Artigos - Dossiê Temático

A NOVA CONFIGURAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: o Rio de Janeiro como laboratório

THE NEW CONFIGURATION OF HEALTH POLICY IN BRAZIL: Rio de Janeiro as a Laboratory

Débora Holanda Leite Menezes
Centro de Atenção Psicossocial Hugo de Carvalho Pedroso, Brasil
Janete Luzia Leite
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil

A NOVA CONFIGURAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL: o Rio de Janeiro como laboratório

Revista de Políticas Públicas, vol. 20, núm. 1, pp. 121-136, 2016

Universidade Federal do Maranhão

Recepção: 20/01/16

Aprovação: 07/03/16

Resumo: Este texto discute as mudanças na gestão dos serviços públicos de saúde no Brasil a partir de 1990. Objetiva analisar como, ao longo dos últimos 30 anos, estes serviços perdem seu caráter público e universal, assumindo um cariz privatista. A metodologia conta com uma revisão bibliográfica e um estudo sobre o funcionamento da rede pública de saúde do Rio de Janeiro – locus privilegiado devido ao grande número de unidades de saúde, e pela rápida adesão de seus governantes aos novos modelos de gestão. Conclui que os maiores prejuízos da adoção destes modelos recairão sobre a população pobre, que depende dos serviços públicos de saúde. Ademais, a precarização das condições de trabalho e salário dos profissionais de saúde também deriva sobremaneira de um modelo que desconhece o valor da vida e da saúde, posto que este bem comum representa só mais uma mercadoria. Quem não paga, não tem.

Palavras-chave: Serviços de saúde, Privatização, Novos modelos de gestão, Rio de Janeiro.

Abstract: This text discusses the changes in the management of public health services in Brazil since 1990. It aims to analyze how, over the last 30 years, these services lose their public and universal character, assuming a privatized nature. The methodology includes a literature review and a study on the functioning of the public healthcare system of Rio de Janeiro - privileged locus because of the number of health facilities, and the rapid accession of their rulers to new management models. It concludes that the biggest losses of the adoption of these models will fall on the poor, who depend on public health services. Furthermore, the precarious working conditions and salaries of health professionals also comes on way to a model that ignores the value of life and health, since this common good is just another commodity. Who does not pay, do not have. Key word: Health services, Privatization, New management models, Rio de Janeiro.

Keywords: Health services, Privatization, New management models, Rio de Janeiro.

1 INTRODUÇÃO

A Política de Saúde no Brasil é um campo permeado de disputas entre distintos projetos societários. Mas foi somente com a Constituição Federal (CF) de 1988 que a Saúde ganhou o status de política pública estatal e universal – fruto da luta e da mobilização de movimentos populares, sindicais e acadêmicos. A CF 88, ao instituir o tripé da Seguridade Social – Saúde, Previdência e Assistência Social – assume, para a Saúde, os princípios oriundos do Movimento da Reforma Sanitária – ações de prevenção e promoção à saúde; participação social por meio do controle social; e ainda ações de educação em saúde – que se materializam na implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2003).

Entretanto, nos anos 1990, o país passou por mudanças, as quais instituíram a contrarreforma neoliberal. Neste contexto, o principal interesse do grande capital estava na minimização do Estado e na introdução da supercapitalização (MANDEL, 1985), ou seja, o uso e incorporação dos serviços sociais como espaço de mercantilização e lucro, trazendo para esses serviços a lógica e a racionalidade privadas. Para tanto, uma das estratégias utilizadas é a implementação de um modelo de gestão para os serviços sociais cuja pedra basilar é a terceirização.

A área da saúde foi uma das que despertou maior interesse, devido ao grande potencial de consumo privado – seguros e planos de saúde para os mais diversos segmentos de renda; indústria de medicamentos e equipamentos de saúde; redes hospitalares e farmacêuticas etc. Assim, a saúde pública é transformada em um campo de degradação contínua, implicando em sérios prejuízos para a população usuária e para os profissionais que nela atuam, o que é notório a partir das frequentes reportagens sobre a ausência de atendimento, de medicamentos e de condições de assistência médico-hospitalar em qualquer lugar do país.

Nesse quadro de precarização, ocorreu uma busca quase compulsória da população pelos serviços de saúde no mercado. Em consonância, houve também um aumento da demanda de atendimento no SUS pela população que não conseguia o acesso aos serviços de saúde pela via do mercado, posto que sua condição de vida foi assolada pelo aumento expressivo do desemprego, e precárias condições de habitação e de trabalho.

Tendo Fernando Henrique Cardoso (FHC) como Presidente da República, e Luiz Carlos Bresser Pereira à frente do Ministério de Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), a proposta de entrega dos serviços prestados pelas políticas sociais brasileiras (notadamente a Saúde) à iniciativa privada ganha corpo por meio das Organizações Sociais (OS) (instituídas pela Lei nº 9.637, de 15 maio de 1998), e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) (regulamentadas pela Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999), inserindo a lógica gerencial oriunda das empresas privadas (produtividade, metas, competitividade etc.) no serviço público.

Estas propostas (bem como o todo da Reforma do Estado bresseriana) não obtiveram aprovação parlamentar em sua totalidade, em grande parte devido à oposição que o Partido dos Trabalhadores (PT) e sua bancada fizeram.

Ironicamente, foi a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva – do PT – na Presidência do Brasil que retomou o projeto OS/OSCIP, e pôs também na pauta as Fundações Públicas de Direito Privado, encaminhando-as celeremente.

No período de transição das unidades públicas para a gestão privada, ou público-privada, essas unidades são modernizadas e recuperadas com dinheiro público para, em seguida, serem entregues à iniciativa privada. Assim, o espaço até então público se metamorfoseia em nichos público- privados. Isto quer dizer que a estrutura das instituições se mantém pública, enquanto a sua administração e gerência se deslocam para o âmbito do privado.

O estado do Rio de Janeiro foi um dos primeiros estados a aderir à proposta das OS/OSCIP e Fundação Estatal de Direito Privado, funcionando como uma verdadeira caixa de ressonância para as receitas empregadas pelo grande capital e seus prepostos no resto do país, motivo pelo qual é o locus da nossa investigação.

No Rio de Janeiro, essa transferência teve início em dezembro de 2007, quando foi aprovada a Fundação Estadual dos Hospitais Gerais, dos Hospitais de Urgência, dos Institutos de Saúde e da Central de Transplantes. Desse ano em diante, começaram a ser feitos, em todo o território nacional, os contratos de gestão com as Fundações, que são entes integrantes da administração pública indireta, de gestão pública; ou pelas OS/OSCIP, que são pessoa jurídica.

Na sequência, o Estado catapulta a Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF), que foi instituída em 2010; e em seguida, a institucionalização da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), por meio de Medida Provisória (MP). Esta última difere das OS, pois mantém a gestão pública, mas com sistema jurídico híbrido.

A partir desta breve digressão, necessária para situar o leitor a respeito dos condicionantes da temática que aqui será abordada, este texto objetiva analisar as mudanças contemporâneas na gestão dos serviços públicos de saúde e a adoção de um novo modelo de gerenciamento e administração das unidades de saúde de nível primário, secundário, terciário e quaternário, em todas as esferas do poder público.

Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, que utilizou primordialmente uma revisão bibliográfica sobre o tema; a análise das fontes primárias referentes ao assunto; e o levantamento das instituições a partir da página (sítio) da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e Ministério da Saúde (MS).

Este texto se desdobrará em dois momentos, todos intimamente interligados, entrelaçados e mediatizados pela conjuntura supracitada.

O primeiro busca apreender as mudanças na política pública brasileira a partir do período pós-88, marcado pelos frequentes cortes nas políticas públicas, o que atinge diretamente o funcionamento das instituições de saúde, a qualidade dos serviços prestados à população e as condições de trabalho dos profissionais de saúde. Este amálgama dificulta a efetivação do SUS.

Na sequência, iremos desvelar brevemente a configuração da política de saúde, no contexto atual, reconhecendo as novas nuances que estão sendo postas via mudanças de gestão, o que reflete nas condições de trabalho e na qualidade dos serviços prestados, o que hoje gera uma crise dos contratos de gestão.

2 A POLÍTICA DE SAÚDE BRASILEIRA: mudanças e impactos a partir dos anos 1990

O Brasil, na década de 1990, entrou no circuito da nova ofensiva do capital internacional, dando início a um processo de contrarreforma do Estado. O ambiente político, econômico e cultural foi reforçado pelo Consenso de Washington em face das necessidades de mundialização do capital. Neste contexto, a política de saúde expressou as tensões1 entre a pauta da Reforma Sanitária e a agenda neoliberal (privatista).

A política de ajuste neoliberal atinge frontalmente os avanços constitucionais de 1988, a partir da redução dos investimentos nas políticas públicas (no caso em tela, a Saúde) que, na década anterior, foram marcadas por uma perspectiva de expansão de direitos e de serviços. Conquistas importantes foram as mudanças político-institucionais no que se refere à descentralização dos serviços de saúde e ao debate sobre a participação social para efetivar o controle social das políticas públicas; a unificação de um comando único da política nacional de saúde, no âmbito do Ministério da Saúde; e a construção do SUS.

Com o processo de privatização, as instituições (agora privadas ou público- privadas) passam a participar ativamente da gestão das políticas sociais públicas, as quais antes eram, prioritariamente, de responsabilidade estatal.

Como já aludido, a condução político-econômica de FHC introduziu a lógica neoliberal da redução de gastos nas políticas sociais, respeitando os preceitos da ortodoxia neoliberal. Realizou este processo modificando substantivamente a estrutura do Estado, conforme orientação no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995), do Ministro de Administração Federal e Reforma do Estado Luiz Carlos Bresser Pereira.

O Plano Diretor propugnava a reforma do Estado brasileiro como uma estratégia para o abandono do modelo estatizante, e adoção de um modelo gerencial, cujas características são a descentralização, a eficiência, o controle de resultados, a redução de custos e a produtividade. Desta forma, o Estado deixa de ser o responsável direto pelas políticas sociais para se tornar meramente seu promotor e regulador, transferindo tais responsabilidades para o âmbito privado, notadamente a partir da criação de uma esfera pública não estatal.

Outrossim, a reforma do Estado materializa as propostas preconizadas pelos organismos financeiros multilaterais, racionalizando os gastos públicos e deslocando os serviços mais rentáveis para o setor privado, notadamente no que concerne à oferta de bens e serviços (CORREIA, 2007).

As propostas de Reforma do Estado para o setor Saúde foram instituídas pela Lei nº 9.637/1998, que deu origem às OS:

Organizações Sociais são um modelo de organização pública não estatal destinado a absorver atividades publicizáveis mediante qualificação específica. Trata-se de uma forma de propriedade pública não- estatal, constituída pelas associações civis sem fins lucrativos, que não são propriedade de nenhum indivíduo ou grupo e estão orientadas diretamente para o atendimento do interesse público. (BRASIL, 1998, p. 13).

As OS materializam a privatização do público, cabendo ao Estado continuar fomentando as atividades publicizáveis2 e exercer sobre elas o controle estratégico (BRASIL, 1998).

Além disso, cabe destacar que as propostas das OS apresentam para os usuários e profissionais uma roupagem que obscurece seu real papel, quando identificamos que nada mais são do que instituições de fins lucrativos, em oposição ao que estava posto pelo MARE, em 1998. Entretanto, o que se observa no cotidiano das instituições gerenciadas pelas OS são o abandono, o descaso e a precarização do serviço público; falta de transparência, em suma: esse modelo gera mais patrimonialismo, mais corrupção, mais opacidade, mas exploração aos trabalhadores e mais prejuízos aos cofres públicos.

Todavia, merece ser pontuado que a entrada das OS de saúde acontece com a justificativa de que os problemas da saúde eram falta de recursos humanos e infraestrutura, porém o que evidenciamos hoje são contratos superfaturados, como vem sendo publicizado pela mídia falada e escrita.

Outro aspecto importante é com relação à perspectiva posta por essas OS no que se refere à proposta de melhoria das condições e vínculos de trabalho dos profissionais de saúde, os quais, historicamente, sofreram com a precarização e flexibilização, porém o que se constata é atraso no pagamento e descaso com as condições de trabalho dos profissionais e com a qualidade dos serviços prestados à população.

Na verdade, as propostas das OS estão longe de se concretizarem como tal, uma vez que temos: flexibilização na contratação de pessoal; processo de realização de compras sem a necessidade de licitação, fraudes que violam o princípio da moralidade na administração; falta de transparência do recurso público e estabelecimento de metas pela via do contrato de gestão, perspectiva humanizada de atendimento desrespeitada e descompromisso ético. Sem falar que as OS se tornam uma estratégia para os gestores se coadunarem com a Lei da Responsabilidade Fiscal, de 2000, que reduziu a possibilidade de expansão do quadro de pessoal, tanto na administração direta quanto na indireta no serviço público, em todas as esferas do poder público.

O novo modelo gerencial demandou uma reforma na Saúde, que foi materializada pela Norma Operacional Básica– SUS (NOB-SUS) 01, de 6 de novembro de 1996, inspirada no modelo inglês: descentralizar a administração e o controle dos gastos; transformar os hospitais em unidades públicas não estatais; implementar um sistema de entrada e triagem na rede de saúde; e criar hospitais e ambulatórios especializados. É mister pontuar que a NOB-SUS 01/1996, acompanhada de leis estaduais e municipais, também institui mudanças estruturais, funcionais, de financiamento e de relações trabalhistas no SUS. Essas mudanças refletem os ideários de reforma da administração pública, reduzindo o tamanho do Estado e os gastos públicos.

Assim, a descentralização e a privatização das funções públicas nada mais são do que o fomento da criação de mercados privados de asseguramento, a introdução de copagamentos nas unidades públicas de saúde e a focalização do Estado nas populações ditas mais pobres (ANDREAZZI; BRAVO, 2014).

A intervenção do Estado, neste momento, constitui em garantir o mínimo a quem não pode comprar o serviço privado, ficando o acesso pela via do mercado restrito ao cidadão-consumidor (MOTA, 2000).

É no final da gestão FHC que o povo brasileiro, vislumbrando uma mudança política, econômica e social elege, para Presidente da República, um ex-sindicalista – Luiz Inácio Lula da Silva é eleito em 2002 – que traz a expectativa de uma transformação geral no país.

No governo de Lula da Silva (2003-2010), a política econômica manteve a mesma linha de ajuste macroeconômico de FHC, tornando as políticas sociais mais vulneráveis em face das limitações dos gastos públicos, evidenciando seu caráter contencionista. A prioridade de sua política econômica era a estabilização do superávit primário, a manutenção das taxas de juros elevadas, e outras medidas que limitavam as possibilidades de crescimento e desenvolvimento, em longo prazo, com redistribuição de renda.

Os impactos das orientações macroeconômicas nas políticas sociais são brutais, exponenciando a focalização em detrimento da lógica do direito e da concepção de Seguridade Social. A expectativa de que o governo Lula da Silva fortalecesse o projeto de Reforma Sanitária não se concretizou, pois este não só manteve, como acentuou o projeto privatista.

A política de saúde do governo Lula apresentou elementos de continuidade em relação ao governo FHC, como a focalização, a precarização, a tercerização dos recursos humanos, o desfinanciamento e a falta de vontade política para viabilizar a Seguridade Social.

Na assistência à saúde no governo Lula da Silva, as propostas de atenção básica que priorizam um modelo universalizante, integrando ações de caráter coletivo, bem como as ações de assistência médica, democráticas e participativas ficaram longe de ser consolidadas, posto que foi mantido um caráter focalizado, direcionado para os aspectos individuais da assistência, que não privilegiam a medicina preventiva e de promoção da saúde, enfatizando o modelo curativo, preocupado apenas com a doença, pois esse é mais rentável para o mercado farmacêutico e para os grandes empresários dos serviços privados.

A escolha dos seus três primeiros Ministros da Saúde, todos com formação médica (Humberto Costa, Saraiva Felipe e José Agenor Alves da Silva) representou o envolvimento destes profissionais com a perspectiva técnico-política da Saúde e o compromisso de alguns com o PT. Porém, mais impactante foi a gestão de José Gomes Temporão (nomeado em 2007), pois este, em sua trajetória, fora militante do movimento sanitário, o que poderia alterar substantivamente as propostas desenvolvidas para a política de saúde. Contudo, foi ele o responsável por levar adiante o projeto das Fundações Públicas de Direito Privado.

O governo Lula da Silva marca uma nova etapa da contrarreforma do Estado, ao enviar ao Congresso Nacional, em julho de 2007, o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 92, de 13 de julho de 2007) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), que trata das Fundações Estatais de Direito Privado. O referido projeto define que as Fundações podem efetuar contratos com outros agentes do mercado, inclusive fazendo aplicações financeiras (BRASIL, 2007a). Apesar do posicionamento contrário às fundações – da Conferência Nacional de Saúde, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), dos sindicatos de trabalhadores da saúde – este projeto vem sendo aprovado e implementado nos estados brasileiros.

Na proposta das Fundações do MPOG, o modelo adotado possui pretensões mais abrangentes que a proposta bresseriana original, pois atinge outras áreas, como a Educação, a Assistência Social, e a Ciência e Tecnologia.

Os prejuízos das Fundações para os trabalhadores se materializam, em primeiro lugar, na forma de contratação da força de trabalho, sem concurso público, o que de certa maneira, precariza a prestação e a qualidade dos serviços prestados à população, pois como o critério de seleção para ingresso não é transparente, isso pode levar a um grande cabide de emprego político. Além disso, nos termos do PLC, cada Fundação terá seu quadro de pessoal próprio, e gestará os planos de carreira, emprego e salários, o que poderá ocasionar uma fragmentação dos trabalhadores na luta coletiva por melhores condições de vida e de trabalho.

Sem perceber termos em conjunto, com os contratos ampliação das obrigações dos trabalhadores, no que se refere ao controle da força de trabalho, acompanhado da produtividade e de metas, as quais reduzem a autonomia dos trabalhadores da saúde, no que se refere à sistematização do seu fazer, pois a lógica gerencial prioriza resultados, sem reflexão.

Outrossim, as Fundações ganham, pela forma jurídica, o direito de não contribuir com a formação do fundo público estatal, o que reproduzirá em uma escassez de recursos do Estado. Consolida-se, portanto, o processo de privatização e de transferência direta de fundos públicos para a iniciativa privada, uma vez que gozarão de imunidade tributária.

Ao findar a gestão Lula da Silva, em 31 de dezembro de 2010, é assinada a MP nº 520, efetivando a proposta de criação da EBSERH, que atingiu diretamente os Hospitais Universitários (HU). Nos termos desta MP, a EBSERH tem personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio, está vinculada ao Ministério da Educação (MEC), com prazo de duração indeterminado (BRASIL, 2010).

A EBSERH é um retrocesso constitucional no que se refere à condução dos serviços de saúde, mantendo a mesma roupagem das OS e Fundações, tendo como única diferença destas, o seu capital social que é representado por ações ordinárias nominativas, integralmente sob a propriedade da União.

Atualmente, no governo Dilma Rousseff, a implementação das Fundações, bem como a EBSERH, corre celeremente, a partir do Projeto de Lei (PL) nº 1.749, de 5 de julho de 2011 (hoje Lei nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011), que autoriza o poder executivo a criar a EBSERH como empresa na estrutura do Estado, de natureza privada e sob a forma de sociedade anônima, para prestação de serviços públicos de educação e saúde constitucionalmente definidos como universais e gratuitos (BRASIL, 2011). A EBSERH, assim, poderá gerir as 45 unidades hospitalares vinculadas às Instituições Federais de Ensino no Brasil, o que, na prática, desvincula os HU das universidades, afrontando a autonomia universitária e a indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, comprometendo a formação, produção de conhecimentos e prestação de serviços para a população.

Alguns fatos que ocorreram nos últimos anos, em nível federal, não podem deixar de ser mencionados, pois refletem diretamente na condução da política de saúde, tais como:

· MP nº 656, de 7 de outubro de 2014 – prevê a abertura de serviços de saúde para o capital estrangeiro. Já se transformou em Lei nº 13097, de 19 de janeiro de 2015;

· Proposta de Ementa Constitucional (PEC) nº 451, de 22 de dezembro de 2014 - a medida enterra de vez a ideia de um sistema único de saúde, seccionando seus usuários. Os trabalhadores com vínculos formais ficarão reféns dos planos privados, que passam a ter um mercado cativo para seus serviços, e aos trabalhadores sem vínculo formal resta um sistema público cada vez mais sucateado e com menos financiamento.

Analisando a adoção de tais medidas, fica cristalino que o caminho que vem sendo trilhado é do fim de um Sistema Único de Saúde, pois os novos modelos de gestão – que são ora OS, ora OSCIP, ora Fundação, ora EBSERH – ganham força sob o discurso da ineficiência do modelo burocrático e fechado do Estado, o que tende a ferir valores princípios constitucionais, os quais foram fruto de luta e movimentos democráticos, acompanhados dos entendimentos da Reforma Sanitária.

A partir das particularidades supraelencadas dessa transferência massiva, o estado do Rio de Janeiro, locus privilegiado pelo número de unidades de saúde pública (traço do seu legado como Capital Federal) foi tomado como campo de análise do impacto destas medidas de privatização e terceirização.

3 AS UNIDADES DE SAÚDE PÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NOS DIAS ATUAIS

As instituições de saúde (atenção básica, intermédiaria e avançada) no estado do Rio de Janeiro estão sendo paulatinamente entregues para as OS e Fundações de Saúde,o que demonstra, na prática, desreponsabilização do Estado e muito além disso, repetem as propostas neoliberais, que não têm nada de inovadoras, apenas defendem as orientações do Banco Mundial (BM) e de outras agências de cooperação internacional, que propõem nitidamente para o Brasil, o fim da saúde como direito, e de seu carater público, universal e igualitário.

Mesmo cientes do caos na saúde, tanto o Governador quanto o Prefeito do Rio de Janeiro empenham-se, com vitalidade invulgar, em sinalizar ao Executivo Federal que o estado está pronto para ser a cobaia da nova modalidade de gestão da saúde, exportando o exemplo para outros Estados da Federação.

Na cidade do Rio de Janeiro, a adoção deste modelo ocorre desde 2009, quando o Prefeito fez a opção de trabalhar com OS na implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF) e das Unidades de Pronto Atendimento (UPA), que passaram a compor o Plano Municipal de Saúde 2009-2013. Além disso,em maio de 2009, foi sancionada a Lei Municipal das Organizações Sociais (Lei n° 5026, de 19 de maio de 2009). De acordo com Bravo, Andreazzi e Menezes (2013), no ano de 2009 foram firmados contratos com oito OS, e em 2010 com mais três, ampliando contratos com as anteriormente qualificadas. No final de 2011, segundo informativo da Comissão de Qualificação de Organizações Sociais (COQUALI) publicado no Diário Oficial do Município, em 30 de dezembro de 2011, 37 entidades sem fins lucrativos haviam sido qualificadas como OS, sendo 21 na área da saúde (MATTOS, 2012).

O processo de transferência se tornou mais evidente na esfera estadual quando as unidades estaduais de saúde precisaram substituir seus profissionais, em resposta às ações do Ministério Público contra o funcionamento de cooperativas, em 2006. Houve, então, uma onda de contratos temporários realizados através da Fundação Escola do Serviço Público (FESP).

Além disso, no ano de 2007 consolidou-se a Lei n. 5164, de 17 de dezembro, que tem por finalidade a instauração das Fundações em consonância com as áreas de atuação previstas por Lei Complementar específica; executar e prestar serviços de saúde em gestão hospitalar ao Poder Público, em especial à Secretaria Estadual de Saúde (SES), no âmbito do SUS no Estado do Rio de Janeiro.

A Lei, em tela, abarca Hospitais Gerais, Urgências e Institutos e Central de Transplantes, da seguinte maneira:

A Fundação Estatal dos Hospitais Gerais manterá em sua estrutura as seguintes unidades hospitalares:I –Hospital Regional de Barra de São João (Barra de São João); II – Hospital Estadual Carlos Chagas; III –Hospital Regional de Araruama;V –Instituto Estadual de Doenças Ary Parreiras (Niterói); VI – Hospital Estadual Santa Maria. A Fundação Estatal dos Hospitais de Urgência manterá em sua estrutura as seguintes unidades hospitalares:I – Hospital Estadual Getúlio Vargas;II – Hospital Estadual Carlos Chagas;III – Hospital Estadual Rocha Faria;IV –Hospital Estadual Pedro II;V – Hospital Estadual Albert Schweitzer;VI – Hospital Estadual Adão Pereira Nunes;VII – Hospital Estadual Azevedo Lima;VIII – Hospital Estadual Alberto Torres. A Fundação Estatal dos Institutos e da Central Estadual de Transplante manterá em sua estrutura as seguintes unidades hospitalares:I – Instituto Estadual de Hematologia Arthur Siqueira Cavalcanti;II – Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro;III – Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione;IV – Laboratório Central de Saúde Pública Noel Nutels;V – Central Estadual de Transplantes. (RIO DE JANEIRO, 2007).

A proposta das Fundações, no contexto estadual, veio acompanhada também da transferência das unidades de saúde sob responsabilidade do Estado para as OS (Quadro 1). Esse processo foi autorizado pelo Executivo em setembro de 2011, quando foi votado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) o PL n° 767, de 13 de setembro de 2011, que deu ao Poder Executivo a delegação da administração de unidades da saúde por OS.

Este processo de transferência teve início em 2012, e marcha aceleradamente. Os contratos firmados pactuam a transferência da administração e gerência de recursos humanos e materiais para essas organizações, que recebem o recurso do Estado para efetuar estas ações. Com isto, cabe ao Estado a manutenção destas unidades.

Depreende-se, portanto, que atualmente a saúde pública no Rio de Janeiro encontra-se sob o monopólio das OS, para onde são transferidas prioritariamente as unidades de maior complexidade para responsabilidade dessas organizações, pois são as mais rentáveis. Algumas unidades têm alterado seu modelo de gestão para Fundação Saúde, a exemplo do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (IEDE), o Hemorio e o Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC).

Completando o processo de laboratório das OS e Fundações , em junho de 2007 o MS instituiu o Projeto de Reestruturação e Qualificação da Gestão dos Hospitais Federais do Rio de Janeiro, o que, em tese, permite melhorias na infraestrutura das Unidades, na aquisição de equipamentos; e na revisão de protocolos de gestão, entretanto, o que se visualiza é o oposto, unidades de saúde sucateadas e precarizadas. Da mesma maneira, que estavam previstas melhoras com relação ao vinculo dos trabalhadores da saúde, entretanto, o que temos é a manutenção dos contratos precarizados, via Núcleo Estadual do Rio de Janeiro. Esse novo modelo de gestão de Reestruturação dos Hospitais Federal previa a criação da Rede Hospitalar Federal do Rio de Janeiro, o que permitirá uma administração atrelada a metas, resultados e qualidade (BRASIL, 2007b), mas isso infelizmente não avançou, quando vemos filas imensas aguardando acesso a unidades com Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), dentre outros casos. Assim, sabe-se que as propostas não permitiram nenhum avanço, isso porque a articulação da rede de serviços é deficitária, e os resultados propostos por esses modelos de gestão dependem de investimentos, os quais não ocorreram, instalando, assim, o caos, como está sendo posto na agenda atual.

Quadro 1 - Distribuição das Unidades de Saúde do Estado do Rio de Janeiro
Unidades de Saúde Estadual Local Organização Responsável Data Assinatura Contrato
Hosp. São Francisco Assis na Providência Deus Tijuca Ass. Fraternidade Lar São Francisco Assis Prov. de Deus 27/04/2012
Complexo Regional de Mesquita – Maternidade e Clinica da Mulher Mesquita Hosp. Maternidade Therezinha de Jesus 21/05/2012
UPA Mesquita Mesquita Inst. Data Rio Admin. Pública 02/07/2012
UPA Itaboraí Itaboraí Instit. dos Lagos Rio 26/07/2012
UPA Irajá Irajá Viva Comunidade 03/09/2012
UPA Queimados Queimados Inst. Data Rio Admin. Pública 05/09/2012
UPA Nova Iguaçu I Nova Iguaçu Inst. Data Rio Admin. Pública 05/09/2012
UTI HE Albert Schweitzer Realengo Hosp. Maternidade Therezinha de Jesus 20/12/2012
UTI HE Getúlio Vargas Penha Pró-Saúde Ass. Ben.Assist. Soc.Hosp. 20/12/2012
UTI HE Carlos Chagas Marechal Hermes Pró-Saúde Ass. Ben.Assist. Soc.Hosp. 20/12/2012
Hosp. Est.Melchiades Calazans Nilópolis Hosp. Maternidade Therezinha de Jesus 19/12/2012
UPA São Gonçalo I São Gonçalo Inst. dos Lagos Rio 20/12/2012
UPA São Gonçalo II São Gonçalo Inst. dos Lagos Rio 20/12/2012
UPA Tijuca Tijuca Hosp. Maternidade Therezinha de Jesus 20/12/2012
UPA Jacarepaguá Taquara Hosp. Maternidade Therezinha de Jesus 20/12/2012
UPA Botafogo Botafogo Hosp. Maternidade Therezinha de Jesus 20/12/2012
UPA Copacabana Copacabana Hosp. Maternidade Therezinha de Jesus 20/12/2012
UPA Bangu Bangu Inst. dos Lagos Rio 20/12/2012
UPA Marechal Hermes Mal. Hermes Inst. dos Lagos Rio 20/12/2012
UPA Realengo Realengo Inst. dos Lagos Rio 20/12/2012
UPA Ricardo de Albuquerque Ricardo de Albuquerque Inst. dos Lagos Rio 20/12/2012
UPA Niterói Niterói Inst. dos Lagos Rio 20/12/2012
UPA Nova Iguaçu II N. Iguaçu II Inst. Data Rio Admin. Pública 20/12/2012
UPA Engenho Novo Eng. Novo Viva Comunidade 20/12/2012
UPA Ilha do Governador Ilha Governador Viva Comunidade 20/12/2012
UPA Maré Maré Viva Comunidade 20/12/2012
UPA Penha Penha Viva Comunidade 20/12/2012
Obstetrícia, Neonatologia, Odontologia Especial, Ortopedia e Traumatologia, Endoscopia Digestiva e Anestesiologia Hosp. Est. Rocha Faria Campo Grande Pró-Saúde Ass. Ben. Assist. Soc. Hosp. 27/12/2012
Hosp. Est. Alberto Torres/Centro de Trauma/Hosp. Est. Prefeito João Batista Cáfaro São Gonçalo/ Itaboraí Pró-Saúde Ass. Ben. Assist. Soc. Hosp. 28/12/2012
Hosp. Mulher Heloneida Studart São João de Meriti Hosp.Maternidade Therezinha de Jesus 28/12/2012
Hosp. Est. Transplantes, Câncer e Cirurgia Infantil Vila Valqueire Instituto D´or de Gestão de Saúde Pública 28/12/2012
IEC Paulo Niemeyer /HE Anchieta Caju Pró-Saúde Ass. Ben. Assist. Soc. Hosp. 18/04/2013
UPA Caxias I Caxias I Inst. Data Rio Admin. Pública 16/05/2013
HE Adão Pereira Nunes Duque de Caxias Pró-Saúde Ass. Ben. Assist. Soc. Hosp. 28/05/2013
HE Roberto Chabo Araruama Inst. Sócrates Guanaes 14/06/2013
UPA São Pedro da Aldeia São Pedro da Aldeia Instituto dos Lagos Rios 04/10/2013
HEGV (parcial) Penha Pró-Saúde Ass. Ben. Assist. Soc. Hosp. 04/08/2013
UPA – Caxias II D. de Caxias Inst. Data Rio Admin. Pública 06/11/2013
UPA – Campo Grande I Campo Grande Inst. Data Rio Admin. Pública 06/11/2013
UPA – Campo Grande II Campo Grande Inst. Data Rio Admin. Pública 06/11/2013
UPA – Santa Cruz Santa Cruz Inst. Data Rio Admin. Pública 06/11/2013
UPA – Magé Magé Inst. Data Rio Admin. Pública 05/11/2013
UPA – Campos Campos Instituto dos Lagos Rios 02/01/2014
HE Albert Schweitzer Realengo Hosp. Maternidade Therezinha de Jesus 26/02/2014
HE Alberto Torres/CT/HEPrefeito João Batista Caffaro Rio de Janeiro Assoc. Congregação de Santa Catarina 01/05/2014
HE Azevedo Lima Niterói Instituto Sócrates Guanaes 26/02/2014
HE Getúlio Vargas Penha Pró-Saúde Ass. Ben.Assist. Soc.Hosp. 15/03/2014
HE Rocha Faria Campo Grande SPDM – Assoc. Paulista para o Desenv. Medicina 15/03/2014
UPA SEAP Bangu Viva Comunidade 25/04/2014
HE de Saquarema Saquarema Hosp. Maternidade Therezinha de Jesus 29/04/2014
Elaborado pelas autoras, a partir de dados da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro (2011).

Hoje, vivemos um momento tenso no que se refere aos contratos de gestão da saúde, no Rio de Janeiro, haja vista, que só depois que tomou espaço no campo da mídia falada e escrita, foi possível ver o assunto na pauta do dia. Sabe-se que em vários momentos anteriores, movimentos de oposição à privatização da saúde se manifestaram, porém não conseguiram avançar para bloquear essa expansão da privatização e terceirização, mas nos dias atuais, os problemas de saúde tornaram-se públicos à população e entraram na pauta das denúncias do Ministério Público, transformando-se em alvo de questionamentos, sobre a transparência, ética, moralidade, qualidade e controle. Reconhecemos que a prisão dos representantes da Biotech foi o estopim para que fosse possível o assunto entrar na agenda, sendo hoje posto pelo Ministério Público, e a ALERJ a necessidade de auditoria nos contratos, pois essas OS deveriam investir no bem público.

O quadro se agrava ainda mais com a Lei n°13097/2015, que permite a entrada de capital estrangeiro na saúde; o orçamento impositivo presente na Emenda Constitucional (EC) n° 86, de 17 de março de 2015; no PL n° 4330, de 26 de outubro de 2004, que trata da terceirização no serviço público; e o PEC n° 451/2014, que inclui como direito constitucional dos trabalhadores rurais e urbanos a assistência à saúde privada oferecida pelos empregadores.

Na atualidade, assiste-se o completo desrespeito aos direitos duramente conquistados, sob o falacioso discurso de busca de maior eficiência. É nesse sentido que o Estado, adotando seu novo papel regulador, repassa a gestão do SUS para novos modelos de gestão, como é o caso das OS em pauta, hoje, no estado e no município do Rio de Janeiro.

4 CONCLUSÃO

Contemporaneamente, o projeto privatista ganha novo fôlego, notadamente com a ofensiva do capital sobre os trabalhadores, desmobilizando-os e empobrecendo-os ainda mais. Assim, os serviços antes tidos como um bem comum e universal, passam a ser mais uma mercadoria posta à venda para aqueles que possam pagar o preço exigido pelos capitalistas e suas empresas.

Com isto, há a fragilização da luta e um enorme retrocesso nos direitos conquistados historicamente, notadamente porque os direitos trabalhistas são de tal forma flexibilizados e extintos que a carga laboral passa a ser dobrada, a fim de poder manter a sobrevivência do trabalhador e de sua família, exaurindo-o precocemente.

As atuais mudanças na gestão nada mais são que respostas para atender aos interesses do capital, o que gera a necessidade cada vez maior de abertura deste mercado – no nosso caso, o da saúde – para entrada de empresas diversas.

A lógica macroeconômica de valorização do capital financeiro e subordinação da política social se manteve nos últimos anos, reduzindo os direitos sociais e ampliando o espaço do mercado; dificuldade de viabilização da concepção de Seguridade Social; o subfinanciamento e as distorções nos gastos públicos, privilegiando a lógica do mercado; a dificuldade de acesso da população ao serviço de saúde; o desafio de construir práticas baseadas na integralidade e na intersetorialidade; impasses com relação à gestão do trabalho e educação; precarização dos trabalhadores e a não definição de um plano de cargos, carreiras e salários para os profissionais; recuo nas experiências de controle social e participação popular; modelo de atenção à saúde centrado na doença, e não no eixo da prevenção e promoção da saúde; lógica de gestão vertical, burocratizado, terceirizado, com ênfase na privatização e, para o seu enfrentamento, são apresentadas propostas contrárias ao SUS, como as Fundações Públicas de Direito Privado e o ressurgimento das OS; o avanço da privatização, em detrimento do serviço público eminentemente estatal; e o não privilegiamento da atenção primária de saúde.

Assim, os trabalhadores passam a ter seu ingresso nos serviços de saúde marcado por um monetarismo cada vez mais excludente para aqueles que não podem arcar com o custo; e os profissionais destas Unidades possuem contratos de trabalho cada vez mais precarizados, reproduzindo a lógica do lucro e produtividade do capital, perdendo paulatinamente sua capacidade de resistência.

A contrarreforma na Saúde, portanto, se baseia na lógica instrumental e gerencial burguesa, restringindo os recursos materiais e humanos e obscurecendo a ótica do direito público e do direito dos trabalhadores.

Para alterar essa dinâmica é imprescindível o fortalecimento da participação da sociedade, organizando-se em fóruns populares, profissionais e sindicais. Há que se resgatar a luta pelo e para o Homem e os direitos universais.

Referências

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Notas

1 Para Chesnais (1996), a mundialização é uma fase da internacionalização do capital, que tem como característica o movimento conjunto da acumulação ininterrupta do capital e das políticas de liberalização econômica, de privatização, desregulamentação e desmantelamento das conquistas sociais.
2 Atividades publicizáveis são aquelas não exclusivas do Estado. Correspondem aos setores onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações privadas.
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