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POBREZA E CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS DOS CATADORES DE CARANGUEJO DO POVOADO CARNAUBEIRAS, ARAIOSES-MA
Jean Carlos Costa Soares; Jaíra Maria Alcobaça Gomes
Jean Carlos Costa Soares; Jaíra Maria Alcobaça Gomes
POBREZA E CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS DOS CATADORES DE CARANGUEJO DO POVOADO CARNAUBEIRAS, ARAIOSES-MA
POVERTY AND SOCIO-ECONOMIC CONDITIONS OF THE TOWN CRAB PICKERS OF CARNAUBEIRAS, ARAIOSES- MA
Revista de Políticas Públicas, vol. 20, núm. 1, pp. 343-360, 2016
Universidade Federal do Maranhão
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Resumo: Na região do Baixo Parnaíba maranhense, no município de Araioses, encontra-se uma das maiores comunidades de catadores de caranguejo-uçá do Brasil: Carnaubeiras. O povoado deve sua importância ao grande comércio de exportação de crustáceo para os estados vizinhos do Piauí e Ceará, assim como ao fato de estar situado entre as mais importantes rotas turísticas do país. Este trabalho busca conhecer as condições socioeconômicas dos catadores de caranguejo através de entrevistas semiestruturadas, procurando entender suas condições de pobreza. Os resultados mostram que: primeiro, os catadores de caranguejo têm baixa escolaridade; segundo, seus rendimentos não chegam a um salário mínimo; terceiro, e em consequência, o baixo salário é fruto da espoliação por parte de empresários da gastronomia turística de estados vizinhos; quarto, falta organização coletiva na categoria para enfrentar sua exploração. Conclui que os resultados, portanto, denotam o quadro de miséria do catador de caranguejo na comunidade Carnaubeiras.

Palavras-chave:Catador de caranguejoCatador de caranguejo, Araioses Araioses, Carnaubeiras Carnaubeiras, Exploração Exploração, Pobreza Pobreza.

Abstract: In the Lower Maranhão region Parnaíba, in the municipality of Araioses, is one of the largest communities in mangrove crab pickers of Brazil: Carnaubeiras. The town owes its importance to the large export trade crustacean to neighboring states of Piauí and Ceará as well as being situated between the major tourist routes in the country. This paper sought to understand the socioeconomic conditions of crab collectors through semi-structured interviews to understand its poverty. The results show that first, the crab collectors have low education; Second, the income of these workers do not reach the minimum wage; Third and consequently, low pay is the result of plunder by the entrepreneurs of the tourism cuisine of neighboring states; Fourth ,lack of collective organization category in coping against their exploitation; Concludes that the results obtained in this study denote the frame of poverty in the current situation of the crab hunter Carnaubeiras community.

Keywords: Crab catcher, Araioses, Carnaubeiras, Exploitation, Poverty.

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POBREZA E CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS DOS CATADORES DE CARANGUEJO DO POVOADO CARNAUBEIRAS, ARAIOSES-MA

POVERTY AND SOCIO-ECONOMIC CONDITIONS OF THE TOWN CRAB PICKERS OF CARNAUBEIRAS, ARAIOSES- MA

Jean Carlos Costa Soares
Universidade Federal do Piauí (UFPI), Brasil
Jaíra Maria Alcobaça Gomes
Universidade Federal do Piauí (UFPI), Brasil
Revista de Políticas Públicas, vol. 20, núm. 1, pp. 343-360, 2016
Universidade Federal do Maranhão

Recepção: 19/02/15

Aprovação: 07/03/16

1 INTRODUÇÃO

Os problemas sociais em nosso país, como violência, pobreza e miséria, no campo ou na cidade, são indicadores de uma sociedade extremamente desigual. Os mais afetados neste processo são grupos sociais historicamente excluídos, como as minorias raciais, os analfabetos, os trabalhadores avulsos, dentre outros. A nossa história, como nação, traz os vestígios da construção e constituição, ao longo do tempo, de nossa desigualdade contemporânea.

Nossa formação política, econômica e social remonta ao passado como colônia da metrópole portuguesa (1500-1822) e como nação independente no século XIX. Durante os seus 514 anos de história, foi sendo cristalizado um modelo de exclusão de segmentos da população brasileira em relação ao direito de ser protagonista do seu próprio desenvolvimento.

Direitos não existiam no Brasil, dominado por práticas clientelistas herdadas dos portugueses e transferidas a seus descendentes e brasileiros de berço, no país cuja sociedade, de economia rural, era compromissada com o escravismo e a manutenção do status quo frente a uma população esmagadoramente analfabeta, de inócua participação na vida política e social da nação.

Os indígenas brasileiros foram as primeiras vítimas a experimentar a indiferença de seus conquistadores e a força tecnológica superior do homem europeu, tendo como consequência a “[...] dominação e o extermínio, pela guerra, pela escravização e pela doença, de milhões de indígenas [...]” (CARVALHO, 2013, p. 18).

Para desenvolver o povoamento e a vida econômica e social na colônia brasileira, os portugueses precisavam de mão de obra. Como era praxe na América espanhola e na experiência portuguesa, em outras de suas colônias pela África e Ásia, a metrópole lusa aliava-se a um dos lados de tribos indígenas rivais, escravizando seu inimigo.

Acostumados à liberdade e não se submetendo à sistemática escravista dos portugueses, os indígenas

[...] assumiam quase sempre a forma de uma resistência obstinada, ainda quando silenciosa e passiva, às imposições da raça dominante [...] (HOLANDA, 1995, p. 48).

Em fins do século XIX, o ostracismo foi o destino final de milhares de escravos, agora libertos pela Lei Áurea em 1888, depois de uma campanha interna (dos abolicionistas) e externa (da Inglaterra) pela abolição da escravatura. Nessa perspectiva, os negros libertos se dirigiram aos principais núcleos urbanos próximos à sua antiga região de trabalho, amontoados na periferia desses espaços, formando os primeiros cortiços (o caso exemplar são as favelas dos morros cariocas).

Com o surgimento da República, em 1889, pouco mudou na vida social dos menos favorecidos. Corrupção, fraudes eleitorais, pobreza e miséria eram lugares comuns – o status quo permanecia como nos tempos do império.

Nos quinze anos do governo Vargas (1930-1945), houve avanço na ação protetiva do Estado brasileiro em incluir alguns direitos aos seus cidadãos. A criação de leis que regulavam as relações de trabalho foi um desses direitos introduzidos pelo Estado para proteger o trabalhador brasileiro, embora o modelo atendesse apenas a segmentos de trabalhadores organizados em sindicatos, deixando de fora a maioria do operariado não sindicalizado.

De fato, as políticas públicas gestadas no Brasil, na primeira metade do século XX, visavam a interesses clientelistas, excluindo grupos sociais fragilizados que não se organizavam e, portanto, não recebiam a devida atenção do Estado. Porém, mesmo com assistências pontuais a determinados segmentos mais pobres da população, pelo poder público, as práticas clientelistas continuaram pela República Liberal (1946- 1964), passando pela Ditadura Militar (1964- 1985) e chegando à Nova República, a partir de 1985.

A Assembleia Nacional Constituinte de 1987 liderou os trabalhos para a criação de uma nova constituição para o país, uma vez que o processo de transição havia se completado com a entrega do poder, pelos militares, aos civis. Assim, os trabalhos dos constituintes terminaram em setembro de 1988 e a Constituição Federal (CF) foi promulgada no mês seguinte sob a alcunha de constituição cidadã.

A Carta Magna de 1988 trouxe uma série de inovações, como a referência à dignidade da pessoa humana por meio de instrumentos de proteção social, como a seguridade social, visando à

[...] construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais [...] (PIERDONÁ, 2007, p. 11).

A saúde, a previdência e a assistência constituíam áreas de atuação da seguridade social, objetivando minimizar as desigualdades na população. Ocorre que, nos anos 1990, a proteção social, prevista na Carta Magna, foi interrompida pelo ajuste neoliberal introduzido no país, promovendo o desmonte das políticas sociais que existiam em âmbito nacional com o Estado delegando competências - sem transferências financeiras - aos municípios, omitindo-se de responsabilidades, caracterizando, assim, a descentralização destrutiva (SOARES, 2001).

O agravamento da pobreza e o aumento dos excluídos nos estratos mais baixos da sociedade brasileira têm sido produzidos pela nova relação entre a política e a economia no plano internacional, no qual o Brasil se insere, conforme o modelo neoliberal desenhado para a América Latina a partir da experiência chilena em 1974.

Os grupos sociais fragilizados, a exemplo dos trabalhadores informais urbanos e dos extrativistas pesqueiros do interior do país e de nosso litoral que, historicamente, não foram incluídos pelo capitalismo brasileiro em sucessivos governos, na nova fase neoliberal, têm agravadas suas condições de sobrevivência.

O Brasil que, por muito tempo, vivenciou crises sucessivas em sua economia com a hiperinflação, hoje, pelos esforços de dois governos passados – Fernando Henrique (1995-2002) e Lula (2003-2010) –, consolidou- se, no plano nacional e internacional, justamente por sua economia adotar o receituário do pensamento neoliberal originário do Consenso de Washington.

Não obstante, os programas de estabilização da moeda sempre deixaram um rastro de apartação social causado pelo desemprego, pelo consequente achatamento de salários e pelo aumento da pobreza. Telles (1996) reforça esse argumento ao afirmar que, dentro do mercado de trabalho, a transitividade entre o trabalho instável e o desemprego configura a tragédia social de nosso tempo. Como esses programas têm uma carga muito grande de políticas fiscais restritivas, que significam contingenciamento dos gastos públicos, acabam afetando também os mais pobres, porque os investimentos em escola, água encanada, esgotamento sanitário, saúde preventiva, coleta de lixo etc., ficam relegados a segundo plano.

Com efeito, os programas de estabilização econômica e de redução da pobreza, nas duas últimas décadas, não conseguiram impedir que o país figurasse no ranking geral na América Latina, segundo o relatório ONU-HABITAT (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS ASSENTAMENTOS HUMANOS, 2012), como o 4º país mais desigual da região, pelos critérios que vão desde a renda à qualidade de serviços prestados pelo poder público.

É possível perceber, então, que as desigualdades no espaço brasileiro ainda persistem – mesmo com os avanços sociais da última década. Quando se verifica a forma como se dá a distribuição do Produto Interno Bruto (PIB) per capita pelo país, encontra-se um grande contraste.

Somos uma nação com elevada concentração de renda, pois, enquanto no centro-sul encontram-se os melhores níveis de renda per capita, nos estados amazônicos e no Nordeste grassam os piores níveis de renda. Lemos (2007, p. 13) corrobora essa concepção quando afirma que “[...] as regiões mais carentes como Norte e Nordeste têm participação apenas marginal na composição do PIB agregado nacional [...]”. É nesses estados do Norte do país onde estão os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH).

As desigualdades, no Brasil, não se refletem somente na questão da renda, encontram-se cristalizadas no déficit de saneamento básico, no déficit habitacional, na falta de acesso às políticas de saúde pública, na precarização do ensino público, dentre outros problemas sociais contemporâneos do país.

Hodiernamente, no litoral brasileiro, encontram-se comunidades tradicionais dependentes dos recursos marinhos. São trabalhadores extrativistas artesanais, como lagosteiros, sirieiros, marisqueiros, pescadores, catadores de caranguejo, dentre outros. Essas pessoas trabalham de forma individual ou em grupos, muitos deles embrenham-se em mangues, ambientes fluviomarinhos, como é o caso dos catadores de caranguejo e siri que, por não possuírem renda fixa, são obrigados a trabalhar diariamente, em jornadas extenuantes, para garantir o seu sustento e o de sua família pelo montante da produção que é pescado.

O Nordeste brasileiro, região do país que possui o mais extenso litoral, teve, como sabemos, uma economia voltada para o latifúndio monocultor da cana-de-açúcar no passado, instalado no litoral oriental. Para o seu interior, desenvolveu-se a policultura e a criação de gado. Paradoxalmente, a região que foi próspera no passado hoje é um dos maiores bolsões de pobreza do país com graves problemas de analfabetismo e saneamento básico, dentre outras desigualdades sociais. No interior da região, grassa a miséria, mas, no litoral, convive a pujança da economia com grotões de pobreza caracterizados pelas comunidades tradicionais litorâneas da região.

O litoral oriental do Nordeste do Brasil é o mais rico em termos de produtividade, desde a indústria até o turismo, enquanto o litoral setentrional é o mais pobre, predominando o extrativismo, em especial, no litoral noroeste da região onde figura a zona costeira maranhense com grande população de comunidades tradicionais que vivem dos recursos marinhos.

A exclusão social e a pobreza, expressões da questão social, são os pontos de partida deste estudo antes de explicações sobre as condições socioeconômicas dos catadores de caranguejo do povoado de Carnaubeiras na municipalidade de Araioses- MA.

2 EXCLUSÃO SOCIAL E POBREZA: conceitos diferentes para uma mesma questão social

A questão social foi concebida, inicialmente, na Europa Ocidental, no século XIX, designando um fenômeno de pobreza crescente entre os membros da classe operária, conforme preconiza Pastorini (2004, p. 103) ao afirmar que

[...] a questão social na sociedade capitalista tem sua gênese nos problemas sociais a serem resolvidos nas diferentes formações sociais pré-capitalistas, mas sua origem data da segunda metade do século XIX, quando a classe operária faz sua aparição no cenário político na Europa Ocidental [...].

Atualmente, a questão social é assumida como de natureza salarial, envolvendo as relações entre capital e trabalho. Nesse sentido, enfoca os embates dentro da coletividade, na seara política, problematizando necessidades e demandas sociais. Na concepção de Cerqueira Filho (1982, p. 21), a questão social é

[...] um conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs no mundo no curso da constituição da sociedade capitalista. [...] está fundamentalmente vinculada ao conflito entre capital e trabalho [...]

Para outros autores, a questão social é um processo que se metamorfoseia (CASTEL, 1998) ao longo do período histórico do capitalismo, “[...] assumindo expressões particulares.” (PASTORINI, 2004, p. 113) que surgem com as transformações provocadas pelo sistema. Essas expressões se manifestam em nossa sociedade na forma de pobreza, exclusão social, miséria, violência, epidemias, guerras, dentre outras. Neste trabalho são abordadas a conceituação e as diferenças de duas expressões da questão social comuns na atualidade: a exclusão social e a pobreza.

Há inúmeras definições para exclusão social, porém uma delas trata como “[...] situações de vulnerabilidade, isolamento e/ou discriminação social em que determinados indivíduos ou grupos sociais se encontram.” (SILVA, 2012, p. 197).

Contudo, o termo exclusão social é considerado recente. Surgiu na França, na segunda metade do século XX, com René Lenoir, para definir uma “[...] variedade de problemas socioeconômicos.” (ALVINO- BORBA; MATA-LIMA, 2011, p. 220). Nesse período, a França passava por uma grave crise em função dos problemas internacionais gerados pela alta do preço do barril do petróleo.

As classes trabalhadoras, que tinham experimentado períodos de bonança econômica – welfare state -, viram seus salários e benefícios exaurirem-se, além de muitos trabalhadores tornarem-se os novos desempregados. O momento ficou conhecido, na literatura de estudiosos da época, como René Lenoir (apud ZIONE, 2006, p. 17), como nova pobreza, referindo-se a novas manifestações da questão social, com novas formas e dimensões, decorrentes do rearranjo da relação entre capital e trabalho na atualidade.

Segundo Lesbaupin (2000), a exclusão social não seria prerrogativa somente de nações subdesenvolvidas, sendo uma expressão da questão social presente em vários países, independentemente de seu grau de desenvolvimento. Na verdade, trata-se de um fenômeno que está acima da conjuntura particular de desenvolvimento de cada país, pois é desencadeado por um fator de ordem internacional: o processo de desenvolvimento do capitalismo operado no mundo pelo centro do sistema1. Todavia, tal processo é gestado no interior dos Estados-nações, atendendo a interesses de grupos ou corporações nacionais e internacionais. Assim, o desenvolvimento capitalista, na contemporaneidade, veste nova roupagem identificada como globalização.

Não obstante, o termo exclusão social, em seu significado, pode ser considerado impreciso, provocando discussões entre alguns autores2:

[...] não existe exclusão: existe uma contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vítima de tais processos proclama seu inconformismo, seu mal- estar, sua revolta, sua esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva. (SCHWARTZ; NOGUEIRA, 2000, p. 91).

O entendimento de que o termo gera certa imprecisão, segundo autores ligados à temática, seria em decorrência das dificuldades de acesso aos processos sociais, políticos e econômicos. Porém, nesse contexto, pessoas que não obtiveram acesso estariam excluídas socialmente.

Contudo, a expressão exclusão social, por mais que haja divergências entre certos autores, cristaliza-se como produto de conflitos de interesses nas relações econômicas, especificamente nas relações entre capital e trabalho. Sendo assim, nessa relação, há os que não conseguem, por seu esforço, estar inseridos na lógica do trabalho, porque tal feito independe de suas ações, ou seja, mesmo que essas pessoas se qualifiquem para o mercado de trabalho, ainda assim, apenas uma pequena parcela desses candidatos é absorvida. Os demais ficam à margem do processo.

São excluídas as pessoas que se encontram em

[...] situação de pobreza, desemprego, e carências múltiplas associadas e que são privadas de seus direitos como cidadãos, ou cujos laços sociais estão danificados ou quebrados. (SHEPPARD, 2006, p. 10).

Ora, por não terem acesso ao emprego, encontram-se em situação de pobreza, pois “[...] nesse sentido, implica padecimento por privação do mínimo

necessário para manter a pessoa viva e saudável.” (SINGER, 1998, p. 61).

A pobreza, outra expressão da questão social, como já foi dito aqui, surge com a industrialização das economias ocidentais no século XIX, provocando o êxodo rural de pessoas do campo para as fábricas dos grandes centros urbanos. O excedente populacional conformou-se em viver em cortiços na periferia dessas cidades, fenômeno que ficou conhecido como pauperização.

Montaño (2012) estabelece três concepções hegemônicas de pobreza ao longo do processo histórico do capitalismo: a concorrencial, a do Estado de bem-estar, e a neoliberal. Na primeira concepção, a pobreza, assim como outras manifestações da questão social, não é pensada como fenômeno produzido pela exploração econômica capitalista, mas, sim, como fenômeno independente de “[...] responsabilidade individual ou coletiva dos setores por ela atingidos.” (MONTAÑO, 2012, p. 272).

Assim, o pensamento burguês dos séculos XVIII e XIX vinculava a pobreza ao problema da falta de escolaridade, ao planejamento familiar e simplesmente à vadiagem, ociosidade ou ainda à preguiça. A resposta encontrada para seu enfrentamento, nesse período, passava por organizações filantrópicas, que atendiam de forma segmentada, orientada por valores burgueses, de cunho moralizador, com vistas à mudança de comportamentos dos envolvidos (MONTAÑO, 2012).

Com a lei dos pobres, instituída em 1601 na Inglaterra, a pobreza passou a ser tratada oficialmente como uma preocupação de Estado, por meio da filantropia paroquial. Mais tarde, em 1834, ironicamente, a referida lei foi alvo de ataques pelo parlamento que a anulou, por ser considerada fomentadora da pobreza inglesa.

Os argumentos para isso eram proferidos pelo reverendo Sir Thomas Robert Malthus, que condenava a assistência aos pobres pelas casas paroquiais, pois acreditava que a prática só reproduziria a pobreza. Assim, o que era para ser uma ação assistencialista, objetivando minimizar os efeitos da pobreza, agora, era reprimida e castigada , tratando as pessoas, nessa condição, como delinquentes e marginais que ameaçavam a ordem constituída e precisavam ser removidos da sociedade (MONTAÑO, 2012).

Na segunda concepção, a pobreza não é mais vista como resultado da incompetência individual ou coletiva, mas, sim, do “[...] desenvolvimento social e econômico.” (MONTAÑO, 2012, p. 275). Sobretudo, a pobreza é vista, sob a ótica keynesiana, como um problema de distribuição do mercado, que John Maynard Keynes chamou de déficit de demanda efetiva (MONTAÑO, 2012). Para compreender como chegou a esse entendimento, é preciso relatar o processo histórico do capitalismo dos anos 1930.

As ideias de Keynes (1936), em seu livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, entraram em choque com os postulados dos economistas clássicos e neoclássicos, como Ricardo, Smith, Marshall e Mill. No livro, Keynes desafia os conceitos tradicionais da economia clássica e neoclássica, como o da visão a longo prazo dos ciclos econômicos, o não-intervencionismo estatal e o valor das políticas monetárias e fiscais.

Sua obra nasceu durante o período da Grande Depressão, daí muitos chamarem a atenção para a responsabilidade estatal do pleno emprego, ou seja, o Estado deveria estar presente em épocas de crise na regulação da vida econômica de um país e tendo o cuidado de manter os empregos dos trabalhadores. Assim, para Keynes (1936), o Estado seria o agente indispensável de controle da economia, com o objetivo de conduzir a um sistema de pleno emprego.

Porém o problema que levou o mundo à crise financeira de 1929 e logo depois à Segunda Guerra Mundial, para o pensamento keynesiano, está relacionado à questão da demanda efetiva. As leis de Mercado

[...] não necessariamente produziriam harmonia entre os interesses egoístas dos grandes agentes econômicos e o bem-estar global [...] (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 85).

Uma vez que as escolhas no campo individual, por parte dos capitalistas, entre investir ou cortar gastos, assim como comprar ou fazer poupança, por parte dos assalariados-consumidores, eram objeto de desenvolvimento de crises.

Assim, a demanda efetiva, na visão de Keynes, segundo Behring e Boschetti (2007, p. 85):

[...] é aquela que reúne bens e serviços para os quais há capacidade de pagamento. Quando há insuficiência de demanda efetiva, isso significa que não existem meios de pagamento suficientes em circulação, o que pode levar à crise. Nesse sentido, o Estado deve intervir, evitando tal insuficiência [...]

Portanto, uma parcela da população não participava do mercado de trabalho, não adquiria bens e serviços, pois não tinha renda. Na crise de 1929, o Estado não interveio para garantir o pleno emprego, como consequência, houve um colapso do sistema capitalista que produzia bens e serviços, mas sem demanda que os adquirisse. Uma onda de desemprego veio com a crise, nas nações industrializadas do norte, aumentando os níveis de pobreza nesses países.

Por fim, a última concepção refere-se ao contexto atual. Para o pensamento neoliberal, a pobreza é produto do insucesso individual, havendo, portanto, um retorno à concepção clássica de pobreza. Para o seu tratamento, volta-se às práticas filantrópicas que, no século XIX, eram função das paróquias; hoje, são realizadas por instituições do terceiro setor.

Em sintonia com a classificação de Montaño (2012), Schwartzman (2007) também cita as diversas distinções entre os pobres. No século XIX, distinguia-se o pobre pelo critério de proximidade, ou seja,

[...] a prioridade deveria ser dada aos parentes, vizinhos e concidadãos e não aos desconhecidos, estranhos e estrangeiros. (SCHWARTZMAN, 2007, p. 15).

A distinção pelo preconceito era evidente entre as categorias de pobres nos Estados Unidos. A outra classificação fazia distinção entre pobreza voluntária e involuntária. A primeira dizia respeito aos vagabundos que simplesmente não queriam trabalhar e, a segunda, aos órfãos, doentes, deficientes e viúvas que não tinham condições de se manter.

Schwartzman (2007) aponta, ainda, que até Marx categorizava seus pobres. Segundo o filósofo, a classe trabalhadora que lutava contra a burguesia era a única classe revolucionária no compromisso com o futuro de uma sociedade sem classes. No entanto, a classe que não tinha emprego, que vivia na mendicância, era considerada por Marx como escória e perigosa, por ser facilmente corrompida pela burguesia. Para Schwartzman (2007, p. 16), Marx traz

[...] a distinção moral entre a pobreza digna, revolucionária, do proletariado, e a pobreza indigna, reacionária, corrompida e corruptível, a escória do lumpemproletariado, os marginais.

O fato é que a pobreza atual decorre de um processo que se arrasta desde o fim do modelo keynesiano, ou seja, as pessoas incluídas nessa nova pobreza tiveram, um dia, um padrão de vida razoável na sociedade e, por situações alheias, houve piora na sua qualidade de vida. As mudanças econômicas são o principal fator dessa piora, da pauperização de algumas classes sociais. Assim, segundo Lemos (2007, p. 50), a pobreza é

[...] um fenômeno complexo e multidimensional, cuja eliminação requer um comportamento integrado e intersetorial. A eliminação da pobreza se constitui, sobretudo, num problema político, sendo necessária concomitantemente uma política definida para prover poder participativo aos pobres, que são os verdadeiros atores do processo, e devem ser os condutores dos seus próprios destinos [...].

A pobreza leva as pessoas a encontrar outras formas de sobrevivência, daí a característica do subemprego que sujeita os trabalhadores que não foram absorvidos pelo mercado – fruto da rotatividade no mercado de trabalho – a recorrer à informalidade. De fato, na informalidade, esses trabalhadores não constam nos registros dos órgãos do poder público, ou seja, para o Estado, eles não existem.

Neste sentido, subemprego e informalidade são traços comuns existentes em comunidades tradicionais litorâneas, como as dos catadores de caranguejo do povoado Carnaubeiras na Área de Proteção Ambiental Delta do Parnaíba no litoral nordeste do estado do Maranhão.

3 POVOADO CARNAUBEIRAS: caracterização socioeconômica

A história do município de Araioses assemelha-se à de outros municípios litorâneos do litoral norte do Nordeste brasileiro. Tem por origem povos indígenas que antes eram numerosos na zona costeira da região, como os povos Tremembés. Os Araios, grupo de índios que se separaram dos Tremembés, fixaram-se onde atualmente correspondem as aldeias, no interior do município. Viviam do extrativismo e da agricultura de subsistência (mandioca e milho). O cacique da tribo Araios, Arinhã Magu, teve contato com o forasteiro João de Deus, mestiço baiano, firmando com ele pacto de amizade que resultou na organização dos clãs das tribos em uma sociedade com loteamento das aldeias no município (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, [20--?]).

O povoado foi elevado à condição de cidade pela lei n° 269, de 31 de dezembro de 1948 (ARAIOSES, 2014), em plena normalidade democrática sob a égide da Constituição Federal de 1946 e estando na presidência do país Eurico Gaspar Dutra.

Com área de 1783 km², o município de Araioses situa-se nas coordenadas 02° 53' 24"S e 41° 54' 10" W, localizado na mesorregião do leste maranhense e microrregião do Baixo Parnaíba Maranhense, a aproximadamente 462 km da capital do estado, São Luís. Suas características morfoclimáticas apontam para clima tropical quente e seco. Sua cobertura vegetal é basicamente formada por variedade de elementos, como restinga, mangue, campo caatinga, campo cerrado, floresta secundária mista, parque cerrado, caatinga arbustiva e arbórea, dunas móveis e fixas, área contato cerrado, aluvião, campos salgados e campos inundados.

Quanto ao relevo, do ponto de vista geológico e geomorfológico, apresenta, na superfície litorânea, sedimentos eólicos e aluviões do holoceno, sedimentos inconsolidados, dunas e paleodunas. Na área do Delta do Parnaíba, sedimentos compostos por areia, silte, argila e vazas (COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DOS VALES DO SÃO FRANCISCO E DO PARNAÍBA, 2006).

A noroeste da sede do município, o povoado de Carnaubeiras, com características fisiográficas de terraços aluvianos e cobertura vegetal de mangues, é o núcleo comunitário mais antigo do Delta do Parnaíba, fundado ainda no século XIX pelo capitão Felipe José das Neves que, junto com comerciantes portugueses, estabeleceu-se na região com a atividade de criação de gado, desenvolvendo um franco comércio com Portugal na exportação de charque, cera de carnaúba, dentre outros artigos (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, 2003).

Historicamente, a região foi palco de momentos importantes do passado nacional, como a Balaiada e as guerras pela independência. Na primeira metade do século XX, foi um importante centro comercial de cera de carnaúba e da produção de arroz, declinando economicamente logo após a Segunda Guerra Mundial. Atualmente, o alicerce econômico da comunidade é o extrativismo de crustáceos e sua comercialização, sobretudo do caranguejo-uçá, para estados vizinhos, como Piauí e Ceará, principalmente (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS, 2003).

4 METODOLOGIA

Os procedimentos metodológicos utilizados durante a pesquisa foram os seguintes: leitura de bibliografia especializada no tema da dissertação, pesquisa documental de domínio público, e pesquisa de campo direta e indireta (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2004; SPINK; LIMA 2000; CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000).

No que diz respeito aos sujeitos da pesquisa, foram aplicados questionários com entrevista semiestruturada junto a catadores de caranguejo em uma população de aproximadamente 200 famílias que vivem desse meio de subsistência. Optou-se por amostragem não-probabilística do tipo intencional, limitando-se a quantidade a 50 questionários aplicados através da técnica de saturação.

Na escolha do critério de saturação para a definição do tamanho amostral aqui utilizado, tomou-se por base o pensamento de Glaser e Strauss (1967, p. 65), quando afirmam que

Nenhum dado adicional é encontrado que possibilite ao pesquisador acrescentar propriedades a uma categoria. [...], isto é, [...] quando o pesquisador torna-se empiricamente confiante de que a categoria está saturada.

Assim, como as características socioeconômicas dos catadores de caranguejo do povoado Carnaubeiras são relativamente homogêneas, não interessaria aplicar uma quantidade de questionários em demasia por ser desnecessário. Em determinado momento da pesquisa de campo, considerou-se que o conjunto das respostas apresentadas pelos entrevistados pouco ou nada acrescentava, em termos de substancialidade, aos tópicos abordados.

5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os principais resultados trazem a escolaridade, as alternativas para atividade e a renda do catador de caranguejo do povoado Carnaubeiras, Araioses-MA. Tais características denunciam o modo de vida desses trabalhadores em convivência com a pobreza que enfrentam.

5.1 Escolaridade do catador de caranguejo

Quanto à escolaridade dos entrevistados, 38% são analfabetos funcionais (pessoas que, mesmo capacitadas a decodificar minimamente as letras, geralmente frases, sentenças, textos curtos e os números, não desenvolvem habilidade para interpretá-las nem fazer operações matemáticas), 30% possuem o Ensino Fundamental incompleto, 24% são analfabetos, 6% possuem Ensino Fundamental completo, e 2%, o Ensino Médio incompleto (Tabela 1).

O número expressivo de analfabetos funcionais somado ao de analfabetos (62%) justifica a dificuldade que esses catadores têm de se organizar como categoria de classe. Muitos acreditam que o fato de serem analfabetos ou de apenas escreverem o próprio nome e ler com dificuldade não contribui para organizar reuniões associativas de deliberação ou, até mesmo, criar uma associação ou cooperativa.

Tabela 1
Percentual de catadores de caranguejo por escolaridade - Povoado Carnaubeiras, Araioses-MA - 2013

Elaborada pelos autores, conforme dados da pesquisa de campo, Araioses, outubro de 2013.

5.2 Alternativas para a atividade de catador de caranguejo

Ao serem informados das questões pertinentes ao trabalho do catador de caranguejo, os entrevistados fizeram sugestões do que poderia ser feito para que a atividade pudesse ter melhorias na produção do crustáceo (Tabela 2).

Assim, 26% assinalaram que a conscientização ambiental é a saída para reforçar o aumento da produção do crustáceo em áreas de manguezais; outros, cerca de 20%, entenderam que a criação de uma cooperativa de catadores seria o caminho ideal para a organização da categoria com vistas à melhoria da produção; 10% afirmaram que o aumento do preço da corda do caranguejo seria o ideal, enquanto 2% responderam que o poder público deve participar no suporte ao catador e sua produção; outros 42% não souberam opinar (Tabela 2).

Tabela 2
Percentual dos catadores de caranguejo quanto a sugestões de melhorias na produção do crustáceo e das condições de trabalho - Povoado Carnaubeiras, Araioses-MA - 2013

Elaborada pelos autores, conforme dados da pesquisa de campo, Araioses, outubro de 2013.

Os entrevistados também opinaram a respeito de suas condições de trabalho, dando sugestões sobre o melhor caminho para melhorar sua atividade laboral (Tabela 2). Do total, 58% responderam que a instalação de uma cooperativa seria de extrema importância, enquanto 34% não opinaram ou não souberam responder, 6% pediram a presença e atuação do poder público e 2% quiseram melhorias nas condições sociais do catador, como saneamento básico, benefícios de programas sociais do poder público, dentre outras ações.

Quanto à melhoria das condições de trabalho dos catadores de caranguejo, a grande percentagem na pesquisa está voltada para a necessidade de se constituir uma cooperativa com o intuito de evitar o isolamento como categoria e defender os seus interesses frente a intermediários que compram e negociam grande parte da produção coletada.

5.3 Renda do catador de caranguejo

Capturar caranguejo é uma atividade informal, por ser desprovida de proteção jurídica. As condições de trabalho dos catadores são duras, tendo em vista embrenharem-se nos manguezais, sujeitos a toda sorte de acidentes, desde picadas de insetos, comuns nesses ambientes, até cortes nos pés durante as caminhadas entre os mangues à procura de galerias para a coleta do crustáceo.


Gráfico 1
Renda mensal dos catadores de caranguejo com a coleta do caranguejo-uçá (em salário mínimo3) - Povoado Carnaubeiras, Araioses-MA - 2013
Fonte: Elaborada pelos autores, conforme dados da pesquisa de campo, Araioses, outubro de 2013.

Os ganhos do catador com a comercialização do crustáceo são pouco expressivos na composição de sua renda mensal, conforme aponta o Gráfico 1. A maioria dos entrevistados (64%) está entre aqueles com rendimentos entre um quarto e meio salário mínimo mensal. Outros 30% possuem renda entre meio salário e um salário mínimo mensal. Os de menor rendimento, 2% dos entrevistados, percebem até um quarto de salário mínimo, enquanto os de maior rendimento, 4% dos entrevistados, ganham entre um e dois salários mínimos.

O motivo para tão baixa remuneração da maioria dos catadores de caranguejo está relacionado ao baixo preço de venda da unidade do crustáceo, geralmente entre 0, 25 e 0,75 centavos de real, imposto por intermediários a serviço de empresários do ramo turístico de barracas de praia, em especial os da cidade cearense de Fortaleza. A falta de organização coletiva dos catadores é um elemento determinante para a composição do preço da unidade e, por consequência, para a exploração pelos intermediários que comercializam o produto.

6 CONCLUSÃO

A efetividade de uma política pública que condicione a inserção de determinados grupos na sociedade, de modo a participarem da riqueza oferecida pelo meio natural, de forma sustentável, é imprescindível dentro de um contexto de alcance de objetivos comuns para o combate à exclusão social e à pobreza em comunidades tradicionais como a de Carnaubeiras.

As informações obtidas nesta pesquisa junto às famílias de catadores de caranguejo da comunidade de Carnaubeiras permitiram delinear um retrato de sua situação socioeconômica e fazer considerações sobre os principais aspectos do seu cotidiano de luta como categoria de trabalhadores extrativistas que, por falta de alternativa de trabalho, vive e sobrevive em função da cata do caranguejo- uçá nos mangues do Delta do Parnaíba.

Assim, quatro são as questões que se revelam pertinentes neste trabalho que poderiam explicar, se não em sua totalidade, pelo menos em parte, a situação de pobreza e exclusão social por que passam os catadores de caranguejo da comunidade de Carnaubeiras.

A primeira delas remete ao nível de escolaridade dos catadores de caranguejo. Na comunidade, persiste a baixa escolaridade de jovens e adultos, que se explica pelo fato de muitos deles, para ajudar na complementação da renda familiar, deixarem de estudar para trabalhar nos mangues, reproduzindo o ofício dos pais. Dessa forma, chegam à idade adulta apenas com o ensino fundamental incompleto, quando não, analfabetos.

A segunda questão indica o fator econômico no que diz respeito à renda do catador de caranguejo. Detectou-se que, de fato, os catadores de caranguejo se encontram na informalidade porque auferem renda variável conforme a época do ano. Seus rendimentos mensais não alcançam um salário mínimo com a comercialização do crustáceo.

A terceira questão envolve a exploração que sofre o catador de caranguejo na comercialização de seu produto. Nessa comunidade, com base no que foi apurado neste estudo, notório empresário cearense do ramo de restaurantes de praia utiliza intermediários que negociam a coleta de caranguejo no porto de Carnaubeiras. O fato de a pesquisa ter detectado rendimentos mensais dos entrevistados de aproximadamente 300 reais, em média, dá a indicação de que esses catadores não estipulam o preço do produto coletado (de 0,25 a 0,75 centavos a unidade). Convém ressaltar que essa situação de exploração só acontece porque falta na comunidade uma organização que lute pelos interesses de todos.

A quarta questão trata da urgência de mobilização dessa categoria. Conforme abordagem anterior, entre 1997 e 1998, a comunidade de catadores de caranguejo de Carnaubeiras foi contemplada com uma fábrica de captura e beneficiamento de pescados por meio do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Maranhão (SEBRAE), que entrou com a capacitação, e o Banco do Nordeste do Brasil, que ofereceu o financiamento. A associação entre os trabalhadores ligados à pesca na comunidade, formada para executar o projeto, não conseguiu seguir em frente por falta de unidade entre seus membros.

Entretanto, passada mais de uma década do fim do projeto, verificou-se que a comunidade está disposta a se organizar novamente, devido às dificuldades de comercialização do produto de que dispõe para isso. É provável que esses trabalhadores possam viver exclusivamente dos rendimentos da venda do caranguejo, se lhes for dada a chance de formar uma organização coletiva para captura e beneficiamento do caranguejo-uçá, de negociar as condições com seus compradores sem atravessadores, enfim, de ter novamente a oportunidade de empreender.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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Notas
Notas
1 O centro do sistema capitalista encontra-se nas principais economias desenvolvidas ao norte do Equador. Como exemplos, o centro financeiro norte- americano chamado de Wall Street, a Europa e o Japão, onde operam a financeirização do capital por meio de bolsas de valores.
2 Autores, como Robert Castel, Vera Telles, José de Souza Martins, Luís Eduardo Wanderley e Elimar Nascimento (SCHWARTZ; NOGUEIRA, 2000).
3 Salário mínimo com base no valor de novembro de 2013, ou seja, R$ 678,00 reais.
Tabela 1
Percentual de catadores de caranguejo por escolaridade - Povoado Carnaubeiras, Araioses-MA - 2013

Elaborada pelos autores, conforme dados da pesquisa de campo, Araioses, outubro de 2013.
Tabela 2
Percentual dos catadores de caranguejo quanto a sugestões de melhorias na produção do crustáceo e das condições de trabalho - Povoado Carnaubeiras, Araioses-MA - 2013

Elaborada pelos autores, conforme dados da pesquisa de campo, Araioses, outubro de 2013.

Gráfico 1
Renda mensal dos catadores de caranguejo com a coleta do caranguejo-uçá (em salário mínimo3) - Povoado Carnaubeiras, Araioses-MA - 2013
Fonte: Elaborada pelos autores, conforme dados da pesquisa de campo, Araioses, outubro de 2013.
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