Artigos - Dossiê Temático
Resumo: O artigo discute o duplo papel de o fundo público no Estado capitalista contemporâneo reproduzir o capital e a força de trabalho, questionando o destino dos recursos tributários do fundo público federal (FPF) brasileiro. Para tanto, buscou revelar o montante, o destino e a relevância dos gastos social e financeiro nos governos LULA-DILMA, a partir das informações orçamentárias das despesas executadas e pagas pelo governo federal no período de 2003-2014, contidas no SIGA Brasil do Senado Federal. Nos governos de LULA-DILMA mantêm-se os privilégios ao capital, ao passo que são ampliados os salários indiretos da força de trabalho.
Palavras-chave: Fundo Público, orçamento público, gasto social, gasto financeiro.
Abstract: The article discusses the dual role of public fund in the contemporary capitalist state, playing the capital and the labor force, questioning the fate of the tax resources of the Brazilian federal public fund (FPF). Therefore sought to reveal the amount, the destiny and the relevance of the social and financial costs in the LULA-DILMA governments from the budget information expenditure executed and paid by the federal government in the 2003-2014 period contained in SIGA Brazil’s Federal Senate. In the LULA-DILMA governments remain the privileges to capital, while are magnified indirect wages of the workforce.
Keywords: Public Fund, public budget, social spending, financial spent.
1 INTRODUÇÃO
No capitalismo contemporâneo, principalmente nos países latino-americanos,a disputa por recursos do fundo público entre as classes sociais e suas frações,a partir da crise capitalista dos anos 1970/80, passou a ser cada vez mais acirrada. De um lado o capitalista, em especial, o financeiro, pressionando o Estado para direcionar os recursos do orçamento público à reprodução do capital via gastos financeiros e, do outro lado, o trabalhador lutando pela efetivação de direitos sociais, através da ampliação dos gastos sociais.
A disputa pela direção do gasto no interior do fundo público evidencia as prioridades do Estado na aplicação do recurso público. Nesse sentido, o artigo propõe revelar, de forma crítica, a direção do gasto orçamentário no Brasil, no período de 2003 a 2014. A análise crítica dos gastos orçamentários pretende responder ao seguinte questionamento: qual o montante, o destino e a relevância do gasto social e do gasto financeiro no Brasil de LULA-DILMA? E tem como objetivo revelar para onde foram destinados os recursos tributários do Fundo Público Federal (FPF) nos governos LULA-DILMA.
Para tanto, se buscou informações na base de dados do Senado Federal, no sistema de informações orçamentárias SIGA Brasil, onde foram coletadas, organizadas e analisadas as despesas executadas pagas pela União no orçamento federal de 2003-2014. Os valores nominais disponíveis da execução orçamentária federal no SIGA Brasil foram deflacionados pelo Índice Geral de Preços Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), tendo como ano base 2014. Por questões metodológicas, os valores referentes ao refinanciamento da dívida pública interna e externa não foram contabilizados nas despesas financeiras, como também foram excluídos da receita orçamentária da União em cada ano analisado, pois estas contas não geraram desembolsos e nem recebimentos efetivos ao governo federal, pelo contrário, é um artifício contábil para registrar no orçamento federal a promessa de futuros pagamentos e recebimentos.
O texto está organizado em duas seções, além desta introdução e das considerações finais. A primeira seção trata do fundo público, evidenciando o seu duplo papel no capitalismo, servir ao capital e ao trabalho, e do seu instrumento concreto, o orçamento público. A segunda apresenta a classificação e os determinantes do gasto público no Brasil, revelando qual foi a destinação dos recursos tributários federais no período de 2003-2014.
2 FUNDO PÚBLICO E ORÇAMENTO PÚBLICO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
Desde o surgimento, na era absolutista, e até o presente, o Estado moderno nunca parou de expandir sua intervenção na economia e na vida social. Mesmo que em determinadas épocas históricas esse crescimento fosse contestado por economistas liberais como Adam Smith, Jean-Baptiste Say e David Ricardo, pois acreditavam que a intervenção do Estado na economia era perversa, improdutiva, levaria a desequilíbrios orçamentários, salvo raríssimas exceções, reduzindo o ímpeto da reprodução e da acumulação capitalistas. (SANTOS, 2001).
A crise capitalista dos anos 1930 sepultou, por algumas décadas, o protagonismo das ideias liberais de redução do tamanho do Estado e promoveram a ascensão das ideias keynesianas, onde a participação do Estado através da política fiscal expansiva era fundamental para incrementar a demanda efetiva e salvar o sistema da derrocada. O Estado, “[...] de lá para cá, aumentou consideravelmente seu poder de extração de receitas da renda e da riqueza geradas nas economias em geral.” (OLIVEIRA, 2012, p. 21).
Ainda para o autor,
O Estado não parou de avançar e de se consolidar como instrumento de organização da sociedade e de garantia da reprodução do sistema, criando as condições necessárias para tanto, mesmo quando retornaram revigoradas, nas últimas décadas do século XX, as vozes que se opõem à sua presença na economia. (OLIVEIRA, 2012, p. 22).
Portanto, dos anos 1930 até o final dos anos 1960, com as reformas keynesianas nos países desenvolvidos, o gasto público estatal passou a ocupar papel preponderante na resolução dos conflitos econômicos e sociais produzidos pelo modo de produção capitalista. Mesmo diante a crise capitalista dos anos 1970 e o soerguimento das ideias neoliberais de redução do tamanho do Estado, os gastos públicos, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e à carga tributária, aumentaram nos países membros da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE). O gasto público médio nos países membros era 36,7% do PIB (1978-1981) e passou para 41% (1992-1995). A carga tributária era 34% do PIB no primeiro período e passou para 37% no segundo (OLIVEIRA, 2012).
Essa crescente expansão intervencionista do Estado, longe de ser um obstáculo à acumulação, é funcional ao capitalismo, segundo autores de tradição marxista como James O’Connor e Claus Offe. Para o primeiro, o Estado capitalista busca desempenhar duas funções básicas e contraditórias: acumulação e legitimação. “[...] o Estado deve tentar manter, ou criar, as condições em que se faça possível uma lucrativa acumulação do capital. Entretanto, o Estado também deve manter ou criar condições de harmonia social.” (O’CONNOR, 1977, p. 19). As duas funções se efetivam através dos gastos estatais e são elementos necessários à acumulação capitalista. Para o segundo, em qualquer fase do desenvolvimento capitalista o Estado estará “[...] funcionalmente relacionado e dependente do processo de acumulação capitalista.” (OFFE, 1979, p. 125).
Ora, os aumentos dos gastos públicos e das fontes de recursos tributárias nos países desenvolvidos e em desenvolvimento demonstraram a importância que o fundo público passou a ter na “[...] distribuição dessa expressiva e crescente parte da riqueza que é apropriada pelo Estado, mediante tributação, entre as classes, frações de classes, regiões e setores da sociedade.” (OLIVEIRA, 2012, p. 122).
O fundo público no capitalismo contemporâneo passou a assumir cada vez mais importância e está presente na reprodução do capital e da força de trabalho das seguintes maneiras, conforme Salvador (2010): a) como fonte importante para a realização do investimento capitalista, por meio de subsídios, de desonerações tributárias, por incentivos fiscais e pela redução da base tributária da renda do capital; b) viabilizando a reprodução da força de trabalho, por meio de salários indiretos, reduzindo custo do capitalista na sua aquisição; c) assegurando recursos orçamentários para investimentos em meios de transporte e infraestrutura, nos gastos com investigação e pesquisa, além dos subsídios e renúncias fiscais para as empresas; e, d) transferindo recursos sob a forma de juros e amortização da dívida pública para o capital financeiro, em especial para a classe dos rentistas.
De forma, que o fundo público envolve toda a capacidade de mobilização de recursos que o Estado tem para intervir na economia, seja por meio das empresas públicas, pelo uso das suas políticas monetária e fiscal, assim como pelo orçamento público. (SALVADOR, 2012).
Para Behring (2010, p. 20), o fundo público se forma por meio de uma “[...] punção compulsória – na forma de impostos, contribuições e taxas – da mais-valia socialmente produzida, ou seja, é parte do trabalho excedente que metamorfoseou em lucro, juro ou renda da terra e que é apropriado pelo Estado para o desempenho de suas múltiplas funções.” Como também se forma a partir do trabalho necessário, na medida em que os trabalhadores pagam impostos diretos, sobre a renda e o patrimônio e, indiretos, sobre o consumo de mercadorias.
Portanto, o fundo público participa diretamente do processo de reprodução capitalista, seja através dos recursos advindos da exploração do trabalho na produção, seja através dos recursos da exploração tributária crescente em tempos de crise, e constitui-se causa contrariante à queda tendencial da taxa de lucros.
Entretanto, o instrumento mais objetivo do fundo público é o orçamento público; mais do que uma peça técnica de planejamento, é uma arena de disputa política, na qual o direcionamento dos gastos e suas respectivas fontes de financiamentos refletirão, mais que uma decisão econômica, as correlações de forças sociais e políticas hegemônicas na sociedade.
[...] o orçamento deve ser visto como o espelho da vida política de uma sociedade, à medida que registra e revela, em sua estrutura de gastos e receitas, sobre que classe ou fração de classe recai o maior ou o menor ônus da tributação e as que mais se beneficiam com os seus gastos (OLIVEIRA apud SALVADOR; TEIXEIRA, 2014, p. 17).
No sentido lato, o orçamento público pode ser definido como “[...] instrumento de que dispõe o poder público (em qualquer de suas esferas) para expressar, seu programa de atuação, discriminando a origem e o montante dos recursos a serem obtidos, bem como a natureza e o montante dos dispêndios.” (PISCITELI; TIMBÓ; ROSA, 2006, p. 2). Ainda segundo Oliveira (2012), é através dele que o poder executivo busca cumprir seus programas de governo ou atingir os objetivos macroeconômicos. A definição do programa a ser implantado e a direção da política econômica e social priorizada pelo Estado é reflexo dos interesses de classes, que serão negociados pelos representantes políticos da população, no qual o orçamento é o espaço das suas reivindicações.
No Brasil, a disputa pelo fundo público tem seu acirramento a partir dos anos 1990, em meio ao processo de institucionalização das políticas sociais conquistadas pelos trabalhadores e as frações menos favorecidas, na Constituição de 1988, que clamaram pelo seu financiamento e, ao protagonismo das ideias neoliberais, no interior da burocracia estatal e da classe capitalista, que reivindicavam o ajuste estrutural do Estado, priorizando o financiamento do capital de acordo com os postulados do Consenso de Washington.
Aquele Estado intervencionista/desenvolvimentista na vida econômica e social dos anos 1950/60/70, que atuou “[...] como condutor, organizador e agente estruturante desse processo, com forte atuação na constituição de suas bases, por meio das empresas estatais, dos investimentos públicos e da implementação de políticas voltadas para estimular o //investimento privado.” (OLIVEIRA, 2012, p. 75) dá sinais de esgotamento, muito influenciado pela crise da dívida dos anos 1980, e abre espaço para o ideário neoliberal de redução do tamanho do Estado e ampliação da soberania do mercado a partir dos anos 1990.
Ainda segundo o autor,
É este novo Estado, modificado em sua ossatura material, em suas instituições e em seus objetivos-alvo, que, aderindo ao ideário dessa doutrina, os governos Collor (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) dariam início tanto à construção como ao fortalecimento de suas bases, com a adoção de políticas de abertura comercial e financeira, de desregulamentação da economia e de desmonte do setor público e das políticas sociais, de modo geral, privatizando empresas estatais e promovendo/reduzindo o compromisso do Estado com a oferta de políticas públicas, em prol das forças de mercado, ao mesmo tempo que encaminharam uma série de reformas para realizar seu ajustamento financeiro e assegurar uma gestão responsável de suas finanças, traduzida em equilíbrio fiscal e garantia de sustentabilidade e pagamento da dívida pública e de seus encargos. (OLIVEIRA 2012, p. 76).
No governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), mesmo com todo o ajuste fiscal, foi o período em que a dívida pública brasileira explodiu, tanto que a carga tributária atingiu de forma inédita 35% do PIB, por um lado, nítido passo no sentido de retirar do Estado sua função legitimadora e, por outro, de exacerbar sua função acumulação. Essa preferência pela acumulação trouxe consequências drásticas para a alocação e destinação dos recursos do fundo público, como por exemplo, um aprofundamento do caráter regressivo da carga tributária combinado com um direcionamento maior dos gastos públicos da união para os gastos financeiros, em detrimento dos gastos sociais. E isto não mudou no governo Lula, que, pelo contrário, “[...] deu continuidade ao caráter regressivo do financiamento das políticas de seguridade social do governo anterior, onerando fiscalmente os trabalhadores e as classes de menores rendas e privilegiando os capitalistas, principalmente, os da fração superior das classes capitalistas.” (ALENCAR JÚNIOR; SALVADOR, 2015, p. 247), acontecendo o mesmo no governo Dilma.
3 GASTOS PÚBLICOS NO BRASIL: alocação dos recursos tributários do Fundo Público Federal (FPF) no período de 2003-2014
Para Riani (2009, p. 54), os gastos públicos são escolhas políticas dos governos no que se refere aos diversos serviços prestados à sociedade. Representa “[...] o custo da provisão dos bens e serviços executados pelo setor público que aparece nas contas orçamentárias do governo.” Para o autor, essa categoria ultrapassa o conceito de gastos governamentais, despesas realizadas em unidades da administração direta e indireta do governo (incluso as autarquias e fundações), acrescentando as despesas com as atividades econômicas produtivas (empresas estatais).
Baleeiro (apud OLIVEIRA, 2012, p. 123) reforça que os gastos públicos são fruto de decisões políticas, pois “[...] em todos os tempos e lugares, a escolha da despesa envolve um ato político, que também se funda em critérios políticos, isto é, nas ideias, convicções e interesses revelados nos entrechoques dos grupos detentores do poder.” Para Oliveira (2012, p. 122),
[...] a estrutura da despesa governamental deve revelar, em cada realidade e em cada contexto histórico, as forças econômicas e políticas que, com maior poder de influência sobre as decisões de gasto do Estado – ou seja, as que determinam sua direção e tendências -, conseguem acomodar, no orçamento, seus interesses.
Entretanto, para maior transparência da despesa pública, existem várias formas de classificação do gasto no orçamento público. Para Giacomoni (2010), a despesa pode ser classificada de forma institucional, funcional, por programas e segundo a natureza. A primeira tem por finalidade essencial “[...] evidenciar as unidades administrativas responsáveis pela execução da despesa, isto é, os órgãos que gastam os recursos de conformidade com a programação orçamentária.” (GIACOMONI, 2010, p. 90).
A segunda tem como objetivo principal “[...] fornecer as bases para a apresentação de dados e estatísticas sobre os gastos públicos nos principais segmentos em que atuam as organizações do Estado.” (GIACOMONI, 2010, p. 95). Tem como critério funcional de classificação as categorias função (o maior nível de agregação da despesa pública) e subfunção (parte da função e um subconjunto da despesa pública).
A terceira busca “[...] demonstrar as realizações do governo, o resultado final de seu trabalho em prol da sociedade.” (GIACOMONI, 2010, p. 100). E por último, a classificação segundo a natureza tem como finalidade evidenciar os efeitos do gasto público sobre a economia.
As despesas da União também podem ser classificadas em financeiras e não financeiras. A primeira diz respeito aos gastos do governo federal com o financiamento da reprodução do capital, na forma de pagamentos de juros e amortizações, isto é, pagamentos dos serviços da dívida pública (interna e externa) brasileira, bem como seu refinanciamento. Para efeito deste estudo, excluir-se-ão os valores do refinanciamento da dívida pública interna e externa do total das despesas financeiras.
E a segunda são os gastos do governo federal com o custeio da máquina pública, com a reprodução da força de trabalho, na forma de salários indiretos pagos pelo Estado aos trabalhadores, na forma de gastos com a ordem social (Assistência Social, Previdência Social, Saúde, Educação, Cultura, Direitos da Cidadania, Gestão Ambiental, Ciência e Tecnologia, Comunicações e Desporto e Lazer) e do capital, na forma de despesas de investimentos, em meios de transporte e infraestrutura, nos gastos com investigação e pesquisa, além dos subsídios e renúncias fiscais para as empresas.
Ora, se o orçamento é uma arena de disputa política capitaneada pelo Estado, onde as classes sociais e suas frações mais poderosas, econômica e politicamente, disputam os recursos tributários com as classes menos favorecidas, as quais deveriam ser as principais beneficiadas, qual fora o montante e a destinação dos recursos do orçamento da União nos governos LULA-DILMA?
Em 2003, no primeiro governo do presidente Lula, as despesas financeiras (gastos com juros e amortizações da dívida) da União excluídas os valores do refinanciamento da dívida eram R$ 157 bilhões e representavam 32% dos gastos orçamentários. As despesas não financeiras eram R$ 336,7 bilhões e representavam 68%, de acordo com a Tabela 1. Em 2006, no final do primeiro mandato, as despesas financeiras eram R$ 275,4 bilhões e corresponderam a 36% dos gastos orçamentários, e as despesas não financeiras eram R$ 496 bilhões e participaram com 64%.
Gastos com despesas financeiras e não financeiras da União excluídos os valores do refinanciamento da dívida, em R$ milhões, no período 2003-2014
Elaborado pelo autor, conforme dados do SIGA Brasil.
Os primeiros quatro anos do governo Lula evidenciaram um aumento real de 56% no total das despesas orçamentárias da União, puxado pela taxa de crescimento de 47% das despesas não financeiras, mas, principalmente, pelo crescimento de 75% das despesas financeiras.
Nos dois primeiros anos do segundo mandato do presidente Lula as despesas financeiras recuaram a patamares inferiores aos valores de 2006, para depois atingir o teto de R$ 400,1 bilhões em 2009 e recuar para R$ 246,4 bilhões no ano de 2010, como pode ser visualizado no Gráfico 1. Nesse período as despesas financeiras cresceram apenas 8% e as despesas não financeiras 35%.
Portanto, do ponto de vista dos gastos com despesas financeiras e não financeiras da União no governo Lula (2003-2010), ficou evidente o crescimento real mais acentuado das despesas não financeiras (116%) em relação às despesas financeiras (57%). Em conseqüência, a participação das despesas financeiras no total das despesas orçamentárias foi reduzida de 32% em 2003 para 25% em 2010. No entanto, os gastos financeiros médios de R$ 179,5 bilhões no primeiro governo foram elevados para R$ 285,8 bilhões no segundo governo, depois de ter atingido o teto financeiro de R$ 400,1 bilhões no penúltimo ano de governo.
No governo Dilma as despesas financeiras eram R$ 237,3 bilhões, em 2011, atingiram o teto de R$ 437,5 bilhões em 2012, recuaram para R$ 261,7 bilhões em 2013 e voltaram a crescer para R$ 363 bilhões em 2014. Enquanto as despesas não financeiras eram R$ 855,9 bilhões e passaram, respectivamente, para R$ 920,7 bilhões, R$ 1 trilhão e R$ 1,1 trilhão nos anos 2012, 2013 e 2014, como pode ser visto no Gráfico 1.
Os primeiros quatro anos do governo Dilma mostraram um aumento real de 42% no total das despesas orçamentárias da União, puxado pela taxa de crescimento de 39% das despesas não financeiras, mas, principalmente, pelo crescimento de 53% das despesas financeiras. Quanto aos gastos financeiros médios, eles alcançaram R$ 324,9 bilhões no período, além do que no segundo ano de governo da presidenta os valores gastos nesta rubrica superaram em R$ 37 bilhões os maiores valores pagos, em 2012, pelo governo Lula.
Portanto, durante os 12 anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil, os gastos reais da União cresceram 214%, influenciados pelo crescimento real de 253% das despesas não financeiras e 131% das despesas financeiras. Em média o país destinou por ano R$ 685,7 bilhões para os gastos não financeiros e R$ 263,4 bilhões para os financeiros.
Entretanto, apenas, parte do gasto não financeiro foi destinada à reprodução da força de trabalho, isto é, a realização de gastos na ordem social brasileira, enquanto a totalidade dos gastos financeiros foi distribuída entre os gastos com os serviços da dívida pública interna e externa.
No primeiro governo Lula os gastos sociais passaram de R$ 199,2 bilhões em 2003 para R$ 292,9 bilhões em 2006. E os gastos como o serviço da dívida pública federal saltaram de R$ 143,7 bilhões em 2003 para R$ 262,4 bilhões em 2006, como pode ser visto na Tabela 2. O que evidenciou um crescimento real de 47% nos gastos sociais contra um crescimento de 83% no pagamento do serviço da dívida pública, puxado por um acréscimo de 112% nos serviços da dívida interna.
No segundo governo Lula, os gastos sociais iniciaram o período com R$ 312,6 bilhões e fecharam em 2010 atingindo valores da ordem de R$ 427 bilhões. Já os gastos com juros e amortizações da dívida eram R$ 183,1 bilhões e atingiram R$ 194,8 bilhões em 2010.
Um crescimento de 37% no social e um acréscimo de apenas 6% nos gastos do serviço da dívida, muito influenciado pela redução de 29% no pagamento de juros e amortizações da dívida externa.
Portanto, nos oito anos de governo Lula, os gastos sociais cresceram 114% e as despesas com o serviço da dívida pública federal aumentaram 36%, porém a participação do serviço da dívida pública federal no total do orçamento da União foi reduzida em 31%.
No governo Dilma os gastos sociais alcançam R$ 505,6 bilhões em 2011 e atingiram o teto de R$ 718,9 bilhões em 2014. Já as despesas com o serviço da dívida pública federal passaram de R$ 235,3 bilhões para R$ 298,4 bilhões em 2014. Um crescimento de 42% dos gastos sociais e um acréscimo de 27% nas despesas como o serviço da dívida pública.
Os números do orçamento da União no período analisado confirmaram a função dupla do fundo público no Estado capitalista contemporâneo, reproduzir o capital e a força de trabalho através dos gastos estatais, a pender para um dos dois lados, dependendo do momento histórico e dos interesses das forças políticas interclasses, aglutinadas ou não, que disputam politicamente no interior do orçamento a direção e efetivação do gasto público. Nesse sentido, quais interesses políticos prevaleceram na disputa orçamentária pela relevância do gasto social e do gasto financeiro nos governos LULA-DILMA?
A Constituição Federal (CF) de 1988, no Título VIII – Da Ordem Social, Capítulos I ao VIII, assegura que todas as despesas neste campo de atuação (seguridade social; a educação, a cultura e desporto; a ciência e tecnologia; a comunicação social; o meio ambiente; a família, criança, adolescente e idoso e os índios) são gastos sociais e serão financiados pelo Estado brasileiro.
Para demonstrar quais interesses políticos prevaleceram nestes anos de governo do PT, a Tabela 3 mostrará a participação das despesas por função e subfunção no orçamento da União, isto é, evidenciará efetivamente a real direção dos gastos tributários e a relevância dada ao capital na forma de despesas financeiras e ao trabalho via gastos sociais pelos governos de LULA-DILMA na execução orçamentária federal.
Como podem ser visualizados na Tabela 3, 62%a72% de todos os recursos orçamentários federais foram direcionados aos gastos sociais e financeiros, nos 12 anos dos governos LULA-DILMA. Os gastos com a ordem social, isto é, com assistência social, previdência social, saúde, educação, cultura, direitos de cidadania, gestão ambiental, ciência e tecnologia, comunicações e desporto e lazer, que beneficiam milhões de trabalhadores, principalmente as frações de renda mais baixa, tiveram uma participação média de 42% no total dos gastos orçamentários federal neste período. Enquanto os gastos com o serviço da dívida pública (interna e externa), que beneficiam poucos, principalmente, a fração dos capitalistas financeiros, participaram com 25%.
No primeiro governo Lula (2003-2006), a participação dos gastos sociais no orçamento da União inicia o período com 40,4% e finaliza com 38%, de acordo com a Tabela 3, houve uma redução de 5,9% na sua participação orçamentária. As áreas sociais mais afetadas foram a educação, com redução de 17,9%, saúde com 11,3% e Previdência Social com 8,2%, justamente as três maiores despesas sociais orçamentárias. No entanto outras despesas sociais cresceram sua participação, principalmente, desporto e lazer 248,6%, assistência social 68,7%, direitos da cidadania 35,8% e cultura 32%, muito embora esse crescimento exponencial, exceto na segunda, tenha pouca repercussão nas contas do governo, haja vista a pouca expressividade das suas despesas, não compensando as perdas em outras áreas sociais.
Por outro lado, a participação das despesas com o serviço da dívida pública no orçamento total federal cresceu 16,8%, influenciado por uma queda de 42,3% na participação dos gastos com juros e amortizações da dívida externa e, principalmente, com um acréscimo de 35,7% no serviço da dívida interna.
No segundo governo Lula (2007-2010), os gastos sociais aumentaram sua participação em 7,6%, influenciados pelo incremento na participação na educação de 55,8%, direitos da cidadania 50,5%, cultura 42,8%, ciência e tecnologia 28,8%, assistência social 20,6%, saúde 5,7% e previdência social 2,2%. Por outro lado, os gastos financeiros reduziram sua participação em 16,2%, puxados por uma queda, respectivamente, de 43,9% e 12,9%, nas participações dos serviços da dívida externa e interna.
Portanto, os oito anos do governo Lula são marcados por um primeiro período histórico, em que os interesses do capital na forma de gastos financeiros se sobrepõem aos interesses do trabalho na forma de gastos sociais, e um segundo período, em que o pêndulo pende para os gastos com salários indiretos, via expansão da participação dos gastos sociais em detrimento da redução da participação dos gastos financeiros no orçamento federal.Apesar do pêndulo ora pender para os gastos financeiros, ora pender para os gastos sociais, quando a série histórica é analisada sem frações de períodos, percebe-se uma expansão de 8,7% na participação dos gastos sociais e uma redução de 31,2% na participação dos gastos financeiros. O que demonstra que o Estado capitalista brasileiro do governo Lula cumpriu sua dupla função, com destaque para a legitimação.
No governo Dilma (2011-2014), a participação dos gastos sociais no orçamento da União não cresceu (estável em 46,3%), como pode ser visualizado na Tabela 3. As áreas sociais mais afetadas com a redução de gastos foram: direitos da cidadania com 45,2%, ciência e tecnologia 13,4%, saúde 3,6% e previdência social com 2,9%. No entanto, outras despesas sociais cresceram sua participação, principalmente, desporto e lazer 91,6%, comunicações 32,3%, educação 22,5% e assistência social 6,2%.
Nesse mesmo período a participação das despesas com o serviço da dívida pública no orçamento federal foi reduzida em 10,7%, influenciada por reduções de 67,1% e 5,5% na participação dos gastos com juros e amortizações da dívida externa e interna, respectivamente.
Portanto, os 12 anos dos governos LULA-DILMA demonstraram que os interesses políticos interclasses em disputa no interior do fundo público, mais precisamente, na sua parte mais objetiva, o orçamento público federal, forjaram um Estado capitalista que ampliou sua presença na sociedade brasileira na forma de serviços ofertados, promovendo um incremento de 14,7% na participação dos gastos sociais no total dos gastos públicos federais. Muito embora os interesses políticos, contrários à ampliação da presença do Estado e favoráveis ao aumento dos gastos financeiros serem reduzidos em 34% na sua participação no orçamento federal, a subfunção serviço da dívida pública constituiu-se área das mais relevantes da despesa federal, do ponto de vista do fluxo de recursos tributários destinados a seu pagamento.Uma clara sinalização da importância que os dois governos dispensaram à remuneração do capital financeiro, principalmente ao pagamento da dívida interna.
4 CONCLUSÃO
Este artigo demonstrou a disputa pela direção do gasto tributário no interior do fundo público, evidenciando as prioridades do Estado brasileiro na aplicação do recurso público nos governos LULA-DILMA, a partir da análise da execução do orçamento público federal, segundo suas fontes de recursos. E permitiu fazer algumas constatações, que podem ser visualizadas vertical e horizontalmente na matriz abaixo: nos governos do PT, a preferência do Estado pela função acumulação é mantida, tanto na manutenção do caráter regressivo da carga tributária, como na apropriação privada cada vez maior dos recursos do fundo público. A diferença está na função de legitimação, que nesses governos é ampliada, principalmente, no segundo governo Lula, único período em que as despesas não financeiras, gastos sociais e a participação dos gastos sociais no orçamento federal cresceram conjuntamente numa proporção mais elevada que os gastos financeiros, como pode ser visto no Quadro 1.
No que diz respeito ao montante dos gastos tributários financeiros e não financeiros, as despesas não financeiras foram as mais representativas. Aportaram R$ 685 bilhões por ano, o que significou uma participação média de 72% dessa despesa no total dos gastos federais anuais no período de 2003-2014. No entanto, o crescimento mais acelerado das despesas financeiras, em dois, dos três períodos analisados, sinalizaram um maior direcionamento dos recursos tributários para os gastos financeiros no primeiro governo Lula e no governo Dilma.
No que diz respeito à direção dos gastos tributários, os gastos sociais foram os mais representativos. Aportaram R$ 405 bilhões por ano, o que significou uma participação média de 42% desa despesa no gasto federal anual em doze anos. E o crescimento mais acelerado no segundo governo Lula e no governo Dilma reforçaram a prevalência do direcionamento dos recursos públicos para esses gastos. Mesmo assim, os gastos financeiros com o serviço da dívida pública foram responsáveis por despesas na ordem de R$ 225 bilhões por ano, com uma participação média anual de 25%. E no primeiro governo Lula os gastos com os juros e amortizações da dívida pública cresceram numa proporção maior, de quase o dobro, que o crescimento dos gastos sociais.
No que diz respeito à relevância dos gastos, tanto a participação dos gastos sociais, como a das despesas com o serviço da dívida no orçamento federal, não melhoraram. Pelo contrário, foram reduzidas ou mantiveram-se estáveis em quase todo o período analisado.
No governo Lula (2003-2010), apesar do direcionamento dos gastos para as despesas financeiras, na forma de pagamentos dos serviços da dívida pública, no primeiro governo, e para os gastos sociais no segundo, houvera, ao longo do período, uma prevalência dos gastos sociais. Estes cresceram 114% contra 36% dos gastos com o serviço da dívida pública brasileira.
No governo Dilma (2011-2014), os crescentes incrementos nos gastos sociais e nas despesas financeiras não foram suficientes para melhorar a relevância do gasto social, sua participação no orçamento federal, e muito menos a participação dos gastos com o serviço da dívida pública, que apesar de os pagamentos terem crescido 27%, pioraram 11%.
No governo LULA-DILMA (2003-2014), os gastos da União cresceram 214%, as despesas não financeiras 253% e as despesas financeiras 131%. Os gastos médios, não financeiro e financeiro, foram R$ 685 bilhões e R$ 263 bilhões, respectivamente. Houve crescimento de 261% nos gastos sociais e 108% nas despesas com o serviço da dívida pública, o que possibilitou um incremento de 15% na participação dos gastos sociais e uma redução de 34% na participação do serviço da dívida pública no orçamento federal. No entanto, foram transferidos para o sistema financeiro nacional e internacional, na forma de juros e amortizações da dívida pública, mais de R$ 3 trilhões.
Portanto, este trabalho corroborou vários outros, com a tese do papel duplo de o fundo público no Estado capitalista contemporâneo servir ao capital, na medida em que financia a acumulação capitalista, principalmente, via pagamento da dívida pública e, servir ao trabalho, na medida em que amplia o pagamento de salários indiretos para os trabalhadores via expansão dos gastos sociais.
REFERÊNCIAS
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