Resumo: O sistema prisional brasileiro vem sofrendo uma superlotação, e isto reflete diretamente na condição de saúde da população carcerária, sendo agravada por fatores socioeconômicos, culturais e comportamentais. Neste sentido, através de uma revisão de literatura, este estudo objetiva analisar a forma como acontece a atenção à saúde nesse cenário e o processo de formulação e implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). Ela instituiu, entre outras medidas, a inserção formal da população carcerária no Sistema Único de Saúde, assegurando que cada unidade prisional seja ponto integrante da Rede de Atenção à Saúde. A implantação da PNAISP é recente; sendo assim está em processo de estruturação e de adesão dos diversos municípios do Brasil. Conclui que é uma política muito importante, entretanto sua efetivação requer o desenvolvimento de ações que propiciem maior qualidade de vida e dignidade das pessoas inseridas no sistema prisional.
Palavras-chave:FormulaçãoFormulação, Implantação Implantação, Política Pública de Saúde Política Pública de Saúde, Sistema Prisional Sistema Prisional.
Abstract: The Brazilian prison system has suffering overcrowding and this reflects directly on the health condition of the prison population, and aggravated by socio-economic, cultural and behavioral factors. In this sense, through a literature review this study aimed to examine how happens to health care in that setting and the formulation and implantation of the National Policy for Integral Health Care of Persons Deprived of Liberty in the Prison System (PNAISP). It instituted, among other measures, the formal inclusion of the prison population in the Unified Health System, ensuring that each prison unit is a point of the Care Network Health. The implantation of PNAISP is new, so it’s in structuring and accession it's on process in several municipalities in Brazil. It is a very important policy, though its realization requires the development of actions that provide higher quality of life and dignity of persons in prison system.
Keywords: Formulation, Implantation, Health Public Policy, Prison System.
Artigos - Dossiê Temático
POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DAS PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE NO SISTEMA PRISIONAL:uma análise do seu processo de formulação e implantação
NATIONAL POLICY FOR INTEGRAL HEALTH CARE OF PERSONS DEPRIVED OF FREEDOM IN THE PRISON SYSTEM: a review of its formulation and implantation process
Recepção: 18/11/15
Aprovação: 22/02/16
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada desde 1948, preconiza, em seu artigo 25, que:
Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis [...] (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO, À CIÊNCIA E A CULTURA, 1998).
No que tange ao Brasil, a Constituição Federal (CF) de 1988, em vigor até os dias atuais, é considerada um marco da luta pelos direitos fundamentais, sendo caracterizada essencialmente pela ideia de democracia, liberdade, cidadania, dignidade da pessoa humana e justiça social. Nesse arcabouço de princípios, a Carta Magna frisa que “[...] todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]” (Art. 5º). Estabelece também que:
Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988).
Vale considerar que o processo histórico de inserção da saúde como direito universal na CF teve início em meados dos anos 70, quando o sistema burocrático brasileiro iniciou uma fase de reestruturação, em que os movimentos emergentes na sociedade reivindicavam por uma maior inclusão, justiça, proteção social e efetivação da cidadania. A efervescência da luta pela democratização influenciou diversos setores, incluindo a saúde. Nesse contexto, instaurou- se o movimento da Reforma Sanitária, o qual, segundo Teixeira (2009, p. 474)
[...] fundou-se na noção de crise: crise do conhecimento e da prática médica, crise do autoritarismo, crise do estado sanitário da população, crise do sistema de prestação de serviços de saúde.
Para além da defesa da saúde como um bem público e um direito de todos, ampliou-se o conceito do processo saúde- doença, passando a considerar que todos os determinantes sociais, como educação, habitação, meio ambiente, dentre outros, interferem diretamente nele (TEIXEIRA, 2009).
Um marco desse período foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde, por ser o momento em que houve a sistematização das propostas do movimento sanitário, sendo as mesmas incorporadas pela CF, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) (PAIM, 2006). Ratificando a universalidade da saúde, houve a promulgação da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, a qual
[...] dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
Tal lei institui como princípios do SUS: Art. 7º [...] I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. (BRASIL, 1990).
Embora estes princípios e diretrizes se apliquem a todos os cidadãos brasileiros, nota-se que, por vezes, alguns apresentam maior dificuldade em ter seus direitos assistidos, como no caso da população carcerária. Conhecida esta fragilidade, foram instituídas leis e políticas a fim de propiciar seu acesso à saúde. Entre elas, vale citar: a Norma nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que instituiu a Lei de Execução Penal; o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário (PNSSP), estabelecido por meio da Portaria Interministerial n.º 1.777MS/MJ, de 9 de setembro de 2003; e, mais recentemente, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), a qual tem como principal objetivo o acesso ao cuidado integral em saúde.
Em função do exposto, objetivou- se com este estudo analisar e descrever a forma como acontece a atenção à saúde no sistema prisional e o processo de formulação e implantação da PNAISP. Para tanto, realizou- se uma revisão de literatura acerca da temática em questão. Inicialmente será feita uma abordagem acerca das políticas de saúde instituídas no âmbito do sistema prisional e, posteriormente, sobre a PNAISP, abordando aspectos como sua formulação, implantação e desafios enfrentados. Vale enfatizar que, por ser uma política recente, os estudos na área ainda são escassos, o que limita algumas discussões, ao passo que estimula o desenvolvimento de mais pesquisas sobre o tema.
2 POLÍTICA DE SAÚDE NO SISTEMA PRISIONAL
O sistema prisional brasileiro vem sofrendo um inchaço no que tange à quantidade de pessoas em cárcere, sendo que isso reflete diretamente nas condições estruturais dos presídios, bem como na efetivação dos direitos inerentes aos encarcerados. Segundo Ferraz (2015), a pena de privação de liberdade está historicamente relacionada ao processo de ressocialização, tendo o intuito de reeducar e adequar o indivíduo ao convívio em sociedade. A prisão tem, portanto, um caráter paradoxal, pois ao mesmo tempo segrega e tenta realizar a reintegração do indivíduo. Esta reintegração está associada de forma direta às condições de vida dentro e fora do sistema prisional, sendo que estas podem ser atingidas de forma efetiva por meio de políticas públicas.
Ao analisar as garantias legais previstas para a defesa da saúde enquanto direito social essencial a todo indivíduo, a Lei 8.08/1990 reforça que “[...] a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.” (BRASIL, 1990, art. 2º). Em se tratando da população carcerária, a Lei de Execução Penal compreende no seu art. 10 que “[...] a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado [...]”. Enfatiza também em seu art. 14 que “[...] a assistência à saúde [...] de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.” (BRASIL, 1984). Desta forma, fica evidente a responsabilidade estatal pelas pessoas em cárcere na defesa do acesso à saúde, entretanto, este aspecto é apresentado na lei, de forma limitada. Sendo assim, verificou-se a necessidade da implantação de normativas mais específicas sobre a saúde para essa população. Em 2003, foi estabelecido o PNSSP, por meio da Portaria Interministerial n.º 1.777. Esta
[...] prevê a inclusão da população penitenciária no SUS, garantindo que o direito à cidadania se efetive na perspectiva dos direitos humanos. (BRASIL, 2005, p. 10).
Nesse sentido, segundo o Plano:
[...] É preciso reforçar a premissa de que as pessoas presas, qualquer que seja a natureza de sua transgressão, mantêm todos os direitos fundamentais a que têm direito todas as pessoas humanas, e principalmente o direito de gozar dos mais elevados padrões de saúde física e mental. As pessoas estão privadas de liberdade e não dos direitos humanos inerentes à sua cidadania.(BRASIL, 2005, p. 12).
O propósito do mencionado plano é “[...] contribuir para o controle e/ou redução dos agravos mais freqüentes à saúde da população penitenciária brasileira.” (BRASIL, 2005, p. 14), englobando 100% da população carcerária. Desta forma, a efetivação do acesso à saúde destes indivíduos deve pertencer ao rol de estratégias do Estado e dos profissionais que compõem o sistema prisional brasileiro. Contudo, inúmeros desafios são enfrentados cotidianamente. Apesar da escassez, estudos publicados na área mostram inúmeros determinantes que influenciam na qualidade de saúde dessas pessoas.
A situação de saneamento básico precário ou inexistente em inúmeros presídios, por exemplo, acarreta problemas como a insalubridade dos ambientes, que acumulada à falta de higiene dos detentos, incidem diretamente no aumento de doenças infecciosas. As condições estruturais dos presídios também influenciam a saúde dos detentos, visto que, além de haver uma superlotação, normalmente há pouca iluminação e ventilação nos espaços. Alguns agravos que são mais propícios nesses ambientes são: tuberculose, pneumonia, hepatite, doenças sexualmente transmissíveis, dentre outros. Assim, o uso de drogas, compartilhamento de seringas/agulhas, falta de proteção em relações sexuais, propiciam e intensificam a proliferação de doenças contagiosas como estas (ARRUDA et. al., 2013).
Além dos aspectos já mencionados, a baixa escolaridade da maioria das pessoas em cárcere dificulta a situação de saúde, visto que informações inerentes à transmissão de doenças e questões básicas de prevenção de agravos muitas vezes são desconhecidas por essas pessoas (KOLLING; SILVA; SÀ, 2013). Daí a importância do desenvolvimento de ações estratégicas de educação em saúde para essa população, previstas no Plano Nacional. Portanto, é perceptível o aglomerado de fatores que influenciam diretamente nas condições de saúde da população carcerária, podendo incluir outros como “[...] fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais [...]” (KOLLING; SILVA; SÀ, 2013, p. 290). Sendo assim, é fundamental que haja uma articulação intersetorial na tentativa de minimizar tais danos e riscos. O Plano Nacional, apesar de defender todas essas e outras ações em prol da melhoria da saúde da população carcerária, apresenta inúmeros impasses. Segundo um estudo realizado a partir de uma revisão de literatura de publicações da área, foi possível concluir que:
O ambiente prisional dispõe de uma realidade distante do que é proposto no Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, visto que os dados revelados mostraram elevados índices de doenças, sobretudo da insuficiência de ações educativas que contribuem, de fato, para a promoção da saúde e a prevenção das enfermidades, além de uma precária assistência médica aos detentos. (SOUSA et al, 2013, p. 149).
Deste modo, algumas limitações no PNSSP dificultam a garantia do direito ao acesso à saúde das pessoas privadas de liberdade (OLIVEIRA, 2014). Tal fato é evidenciado, por exemplo, pela Carta do Rio de Janeiro de 27 de outubro de 2011, a qual reflete os resultados do debate realizado na 6ª Conferência Estadual de Saúde do Rio de Janeiro no mesmo ano, acerca dos problemas de saúde que afetam a população que se encontra presa. Nesta carta foram apresentadas várias falhas relacionadas ao tema, dentre elas, o aumento vertiginoso de diversas doenças, decorrentes da superpopulação e das condições de encarceramento; a redução do número de profissionais de saúde que atuam no sistema prisional; a falta de implantação de um Plano Operativo Estadual que assegure o acesso à saúde desta população; a ausência de uma política pública de saúde e de saúde mental específica; e a dificuldade para implementar o controle social nesse meio. Várias propostas foram aprovadas e encaminhadas à 14ª Conferência Nacional de Saúde, incluindo a implantação de uma Política Nacional e Estadual de Saúde no Sistema Penitenciário que garantisse o acesso destas pessoas ao SUS. Em 2011, quando da realização desta Conferência Nacional, que teve como tema Todos usam o SUS! SUS na Seguridade Social, Política Pública e Patrimônio do Povo Brasileiro, os delegados presentes apresentaram a moção de apoio à Carta do Rio de Janeiro (BRASIL, 2012).
Constatando a importância da implementação de ações e serviços que propiciem uma atenção integral à saúde da população carcerária no Sistema Prisional Nacional, bem como a necessidade de atender aos princípios dos direitos humanos, a Portaria Interministerial nº 1.679/MS/MJ/MDS/SDH/SPM/SEPPIR, de 12 de agosto de 2013, instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial para a elaboração da Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional (GTI/SISPE) e o Comitê Técnico Intersetorial de Assessoramento e Acompanhamento da Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional (BRASIL, 2013).
Em seu art. 3º, esta Portaria determinou como competências do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas e Departamento Penitenciário Nacional a convocação e ordenação das reuniões, a elaboração e manutenção dos relatórios elaborados pelo GTI/SISPE e o apoio técnico e administrativo para a viabilização dos trabalhos. Já em seu art. 4º, foram estabelecidas as competências do Comitê acima mencionados, quais sejam: a implantação da Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional, a proposição de critérios para a organização dos serviços e de gestão da saúde no âmbito do Sistema Prisional, e o apoio ao GTI/SISPE na elaboração da Política em questão (BRASIL, 2013).
Concedeu-se ao GTI/SISPE um prazo de 180 dias a partir da publicação da Portaria para a conclusão e a apresentação da proposta da Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional aos Ministros de Estado da Saúde, da Justiça e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e às Ministras de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (BRASIL, 2013). Vale considerar que no período da instituição da Portaria Interministerial nº 1.679/2013, o Brasil estava inserido em um contexto de intensas manifestações populares, originadas do Movimento Passe Livre, em prol do não aumento das tarifas de transporte público. Essa pauta foi ampliada e as reivindicações começaram também a focar nos elevados gastos públicos para a realização da Copa do Mundo de 2014, na corrupção, na luta por serviços públicos de qualidade, dentre outros motivos (ROMÃO, 2013). Esse cenário político inevitavelmente estava também atrelado à melhoria dos serviços de saúde no sistema prisional.
Após todo o processo de construção, no dia 2 de janeiro de 2014, publicou-se a Portaria Interministerial nº 1, a qual instituiu a PNAISP, com o intuito de reforçar as ações que devem ser desenvolvidas na defesa do direito à saúde da população carcerária, ratificando os princípios de universalidade, integralidade e equidade presentes no SUS; além de fortalecer as relações intersetoriais com as instâncias da Justiça e Segurança, Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (BRASIL, 2014b). No dia 1º de abril de 2014, a Portaria nº 482 instituiu as normas para a operacionalização da PNAISP no âmbito do SUS (BRASIL, 2014g).
3 A POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DAS PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE NO SISTEMA PRISIONAL
Para garantir os direitos previstos constitucionalmente e os princípios do SUS, a PNAISP assegura o acesso ao cuidado integral em saúde, proporcionando atenção universal para todas as pessoas no sistema prisional. A política define que pessoas em cárcere são aquelas com idade superior a dezoito anos, que estejam sob custódia do Estado para cumprimento de penas privativas de liberdade. Os benefícios desse acesso ao cuidado integral se estendem também às pessoas que se encontram em regime semiaberto, aberto, e àquelas submetidas à medida de segurança (BRASIL, 2014b).
A atenção integral apresenta como diretrizes: ser resolutiva, contínua e de qualidade, sendo executada em diferentes níveis de atenção à saúde. As atividades preventivas e de promoção à saúde devem ser também prioritárias, bem como o controle e redução dos agravos mais frequentes que acometem a população privada de liberdade. Para que esse cuidado em saúde seja realmente efetivo no sistema penitenciário, destaca-se a importância da efetivação de educação continuada dos profissionais atuantes na política e das relações intersetoriais das equipes, a fim de promover uma gestão integrada e racional e de garantir o direito à saúde. O foco da política também contempla os trabalhadores em serviços penais e os familiares das pessoas privadas de liberdade, a fim de possibilitar a inserção destes em ações de prevenção e promoção da saúde no âmbito carcerário. Os programas estratégicos que facilitam o acesso à saúde envolvem ainda o trabalho de pessoas custodiadas, caso as mesmas manifestem o interesse, estando assim sujeitas a redução de pena (BRASIL, 2014b).
A Portaria nº 482, de 1 de abril de 2014, que institui normas de operacionalização da PNAISP, estabelece que as unidades prisionais devem ofertar os serviços de atenção básica, sendo que os demais serviços devem ser prestados pela rede de atenção à saúde. Destaca que o atendimento necessita ser realizado por equipes multiprofissionais e, ao normatizar as equipes de atenção básica prisional, define a equipe tipo I para até 100 custodiados, tipo II para até 500 custodiados e tipo III para até 1.200 custodiados, sendo que todas podem contar com equipe de saúde mental. Para unidades com atendimentos acima de 1.200 pessoas, a equipe tipo III será acrescida de profissionais de acordo com o número de custodiados (BRASIL, 2014g).
Os profissionais contemplados na equipe básica correspondem a mesma equipe técnica da Estratégia Saúde da Família (ESF), ou seja, enfermeiro, médico, cirurgião-dentista, técnico de enfermagem e técnico em saúde bucal. Quando a saúde mental é inserida, profissionais da área de psicologia, farmácia, serviço social, fisioterapia, nutrição, dentre outros, podem compor a equipe técnica, todavia a definição dos mesmos depende do modelo pactuado. A transferência do incentivo financeiro aos entes federativos que aderirem a PNAISP só será realizada com a habilitação das referidas equipes de saúde no sistema prisional (ESP) (BRASIL, 2014g).
A política prevê ainda ações de vigilância sanitária e epidemiológica, a serem executadas pelos municípios e Distrito Federal. Orienta também a Secretaria Estadual de Justiça e a administração penitenciária a apoiar essas ações, para que haja a adequação dos espaços físicos a fim de viabilizar a salubridade dos ambientes em que as pessoas privadas de liberdade ficam reclusas. Adaptações para acolhimento de pessoas com deficiência, idosas e com doenças crônicas, também estão previstas para a ampliação do cuidado (BRASIL, 2014b).
A implantação da PNAISP está ocorrendo por meio da pactuação entre Estados e Distrito Federal com a União. Para tanto, o Estado e o DF assinam o Termo de Adesão, elaboram um Plano de Ação Estadual para Atenção à Saúde da Pessoa Privada de Liberdade e encaminham a documentação ao Ministério da Saúde para aprovação. Àqueles que aderem à PNAISP assegura-se a aplicação de um índice para complementação dos valores a serem repassados pela União, como incentivo. A adesão municipal à Política é facultativa. A Portaria Interministerial nº 1 aborda as competências da União, dos Estados, dos Municípios e Distrito Federal (BRASIL, 2014b).
Os entes federativos terão prazo até 31 de dezembro de 2016 para adequar suas ações e serviços para implantação da PNAISP, a qual se dá a partir da assinatura do termo de adesão nos estados e municípios. Enquanto isto não acontece em todos os locais, as regras previstas pelo PNSSP, embora tenham sido revogadas, deverão ser cumpridas (BRASIL, 2014b).
4 EFETIVAÇÃO E DESAFIOS DA POLÍTICA DE SAÚDE NO SISTEMA PRISIONAL
A situação carcerária constitui-se em um dos problemas de maior complexidade da realidade social brasileira. Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (InfoPen), relativos a 2014, revelam que o número de pessoas privadas de liberdade no Brasil ultrapassou a marca dos seiscentos mil, ou seja, existem cerca de 300 presos para cada cem mil habitantes no país. Nota-se que o número de presos é superior à quantidade de vagas do sistema penitenciário. Comparando estes dados com os de outros países, em números absolutos, o Brasil tem a quarta maior população prisional e a quinta maior taxa de ocupação dos estabelecimentos prisionais (BRASIL, 2014a).
A saúde da população carcerária também está em crise. Para responder a essa situação, a PNAISP, instituiu, entre outras medidas, a inserção formal da população prisional no SUS. Porém, como a Política é recente, apenas um terço das unidades prisionais no Brasil tem módulo de saúde, sendo que 63% das pessoas privadas de liberdade encontram-se nessas unidades. Dessa forma, 37% dessa população não têm acesso a qualquer serviço de atenção básica de saúde na Unidade (BRASIL, 2014a).
Desde sua instituição, muitos Estados já aderiram à PNAISP, como: Acre, Tocantins, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Pará, Distrito Federal (BRASIL, 2014c), Alagoas, Bahia, Pernambuco (BRASIL, 2014e), Rio de Janeiro, Paraná, São Paulo, Amapá (BRASIL, 2014f), Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul (BRASIL, 2014d), dentre outros. Alguns municípios inauguraram novas Unidades Básicas de Saúde (UBS) Prisionais. Como exemplo, pode ser citado o município de Ananindeua, na região metropolitana de Belém, onde foi inaugurada, em 2015 a primeira UBS Prisional do Estado no Centro de Recuperação Feminino (CRF), a qual oferece atendimento médico, psicológico, odontológico, nutricional, enfermaria, ambulatório, farmácia, serviço social e terapia ocupacional e funciona 24 horas por dia, em escala de plantão. No total, 10 das 41 Unidades Prisionais do Pará já estão cadastradas na PNAISP (LOPES, 2015).
Para Ferraz (2015), o avanço da assistência à saúde no sistema prisional tem se dado de forma lenta e desproporcional, talvez pelo fato de a adesão à PNAISP ser facultativa. Destaca-se ainda que, diante do sucateamento e deterioração dos espaços prisionais, o valor do incentivo repassado à saúde no Sistema Prisional é irrisório, não estimulando a adesão dos Estados e Municípios. A autora analisou o processo de implantação da Política no Rio Grande do Sul, constatando que embora tenha aumentado o número de Equipes de Saúde nos estabelecimentos prisionais, a cobertura permanece insuficiente e o enfoque das ações continua curativo. Entretanto, apesar das dificuldades, vale considerar que a PNAISP tem promovido o debate acerca da saúde no sistema prisional em diversos espaços.
A instituição da política é uma oportunidade para que os profissionais envolvidos com a reorganização do sistema de saúde prisional reflitam sobre as peculiaridades inerentes a esta população. Sabe-se que a dificuldade de acesso à informação e o receio de ser vítima do preconceito são fatores que dificultam a busca pelos serviços de saúde e a adesão ao tratamento. Ressalta-se que a saúde não deve ser considerada como um privilégio, mas sim como um direito. Como exemplo do impacto positivo de uma abordagem mais humanizada e participativa no âmbito da saúde no contexto penitenciário, pode-se citar o Projeto Fundo Global TB, que desenvolve iniciativas voltadas para o controle da tuberculose. Neste caso, algumas ações que propiciaram bons resultados foram a criação de estratégias de circulação de informação, a realização de atividades com grupos de agentes penitenciários enfatizando a saúde como direito, a capacitação de professores e agentes religiosos para atuarem como parceiros e a discussão e definição de fluxos internos para realização das práticas pelos profissionais de saúde (CASTRO; SÁNCHEZ; LAROUZÉ, 2014).
Diante do exposto, torna-se evidente que a criação de novas Unidades Básicas de Saúde Prisionais, por si só, não é suficiente. Deve haver também iniciativas que possibilitem a integração dos diversos atores inseridos no sistema prisional, incluindo a população privada de liberdade, suas famílias, os agentes penitenciários, os profissionais de saúde, dentre outros. Além disso, faz-se necessário o desenvolvimento de ações intersetoriais e de estratégias que amenizem o grande problema representado pela superlotação do sistema penitenciário, a qual dificulta enormemente a promoção de saúde.
Nesse contexto, percebe-se que inúmeros fatores influenciam e limitam a efetivação do direito à saúde. Desta forma, é válido refletir que:
[...] os direitos humanos, como conjunto de valores históricos básicos e fundamentais, que dizem respeito à vida digna jurídico-político-psíquico- físico-econômica e afetiva dos seres humanos e de seu habitat, tanto daqueles do presente quanto daqueles do porvir, surgem sempre como condição fundante da vida, impondo aos agentes político-jurídico- econômico-sociais a tarefa de agirem no sentido de permitir e viabilizar que a todos seja consignada a possibilidade de usufruí- los em benefício próprio e comum ao mesmo tempo. Assim, como os direitos humanos dirigem-se a todos, o compromisso com sua concretização caracteriza tarefa de todos, em um comprometimento comum com a dignidade comum. (MORAIS, 2010, p. 131).
Desta forma, os valores que compõem a esfera de direitos humanos são bens substanciais para a vida em sociedade e para a defesa da dignidade humana, sendo então compromisso de todos. Entretanto, Herrera Flores (2009) destaca que, apesar das normas estabelecidas muitas vezes trazerem a tona que temos os direitos, não necessariamente a sociedade tem acesso a tais bens, sendo os resultados compatíveis com as realidades vividas por cada sujeito. Destarte, devido à complexidade enfrentada pelos direitos humanos, em particular o direito à saúde para população carcerária, é imprescindível que haja o fortalecimento e o empoderamento dos grupos e indivíduos para a luta da efetivação dos seus direitos e da dignidade da vida.
Assim, a PNAISP, ao preconizar o respeito aos direitos humanos, a intersetorialidade, a humanização da atenção à saúde, o fomento à participação e controle social e o monitoramento das ações desenvolvidas através da análise dos indicadores e das metas estabelecidas de acordo com as especificidades regionais, propicia a reorganização do Sistema Prisional de Saúde (BRASIL, 2014b). No entanto, como sua instituição ainda é recente, é necessário o monitoramento e avaliação das ações desenvolvidas de forma longitudinal, para verificar sua efetividade.
A partir da reflexão da temática abordada, percebe-se que o sistema prisional brasileiro possui uma série de normativas jurídicas que regulamentam seu funcionamento, bem como a assistência que deve ser prestada às pessoas privadas de liberdade. Isto favorece a organização do sistema, que está superlotado, e também beneficia esta população que apresenta inúmeras peculiaridades. No que tange à saúde, foi implantada em 2014 a PNAISP, que prevê a defesa do direito à saúde destes indivíduos, incluindo também sua família e trabalhadores dos presídios, ratificando os princípios de universalidade, integralidade e equidade presentes no SUS.
Nesse contexto, é importante destacar que as políticas públicas são formuladas com o intuito de propor transformações e melhorias de acordo com a problemática apresentada. Assim, a junção de vários fatores explicitou a necessidade e favoreceu a criação da política mencionada, como por exemplo: aumento do índice de presidiários e, consequentemente, da propagação de doenças, escassez de serviços de saúde dentro dos presídios bem como infra- estrutura danificada, déficit na qualidade do atendimento prestado, falta de articulação da rede de atenção à saúde para a efetivação de uma assistência integral, dentre outros. Desta forma, a PNAISP tem o intuito de minimizar problemas oriundos da precária saúde do sistema prisional, e assim prevenir danos e agravos nesse meio, bem como estimular a promoção da saúde entre os detentos e aqueles ao seu redor.
A implantação da PNAISP é recente; sendo assim, está em processo de estruturação e de adesão dos diversos municípios de todo território brasileiro. É uma política de extrema importância, logo, sua efetivação requer empenho daqueles que acreditam em um sistema prisional melhor e mais humanizado. Isto porque muitas vezes as pessoas que cometeram algum crime são penalizadas não apenas pelo sistema judicial, mas também pelas condições degradantes dentro dos presídios. Daí a necessidade dos poderes públicos, dos gestores, dos profissionais envolvidos e da sociedade em geral proporem estratégias e ações que concretizem as diretrizes propostas na PNAISP e, assim, lutarem por uma melhor qualidade de vida e dignidade das pessoas que estão inseridas no sistema prisional.