos conteúdos políticos originais, cujas dimensões estruturais compreendiam o processo saúde- doença no âmbito de uma concepção política de Estado Democrático, que se desarticulou, ao evoluir para uma visão administrativa e tecnicista de gestão. Em decorrência do deslocamento da concepção original, os conceitos de universalização, gestão, controle e participação social perderam ênfase política e as discussões passaram a priorizar conceitos administrativos de acesso e acessibilidade, cobertura e oferta de serviços e gerência administrativa (CONH, 2009).

Nessa direção, a autora aponta algumas manifestações políticas conservadoras e normativas no âmbito do SUS: a participação da sociedade civil nos conselhos de gestão tratada burocraticamente, impossibilitando a manifestação de novos sujeitos sociais, a regulação do setor na lógica do setor privado, a adoção de uma perspectiva técnica de gestão do sistema e a adoção de diretrizes e programas sociais mais focados (CONH, 2009).

Trata-se, como se pode observar, de expressões das relações do ser social nas classes sociais, realizando ações que expressam o significado ontológico atribuído por Marx à economia. Além da sociedade capitalista se constituir como determinante fundamental do ser social em suas classes sociais, eles são, também, ao mesmo tempo, determinantes determinados e que Mészáros (1993, p. 77) resgata para analisar as interações complexas nos “[...] mais variados campos da atividade humana.” Ou seja, ao analisar o SUS torna-se necessário compreender que as

[...] determinações econômicas não existem fora do complexo historicamente mutável de mediações específicas, incluindo as mais espirituais. (MÉSZÁROS, 1993, p. 77).

Suas contradições expressam as múltiplas determinações da totalidade da vida humana na sociedade. Ao examiná-lo institucionalmente, podem-se observar os mecanismos e as expressões da sociedade de classe que se encontram em disputa pelos escassos recursos econômicos, os interesses dos operadores do sistema e as camadas sociais que estão mais próximas ou mais distantes das possibilidades de acesso aos programas e serviços. Acena-se, portanto, para a necessidade de perscrutar, do ponto de vista teórico-metodológico, as inter-relações dos segmentos de classe que se encontram em contradição por determinação econômica e também pelas múltiplas dimensões políticas e ideológicas.

Santos (2012), avaliando a evolução do sistema de saúde brasileiro em comparação a seu ideário original de política pública para garantia de direitos básicos, de caráter universal, identificou quatro grandes obstáculos que comprometem a prestação dos serviços à população na perspectiva da garantia dos direitos: 1) o subfinanciamento federal, que gera como consequência o desinvestimento em equipamentos para diagnósticos e procedimentos terapêuticos e em tecnologia para os serviços públicos da atenção básica e assistenciais de média complexidade e a desigualdade do financiamento federal entre os três níveis de atenção; 2) a limitação do número de pessoas trabalhando na saúde e a precarização das relações de trabalho e da gestão do trabalho em saúde; 3) a crescente transferência de recursos federais para subvencionar o mercado e os planos privados de saúde e 4) a rigidez da estrutura administrativa e burocrática do Estado, que provoca transtornos adicionais para a gestão dos serviços.

Tais problemas têm acarretado como consequências a baixa cobertura e resolubilidade da atenção básica; a inevitável concentração de recurso, principalmente nas administrações municipais para atendimentos emergenciais, o descobrimento das ações de prevenção dos riscos; a submissão às pressões da indústria de medicamentos e de equipamentos e a precarização da oferta de serviços à maioria da população (SANTOS, 2012). Entre suas conclusões, considera que o SUS, do ponto de vista político, tem sido interpretado mais como direito do consumidor do que como direito de cidadania e tem enfrentado dificuldades para a implantação das diretrizes constitucionais. Do ponto de vista da gestão, existe como consequência a desigualdade dos repasses de recursos federais, e opera por meio da regulação mercadológica, da

[...] concentração e acumulação intensiva do capital [...] Economicamente, tem permitido a prestação de serviços por agentes privados, inclusive com a entrada de seguradoras estrangeiras. (SANTOS, 2012, p. 21).

A partir dos aspectos que aponta em sua análise, o autor considera que as forças democráticas, associadas ao ideário da Reforma Sanitária, possuem pouca capacidade de consolidar um movimento contra- hegemônico, que como movimento social, continua desafiado “[...] a persistir na sua ação inovadora e criativa, na luta pelos direitos sociais. ” (SANTOS, 2012, p. 22).

Andreazzi (2013), de certa forma, corrobora os elementos apontados por Santos (2012) em sua avaliação sobre a dinâmica das relações entre o setor público e privado na saúde, caracterizado como desigual e heterogêneo, das complexas relações entre demanda, oferta de serviços, área financeira, serviços de ponta e privatização da gestão dos serviços. Observa ainda que, apesar da ampliação de serviços privados na saúde e do aumento do desembolso do governo com serviços para a população mais pobre, isso se dá sob a lógica da consolidação da tendência à mercantilização, ou seja, pela via da compra de serviços privados por parte do Estado e da consolidação do grande capital (área financeira e tecnologias de ponta). Segundo a autora, o mosaico da oferta que é ofertado pelo sistema, decorre da heterogênea formação econômico- social brasileira, das expressões da luta de classe e das ações hegemônicas do atual movimento sindical.

Todos esses elementos econômicos e políticos estão relacionados às determinantes do capital mundializado e à lógica dos investimentos privados na política de saúde. O esforço de uma possível associação de crescimento econômico à justiça social, que vem sendo tentada pelos últimos governos, mantém inalterado o sistema de superexploração do capital, e “[...] equaliza a pobreza entre os próprios trabalhadores.”, resguardando assim a acumulação produzida no país, de forma a “[...] transferi-la para a expansão do capital, em escala internacional. ” (SILVA, 2013, p. 87).

Se a política de saúde está atravessada pelos interesses dos setores do capital ligados ao complexo industrial da medicina, também está pelas associações políticas e ideológicas que lhes são correspondentes. É da lógica do capital cultivar mecanismos de submissão ideológica dos diversos segmentos de classe dominados, visando inviabilizar suas iniciativas e imobilizar respostas políticas antagonistas. Se esta lógica expressa interesses nacionais e internacionais, que associam capitalismo financeiro e neoconservadorismo em todas suas nuanças, as contradições sociais que estão sendo geradas nas condições estruturais recentes tecem, pela via dos mecanismos ideológicos de cooptação dos diversos segmentos da força de trabalho, a subjugação das relações sociais por mecanismos que visam urdir os consensos espúrios (ALVES, 2012).

As disputas em torno dos projetos alternativos relativos à organização do sistema de saúde brasileiro transcendem a própria política de saúde em si. Ao se organizar a partir da associação público-privado, a política de saúde representa exatamente as determinações recíprocas, assumindo, nos termos analíticos propostos nas considerações de Mészáros (1993) o significado das contradições da política no capitalismo. Em suas palavras:

[...] o fator político adquire, desse modo, seu significado em termos de um conjunto abrangente de determinações recíprocas, em virtude de sua contribuição efetiva para uma profunda modificação estrutural da totalidade dos processos sociais. (MÉSZÁROS, 1993, p. 81)

São as expressões e contradições da totalidade dos processos sociais que comparecem no Estado, o que leva Paim (2013, p. 1933) a ponderar que, mesmo conseguindo maiores aportes de recursos para o SUS, serão necessárias outras lutas para garantir um sistema de atenção à saúde, de natureza universal e comprometido com os direitos sociais de toda a população e se “[...] evitar o modelo americano e não permanecer refém da indústria.” do setor e “[...] dos hospitais privados e do corporativismo de profissionais.”

Nas últimas décadas, o aumento da ênfase na técnica, na produtividade, na racionalidade e no pragmatismo nem sempre tem conseguido impedir a ineficácia, o desperdício e a insensatez dos serviços públicos. Também não se tem conseguido recorrer a visões de mundo mais democráticas e a conteúdos políticos emancipatórios. Para Nogueira (2001), o que se coloca como questão de fundo é o descrédito na política, o vazio em torno dos projetos de transformação e a falta de valores éticos referenciados nas utopias.

4 PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES NA ATENÇÃO BÁSICA

Um exemplo da materialização desse conjunto de contradições pode ser observado nas Práticas Integrativas e Complementares (PICs) realizadas no SUS. Recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1962, tais práticas e saberes tradicionais foram incorporadas desde a década de 1980, como contribuição à promoção da saúde, mas somente em 2006, o Ministério da Saúde (MS) consegue sistematizar um plano nacional norteador.

São elas, a acupuntura, a homeopatia, a fitoterapia, a medicina antroposófica, a medicina tradicional chinesa, a medicina ayurvédica, assim como os medicamentos homeopáticos, os fitoterápicos, a dietética, as práticas corporais que trabalham a vitalidade como o ki kung, a yoga, o tai chi chuan, etc. Além destas, outras práticas corporais ocidentais foram recomendadas, como as ginásticas, as danças, os esportes. Esse conjunto de práticas visa restabelecer um equilíbrio permanente, embora instável, no viver dos pacientes. Em Vitória, as PICs tiveram início em 1992 e a ênfase da gestão é dada à fitoterapia, à homeopatia e à acupuntura.

Ações e práticas voltadas para promoção e proteção à saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e a manutenção da saúde estão estruturados no SUS a partir da Atenção Básica. Neste nível de atenção, a ESF tem sido considerada como uma política fundamental para reorientar o modelo assistencial, reforçando os seus princípios e diretrizes da política de saúde, visando a implementação de ação efetiva, resolutiva e coordenadora do cuidado para reorganizar as práticas de saúde (BRASIL, 2006).

Percebe-se que o SUS promove a inclusão das PICs visando sua ampliação na atenção básica para estimular procedimentos mais acolhedores (acolhimento, estabelecimento de vínculos terapêuticos, cultura de abordagem integral do homem, inclusão de uma cultura de mais proximidade), uma aproximação aos desafios impostos pelo meio ambiente e pela vida social à saúde e para estimular uma visão ampliada do processo saúde-doença e de autocuidado (BRASIL, 2006).

Trata-se de uma lógica que tenta institucionalizar (internamente) uma alternativa terapêutica à lógica globalizada e produtivista da medicina hegemônica, num plano, cuja estratégia está focada no atendimento de um maior número de doentes, no menor tempo possível, visando eficiência e efetividade no atendimento e no serviço. Entretanto, tal estratégia é muito tímida, considerando-se que as doenças afetam as pessoas silenciosamente, embora a busca pelo tratamento seja realizada de forma mais emergencial. O adoecimento é um processo constante de exposição a diversos riscos à saúde em decorrência dos estilos de vida do atual perfil epidemiológico (hábitos alimentares, sedentarismo, riscos ambientais, fatores relacionais e situações de trabalho, etc.)

As práticas integrativas podem estar associadas a todos os níveis de assistência, inclusive na terciária. Entretanto, é necessário que as equipes de saúde estejam mais propensas a lidarem com as diferenças nela implícitas, quando comparadas à racionalidade médica hegemônica. Apesar de terem sido definidas como importantes para a promoção do cuidado em saúde e para fins de expansão da lógica dos serviços da Atenção Básica, ainda provocam resistências entre gestores e profissionais. Luz (1997) registra que historicamente as PICs foram inseridas na rede pública brasileira na década de 1990, impulsionadas pela reforma sanitária que se mostrou suscetível à influência dos movimentos de contracultura que ocorreram nos Estados Unidos e Europa nas décadas de 1960 e 1970.

Em Vitória, as influências mais marcantes foram as associadas à cultura da vida saudável e à pressão dos movimentos sociais, sobretudo da Pastoral da Saúde da Igreja Católica, que reivindicavam a implantação da Fitoterapia na rede pública. Neste caso, houve adesão dos gestores municipais a visões e demandas culturais e populares na realização de práticas efetivas de atenção e cuidado à saúde, assim como na gestão. Foi um momento de inclusão de práticas contra-hegemônicas ao campo hegemônico da medicina ocidental tradicional no aparelho de Estado.

Na experiência de Vitória, constatou-se a existência de esforços técnicos empreendidos para seu desenvolvimento, apesar do município dispor de poucos recursos para as ações. Alguns aspectos pesam contra a consolidação de uma cultura terapêutica mais pujante no campo das PICs. Estes decorrem das próprias relações contraditórias que existem no interior do modelo de saúde brasileiro. O primeiro que podemos sinalizar é para a existência de dificuldades de aceitação dos princípios e procedimentos das PICs por parte de gestores, profissionais e técnicos, formados na cultura médica hegemônica.

Outro aspecto a ser considerado é que, mesmo quando aceitas, as PICs têm sido consumidas como escolhas terapêuticas na lógica da mesma racionalidade hegemônica. Além de existir baixa identidade com as práticas integrativas, devido a sua baixa resolubilidade para tratamentos mais complexos, estas são indicadas e aceitas a partir de uma utilização terapêutica pragmática. A acupuntura, por exemplo, tem boa aceitação para as dorsalgias em geral e alguns medicamentos fitoterápicos e homeopáticos possuem boa aceitação para tratamento de doenças respiratórias.

O maior problema das PICs é que são atividades que se desenvolveram na esteira da lógica pré-capitalista, ou no máximo, mercantil. Emprega procedimentos e medicamentos a baixo custo, possuem pouca potencialidade lucrativa e demandam um esforço adicional do profissional para o estabelecimento do diagnóstico ou de algum procedimento terapêutico, o que conflita com a lógica da gestão focada na eficiência e na eficácia da acumulação flexível.

A mesma lógica da Atenção Básica e dos princípios originais de gestão do SUS são fáceis de serem incorporados pela Política de Práticas Integrativas e Complementares, entretanto, estas encerram em si mesmas, como potencialidade, uma forma de resistência à lógica hegemônica de expansão de novas tecnologias econômicas. Contudo, dada a condição residual destas na esfera produtiva, podem ser absorvidas ideologicamente como simulacros da diversidade de pensamentos e da prática de direitos no âmbito do SUS.

5 CONCLUSÃO

A reestruturação produtiva que acompanha a lógica da mundialização do capital destruiu empregos e a estabilidade do trabalho, ampliou o desemprego estrutural e afrontou a legislação trabalhista. Na relação Estado–sociedade, atingiu a qualidade da oferta das políticas públicas, precarizando as condições de vida e de trabalho da população brasileira.

As políticas sociais expressam formas de o Estado concretizar sua autoridade para proteção do capital e do trabalho em períodos de crises econômicas, para recuperar a economia ou para interferir na redistribuição da riqueza social. Neste sentido, na história recente refreou perdas sociais dos trabalhadores. A política de saúde sempre foi uma estratégia política que entrou neste cálculo. No Brasil foi implementada na lógica da proteção social e se expandiu em confronto com as investidas dos interesses privatistas, avessos à lógica pública de atenção universal.

A política de saúde no Brasil, que deu origem ao SUS, concretamente, consistiu num esforço histórico de construção de uma cidadania focada na perspectiva do reconhecimento do ser social como sujeito de direitos. Entretanto, desde sempre, esta lógica esteve permeável aos interesses do capital ligado à indústria do setor saúde, aos quais foram destinados a intermediação na prestação de diversos serviços, sobretudo na atenção especializada e terciária. Assim como nos demais setores da sociedade, os interesses econômicos vinculados à política de saúde encontram espaço no ordenamento das estratégias políticas de coalizão de interesses de classes, que se presentificam no âmbito do Estado. A política econômica da sociedade constitui-se da materialidade dos interesses do capital em geral e a política de saúde está atravessada pela mesma lógica.

Pode-se observar ainda que a Promoção da Saúde e a Atenção Básica, apesar de necessitarem de menos aportes de recursos de capital para realizarem suas práticas, não significam respostas antagonistas à lógica estrutural do SUS. Sob a hegemonia do capital financeiro e dos interesses neoconservadores da mundialização do capital, na sociedade estão sendo gerados mecanismos ideológicos de cooptação dos diversos segmentos da força de trabalho e o movimento social não tem conseguido avançar na organização coletiva de práticas contra- hegemônicas.

A consolidação das PICs na Atenção Básica tem sido pensada, estrategicamente, como uma alternativa terapêutica e de cuidado, que entra na composição de um arco de alianças que pode vir a permitir uma modificação na correlação de forças em defesa de um sistema público de saúde que assegure, para além dos tratamentos necessários, a lógica original da política de saúde universal, como direito de cidadania e dever do Estado.

Isto requer das forças democráticas uma categórica defesa do sistema público e universal de saúde, para fazer avançar uma alternativa de proteção social mais concernente aos princípios de universalidade de direitos, que se materializem em práticas concretas do SUS.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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