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UNIVERSALIDADE DO ATENDIMENTO À SAÚDE NO BRASIL: impasses e perspectivas
HEALTH SERVICES ACCESSIBILITY IN BRAZIL: impasses and perspectives
Revista de Políticas Públicas, vol. 20, núm. 1, pp. 201-220, 2016
Universidade Federal do Maranhão

Artigos - Dossiê Temático


Recepção: 20/01/16

Aprovação: 22/02/16

Resumo: O artigo discute sobre o acesso universal e o seu impedimento no âmbito do sistema de saúde brasileiro. Considera que o SUS tem sido atingido por ações administrativas comprometidas com a gestão capitalista, o que inviabiliza sua plena implementação. Destaca que o acesso universal enfrenta problemas como a dicotomia entre as ações curativas e as ações preventivas, e que as alterações na Lei Orgânica da Saúde e na Constituição de 1988, para introdução do capital estrangeiro, promovem atrasos que fazem com que o sistema seja derrotado, inclusive em seu sentido simbólico. Mostra que o aumento da participação da iniciativa privada na saúde, além de retardar todo processo de construção plena do SUS, traz ainda consequências políticas, pois as empresas de saúde são financiadoras de campanhas eleitorais. O Estado prioriza o repasse de dinheiro público para o setor privado. Conclui que os gastos públicos com a saúde, representados no PIB, não chegam à metade dos gastos totais em saúde. Mesmo assim, os recursos são gastos somente com a parcela mais pobre da população.

Palavras-chave: Sistema Único de Saúde (Brasil), Financiamento da Assistência à Saúde, Acesso Universal aos Serviços de Saúde.

Abstract: The article discusses on the universal access to the Brazilian health system and its impediment. The Unified Health System (Sistema Único de Saúde; SUS) has been administrated by actions committed to capitalist management which impedes its full implementation. The universal access face problems as the dichotomy between the curative and preventive actions. The changes in the Health Law and in the Constitution (1988), for the introduction of the foreign capital, promote delays that cause failure in the system and leads to a defeated in the hearts and minds of the Brazilians. The increase in the private sector participation brings political consequences to the health system, because healthcare companies finance election campaigns. The state prioritizes the transfer of public money to the private sector. It concludes that public spending with health represented in the Gross National Product (Produto Interno Bruto, PIB) do not reach half of the total spending on health. Nevertheless, resources are expended only with the poorest part of the population.

Keywords: Unified Health System, Health care Financing, Universal access to Health Care services.

1 INTRODUÇÃO

O Movimento de Reforma Sanitária, ocorrido a partir da década de 1970 (MENDES et al., 2011), fomentou junto à sociedade civil o debate de um Sistema de Saúde, Único, Público e de Qualidade, onde se contemplasse todas as suas necessidades. Esse sistema foi incluído na Constituição Federal (CF) de 1988, um marco da redemocratização do Estado Brasileiro, e intitulado como SUS. O artigo 196 da CF de 1988 deve ser sempre lembrado, pois garante que

[…] A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas, que visam a redução do risco de doença e outros agravos e o acesso universal e igualitário as ações e serviços de saúde. (BRASIL, 1988).

O SUS foi um projeto que assumiu e consagrou os princípios da Universalidade, Equidade e Integralidade da atenção à saúde da população brasileira. Isso implicou concebê- lo como o projeto de um processo de reforma do sistema de saúde que veio do período anterior, um sistema de saúde capaz de garantir o acesso universal da população a bens e serviços que garantam sua saúde e bem-estar, de forma equitativa e integral.

Então, se acrescentam aos chamados “princípios finalísticos”, que dizem respeito à natureza do sistema que se pretende configurar, os chamados “princípios estratégicos”, ou seja, a Descentralização, a Regionalização, a Hierarquização e a Participação Social, que dizem respeito às diretrizes políticas, organizativas e operacionais, que apontam como deve vir a ser construído o sistema que se quer institucionalizar. (TEIXEIRA, 2011, p. 2, grifos da autora).

Na medida em que o SUS universalizou o direito à saúde no país, acabou com a assistência vinculada às atividades previdenciárias e o caráter contributivo do sistema existente que gerava uma divisão da população brasileira em dois grandes grupos, além da pequena parcela da população que podia pagar os serviços de saúde por sua própria conta: previdenciários e não previdenciários. Além desta divisão da população em dois grupos com acesso diferenciado, a estruturação e o financiamento das atividades de atenção e assistência à saúde geravam a desarticulação dos serviços de saúde e evidentes prejuízos à saúde da população, decorrentes do modelo vigente (CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE, 2003). A partir daí não houve mais necessidade dos usuários de saúde se colocarem como trabalhadores ou 'indigentes', passando todos a serem tratados como cidadãos. Esta foi uma contribuição inquestionável do SUS, pois quebrou com um processo de estigmatização da população pobre do país (TEIXEIRA, 2011).

Portanto, esse artigo se propõe a discutir o Acesso Universal à Saúde, Impasses e Perspectiva, abordando os aspectos econômicos, o financiamento da saúde, um comparativo do financiamento dos setores público e privado e os novos modelos de gestão do SUS.

2 O SUS NA CONTRAMÃO DO NEOLIBERALISMO

Clarisse Lispector cunhou o termo ex-possível, com sentido diferente de impossível. Ex-possível indicaria algo que poderia ter acontecido no passado, mas que a negligência humana sistemática, nesse caso a das autoridades, haveria impedido de acontecer (CAMPOS, 2014).

A primeira hipótese é que o Sistema Único de Saúde (SUS), com o tempo se tornou um 'ex–possível'. Segundo Campos (2014), o SUS é o maior e único sistema unificado e de acesso universal na América Latina, à exceção de Cuba. Porém, problemas de ordens diversas, como precárias condições de trabalho, subfinanciamento de seus programas, política de governo sobrepostas à política de Estado e as consequentes necessidades de saúde, desrespeito ao direito à saúde, fizeram com que grande parte dos trabalhadores desacreditasse do suposto devir de uma política pública abrangente e generosa. Os trabalhadores passaram a escolher seus planos de saúde individualmente, pois estavam confusos no emaranhado incompreensível de ofertas públicas, semipúblicas ou com características de privadas do imenso mercado de assistência à saúde.

A segunda hipótese é que o SUS está sendo derrotado no campo simbólico, como referência dos brasileiros. Com baixa resolutividade e, baixa sustentabilidade – programas exitosos no SUS costumam ter vida curta de alguns anos e, após pouco tempo, são degradados pela falta de continuidade administrativa, tendo como consequência o descrédito da população em torno desta proposta. (CAMPOS, 2014, p. 44-5).

Um pequeno exemplo é relatado por Sugimoto (2015), ao mencionar o quadro elaborado por Ribeiro (2015, p. 237) sintetizando os “[…] constrangimentos e fatores limitantes à existência dosubsistema de fisioterapia no SUS", sendo os principais: descontinuidades e rupturas em função de mudanças no governo municipal e resistência dos gestores e também dos médicos; e falta de controle sobre a matéria-prima e dificuldades de compra e aquisição no mercado dos insumos, devido a fornecedores não capacitados e à qualidade dos produtos.

A terceira hipótese, relata Campos (2014) é que não há no horizonte nenhum projeto político que se proponha explicitamente a enfrentar o conjunto de problemas e impasses crônicos que limitam e restringem a plena constituição do SUS e o direito à saúde.

São tantas transformações ainda por fazer que se faz necessário reconstruir-se um amplo movimento de reforma sanitária capaz de reinventar o SUS Brasil, uma utopia possível. Um projeto que somente terá legitimidade se for construído por um amplo movimento social em defesa da democracia e da justiça social. (CAMPOS, 2014, p. 48-49).

A Proposta do SUS requeria um Estado democrático de direito, e se tornou incompatível com a lógica neoliberal produtivista e excludente que se sucedeu na sociedade brasileira, daí a dificuldade de sua construção.

2.1 Impasses e perspectivas na construção da Universalidade

2.1.1 Modelo Econômico

O principal problema para a adoção de sistemas universais de políticas públicas para os direitos humanos universais, em especial para a Saúde, se encontra no modelo econômico neoliberal adotado na atualidade nos países capitalistas. Esse modelo supõe a existência de um Estado mínimo para as políticas sociais e máximo para o capital, apoiado também na globalização da economia (COSTA, 2014).

A hegemonia neoliberal se baseia na expansão e manutenção da ordem econômica e política regional, nacional e transnacional, de forma que favoreça a difusão de um modelo de desenvolvimento que sempre permita uma progressiva e acelerada concentração de capital. No âmbito da Saúde se traduz na comercialização da vida, no desprestígio dos sistemas públicos de saúde, na manipulação da sociedade, através da mídia, que se utilizava de suas várias formas de sofrimento, e outras estratégias de manipulação midiáticas do pensamento coletivo (COSTA, 2014).

Costa (2014) relatou que, após a promulgação da CF de 1988, era necessária a extinção do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) para a implementação do Sistema Único de Saúde. Porém essa ação foi protelada de forma que impedia os avanços do projeto da Reforma Sanitária, ainda em disputa na Câmara dos Deputados. Com a eleição de Collor, teve início o desvio dos recursos do orçamento da seguridade social e, assim, o SUS já nasceu subfinanciado.

Em 1995, a gestão do SUS passou pela Reforma do Estado de Bresser Pereira e, com recursos insuficientes, fez a opção pela Atenção Básica para uma camada excluída da população, o que aumentou a demanda da classe média por planos de saúde. Durante a Reforma Bresser se aprofundou a privatização e a iniquidade do sistema de saúde no país e 50 milhões de brasileiros recorreram aos planos privados que eram subsidiados por renúncia fiscal, ou por transferência aos preços, produtos e mercadorias (COSTA, 2014).

Os novos paradigmas da Reforma do Estado estavam estruturados com elementos do modelo neoliberal. Ações de governo, no tocante ao financiamento, eram tomadas concomitantemente na direção de adequar-se àquele modelo, tais como: o subfinanciamento das políticas públicas para os direitos humanos universais; a Desvinculação de Receitas da União (DRU), na seguridade social; as subvenções públicas aos planos de saúde privados; o pagamento por procedimentos ao setor privado e complementar do SUS – tabela de procedimentos e valores – como decisão inquestionável; a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que impôs limite à contratação de pessoal em uma área intensiva de trabalho, como é a da Saúde. Aliado a isso, os governos tomavam medidas administrativas, como o centralismo burocrático e gerencial da administração pública direta e autárquica no acompanhamento da prestação de serviços públicos e sua entrega à gestão por empresas privadas, além de um padrão tecnológico pouco atento às exigências de uma atenção integral à saúde dos cidadãos.

Os trabalhadores formais que antes estiveram vinculados à previdência social, com garantia de assistência médica pelo INAMPS, passaram a vincular-se aos planos privados de saúde subsidiados pelas empresas e, especialmente, pelo Estado, por meio da renúncia fiscal. Apesar da isenção fiscal, da política de privatização, dos planos de saúde privados, os quais eram baratos e muito limitados, 73% da população brasileira dependiam exclusivamente do SUS (COSTA, 2014). Na atualidade, 47,7% dos utilizadores dos planos de saúde são individuais (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2014).

Na opinião de Campos (2014), ao contrário de outros países, por razões particulares de nossa história, o crescimento econômico não foi acompanhado das transformações que pudessem modernizar o Estado e avançar no controle social. Nas ações dos governos sempre esteve subentendida a ideia de que a lei não se aplicava a todos, principalmente, às elites. Os aparelhos de Estado protetores das elites e governos essencialmente repressivos aos movimentos sociais e que se encarregavam de dificultar a organização, o funcionamento e o acesso à mídia por parte dos partidos e organizações vinculados aos trabalhadores e outros setores sociais, favoreciam a corrupção e não a modernização do Estado brasileiro. Dessa forma, quando o governo não controlava os movimentos sociais, usava o Estado para cooptar suas lideranças. O Estado funcionava para facilitar que a elite se apropriasse dos fundos públicos, seja por corrupção, ou para a privatização das políticas sociais, ou, enganosamente, para políticas de distribuição de rendas muitas vezes questionáveis.

Santos (2014) sugeriu que havia indícios de que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estava influenciada pelas ideias de mercado. A evidência estaria em que cinco diretores da ANS nos últimos anos foram originários do mercado, o que demonstraria a efetiva influência dos próprios donos dos planos de saúde dentro desta autarquia.

2.1.2 Financiamento

Alcançar a Universalidade do atendimento na Saúde implica pensar em um conjunto de ações que assegurem condições de vida de qualidade. Para Santos (2014) o artigo 196 da CF de 1988 pressupõe que, para efetivar o direito à saúde, o estado deve assegurar não apenas serviços públicos de promoção e proteção e recuperação da saúde, mas adotar ainda políticas econômicas e sociais que melhorem as condições de vida da população, evitando–se, assim, o risco de adoecer.

Desde 1990, a política do Estado brasileiro promoveu o desmonte financeiro do SUS (MENDES et al., 2001). Não houve, desde então, o cumprimento dos 30% do orçamento da Seguridade Social, garantido nas disposições transitórias da CF de 1988. O desmonte do financiamento federal permite afirmar que o orçamento médio real do Ministério da Saúde desde 1990 ficou reduzido de ½ a 1/3 do que era desejado. Estes recursos permanecem bem abaixo dos destinados por países como Uruguai, Argentina, Chile e Costa Rica, sendo seis vezes menor que a média dos 15 países com sistemas públicos de saúde mais avançados (SANTOS, 2014).

Durante os 25 anos de vigência do SUS existiu um baixo financiamento, embora tenha crescido como percentual de recursos do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2000, o gasto das esferas de governo, Federal, Estadual e Municipal, com o sistema de saúde foi de 2,89% do PIB. Uma década depois, em 2011, este gasto passou a ser de 3,91% do PIB, enquanto outros países que possuem sistemas universais utilizaram 8,3% de seus PIB com os sistemas no mesmo ano (MARQUES; PIOLA, 2014).

Na Tabela 1, adiante, foram compiladas informações de relatórios do Banco Mundial relativas às despesas de países que evidenciam a diminuição lenta de gastos com a saúde em países considerados na literatura brasileira como investidores em sistemas universais e oponentes ao desmonte do serviço público de Saúde (BUSS; LABRA, 1995). O Brasil é, atualmente, o único país a prover o acesso universal à saúde. Alguns sistemas como Austrália, Canadá, Espanha e Inglaterra possuem peculiaridades que se situam na definição da entrada e nas legislações recentes que restringem o acesso aos sistemas e merecem destaque:

· Canadá: o Canadian Health Act provê o acesso razoável de indivíduos e seus familiares a seu sistema de saúde. São considerados usuários do sistema os residentes no país, contribuintes ou não, incluindo aqueles com visto permanente. O sistema obedece à estrutura federativa, a responsabilidade do serviço é do município, os custos são arcados pela federação (HEALTH CANADA, [20--?]; CONILL, 2014);

· Espanha: possuía acesso universal. Porém, desde 2012 a publicação de seu Real Decreto 16/2012 restringiu o acesso aos contribuintes, deixando de lado a noção de acesso universal (CONILL, 2014);

· Austrália: o MEDICARE é definido como uma rede, provendo acesso universal a seus cidadãos e residentes (DUGDALE; HEALY, 2016). Porém, nem todos os serviços possuem acesso universal, como ambulância, fisioterapia e outros. O governo australiano vem discutindo co-participação para usuários em medicamentos e serviços médicos, por exemplo, em consultas com clínicos gerais (LABA et al., 2015). Porém, possui acesso universal em hospitais públicos e subsidia serviços médicos (AUSTRALIAN INSTITUTE OF HEALTH AND WELFARE, 2014);

· Inglaterra: apesar de ter o acesso universal como meta desde a constituição de seu sistema de saúde, em 1948, o acesso universal nunca foi atingido para níveis específicos de saúde. Baseada em suas necessidades de diminuir gastos públicos, também tem discutido a co-participação (SURENDER; MATSUOKA; OVSEIKO, 2015).


Tabela 1 - Despesas com saúde dos últimos 6 anos, em países do mundo que adotam parcialmente ou totalmente o acesso universal aos serviços de saúde

THE WORLD BANK. World development indicators 2011. Washington, DC, 2011. Disponível em:<http://siteresources.worldbank.org/DATAS TATISTICS/Resources/wdi_ebook.pdf#page=1 &zoom=auto,1065,797>. Acesso em: 14 jan. 2016; THE WORLD BANK. World development indicators 2012. Washington, DC, 2012. Disponível em:<http://data.worldbank.org/sites/default/files/wdi -2012-ebook.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2016; THE WORLD BANK. World development indicators 2015: online tables. Washington, DC, 2015. Disponível em:. Acesso em: 14 jan. 2016.* Gastos totais em saúde representados no PIB.** Gastos públicos em saúde sobre o percentual de gastos totais representados no PIB.

Pode-se observar o decréscimo constante dos gastos públicos com a Saúde na maioria dos países. França e o Reino Unido foram os únicos países onde o percentual do gasto público em Saúde foi maior e, no Reino Unido, a oscilação nos valores aplicados foi menor. O Brasil, a Austrália e a China aumentaram seus percentuais de gastos totais com a Saúde refletidos no PIB de 2010 a 2013. Porém, focalizando o gasto público, somente o Brasil não destina nem 50% do dinheiro público para a Saúde nos últimos 8 anos.

Atualmente os municípios e estados brasileiros destinam à Saúde um montante entre 12% e 15% de sua arrecadação, porém, no Brasil, as Políticas Sociais são pautadas pela área econômica de governo, onde está instalada a política do estado mínimo. Santos (2014) avalia que, para a retomada dos rumos do Sistema Único de Saúde na direção dos direitos universais de cidadania, é necessário garantir que o financiamento federal siga a lógica do financiamento dos estados e municípios, garantindo o investimento de 10% da Receita Corrente Bruta da União para Saúde. Para que estes recursos tenham de fato retorno é preciso ter metas, planos pactuados e assumidos com estados e municípios, concursos públicos e carreiras, extensão, qualificação da Atenção Básica, qualificação de prioridades, qualificação gerencial na prestação de serviços, rateio equitativo de repasses federais e estaduais, implementação das redes de atenção integral nas regiões de Saúde e outros.

Um ponto crítico do financiamento é que os recursos repassados constituem caixas de transferências e estão vinculados aos programas prioritários definidos pelo Ministério da Saúde, sem considerar as realidades dos municípios. Os recursos repassados pelo Ministério da Saúde ainda encontram-se atrelados a programas como Tuberculose, Hanseníase, Hipertensão e Diabetes, Saúde da Mulher e da Criança, entre outros, sem garantia para outras ações que atendam aos quadros epidemiológicos dos municípios. Dessa forma, os municípios encontram dificuldades para definir em seus planos municipais de Saúde suas próprias estratégias de construção da política de saúde local (SANTOS; ANDRADE, 2007).

As despesas do Ministério da Saúde são de duas formas: pagamento direto aos prestadores de serviços e transferências aos estados e municípios por meio do Fundo Nacional de Saúde aos respectivos fundos. As transferências são destinadas para a Alta e Média Complexidade e para a Atenção Básica. A Atenção Básica é financiada através do Piso de Atenção Básico Fixo – PAB, o fixo e o variável. A partir de 2006 com a publicação do Pacto pela Saúde, a portaria do Pacto de Gestão determinou alguns princípios para o financiamento do SUS e definiu blocos gerais para alocação dos recursos federais, sendo eles: atenção básica; atenção da média e da alta complexidade; vigilância em saúde; assistência farmacêutica, gestão do SUS. Posteriormente foi incluído o bloco de investimento na rede de serviços de saúde. (MENDES; MARQUES, 2014, p. 464-465).

Desde o início da década de 2000, o Piso de Atenção Básico Fixo (PAB) variável sempre superou o PAB fixo, pois corresponde a incentivos financeiros transferidos aos municípios conforme a implantação de projetos e políticas definidas pelo Ministério da Saúde. Marques e Mendes (2014) relatam que apesar da NOB 96 incrementar o mecanismo de transferência para a Atenção Básica (PAB), rompendo com a lógica do repasse global de forma integral, criando as condições para a política de incentivo financeiro por projetos, na prática o que se observou nestes últimos anos foi que a política de incentivos teve pleno sucesso, de modo que os municípios concentraram suas ações no nível de Atenção Básica e foi ainda mais positivo para muitos municípios onde não havia nenhum desenho de Atenção à Saúde. Isto demonstra que apesar de os municípios não terem autonomia para elaborar seus Planos de Saúde e ficarem dependentes de recursos financeiros vinculados a projetos específicos, estes recursos têm contribuído com o acesso à atenção básica.

2.2 O financiamento do setor privado de saúde pelo setor público

No Brasil, todo cidadão possui o direito constitucional à saúde de acordo com suas necessidades sociais, sem depender da sua capacidade de pagamento, da sua inserção no mercado de trabalho ou da sua condição de saúde, como um dever do Estado.

O Estado deveria ter concentrado seus esforços para construir e fortalecer o SUS nos últimos 25 anos. Entretanto, Ocké-Reis (2014) observou que os planos de saúde contaram com pesados incentivos governamentais, cujos subsídios favoreceram o consumo de bens e serviços privados.

Ao deixar de arrecadar os impostos, o Estado age como se estivesse realizando um pagamento – ou seja, um gasto tributário. Trata-se de pagamento implícito – isto é, não há desembolso –, mas constitui-se, de fato, em pagamento. Nesse marco institucional, as pessoas físicas podem deduzir da renda tributável os dispêndios realizados com saúde; porém, de maneira diversa da área da educação, não existe limite (teto) para tal abatimento – a não ser o próprio nível de renda do indivíduo. Essa forma de renúncia aplica-se de igual modo ao empregador, quando fornece assistência à saúde a seus empregados, pois esta é considerada despesa operacional e pode ser abatida do lucro tributável (OCKÉ- REIS, 2014). Além dos planos de saúde, a renúncia fiscal ocorre com a saúde de civis e militares (MARQUES; PIOLA, 2014).

Estudo realizado por Ocké-Reis (2014) estimou que o governo deixou de arrecadar R$197.786 milhões de 2003 a 2011 através da renúncia sistemática do imposto de renda da pessoa física e jurídica, bem como as desonerações fiscais da indústria farmacêutica e dos hospitais filantrópicos. A renúncia fiscal vinculada à indústria farmacêutica (MARQUES; PIOLA, 2014) refere-se ao fato de que sobre ela não incidem os impostos do Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e, no caso das entidades filantrópicas, não incide sobre elas o Imposto de Renda (IR), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e COFINS.

Como afirma Batista Júnior (2010), com o subfinanciamento crônico, deflagrou-se um dos mais violentos ataques praticados contra aquela que se considera como a maior conquista da história recente do povo brasileiro. O SUS foi colocado à disposição dos grupos hegemônicos políticos e econômicos que se apoderaram da sua gestão e dos seus destinos, promovendo prejuízos no sistema. Nomeações clientelistas e oportunistas fizeram o trabalho. Desmontaram o que havia de rede pública e de componentes estratégicos da atenção primária e especializada.

Num segundo momento, houve um processo de privatização no Estado brasileiro, por meio da sistemática compra de serviços, concomitante à desestruturação do setor público (BATISTA JÚNIOR, 2010).

Uma estratégia em direção à privatização foi a abertura para a entrada de capital estrangeiro na Saúde. Desde 1998, com a edição da Lei dos Planos de Saúde, o estado brasileiro já favorecia a participação do capital estrangeiro na saúde suplementar, iniciando o debate sobre a possibilidade das operadoras de planos que possuíssem hospitais serem beneficiadas de investimentos exteriores (SCHEFFER, 2015). Na edição da Medida Provisória n. 656, de 8 de outubro de 2014, houve uma polêmica discussão sobre a legalidade da participação do capital estrangeiro na saúde nacional. O texto que prevê a participação do capital estrangeiro no setor saúde é o seguinte:

CAPÍTULO XVII DA ABERTURA AO CAPITAL ESTRANGEIRO NA OFERTA DE SERVIÇOS À SAÚDE

Art. 142. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 23. É permitida a participação direta ou indireta, inclusive controle, de empresas ou de capital estrangeiro na assistência à saúde nos seguintes casos:

I – doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos;

II – pessoas jurídicas destinadas a instalar, operacionalizar ou explorar:

a) hospital geral, inclusive filantrópico, hospital especializado, policlínica, clínica geral e clínica especializada; e b) ações e pesquisas de planejamento familiar;

III – serviços de saúde mantidos, sem finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social; e

IV – demais casos previstos em legislação específica. (NR). (BRASIL, 2014).

Em janeiro de 2015, o governo federal consolidou suas intenções, sancionando a Lei n. 13097, de 19 de janeiro de 2015 (BRASIL, 2015), que substituiu a Medida Provisória n. 656/2014 (BRASIL, 2014) e modificou a Lei Orgânica da Saúde, permitindo “[...] a participação de empresas e do capital estrangeiro, direta ou indiretamente, nas ações e cuidados à saúde.” (SCHEFFER, 2015, p. 663). Essa medida legalizou a entrada de capital e deu mais um passo para o benefício indireto das empresas estrangeiras no país. Isso não se constituiu como financiamento do setor privado com dinheiro público, mas facilitou a exploração da infraestrutura de saúde montada com dinheiro público.

Souza (2015) afirmou que, com a entrada do capital estrangeiro, em um primeiro momento não haveria um aumento da capacidade instalada - eles viriam inicialmente em busca do lucro através de fusões, investimentos em grupos financeiros, ou de multinacionais ou como a UnitedHealth, que comprou a Assistência Médica Internacional S/A (AMIL).

Apesar da entrada de capital estrangeiro não impactar a capacidade de atendimento, é importante que se tenha claro as consequências políticas da injeção de capital no setor privado. Os planos de saúde privados figuram como financiadores de campanhas eleitorais no Brasil e, nesse aspecto, há um impacto do interesse político das empresas de saúde nos destinos da universalização do acesso.

Scheffer e Bahia (2014, p. 1), pesquisaram sobre interesses particulares na saúde e afirmaram:

As empresas de planos de saúde doaram R$ 54,9 milhões para as campanhas de 131 candidatos nas eleições de 2014. O apoio financeiro dos planos de saúde contribuiu para eleger a Presidente da República, três governadores, três senadores, 29 deputados federais e 24 deputados estaduais. Outros 71 candidatos a cargos eletivos receberam doações, mas não se elegeram [...] Outro movimento que adquire matizes fortes é o comparecimento simultâneo de empresas representativas de segmentos distintos da assistência médica suplementar, sinalizando investimentos em bloco dos interesses dos planos de saúde mais bem posicionadas no mercado: quatro empresas/grupos foram responsáveis por aproximadamente 95% das doações. A empresa Amil foi a maior doadora em 2014. A campanha da candidate à reeleição, Dilma Rousseff, foi a que recebeu mais recursos.

Hoje o SUS é um dos grandes financiadores do setor privado; ao não investir em sua rede própria e comprar serviços da rede privada, limita o acesso universal dada a escassez de recursos.

2.2.1 Novos modelos de Gestão no SUS

Os novos modelos de gestão adotados pelos governos, organizações sociais, fundações públicas de direito privado, empresas públicas de direito privado significam, na prática, uma entrega do patrimônio do SUS para o setor privado, numa lógica de empresariamento da Saúde Pública. Por esse mecanismo, o governo firma contratos de gestão com os entes geridos pelo direito privado, repassando para eles recursos dos fundos públicos em troca da prestação de serviços. No caso das organizações sociais, o processo é ainda pior, pois dispensa concurso público para a contratação de profissionais e licitação para a compra de material (REZENDE, 2008).

Rezende (2008, p. 117-8) afirmou que, nos últimos anos, houve uma verdadeira avalanche de modelos alternativos à administração estatal direta, ganhando cada vez mais visibilidade e envolvendo novas formas de gestão hospitalar, inserção e remuneração dos profissionais de saúde que podem ocorrer a partir das seguintes ações:

· Transformação de hospitais estatais em unidades de direito privado, com maior autonomia, dentro ou fora do aparelho do Estado;

· Criação de entidades de direito privado, paralelas aos hospitais, como as fundações privadas de apoio;

· Terceirização da gestão de unidades hospitalares públicas, através da transferência da gestão dos hospitais estatais para entes provados lucrativos ou não lucrativos;

· Terceirização das atividades assistenciais do hospital, através da terceirização de determinados serviços clínicos dentro de um hospital público ou da substituição do professional de saúde/servidor público por prestadores organizados em modalidades privadas como as cooperativas de profissionais de saúde;

· Adoção de incentivos financeiros para os profissionais de saúde que são servidores públicos, como os vinculados à produtividade.

Com esses novos modelos, ainda segundo Rezende (2008), estas entidades privadas se apropriaram diretamente dos recursos públicos pela venda de serviços da política pública de saúde. Com a redução da fiscalização e dos mecanismos de controle social, a tendência é que o aumento dos recursos do orçamento para a Saúde Pública seja canalizado para o aumento de lucros. O documento Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil, organizado pela Frente Nacional (2014) pela procedência da ADI 1.923, de 1 de dezembro de 1998 e contra as Organizações Sociais (OSs), denuncia que houve: inúmeras fraudes trabalhistas, de compras de equipamentos e de desvio de dinheiro; aumento de recursos destinados a esses modelos de gestão sem o correspondente crescimento da oferta de serviços; ausência de critérios na seleção de instituições a serem contratadas; alto custo financeiro dos contratos de gestão; descompromisso com a continuidade do serviço prestado; assédio moral aos trabalhadores. Em decorrência dessas práticas, a maioria das organizações sociais encontra-se sob investigação do Ministério Público. Segue, ainda, no STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 1.923, protocolada em 1998, que torna inconstitucional a terceirização da gestão de serviços e bens coletivos para as entidades privadas. Mas o governo segue instituindo novas formas de transferência da gestão da saúde, tais como, além das Fundações Estatais de Direito Privado, a recente criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), através da Lei n° 12.550, de 15 de dezembro de 2011.

Entramos no terreno do que é prioridade de governo, pois mesmo com todos os problemas enfrentados pelo SUS, ele tem uma produção e serviços extraordinários: cerca de 5.000 hospitais e mais de 60.000 ambulatórios contratados; aproximadamente 2 bilhões de procedimentos ambulatoriais por ano; mais de 11 milhões de internações hospitalares por ano; aproximadamente 10 milhões de procedimentos de quimioterapia e radioterapia por ano; mais de 200.000 cirurgias cardíacas por ano; e mais de 150.000 vacinas por ano. Mesmo considerando países desenvolvidos, o SUS pratica programas que são referência internacional, tais como: o Sistema Nacional de Imunizações; o Programa de Controle de HIV/Aids; e o Sistema Nacional de Transplantes de Órgãos que tem a maior produção mundial de transplantes realizados em sistemas públicos de saúde do mundo, 24 mil realizados só em 2012. O programa brasileiro de Atenção Primária à Saúde tem sido considerado um paradigma a ser seguido por outros países, por sua extensão e cobertura. Com esses processos o SUS tem contribuído significativamente para a melhoria dos níveis sanitários dos brasileiros. Entre 2000 e 2010, a taxa de mortalidade infantil caiu 40%, tendo baixado de 26,6 para 16,2 óbitos em menores de um ano por mil nascidos vivos (MENDES, 2013).

3 PERSPECTIVAS NA UNIVERSALIDADE DO ATENDIMENTO À SAÚDE NO BRASIL

De 29 de Setembro a 3 de outubro de 2014 realizou-se a reunião do 53° Conselho Diretor da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e da Organização Mundial de Saúde (OMS) (2014, p. 1), em Washington D.C., nos Estados Unidos da América do Norte. Em sua Agenda, o tema 4.3 mencionava a “[...] Estratégia para o acesso universal a saúde e a cobertura universal de saúde” para os países das Américas.

A agenda apresenta o conceito de acesso à saúde:

Acesso significa ter a capacidade de utilizar serviços de saúde integrais, adequados, oportunos e de qualidade no momento necessário. Serviços de saúde integrais, adequados, oportunos e de qualidade referem-se a ações populacionais e/ou individuais apropriadas do ponto de vista cultural, étnico e linguístico, que enfoquem as questões de gênero e considerem as diferentes necessidades ao promover a saúde, prevenir doenças, proporcionar o atendimento em caso de doença (diagnóstico, tratamento, atenção paliativa e reabilitação) e oferecer os cuidados necessários de curto, médio e longo prazo. (ORGANIZAÇÃO PAN- AMERICANA DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2014, p. 1)

O Acesso Universal à Saúde é definido na agenda como:

[…] a ausência de barreiras geográficas, econômicas, socioculturais, de organização ou de gênero. O acesso universal é alcançado com a eliminação progressiva das barreiras que impedem que todas as pessoas utilizem os serviços de saúde integrais, estabelecidos em nível nacional, equitativamente. (ORGANIZAÇÃO PAN- AMERICANA DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2014, p. 2)

Cobertura de Saúde é assim tratada na agenda:

[…] a capacidade do sistema de saúde de atender às necessidades da população, incluindo a disponibilidade de infraestrutura, de recursos humanos, de tecnologias da saúde (inclusive medicamentos) e de financiamento. A Cobertura Universal de Saúde implica em que os mecanismos de organização e financiamento são suficientes para atender toda a população. Por si só, a cobertura universal não é suficiente para assegurar a saúde, o bem-estar e a equidade em saúde, porém proporciona os fundamentos necessários. (ORGANIZAÇÃO PAN- AMERICANA DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2014, p. 2)

Tal como define a Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS),

Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir é um dos direitos fundamentais de todo ser humano sem distinção de raça, religião, ideologia política ou condição econômica ou social. (NORONHA, 2013, p. 847).

O Conselho Diretor propôs estratégias de ação para o Acesso Universal à Saúde das populações das Américas, que são:

Linha Estratégica 1 - Expansão do Acesso equitativo a serviços de saúde integrais de qualidade e centrado nas pessoas e na comunidade [...]

Linha Estratégica 2 - Fortalecimento do papel condutor e da governança […]

Linha Estratégica 3 - Aumento e melhoria do financiamento com equidade e eficiência e avanço rumo a eliminação do pagamento direto, que transforma em barreira ao acesso na hora da prestação do serviço [...]

Linha Estratégica 4 – Fortalecimento da coordenação intersetorial para abordar os determinantes sociais em saúde [...] (ORGANIZAÇÃO PAN- AMERICANA DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2014, p. 8-13)

No Brasil, na Saúde, além da restrição do financiamento público, é importante destacar a existência da dicotomia entre as ações curativas e as ações preventivas, o que acaba contribuindo com o rompimento da concepção e da própria intenção da integralidade na saúde. Isso se dá através da criação de dois subsistemas: o subsistema de entrada e controle (que se refere ao atendimento básico, de responsabilidade do Estado, uma vez que esses atendimentos não são de interesse do setor privado), e o subsistema de referência ambulatorial e especializada (que é formado por unidades de maior complexidade, e a proposta é que sejam transformadas em Organizações Sociais para dar conta deste atendimento). Esse último traz um aspecto polêmico e desafiador, pois Fundação Estatal e Contrato de Gestão podem ser vistos como modelos que possibilitam modernizar o Estado, além de reintroduzir o tema da reforma hospitalar na agenda governamental brasileira.

A contradição vigente delineia um modo de gestão na Saúde no Brasil que atende a lógicas distintas. Exemplo disso é a ênfase em programas focais: o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e a Estratégia de Saúde da Família (ESF), além da utilização de cuidadores com a finalidade de baratear os custos das ações básicas; essas medidas visam o estímulo ao seguro privado de saúde, ficando o SUS restrito aos pobres, através do pacote mínimo para a saúde (BRAVO, 2009).

Até o momento, não houve a regulamentação do artigo 35 da Lei 8.080, de 1990, ou o cumprimento da Lei 8.142, de 1990, no que se refere às transferências de recursos da União para estados e municípios. O Pacto pela Saúde também não define o padrão de integralidade que será colocado à disposição da população no que depende de incorporação tecnológica e de seus parâmetros de custo.

Dito de outra forma, o pacto não prevê a garantia da construção de uma rede assistencial regionalizada nas várias linhas do cuidado à saúde. Assim, concordamos com Santos e Andrade (2007) quando estes afirmam que, a despeito de o Pacto ser o modelo mais acabado e o que mais atende ao princípio da regionalização/hierarquização de ações e serviços de saúde e a integralidade da atenção, ele não logrará o efeito pretendido se não se livrar das formas de repasse fracionadas, do subfinanciamento e dos arranjos administrativos não institucionalizados.

Assim, percebe-se que é difícil fazer valer o princípio da universalização, pois as situações mostram que o mesmo não ocorre e os programas passam a ser localizados. Também a desigualdade de acesso da população aos serviços de saúde, o desafio de construção de práticas baseadas na integralidade, os dilemas para alcançar a equidade no financiamento do setor, os avanços e recuos nas experiências de controle social, a falta de articulação entre os movimentos sociais, dentre outras, são algumas das dificuldades a serem superadas para o fortalecimento do SUS.

4 CONCLUSÃO

A lógica colocada hoje para o SUS é a lógica do capital, com subfinanciamento, expansivo financiamento do setor privado e adoção de novos modelos de gestão, sempre promovendo a transferência de recursos públicos para a gestão privada.

Estamos diante de um quadro onde os impasses são grandes. Os governos definiram sua política, que é a do estado mínimo, a política de saúde focalizada para a pobreza.

Os problemas estão colocados, a tarefa da mudança não é pequena, os movimentos sociais precisam intensificar a luta em defesa da saúde. Os trabalhadores organizados precisam fazer uma profunda reflexão sobre qual saúde querem e em que tipo de Estado vivem, pois ao abandonarem as fileiras do SUS, este perdeu a defesa da classe trabalhadora organizada. Sabemos que mudanças na saúde não acontecem descoladas da realidade colocada pelo capital, mas podemos avançar com mudanças que passam inicialmente pela organização do sistema público, desprivatização do próprio sistema, pelo fim dos subsídios ao setor privado, entre outras medidas.

Se não procurarmos construir uma saída coletiva, se não sairmos da teoria para a prática, se não ganharmos corações e mentes para as mudanças básicas, vamos viver o Acesso Universal à Saúde como ex- possível.

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