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CAPITAL SOCIAL E REDES: uma análise dos efeitos do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar em municípios diferenciados no Estado de Goiás
Leandro de Lima Santos; Denise Paiva Ferreira; Luiz Manoel de Moraes Camargo Almeida
Leandro de Lima Santos; Denise Paiva Ferreira; Luiz Manoel de Moraes Camargo Almeida
CAPITAL SOCIAL E REDES: uma análise dos efeitos do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar em municípios diferenciados no Estado de Goiás
CAPITAL AND NETWORKS: an analysis of the effects of Agriculture Food Acquisition Family Program in different cities in the State of Goiás
Revista de Políticas Públicas, vol. 20, núm. 1, pp. 253-272, 2016
Universidade Federal do Maranhão
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Resumo: Este trabalho investiga como os efeitos/resultados de uma política pública podem sofrer os elementos de capital social em redes formadas. Neste sentido, faz uma análise comparativa do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) constituído em diferentes municípios do estado de Goiás, Itapuranga e Silvânia. A contribuição central da pesquisa é identificar e compreender a formação e a tipologia das redes sociais que envolvem os atores do programa em cada localidade, como heranças do enlace histórico, social e político, e qual sua ligação com os resultados do PAA. Na articulação e no diálogo entre a coesão social das redes formadas e a efetividade de um programa governamental reside o avanço deste estudo, que pretende, também, perceber os efeitos do programa para os agricultores familiares, a partir de indicadores que fundamentassem a ideia de efetividade da ação governamental, que por sua vez estão ligados às características produtivas, ambientais e econômicas desses beneficiários. Traz, por fim, a discussão das redes sociais e sua significância a esses efeitos.

Palavras-chave:Capital socialCapital social, Coesão social Coesão social, Redes Redes, Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar.

Abstract: This research presents an investigation on how the effects / results of a public policy may be influenced by social capital elements formed by networks. In this sense, there was a comparative analysis of Family Farming Food Acquisition Program (PAA) set up in different cities in the state of Goiás, Itapuranga and Silvânia. The central contribution of the research is to identify and understand the formation and the types of social networks involving the program's actors in each location, as legacies of historical, social and political link, and what is its connection with the results of PAA. The articulation and dialogue between the social cohesion of networks formed and the effectiveness of a government program which in turn are linked to the productive characteristics, environmental and economic of these beneficiaries. Brings finally the discussion of social networks and their significance to these effects.

Keywords: Social capital, Social cohesion, Network, Agriculture Food Acquisition Family Program.

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CAPITAL SOCIAL E REDES: uma análise dos efeitos do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar em municípios diferenciados no Estado de Goiás

CAPITAL AND NETWORKS: an analysis of the effects of Agriculture Food Acquisition Family Program in different cities in the State of Goiás

Leandro de Lima Santos
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Brasil
Denise Paiva Ferreira
Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil
Luiz Manoel de Moraes Camargo Almeida
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Brasil
Revista de Políticas Públicas, vol. 20, núm. 1, pp. 253-272, 2016
Universidade Federal do Maranhão

Recepção: 08/06/15

Aprovação: 22/02/16

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho traz segmentos de uma pesquisa desenvolvida cujo objeto de estudo remete ao Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA)1, que integra a agenda de políticas sociais no campo e tem por objetivo principal promover a segurança alimentar dos agricultores. O PAA cria um mercado institucional para os agricultores, no qual o estado compra seus produtos para formar estoques ou para entregar a entidades beneficiárias (escolas, creches, asilos, dentre outros) em segunda instância, é considerado fundamental dentre as ações a compor o Programa Fome Zero2.

O Programa de Aquisição de Alimentos tem como objetivo a estruturação do desenvolvimento da agricultura familiar, sendo implementado à etapa final do processo produtivo agrícola: o momento da comercialização. A compra é feita diretamente pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), sem intermediários ou licitações. Em uma de suas modalidades, os alimentos adquiridos são destinados imediatamente a programas sociais da região (BRASIL, [20--?]).

A constituição do PAA é analisada em dois municípios goianos: Itapuranga e Silvânia; o primeiro localizado no Território Rural denominado Vale do Rio Vermelho e o segundo no Território da Estrada de Ferro. Nos últimos anos, as iniciativas de governo têm se pautado no enfoque territorial como uma opção de desenvolvimento das regiões. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) tem sido o promotor dessas iniciativas no meio rural, com vistas a integrar espaços e agentes econômicos nas localidades a partir de políticas públicas para o desenvolvimento.

Os territórios rurais3 são identificados como um conjunto de municípios que compartilham condições similares de desenvolvimento rural, sobretudo a predominância da agricultura familiar como vetor de sustento das populações rurais existentes nas localidades. Os municípios analisados (Silvânia e Itapuranga) estão inseridos nos dois maiores territórios rurais do estado de Goiás. Os territórios são determinados pelo governo a partir da percepção de similaridades ambientais, econômicas e sociais entre os municípios que os integram. Portanto, a questão territorial, neste trabalho, foi oportuna para a escolha do universo empírico, pois está alinhada a uma tendência recente na formulação de diretrizes de ações de Estado.

A opção pelos municípios de Itapuranga e Silvânia se deu em razão de eles possuírem um número aproximado (entre si) de projetos e famílias cadastradas no PAA, servindo, dessa forma, de contraponto analítico. Em ambas as localidades o PAA começou a ser operado a partir de 2010.

Este estudo investiga como os efeitos/resultados de uma política pública podem ser influenciados pela existência de elementos de capital social4 em redes formadas. Neste trabalho, procura-se compreender como o PAA alcança resultados diferenciados, tendo como fator explicativo o nível de coesão social5 existente nas redes sociais formadas em cada município analisado.

A contribuição central da pesquisa é identificar e compreender a tipologia das redes sociais formadas em cada localidade e qual sua ligação com os resultados de uma política pública, neste caso representada pelo PAA.

Para além de uma avaliação de políticas públicas, este trabalho traz um diagnóstico a partir da percepção das redes sociais como instrumento de realimentação de políticas públicas. Desse modo, é importante a observação de indicadores que permitam revelar a efetividade social6 dos programas por meio de seus resultados e nesse quesito reside sua contribuição específica. Ademais, ao procurar entender como as redes já formadas podem influenciar a efetividade social, é necessária a utilização de um instrumental teórico e metodológico que permita a compreensão desse relacionamento.

Sob tal perspectiva, estudam-se os efeitos do programa para seus principais beneficiários: os agricultores familiares, a partir de indicadores ligados a suas características socioeconômicas, a exemplo segurança alimentar, a situação de renda produção agrícola.

2 CAMINHOS DA PESQUISA

Ao apresentar um contorno metodológico, ou mesmo um caminho para a pesquisa empírica, salienta-se a utilização de entrevistas abertas ou questionários semiestruturados aplicados aos agentes sociais, econômicos e políticos do campo organizacional do programa, neste caso agricultores e gestores do PAA. A pesquisa também usou, quando conveniente, outras técnicas qualitativas de investigação, como as observações (diários) de campo e pesquisa em dados secundários.

A primeira fase deste trabalho foi a realização de uma pesquisa exploratória, que se ocupou da montagem dos questionários e de sua aplicação, com vistas à coleta de dados socioeconômicos dos beneficiários. Na mesma oportunidade foram colhidas informações/indícios sobre a criação e tipologia das redes formadas e os possíveis efeitos do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar.

Foram realizadas também entrevistas a representantes das unidades gestoras locais do programa, no PAA – cooperativas ou associações de produtores rurais – tendo sido identificadas, em Silvânia e Itapuranga, duas cooperativas, respectivamente. A partir da pesquisa exploratória, partiu-se para a identificação dos parâmetros para coleta de dados e amostragem. O PAA é executado pela CONAB, nos municípios analisados, na modalidade Compra da Agricultura Familiar com Doação Simultânea (CPR – Doação7).

A partir de relatórios fornecidos pelo órgão, foi constatado um universo de pesquisa com 140 agricultores/beneficiários que forneciam produtos durante o ano de 2013, quando a pesquisa foi realizada. As ações locais de gestão do PAA partem de cooperativas (ou associações de produtores rurais) que apresentam potenciais agricultores fornecedores de produtos, e indicam as entidades que irão receber os alimentos em cada localidade.

A definição das amostras de cada grupo em questão foi feita em um processo não probabilístico, a considerar, no caso dos agricultores, alguns fatores de conveniência: as rotas de acesso às propriedades rurais, que se mostram dependentes da disposição de apoio de representantes das unidades gestoras locais ou, ainda, representantes sindicais, ou mesmo pessoas conhecedoras da localização dos estabelecimentos rurais. Portanto, de uma população de 140 beneficiários do PAA nos municípios em questão proporcionalmente distribuídos8. Para 96 agricultores beneficiários em Itapuranga, tomou-se uma amostra mínima de 28 indivíduos; para 44 beneficiários em Silvânia, 22 indivíduos.

Definida a amostra, encaminhou- se para uma etapa posterior da pesquisa, denominada análise estrutural, que se ocupou em perceber a formação de redes, bem como sua tipologia e sua relação com o capital social em cada localidade. Neste sentido, a primeira etapa de análise parte de uma observação da estrutura das redes sociais formadas historicamente entre os atores envolvidos em cada localidade, consistindo no desenho e na caracterização da rede formada pelos indivíduos (ou entidades) envolvidos localmente pelo PAA e sua manifestação por meio de arranjos cooperativos ou associativos.

Em uma terceira etapa, procede- se à discussão dos resultados da pesquisa de campo, que envolve a percepção da coesão social e seus efeitos no âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar. Este segmento da pesquisa se ocupou em perceber o nível/qualidade da coesão social da política pública a partir da observação de elementos de capital social transferidos para o arranjo do PAA, ou seja, buscou-se verificar quais elementos de capital9 social são passíveis de verificação e/ou podem interferir nos rumos e resultados da ação governamental. Para analisar a coesão social do PAA foram incorporadas aos questionários questões específicas sobre a condução e percepção do programa em cada município. Quanto aos efeitos do programa, eles são analisados a partir de indicadores como nível de segurança alimentar10, renda agrícola, diversificação produtiva e autoconsumo.

3 RESULTADOS

3.1 As Redes de Produtores Rurais formadas em Itapuranga e Silvânia

A utilização do termo capital social é algo relativamente novo e bastante difundido nas últimas décadas nas mais diversas ramificações das ciências sociais, em diferentes vertentes teóricas, acepções e abordagens metodológicas. A apropriação do termo pela academia deu-se recentemente, a partir de 1980, por sua adoção nas ciências sociais, que acabam por reivindicar seu entendimento mais aprofundado. Dentre os escritos mais significativos à teoria do capital social, encontramos as obras de Robert Putnam (2000, p. 19), para quem o capital social “[...] refers to connection among individuals - social networ ks and the norms of reciprocity and trustwothiness that arise from them.” Assim, para o autor, o capital social é amparado em conexões entre os indivíduos e tem como elementos a reciprocidade e a confiança que surgem nessas relações (redes) em uma sociedade.

Para Putnam (2000), o capital social está intimamente relacionado com a virtude cívica11. Desta forma, a existência de capital social chama a atenção para o fato de que a virtude cívica é mais poderosa quando incorporada em rede de relações sociais recíprocas. A título de exemplo, a sociedade pode ser composta de muitas pessoas virtuosas, mas, isoladamente, elas não necessariamente são ricas em capital social.

A aproximação deste trabalho à perspectiva de Putnam (2000) reside no entendimento do capital social como um conjunto de características da organização social que fomenta ações coletivas coordenadas. Sob esta égide, o autor sustenta que o capital social promove cooperação social e esta, por sua vez, afeta a performance das instituições. Em seus estudos contrapondo diferentes contextos italianos, Putnam (2000) conclui que o capital social é fator essencialmente explicativo do civismo e o relaciona ao bom desempenho institucional, representado nos resultados de uma política pública, por exemplo.

Durante a pesquisa de campo, bem como na análise exploratória e documental nos municípios de Itapuranga e Silvânia, foi possível perceber que o movimento que deu origem à Cooperativa de Agricultura Familiar de Itapuranga (COOPERAFI) e para a Cooperativa Agropecuária Mista dos Produtores Rurais de Silvânia (COOPERSIL) aponta para a estruturação centralizada de redes. De acordo com o observado, existe uma condição diferenciada de um ator (a cooperativa) a coordenar as ações de unidades individuais (produtores rurais cooperados), pois as informações, e por elas entenda-se também o comando, ocorrem a partir de um centro, representado pela cooperativa. A seguir a demonstração a partir do diagrama de rede12 (Figura 1).


Figura 1
Diagrama de rede de produtores rurais
Fonte: Elaborado pelo autor (2014).

Essa estrutura de rede indica um cenário no qual os indivíduos são parte de uma organização e existe uma interdependência de objetivos. Por certo, a articulação depende da vontade dos participantes em rede, no entanto, existe uma centralidade de comando. Cumpre a análise a seguir discutir a tipologia da rede quanto ao foco de atuação.

De acordo com Marin (2013), a COOPERAFI pode ser caracterizada como cooperativa agrícola, constituída pela associação voluntária e autônoma de agricultores familiares do município de Itapuranga, com o propósito de satisfazer aspirações coletivas econômicas, sociais e culturais de seus cooperados.

Esse foco deriva das primeiras ligações entre os produtores da região de Itapuranga na década de 1950, via movimento camponês, sindicalização ou experiências associativas alternativas, nos anos 1980. A figura da cooperativa enquanto organização perene deu forma, representatividade e tornou o grupo de produtores mais coeso em relação aos objetivos comuns a partir de sua constituição, em 1998. A estrutura, neste caso, conferiu mais dinâmica às ações isoladas de pequenos grupos que, sem o ponto de comando, não se desconectavam. As diversas necessidades dos produtores tornaram a cooperativa um ponto de encontro para organizações iniciais em busca dos mesmos objetivos. Neste sentido, as diversas demandas e carências – assistência técnica, educação, eventos culturais, etc. – fazem com que o produtor busque a cooperativa para encontrar opções de melhoria.

De acordo com a perspectiva de Inojosa (1999), que tipifica a rede social quanto ao foco de atuação, a rede encontrada em Itapuranga (e visualizada na experiência da COOPERAFI) pode ser considerada uma Rede de Compromisso Social, pois tem, em sua essência, o foco em questões sociais historicamente observadas na localidade. Assim, percebe-se um ideal que fomenta a articulação de seus membros, uma vez que a existência da cooperativa serve à resolução de problemas sociais complexos, cuja complexidade está justamente na incapacidade individual de resolução. Dessa forma, os resultados obtidos pela cooperativa (melhoria de renda e condições de trabalho dos cooperados, por exemplo) são o produto do compartilhamento do problema.

Desse modo, a ação solidária acaba por se tornar o fio condutor das atividades da cooperativa e o capital social acumulado conduziu a esse foco de ação da rede, que aponta para um cooperado engajado politicamente, gerando estratégias de mobilização perenes em busca dos objetivos socialmente desejáveis, que podem não ser representados em apenas uma ação específica, mas no conjunto de intenções já interiorizadas por esses integrantes.

A estrutura da rede de produtores rurais em Silvânia encontra sua representação na COOPERSIL foi derivada da proposta de apoio produtivo promovida em 1987 pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), conhecido como Projeto Silvânia, que congregou os agricultores em pequenas. Quanto ao foco de ação da rede, diante das observações chega-se à conclusão de que a rede pode ser caracterizada como Rede de Mercado, surgindo sob o objetivo do financiamento agrícola proporcionado pelo Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO). Além das necessidades dos pequenos produtores da região há um propósito claro, que é o da articulação da rede em função da produção inicialmente gerada pelo crédito.

A criação da COOPERSIL tem propósitos claros, inclusive citados no estatuto social da entidade, que visam a complementação ou a aglutinação de parceiros em face do mercado. Uma condição fundamental nesse tipo de rede é a subordinação a um ator centralizador, que dispõe regras claras à participação. As relações sociais são balizadas pelos interesses do mercado, podendo variar entre cooperação e competição entre os indivíduos subordinados. O PAA, conforme já mencionado neste trabalho, é um programa governamental de segurança alimentar e tem como principal ação a criação de um mercado institucional para os agricultores familiares, seus principais beneficiários.

O PAA se vale da rede social já formada pelos produtores e se instala sob sua égide, criando uma rede específica (ou uma sub-rede) para seus propósitos, mas que utiliza atores já organizados, neste caso, pela cooperativa. A rede social anterior é uma herança da coesão social existente e assume, como já discutido, diferentes tipologias.Os diferentes tipos de rede determinam um maior ou menor grau de transferência de elementos de capital social para o âmbito do programa governamental, ou seja, existem distintos patamares de resposta a uma política pública que dependem dessa herança preexistente.

A coesão social do PAA reside justamente na possibilidade de transferência de elementos de capital social (em maior ou menor grau), a otimizar as ações de acordo com seus propósitos. A confiança entre os membros da rede, a reciprocidade e a aceitação de normas e valores coletivos servem como impulsionadores do programa, tornando os indivíduos mais abertos à participação e cooperação com ações governamentais, o que influencia nos resultados de um programa.

3.2 Coesão social do PAA em Itapuranga e Silvânia: análises e discussões

Um programa governamental ganha potencializadores a partir da existência de coesão social. A aceitação de normas participativas comuns a um programa como o PAA ganha robustez a partir da confiança nas instituições e desse sentimento coletivo. Desse modo, as deliberações e os resultados do programa tendem a ser facilitados. Neste trabalho, a coesão social é tratada a seguir a partir da observação de resultados atribuídos à presença de elementos de capital em uma rede apropriada ao arranjo do programa analisado, o PAA. Nesta perspectiva, quanto maior a incidência dos elementos de capital social relacionados aos propósitos de um programa, maior sua coesão social.

Quando questionados sobre o significado do PAA para o retorno de atividades agrícolas, em Itapuranga, 29% dos produtores afirmaram que o programa não foi um incentivo ao retorno da produção agrícola e 71% disseram ter sido significativo. Em Silvânia, 59% dos produtores contaram que o PAA não foi um incentivo ao retorno da produção, enquanto 31% explicaram que o era. Tal questionamento é determinante para a análise de algumas questões importantes neste estudo, mostrando que em Itapuranga havia ociosidade na produção, já que o questionamento vale-se da palavra retorno à produção. Portanto, o PAA serviu de incentivo ao novo aproveitamento para a finalidade específica de entrega dos produtos requisitados. Em Silvânia foi encontrada uma situação diferenciada, pois a maioria dos produtores (59%) afirmaram que o PAA não significou novo aproveitamento, e sim uma canalização de uma produção já existente para o PAA, que, por sua vez, exprimiu um aumento sensível na quantidade produzida.

A existência dessa produção anterior pode ser um facilitador aos propósitos do programa, já que são estipulados prazos e quantidades a serem cumpridos. O esforço para iniciar um fluxo produtivo é algo considerável, como foi o caso da maioria dos produtores de Itapuranga. No caso de Silvânia, a existência de produção anterior ao PAA facilita as convergências para este novo mercado, pois para parte dos beneficiários não é preciso que se inicie o processo produtivo para entrega ao programa, já que uma nova destinação da produção havia sido obtida anteriormente.

Quando perguntados sobre a regularidade de seu acesso ao programa nos últimos três anos delineia-se o seguinte cenário: 61% dos beneficiários de Itapuranga afirmaram ter acessado o programa nos últimos três anos, 25% nos últimos dois e 14% apenas no último ano. Em Silvânia, 82% dos produtores disseram tê-lo acessado regularmente nos últimos três anos e o restante (18%) nos últimos dois anos.

Os resultados sobre a participação no PAA indicam uma importante característica: o esforço que se faz para promover tal participação. Esse esforço indica o nível de imbricação, que é o fio condutor das convergências em rede. Na existência de uma rede anterior ao programa criada pela cooperativa, existem esforços para novos ganhos em rede e a adesão ao PAA surge como tal. O capital social revela sua influência neste quesito a partir da percepção do elemento da reciprocidade, que pressupõe uma retribuição às ações realizadas entre indivíduos e entidades, ou seja, as pessoas estão mais inclinadas a aceitar uma demanda quando recebem algo anteriormente.

O nível de reciprocidade relacionado à adesão ao PAA é explicado por ações anteriores ao próprio programa. A existência de projetos bem-sucedidos na rede de produtores (promovidos pela cooperativa) conduzirá a um maior ou menor nível de reciprocidade, que, por sua vez, reflete na participação em um novo projeto (neste caso, o PAA). A reciprocidade liga-se à expectativa dos produtores ao desempenho do programa, por exemplo, se existirem frustrações ou percepção de insucessos da cooperativa em outros projetos; isso pode fazer com que potenciais beneficiários não queiram acessar o programa regularmente. Assim, cria, na existência de reciprocidade, uma espécie de aval a uma proposta governamental que envolva a cooperativa. Salienta-se que a reciprocidade se dá na relação produtor-cooperativa, e, desse modo, o PAA se apropria desse recurso ao tornar a cooperativa a gestora local do programa. A própria formação de uma Rede de Mercado em Silvânia conduz a uma maior aceitação de propostas que estejam ligadas à produção e à comercialização (como demonstrado nos dados) e a um maior esforço dos indivíduos para gerar novos ganhos da rede e a política pública se beneficia disso. A exemplo, em Silvânia, em primeira instância, 82% dos produtores entrevistados já requisitaram sua participação no programa desde o primeiro ano.

Quando indagados sobre se havia entendimento sobre todas as etapas do PAA, em Itapuranga, 30% dos beneficiários alegaram ter entendido bem, 44% afirmaram ter entendido razoavelmente e 26% ter entendido pouco. Em Silvânia, dezessete produtores (77% dos entrevistados) afirmaram ter entendido bem o PAA e o restante (23%) mais ou menos.

A compreensão do formato e da dinâmica de um programa governamental implica na disseminação das informações sobre esse programa. Portanto, sugere o nível de comunicação entre os atores, que é pilar para o fomento de uma relação de confiança. A capacidade de troca de informações ou comunicação em uma rede é algo essencial, pois indica a força e a incidência das relações sociais. O compartilhamento de informações entre os membros da rede (gestores ou produtores rurais) sustentam as relações, que, por sua vez, promovem a confiança entre os membros. Em Silvânia, o nível de produtores melhor interados do programa era maior do que em Itapuranga, resultados que acabam por balizar alguns pontos discutidos no próximo quesito analisado.

Ao indagar aos beneficiários do PAA em Itapuranga se tinham conhecimento de produtores (cooperados ou não) que não participaram do programa e quais seriam os motivos, 32% atribuía a não participação ao descrédito do programa, seguido por 29% que achavam muito complicado e 18% que afirmavam conhecer pessoas que não eram da associação (cooperativa), e, por isso, não a acessaram, ficando o restante a cargo de outros motivos menos expressivos.

O reconhecimento da autenticidade de um grupo ou organização gera a legitimidade e uma ação coletiva. Dessa forma, acreditar ou não no PAA depende da reputação da organização (neste caso da cooperativa) e de seus membros. A confiança revelada neste tipo de ação é de muita importância, principalmente sob condições de incerteza. Assim, o elemento de capital social confiança revelada se apresenta como a credibilidade na cooperativa mesmo entre os cooperados para que se possa aderir ao PAA. Analisando esses mesmos quesitos em Silvânia, tem-se que apenas um produtor afirmou conhecer quem não tivesse aderido por não acreditar no programa, seguido por quatro beneficiários (18%) que conheciam produtores que achavam muito complicado e quatro (18%) que afirmavam conhecer pessoas que não eram da cooperativa e por isso não acessaram, o restante afirmou não conhecer quem tivesse contato e condições de encaixe que não o fez. Tais resultados indicam uma maior confiabilidade nas ações da cooperativa em Silvânia, sobretudo para os propósitos do PAA.

A resposta está condicionada às suas inclinações e valores, ou seja, a partir de suas demandas pessoais, o que ele toma como objetivo do programa e, logicamente, sua percepção do que poderia ser melhorado, sendo esses valores são formados socialmente. Os valores coletivos e as normas compartilhadas, como elementos de capital social, são conceitos gerais a partir dos quais a sociedade se organiza. Os valores perfazem ideias generalizadas, que estabelecem as bases para as expectativas e são determinantes dos comportamentos individuais (PUTNAM, 2000).

Em Itapuranga, de acordo com os resultados, quando perguntados sobre as maiores dificuldades do PAA são as seguintes: 30% dos beneficiários consideram o baixo preço pago pelos produtos; 22% reclamam da burocracia e da continuidade do programa, que às vezes demora a ser recontratado, e, por fim, 18% consideram que conseguir a quantidade adequada seja o maior problema. Em Silvânia, 41% dos beneficiários apontam como maior dificuldade a baixa quantidade que se pode produzir para o PAA, haja vista as limitações de compra de produtos para cada beneficiário; em segundo lugar, 23% dos beneficiários afirmaram não haver dificuldade alguma no PAA; e 14% alegaram que a burocracia e a continuidade são os maiores entraves.

Ao comentar os resultados de Itapuranga, percebe-se uma tendência de respostas que podem ser explicadas pela essência de formação da Rede de Compromisso Social formada e institucionalizada na cooperativa. Neste caso, a ação estatal (PAA) é vista como uma tentativa de resolver problemas sociais reconhecidamente complexos, tais como: geração de renda e emprego no campo. Aliado a isso, nota-se uma maior significância do PAA para esses agricultores, como já apresentado nos primeiros resultados deste segmento do trabalho, pois boa parte dos agricultores começou a produzir novamente no âmbito do PAA. Neste caso, potencializam-se reclamações ligadas ao preço baixo, à burocracia e à incapacidade produtiva, essa última atribuída à falta de assistência técnica. O fato é que o perfil do produtor rural em Itapuranga é formado pelo contato com a rede em questão, reafirmada por seu histórico. Em Silvânia, o resultado majoritário neste quesito aponta para uma reclamação ligada à ânsia por querer entregar mais produtos ao PAA: 41% dos produtores gostariam de destinar mais de sua produção ao PAA, aproveitando uma sinergia existente, e, em segundo lugar, estão beneficiários inteiramente satisfeitos com o programa (23%). Devido à formação de uma Rede de Mercado, o capital social transferido ao bojo do PAA em Silvânia traz consigo esses valores coletivos, que se manifestam em expectativas diminuídas em relação à ação de governo, majorando suas próprias responsabilidades em mercado. Inojosa (1999) afirma que as Redes de Mercado são articuladas em função da produção e apropriação de bens e serviços e têm foco na potencialização dos produtores em um mercado. Ou seja, neste caso, o problema não está no preço praticado ou na falta de capacidade produtiva, mas reside apenas na vontade de produzir e entregar mais.Essa compatibilidade dos propósitos do PAA com as normas e valores locais é vista com mais intensidade na experiência de Silvânia. Assim, é a partir do uso dessas normas partilhadas que se percebe a influência dos demais atributos da rede formada no nível de coesão social da política pública.

A partir dos resultados dispostos é possível afirmar que a experiência da ação governamental em Silvânia encontra terreno mais fértil (entenda-se mais coesão social) para suas proposições se comparada à experiência de Itapuranga. Resta demonstrado maior percepção de confiança, reciprocidade e aceitação de normas coletivas, segundo captado nos questionamentos que envolviam diretamente a experiência do PAA nas localidades. Os resultados apontam para uma maior transferência de elementos de capital social para o arranjo do programa em Silvânia. Neste caso, o PAA encontrou menos entraves, ou, ainda, mais estímulos para sua implantação do que em Itapuranga. Isso pode ser explicado devido à aproximação de suas normas e procedimentos às práticas mercadológicas já absorvidas pela cooperativa e replicadas aos cooperados.

A formatação das redes quanto ao foco de atuação criou perfis diferenciados de beneficiários quanto ao seu envolvimento com o arranjo institucional do programa: A Rede de Mercado cria um produtor mais familiarizado à lógica da produção e da comercialização e, como já comentado neste estudo, o PAA é um programa que cria um mercado institucional. Portanto, terá mais inserção onde já se tem uma rede formada que, por sua vez, possui elementos de capital social importantes para sua implementação; na Rede de Compromisso Social em Itapuranga, esse nível de receptividade ao programa é menor. Isso pode ser explicado pelo histórico de lutas sociais por melhorias em condições de vida dos trabalhadores rurais, que cria um indivíduo mais questionador e com menos confiança na ação governamental, que, então, explica a menor coesão social do programa.

3.3 Análise comparativa dos efeitos do PAA em Silvânia e Itapuranga

A efetividade de um programa sugere a consolidação de resultados que beneficiam os atores em questão e, por vezes, adaptam os objetivos de maneira peculiar ao ambiente de implantação do programa.

Por se tratar de um típico programa de segurança alimentar, toma-se, em primeira análise neste quesito, o nível de segurança alimentar dos agricultores familiares. Para tanto, utiliza-se a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), método de percepção e situação alimentar domiciliar, que serve para captar distintas dimensões da Insegurança Alimentar (IA), desde o receio de sofrer a privação alimentar no futuro, passando pelo comprometimento da qualidade da dieta, limitação da qualidade de alimentos consumidos, até o nível mais grave de fome já atingido (SEGALL-CORRÊA, 2007).

Os Gráficos 1 e 2 demonstram uma situação em que, de acordo com a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), as famílias beneficiárias do PAA em Silvânia reportam a duas situações: Segurança Alimentar (SA), na qual não apresentam nenhuma restrição alimentar e nem incertezas quanto à alimentação futura, e Insegurança Alimentar Leve (IAL), em que, em suma, não há nenhum tipo de privação de alimentos, na ordem de 14% e 86% das famílias pesquisadas, respectivamente. Aspecto um pouco diferente foi percebido junto aos beneficiários do PAA em Itapuranga, que demonstraram SA em 57% das amostras, e 43% de IAL.


Gráfico 1
Itapuranga: discriminação das famílias beneficiárias segundo a EBIA
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).


Gráfico 2
Silvânia: discriminação das famílias beneficiárias segundo a EBIA
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Os domicílios com IAL são aqueles nos quais foi detectada alguma preocupação com o acesso aos alimentos no futuro e nos quais há comprometimento da qualidade dos alimentos mediante estratégias que visam manter uma quantidade mínima disponível.

Portanto, é possível afirmar que os beneficiários do PAA em Silvânia se encontram em situação de segurança alimentar mais favorável que os beneficiários de Itapuranga. Mesmo que os resultados não conduzam a uma situação de fome efetiva, a incerteza quanto à alimentação no futuro é mais presente entre os beneficiários do PAA em Itapuranga. Como já discutido neste trabalho, a segurança alimentar tratada de maneira ampla ultrapassa a perspectiva objetiva da alimentação, podendo ser influenciada por outros indicadores, como segue.

A segunda categoria elencada nesta análise é a Renda Agrícola, dada a importância atribuída a ela pelas diretrizes do PAA:

[...] incentivar a agricultura familiar, promovendo a sua inclusão econômica e social, com fomento à produção com sustentabilidade, ao processamento de alimentos e industrialização e à geração de renda. (BRASIL, 2003, art. 19).

Os Gráficos 3 e 4 permitem perceber que, em Itapuranga, a faixa de renda agrícola vai de R$ 901 a R$ 1200 (25% das famílias), seguida pelo patamar de renda agrícola que vai de R$ 601 a R$ 900 (21% das famílias). Em Silvânia, 41% das famílias ocupavam a faixa de renda superior a R$ 1800, seguido por 23% que ocupavam a faixa de renda que vai de R$ 1501 a R$ 1800.


Gráfico 3
Itapuranga: classificação das famílias beneficiárias de acordo com o percentual de Renda Agrícola auferida mensalmente
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).


Gráfico 4
Silvânia: classificação das famílias beneficiárias de acordo com o percentual de Renda Agrícola auferida mensalmente
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

A criação/ampliação desse tipo de renda (agrícola) é um fator fundamental para a sustentação econômica dos beneficiários. A existência do rendimento conseguido por atividades desenvolvidas na propriedade rural que satisfaça as necessidades do agricultor familiar é uma das razões de existência do próprio PAA. Neste caso, percebe-se uma clara diferença de patamares entre os beneficiários de Itapuranga e os beneficiários de Silvânia, indicando uma maior percepção de rendimentos agrícolas por parte dos últimos.

Existe um trabalho/projeto desenvolvido pela COOPERSIL, a partir de cursos e assistência técnica, que resultou na chancela dos alimentos como produtos orgânicos, representando um acréscimo de 30% no preço de tabela pago pelos produtos do PAA, de acordo com as regras do programa. Os produtos tidos como orgânicos também são vendidos a uma rede de hipermercados de Goiânia e Brasília, gerando renda agrícola adicional aos produtores.

A próxima categoria de análise trata do perfil produtivo dos beneficiários, com recorte para o nível de diversificação da produção. Esse indicador reforça que a ideia de se diversificar a produção tangencia a criação de oportunidades de venda de produtos e, consequentemente, gera mais renda (Gráfico 5 e 6).


Gráfico 5
Itapuranga: classificação das famílias beneficiárias segundo escalas de diversificação da produção
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).


Gráfico 6
Silvânia: classificação das famílias beneficiárias segundo escalas de diversificação da produção
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

A maioria das famílias atestara não trabalhar com o monocultivo, pois existe a preocupação com a garantia, dentro da própria parcela, da produção do maior número de alimentos que possa atender o mercado. Foi encontrada uma maior diversificação produtiva em Itapuranga, onde afirmou-se, majoritariamente, que se possuía mais de cinco culturas para comercialização, na ordem de 32% das famílias visitadas, seguido pelas famílias que afirmaram possuir quatro culturas principais (25%) e por 29% que afirmaram possuir três culturas principais. Em Silvânia, foi encontrada uma maior parcela de famílias que possuíam apenas três culturas (36%), seguida por 27% que disseram ter quatro culturas principais e 23% com cinco ou mais culturas.

Nesse cenário, a diversificação produtiva não necessariamente significou maior renda agrícola, pois essa depende também de outros fatores, como o alcance de novos mercados para produtos diversificados. O fato de os produtores de Itapuranga terem produção mais diversificada pode, ao final, significar perda da escala de produção e, em um contexto de escoamento menor (se comparado à Silvânia), diminuir os ganhos.

A categoria de análise autoconsumo vem representada a seguir, pelos Gráficos 7 e 8, que demonstram a reunião de dados quanto à utilização da produção na propriedade para o consumo da própria família. Salienta-se que essa produção pode ser para comercialização ou não, fazendo jus a um dos objetivos do PAA: “[...] incentivar o consumo e a valorização dos alimentos produzidos pela agricultura familiar.” (BRASIL, 2003, art. 19). Para tanto, foram reunidos quatro grandes categorias de consumo: carnes, cereais, verduras/legumes e frutas. Os dados que se seguem são resultado da média realizada, considerando todas as categorias de consumo.


Gráfico 7
Itapuranga: classificação das famílias beneficiárias de acordo com o percentual de autoconsumo
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).


Gráfico 8
Silvânia: classificação das famílias beneficiárias de acordo com o percentual de autoconsumo
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Os beneficiários do PAA em Silvânia mostraram-se mais abastecidos nesse quesito. A faixa percentual que mais abarcou famílias, dez no total, perfazendo 45%, foi a em que, de toda a alimentação familiar, 75,1% a 100% provém de produtos oriundos da própria gleba, enquanto em Itapuranga esse percentual está entre 50,1% e 75% da mesma análise (contando oito famílias).

Esse quesito mostrou-se invariavelmente importante, uma vez que foi constatado, neste estudo, que as famílias que estrategicamente produziam para seu autoconsumo (hortaliças, frutas, aves e suínos) apresentavam condições melhores de segurança alimentar. Assim, como demonstrado, os beneficiários do PAA em Silvânia apresentam menores níveis de insegurança alimentar. Em suma, pode-se extrair, dentre as finalidades do programa, as mais contundentes: promoção da segurança alimentar e nutricional, geração de renda aos agricultores familiares, bem como consumo e valorização de seus produtos encontram melhores patamares na experiência do PAA em Silvânia.

4 CONCLUSÃO

O principal produto deste trabalho foi além de um acompanhamento de uma política pública representada por um programa específico, avançou para uma análise de redes sociais como instrumento de realimentação da própria política. Por estabelecer uma análise comparativa, foi necessária a exposição dos aspectos específicos da formação de redes sociais que envolvem beneficiários do PAA nos municípios de Itapuranga e Silvânia.

O programa recebe pontencializações na implantação e nos resultados a depender de sua coesão social, que pode variar de acordo com a presença de elementos de capital social gerados historicamente e refletidos na rede social formada pela cooperativa. A partir dessa hipótese, foi dado início a uma análise de resultados, passando por categorias de análises comparativas de coesão social e efetividades do PAA nos municípios escolhidos.

Quanto à coesão social do PAA, foram percebidas situações mais favoráveis ao programa no município de Silvânia em relação à Itapuranga, amparadas nos seguintes resultados: a) a presença de um maior nível de reciprocidade dos beneficiários de Silvânia em relação à regularidade ou adesão primária conduz a essa conclusão; b) a confiança revelada na maior adesão proporcional de agricultores da região ao PAA, que, por sua vez, pode ser gerada a partir de mais informações compartilhadas sobre o programa; c) maior incidência de normas e valores compartilhados, que, por sua vez, reduzem os entraves do programa.

Em relação às efetividades do PAA, foram tomados indicadores pautados nos objetivos formais do programa: a) segurança alimentar: os produtores de Silvânia apresentaram menores níveis de insegurança alimentar ao serem considerados os resultados da EBIA; b) renda agrícola: a renda agrícola percebida pelos produtores benficiários ligados à COOPERSIL foi proporcinalmente superior à renda agrícola dos produtores da COOPERAFI; c) diversificação da produção: ademais de possuírem produção mais diversificada, os produtores rurais de Itapuranga não apresentaram rendimentos superiores, sendo a perda da escala de produção a partir do aperfeiçomento um indício a ser observado; d) o percentual de autoconsumo das famílias beneficiárias em Silvânia foi maior do que o percentual constatado em Itapuranga, fator importante para determinar condições de segurança alimentar.

Diante dos resultados, é possível afirmar que as funcionalidades do programa ganham contornos nas redes locais. A coesão social do PAA em cada localidade mostra fortes indícios de que a efetividade social da política pública foi influenciada pela tipologia da rede formada quanto à estrutura e ao foco de atuação que são heranças do capital social. O PAA não forma uma nova rede social, mas apenas se apropria dos recursos existentes na rede já formada, havendo uma institucionalização das ações a atribuir competências. Os resultados consubstanciados em Silvânia dão norte à conclusão de que os resultados foram afetados pelas características dos atores e pela qualidade de seus relacionamentos, assim como discutido.

Os resultados apontam para uma situação distorcida dos propósitos do programa; a priori, o que se pretende é atender agricultores segregados pela não inserção em um mercado. Quando à existência de uma rede de produtores rurais representados por uma cooperativa se tornar condição para a implantação do programa, é possível que se atinja um público em situação econômica/social imediatamente superior ao pretendido.

Portanto, o exemplo de Itapuranga e Silvânia, apesar de diferentes, implicam em situação relativamente favorável quando comparada à situação de agricultores que não contam com uma associação ou cooperativa de apoio. Em ambos os municípios, o PAA foi considerado pelos beneficiários apenas como um apoio aos seus rendimentos, mas obviamente que isso não desmerece os resultados em diminuição das condições de insegurança alimentar.

É óbvio que no conflituoso cenário que envolve a situação da agricultura familiar no Brasil – não só influenciado por preceitos econômicos, mas também por questões sociais, políticas e jurídicas –, faz-se importante a execução de projetos e estudos que visem avaliar e aprimorar a articulação e os diálogos entre os programas e os atores/instituições considerando as especificidades do público e do ambiente de implantação. Isso justifica a proposição de uma agenda de pesquisa na qual os resultados poderão apontar para um processo contínuo de observação de um programa, abrindo leques de análises para questões que não necessariamente estão definidas nos planos governamentais, mas que influenciam contundentemente os resultados de sua ação.

Nestes casos especificamente, acredita-se ser possível, em momento oportuno, avaliar se o PAA merece aprimoramento em suas formulações, ao passo que cria mercados, claro, porém, seus propósitos iniciais, sobretudo de segurança alimentar ao agricultor familiar, são quase irrelevantes onde já existe segurança alimentar proporcionada pelo arranjo cooperativo anterior ao programa. Quando se cria uma condição institucional para sua implantação em determinada modalidade – como ter de existir uma associação ou cooperativa atuante –, os resultados encontrados seriam, em muito, devidos ao capital social existente, que se transforma em maior ou menor coesão social, do que à ação governamental.

Material suplementar
Referências
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BRASIL. Presidência da República. Lei no 10.696, de 2 de julho de 2003. Dispõe sobre a repactuação e o alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2003.
BRASIL. Principais ações implementadas pelo Programa Fome Zero: balanço de 2003. Brasília, DF, 2004. Não paginado. Disponível em:< http://www.fomezero.gov.br/download/balanco.p df >. Acesso em: 10 mar. 2013.
INOJOSA, R. M. Redes de compromisso social. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 33, n. 5, p. 115-141, set./out. 1999.
MARIN, J. O. B. A transição agroecológica na cooperativa de agricultura familiar de Itapuranga (COOPERAFI), Goiás. In: FARIAS, M.; OLIVEIRA, E.; FAISTING, A. (Orgs.). Experiências interdisciplinares para a construção de conhecimentos solidários. Dourados: Ed. UFGD, 2013.
PAULILLO, L. F et al. Eficácia e coesão social do Projeto Vivaleite do Governo do Estado de São Paulo. Revista de Economia Agrícola, São Paulo, v. 56, n. 2, p. 61-76, jul./dez. 2009. Disponível em:<http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=11546>. Acesso em: 21 jun. 2014.
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SOJO, A. Cohesión social: inclusión y sentido de pertenencia en América Latina y el Caribe. Santiago del Chile: CEPAL, 2007.
Notas
Notas
1 Programa instituído pela Lei 10.696, de 2 de julho de 2003, regulamentado pelo Decreto nº 4.772, de 2 de julho de 2013.
2 O programa Fome Zero é um conjunto de ações implantadas pelo Governo Federal no âmbito da promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e constitui uma agenda de ações neste segmento a partir de 2003 (BRASIL, 2004).
3 A caracterização geral da denominação Território Rural, segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), tem por base as microrregiões geográficas com densidade demográfica menor que 80 hab/km², população média por município de até 50.000 habitantes e grande concentração de agricultores familiares (BRASIL, 2009).
4 Capital social é um conceito usado na primeira formatação da coesão social em rede e é entendido como a capacidade de pessoas e grupos sociais manejarem normas coletivas, construírem e preservarem redes e laços de confiança capazes de reforçar a ação coletiva e assentar bases de reciprocidade no trato, que se estendem progressivamente ao conjunto de uma sociedade (SOJO, 2007).
5 Na temática das políticas públicas, coesão social inclui aspectos do sentido de pertencer e solidarizar, incorporando a dialética entre os mecanismos de inclusão ou exclusão de um programa e a percepção por parte da sociedade (PAULILLO et al., 2009).
6 A efetividade social de um programa sugere a consolidação de resultados que beneficiem os atores em questão, por exemplo: um programa de geração de renda influencia geração de empregos, que, por sua vez, melhora a renda dos beneficiários.
7 Conforme disposições dadas pelo Decreto nº 7.775, de 4 de julho de 2012, na modalidade CPR-Doação, existe a compra de alimentos e concomitante doação a entidades da rede socioassistencial, aos equipamentos públicos de alimentação e à rede pública e filantrópica de ensino, com o objetivo de atender às demandas de suplementação alimentar de pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional na localidade. Esta modalidade é executada tanto pela CONAB quanto pelos governos estaduais e municipais, com recursos provenientes do MDS (BRASIL, 2012).
8 Com o objetivo de determinar uma amostra significativa de indivíduos entrevistados para uma representação com certo patamar de confiabilidade, adotou-se o procedimento de cálculo aplicado a amostras finitas, ou cuja população é conhecida, o que é o caso. Parâmetros usuais foram considerados para o cálculo da amostra, considerando um nível de confiança de 80% e margem de erro amostral de 10%.
9 Os referidos elementos de capital social serão apresentados em segmento específico neste artigo.
10 Para esta inferência utiliza-se a EBIA que será oportunamente apresentada no decorrer deste trabalho.
11 Putnam (1996) expõe o sentido de comunidade cívica ou virtude cívica: refere-se à participação da sociedade civil nas questões públicas ou da coletividade, ou seja, o interesse pelas questões públicas culminando na busca perene pelo bem público comum.
12 Para a elaboração/desenho das redes deste trabalho foi utilizado o software DIA, que permite plotar diagramas estruturados.

Figura 1
Diagrama de rede de produtores rurais
Fonte: Elaborado pelo autor (2014).

Gráfico 1
Itapuranga: discriminação das famílias beneficiárias segundo a EBIA
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Gráfico 2
Silvânia: discriminação das famílias beneficiárias segundo a EBIA
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Gráfico 3
Itapuranga: classificação das famílias beneficiárias de acordo com o percentual de Renda Agrícola auferida mensalmente
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Gráfico 4
Silvânia: classificação das famílias beneficiárias de acordo com o percentual de Renda Agrícola auferida mensalmente
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Gráfico 5
Itapuranga: classificação das famílias beneficiárias segundo escalas de diversificação da produção
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Gráfico 6
Silvânia: classificação das famílias beneficiárias segundo escalas de diversificação da produção
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Gráfico 7
Itapuranga: classificação das famílias beneficiárias de acordo com o percentual de autoconsumo
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Gráfico 8
Silvânia: classificação das famílias beneficiárias de acordo com o percentual de autoconsumo
Fonte: Elaborado pelos autores (2013).
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