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BARATA, R. B. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Rio de Janeiro: Editora da FIOCRUZ, 2009. (Coleção Temas de Saúde).
Revista de Políticas Públicas, vol. 20, núm. 1, pp. 232-236, 2016
Universidade Federal do Maranhão

RESENHA

BARATA, R. B. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Rio de Janeiro: Editora da FIOCRUZ, 2009. (Coleção Temas de Saúde).

Maria de Fátima Siliansky de Andreazzi1

Instituto de Estudos de Saúde Coletiva (UFRJ)

A Saúde Coletiva brasileira é uma herdeira do movimento de crítica a uma concepção do processo saúde-doença decorrente de interações biológicas do tipo agente-hospedeiro ou decorrente de uma multiplicidade não hierarquizada de fatores de risco. Nessa crítica, formulada durante os tormentosos anos 60 e desenvolvida nos vinte anos seguintes por intelectuais da América Latina. De proeminência científica incontestável, o social deixa de ser mais um fator de risco cuja relação com as doenças está por ser estabelecida com significância estatística. O social, na sua historicidade e, portanto, na sua potencialidade de mudança, é a própria determinação do processo, deixando de poder existir uma história natural, mas uma história social da doença.

Fez parte da crítica, portanto, que os coeficientes de desigualdade em saúde têm explicações sociais. A autora de Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde é uma cientista consagrada no Brasil e tem se dedicado à Epidemiologia Social. Inicialmente define o objeto do trabalho como

[...] as desigualdades sociais que nos interessam são diferenças no estado de saúde entre grupos definidos por características sociais [...] que sistematicamente colocam alguns grupos em desvantagem com relação à oportunidade de ser e de se manter sadio. (p. 11- 12).

A ênfase dada no livro é quanto à posição de classe social, gênero, renda e etnia. Nem toda desigualdade em saúde seria injusta, apenas aquelas que refletem distribuição desigual de poder e propriedade, a maioria das desigualdades sociais entre elas.

A autora afirma que não haveria hoje quem as questionasse. As diferenças estão nas explicações para essas desigualdades. Uma tenta centrar no acesso diferenciado a tecnologias médicas; outras, nos estilos de vida como escolhas pessoais dos indivíduos e, voltando recentemente à moda, em fatores genéticos. Refutando teórica e empiricamente essas visões, analisa as teorias da determinação social da produção da saúde e da doença, entendendo as diferenças entre elas, menos em antagonismos e, sobretudo, na ênfase que dão a distintos elementos. Esses vão da estrutura econômica da sociedade (privação absoluta), passando pela desvantagem social dos diferentes grupos sociais (privação relativa), às posições relativas dos grupos sociais na sociedade, explicando modos de vida e comportamentos dos indivíduos e, finalizando na explicação ecossocial, que considera impossível separar o biológico, o social e o psíquico. Segundo ela:

As explicações sócio- históricas baseiam-se na idéia de que a saúde é um produto social e algumas formas de organização social são mais sadias do que outras. Os mesmos processos que determinam a estruturação da sociedade são aqueles que geram as desigualdades sociais e produzem os perfis epidemiológicos de saúde e doença. (p. 23).

O conceito chave é o de reprodução social: ao mesmo tempo biológica, da interação dos homens com os ambientes, das relações intersubjetivas (a cultura) e das suas formas econômicas. Todas produzindo aspectos benéficos e maléficos à saúde.

Um aspecto interessante da obra é a recorrência a exemplos concretos de pesquisas que abordaram as desigualdades sociais em saúde, permitindo que o leitor possa identificar indicadores e fontes de dados. Isso se dá na discussão da operacionalização das classes sociais e nas possibilidades de usar territórios como aproximações de grupos sociais relativamente homogêneos de acordo com as condições de vida.

Ressalta a obra o aumento da desigualdade social no mundo entre o século XIX e o XXI, a despeito do aumento da riqueza material, e a manutenção das desigualdades em saúde. Mostra, entretanto, que os indicadores clássicos considerados nos estudos sobre desigualdades sociais e saúde não apresentam relações lineares de causa e efeito. Assim, em estudos feitos em países desenvolvidos, a distribuição da renda esteve mais associada à esperança de vida ao nascer, do que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita. De outro modo, a representação gráfica da relação entre a esperança de vida e o PIB per capita possui a forma de parábola. Há um limiar a partir do qual a riqueza não implica mais saúde. O efeito causado pela redução de desigualdades sociais pode tanto se dever a uma maior coesão social decorrente, que se reflete na menor violência social, por exemplo, quanto na existência de sistemas universais de saúde que representam salários para uma parcela importante da população e maior igualdade no acesso a serviços. Estudos ingleses apresentados na obra também ressaltam a importância das relações no trabalho relacionadas ao maior ou menor controle sobre a vida “[...] como elementos mediadores entre a posição social e o nível de saúde.” (p. 53). Tais efeitos foram verificados na análise de risco de morrer por doença isquêmica do coração, maior naquelas ocupações com menor autonomia e controle dos processos de trabalho. Essas relações de trabalho foram mais importantes do que os tradicionais comportamentos de risco, como o hábito de fumar e o sedentarismo, tão enfatizados por uma vertente da Promoção da Saúde, baseada em mudanças de estilos de vida.

Um aspecto particular das relações entre as desigualdades sociais e a saúde se refere aos atributos etnia e gênero. A autora mostra que são relações complexas que envolvem a classe social, pois muitas das diferenças empíricas encontradas nos estudos sobre gênero e etnia podem ser atribuídas à posição social. No entanto, afastados os efeitos da posição de classe, persistem outras diferenças, que devem ser levadas em conta na historicidade de casos concretos:

Ser homem ou mulher, jovem ou idoso, pobre ou rico, sérvio ou croata, tem diferentes significados e diferentes consequências para a saúde em diferentes contextos históricos e sociais. Ou seja, as relações entre essas categorias intermediárias e a posição social de classe são sempre subordinadas e complexas. (p. 59).

O racismo, como fenômeno ideológico que se desdobra em situações de distribuição desigual de poder é associado a problemas de saúde como doenças mentais, hipertensão, abuso de álcool e drogas.

O capítulo de gênero é particularmente interessante. A autora esclarece as desigualdades em saúde atribuíveis ao sexo, enquanto atributo biológico e ao gênero, referente às desigualdades na distribuição do papel e no papel social da mulher nas diferentes sociedades. A partir desses conceitos, discute as diferenças na mortalidade, morbidade e utilização de serviços de saúde entre homens e mulheres no Brasil, utilizando exemplos das estatísticas oficiais e pesquisas de base populacional.

Ao final, o livro vai discutir como as políticas públicas podem ter um enfoque de redução das desigualdades em saúde. Sua comparação entre o foco nos fatores de risco e na determinação social do processo saúde e doença em que podem se basear essas políticas de enfrentamento de desigualdades é muito esclarecedora e didática.

Um dos aspectos centrais do movimento crítico da Saúde Coletiva é o conceito de consciência sanitária como a apreensão por parte da população, especialmente dos setores que vivenciam condições de vida e trabalho que fazem com que sua saúde seja mais afetada, das causas dos sofrimentos e doenças, assim como dos meios disponíveis para ter uma vida plena e saudável.

A obra de Barata contribui para o desenvolvimento da consciência sanitária, pois, numa linguagem de fácil entendimento pelo conjunto da população, expõe os porquês das desigualdades existentes nas possibilidades de ter saúde e disponibilizar meios de enfrentar problemas de saúde. Com isso, permite dotá-las de subsídios científicos para auxiliar nas práticas e lutas em prol da saúde. Além disso, é uma obra que pode ser utilizada no ensino de nível médio, sobretudo técnico de saúde, visando, assim, uma sensibilização ao tema como introdução dos cursos de Saúde Coletiva das diversas graduações que estudam as Políticas Públicas, numa perspectiva interdisciplinar.

Notas

1 Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979), especialização pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1982), pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) - Planejamento de Saúde (1982), pela Organização Panamericana da Saúde (OPS) - Saúde Internacional (1991) , mestrado em Saúde Pública pela FIOCRUZ (1991) e doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2002). Foi consultora da OPS no Peru, apoiando projeto de desenvolvimento institucional do Ministério da Saúde. Experiência como coordenadora de informações gerenciais em cooperativa médica. Atualmente é Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro, atuando na graduação e pós-graduação. Na Agência Nacional de Saúde Suplementar é Diretora Adjunta de Gestão.


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