Resumo: O artigo busca identificar os sentidos atribuídos às redes de políticas sociais, descrevendo as perspectivas utilizadas e interrogando sobre o debate do tema no campo da educação. Realiza pesquisa bibliográfica nas bases de dados Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações e Scientific Electronic Library Online, com as palavras-chave: rede de apoio, rede de proteção, trabalho em rede, educação e direitos. Analisa treze dissertações e um artigo de 1049 textos selecionados, os quais apresentaram diversidade dos termos rede. Conclui que a rede aparece de forma complementar, e não contraditória, mas insuficiente dentro de uma perspectiva crítica, surgindo como funcional ao sistema capitalista, não superando a sua aparência. Enfatiza que na educação essa tendência se confirmou e evidenciou a necessidade de aprofundar o debate pela perspectiva crítico-dialética.
Palavras-chave:Política socialPolítica social, redes redes, educação educação.
Abstract: The artice aims to identify the senses assigned to the social political network, describing the perspectives used and questioning about the debate of the theme in the education field. Uses a bibliographical research in the Brazilian Digital Library data base of the Theses and Dissertations and Scientific Electronic Library Online, with the keywords: support network, network protection, networking, education and rights. It analyzes thirteen dissertations and an article of 1049 selected texts, which presented diversity of the network terms. It concludes that the network appears in a complementary, not contradictory, but insufficient way within a critical perspective, appearing as functional to the capitalist system, not surpassing its appearance. It emphasizes that in education this tendency was confirmed and evidenced the need to deepen the debate from a critical-dialectical perspective.
Keywords: Social policy, networks, education.
Temas Livres
AS REDES DE POLÍTICAS SOCIAIS E A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO
THE SOCIAL POLICIES NETWORKS AND THE EDUCATION POLICY
O objetivo do presente artigo é identificar os diversos sentidos atribuídos às redes de políticas sociais, descrevendo quais perspectivas são utilizadas e se há um debate sobre o tema na área da educação.
A questão das redes de apoio, trabalho em rede ou articulação em rede tem sido tema recorrente nas mais diversas áreas da política social como educação, saúde e assistência social. (BENDINELLI, 2012; BRAGA, 2011; OLIVEIRA, 2009; PIRES, 2013; SOLVA, 2008).
Entretanto, muitas vezes o sentido desses termos não é problematizado, como propomos neste artigo. Realizamos para isso, pesquisa bibliográfica, utilizando o banco de dados da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e o banco de dados da Scientific Electronic Library Online (Scielo).
Foram escolhidas como descritores de pesquisa as palavras: redes de apoio, educação e direitos. Tais descritores identificaram 1049 pesquisas; na maioria delas, porém, após a leitura dos títulos e alguns resumos, percebemos que a rede enquanto acesso aos serviços públicos não aparecia. O descritor redes de apoio foi utilizado no intuito de se limitar às redes buscadas, uma vez que devido à abrangência do termo rede isso poderia ser um obstáculo para o alcance do nosso objetivo.
Nesse sentido, optamos primeiramente por redes de apoio, pois descreve melhor nosso objeto de pesquisa. O descritor educação foi utilizado em virtude de se buscar perceber como tem sido pensado tal tema na política de educação. Já o descritor direito foi escolhido pela análise do nosso trabalho dentro da perspectiva de acesso a direitos.
Utilizando o cruzamento dos três descritores conseguimos identificar um total de 456 (quatrocentos e cinquenta e seis) dissertações e teses na BDTD e nenhum artigo acadêmico na Scielo. Dessas dissertações e teses, surgiram apenas 12 (doze) que identificamos por meio do título e resumo uma ligação com a rede de políticas sociais, já que as demais na maioria das vezes estavam ligadas a outras áreas de conhecimento, como ciências exatas, tecnologias, área médica e áreas afins.
No intuito de aprimorar nossa busca, trocamos o descritor rede de apoio para o descritor rede de proteção. Encontramos 93 (noventa e três) dissertações e teses das quais 3 (três) poderiam corresponder também a aspectos de nosso estudo por abordarem a questão da rede, articulada com alguma política social setorial. Alteramos mais uma vez o descritor para trabalho em rede, e dos 500 (quinhentos) trabalhos que apareceram, 6 (seis) estavam relacionados ao nosso objetivo. Com esse descritor ainda foi encontrado um artigo acadêmico na Scielo.
Vale ressaltar que a utilização dos diversos descritores teve como intuito verificar a existência de algum descritor que estabelecesse uma abrangência mais próxima com a questão da abordagem deste artigo. Ao final desse processo o corpus empírico ficou constituído por treze dissertações e um artigo que trabalhavam a rede relacionada à política social.
A análise dos trabalhos foi feita pela análise de conteúdo (BARDIN, 1977). Inicialmente os dados foram organizados em quadro contendo autor, o conceito de rede utilizado, os autores referenciados na definição e quais os termos centrais do conceito para a comparação dos resultados, de acordo com as similaridades, divergências e complementaridades presentes nesses conceitos, sistematizados no Quadro 1.
A questão das redes de apoio, trabalho em rede ou articulação em rede tem sido tema recorrente nas mais diversas áreas da política social como educação, saúde e assistência social. (BENDINELLI, 2012; BRAGA, 2011; OLIVEIRA, 2009; PIRES, 2013; SOLVA, 2008).
Para enfrentar esse debate sobre as redes, precisamos primeiramente entender a política social. Conceito complexo que apresenta inúmeras definições. Aqui partimos do princípio da Política Social como produto da relação dialeticamente contraditória entre estrutura e história e, portanto, de relações entre capital x trabalho, Estado x sociedade e princípios da liberdade e da igualdade que regem os direitos de cidadania inseridos no processo de produção e reprodução do capitalismo. (PEREIRA, 2011; BEHRING; BOSCHETTI, 2011).
Pereira (2011, p. 171) afirma que a política social
[...] Refere-se à política de ação que visa, mediante esforço organizado e pactuado, atender necessidades sociais cuja resolução ultrapassa a iniciativa privada, individual e espontânea, e requer deliberada decisão coletiva regida por princípios de justiça social que, por sua vez, devem ser amparados por leis impessoais e objetivas, garantidoras de direitos.
A concepção delineada de Política Social por Pereira (2011) subjaz a perspectiva crítico-dialética que busca compreender o debate do ponto de vista da totalidade. Assim a compreensão das redes de políticas sociais deve estar inscrita nas suas realidades objetivas, considerando suas íntimas e complexas determinações, sob a superfície dos fenômenos, suas conexões internas necessárias a sua apreensão. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011).
Behring e Boschetti (2011), apropriando-se de reflexões de Kosik, afirmam que a política social não deve ser interpretada como fatos em si, mas sim como partes estruturais da realidade, em que a totalidade não é o agregado de todos os fatos, mas a realidade é um todo estruturado, dialético, no qual um fato qualquer pode vir a ser racionalmente compreendido, sendo determinado e determinante desse todo.
Alcançar o pensamento da totalidade em sua expressão mais adequada implica em desenvolver teoricamente todas as formas imanentes do movimento da realidade (e que se unificam dialeticamente uma com as outras); e desenvolver tanto este movimento mesmo com o processo, a contradição, a conversão da quantidade em qualidade (salto), a unidade, o desenvolvimento do conteúdo a partir da forma (da essência, a partir da aparência) e, ao mesmo tempo, refazer todas as operações em sentido inverso. (KOFLER, 2010, p. 78).
Compreendida a totalidade não como um agregado de fatos, Kofler (2010) ressalta que a fragmentação do entendimento constitui um limite da sociedade capitalista, extremamente individual, que dificulta a capacidade de fazer a conexão dos fatos individualizados com realidade como um todo estruturado e suas múltiplas determinações, superando-os como fenômenos, de modo a cada vez mais fracionar o objeto e o saber.
Nesse caminho, é preciso compreender as políticas sociais conectadas aos movimentos da totalidade social de modo a compreender qual o sentido da rede de políticas sociais, para superar sua aparência imediata e sua compreensão fragmentada ou unilateral, como mero instrumento, e se alcançar a sua essência num processo de apreensão crítico-dialético.
Como parte desse todo, composto por complexas determinações (BEHRING; BOSCHETTI, 2011), está a política social de educação regida pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 que estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e já no seu artigo primeiro define: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e manifestações culturais.” (BRASIL, 1996, p. 1).
É considerada pela LDB como dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tendo por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho devendo ser ofertada dentro do princípio de igualdade de condições para acesso e permanência na escola. (BRASIL, 1996).
Desse modo, é relevante considerar a importante função social que tem a educação na dinâmica da reprodução social, sendo ela um processo constitutivo da vida social. Com a sociedade organizada de forma contraditória, entre os que produzem a riqueza social e àqueles que a expropriam e exploram seus produtores, as formas de reprodução do ser social ganham destaque. Uma vez que este complexo constitutivo assume o caráter de assegurar a reprodução – dos contextos sociais, das formas de apreensão do real, do conjunto de habilidades técnicas, das formas de produção e de socialização do conhecimento científico – reitera ampliada e continuamente as desigualdades entre as classes sociais e as condições necessárias à acumulação contínua. “Sua função social, portanto, é marcada pelas contradições, pelos projetos e pelas lutas societárias e não se esgota nas instituições educacionais, embora tenha nelas um espaço privilegiado de objetivação.” (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2013, p. 16).
Nesse caminho, Tonet (2012) destaca que a função essencial da educação é a formação para o trabalho, pois a exclusão da possibilidade do trabalho teria, nesta forma de sociabilidade, uma função semelhante à excomunhão para os cristãos. Seria a condenação dos indivíduos à morte social, quando não sua própria morte física. A vida do indivíduo, em todas as suas manifestações, é posta sob a ótica do capital.
Nesse processo, compreendemos que para se alcançar os “[...] processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e manifestações culturais.” (BRASIL, 1996, p. 1), bem como, os princípios da igualdade das condições de acesso e permanência, sem desconsiderar a produção e reprodução do capital, não são suficientes os esforços restritos à política da educação, mas deve-se perpassar as outras políticas sociais. Essa questão da articulação é reafirmada na política de saúde1 (BRASIL, 1990), habitação2 (BRASIL, 2005), assistência social3 (BRASIL, 1993), dentre outras.
A recorrência do tema articulação em rede na educação se mostrou limitado se comparado à saúde e assistência social que já trazem este debate há algum tempo. Para nortear nosso debate nos questionamos: Quais os sentidos atribuídos às redes de políticas sociais? Quais perspectivas são utilizadas? Há um debate sobre a rede na área da educação?
Neste momento iremos apresentar os resultados da nossa pesquisa com vistas a evidenciar os diversos sentidos atribuídos às redes de políticas sociais, descrevendo as perspectivas utilizadas e identificar se há um debate sobre o tema na área da educação.
Os dados indicam a recorrência do debate rede nos últimos anos (em média duas dissertações anuais). As pesquisas selecionadas estão relacionadas a uma política social (quase metade tomou o caso da política de saúde) ou a diversas políticas sociais. Duas pesquisas foram realizadas na política de educação, e seis envolveram redes de proteção à violência no âmbito da assistência social, saúde e educação; dessas seis, três, dentro da perspectiva de gestão urbana, análise regional e questão socioambiental.
Os dados apresentados apontam uma diversidade na utilização dos termos e autores, muitos deles aparecem de forma complementar e não se contradizem. Conforme as conceituações apresentadas, muitos termos surgiram, como: rede, redes formais, redes informais, rede de apoio, rede social, rede de suporte social, rede de apoio social e afetiva, rede interpessoal, redes de serviços sociocomunitários, redes setoriais públicas, redes setoriais privadas, rede socioinstitucional, rede sociotécnica, redes de movimentos sociais, redes movimentalistas e redes de solidariedade.
Pari passu à conceituação das redes, muitos autores as separam em diferentes classificações que muitas vezes têm o mesmo sentido, alterando apenas a configuração do nome, como ocorre com as redes que trabalham na perspectiva de um apoio fornecido pela família, amigos, vizinhos ou qualquer pessoa ou instituição que possui um vínculo com o indivíduo, em que os recursos de apoio são possíveis por esse vínculo estabelecido. Estas foram classificadas como rede social, rede de apoio, rede interpessoal, rede de apoio social e afetivo ou rede de suporte social. (ARAÚJO, 2012; BENDINELLI, 2012; BRAGA, 2011; CASTRO, 2007; HECHLER, 2009; NJAINE, et al., 2006; OLIVEIRA, 2009; PIRES, 2013; RIBEIRO, 2006; SOLVA, 2008).
Na definição de rede, uma palavra se repete: nó. No dicionário da Língua portuguesa (NÓ..., 2013, grifo nosso) nó é definido como “Laço feito de corda ou de coisa semelhante, cujas extremidades passam uma pela outra, apertando-se; [...] articulação das falanges dos dedos; [...] Ponto essencial e difícil; [...] Enlace, vínculo moral; [...] Ponto de interconexão numa rede [...]”.
Esse nó apareceu vinculado a autores como Guerra (2006), Ribeiro (2006), Njaine e outros (2006), e Hechler (2009), com o sentido de vinculação e conexão de sujeitos sociais e organizações que têm algum tipo de relação, baseado nos conceito de Marteleto 2001, Barbosa e outros 2000, Normam e Alejandro 2005, e Kern 2002
De forma complementar a esse conceito Njaine e outros (2006), Ribeiro (2006), Solva (2008), Braga (2011), Pires (2013) e Castro (2007) utilizam o conceito de Castells, publicado em suas obras em 1999, 2002, 2003 e 2005, articulado com conceitos similares em outros autores como Fachinell, Moarcon e Moinet 2001, Normam e Alejandro 2005 e Capra 2004 para descrever a rede como conjunto de nós interconectados que determinam os fluxos de informação e comunicação. O centro do debate, assim, foi a produção de Castells.
Castells (1999a) afirma que é possível uma nova estrutura social marcada pelo funcionamento de redes interligadas, baseado no informacionalismo, novo modo de produção que não substitui o modo de produção capitalista, mas o altera. Baseia suas discussões na teoria Weberiana no que se refere ao espírito do informacionalismo fazendo uma ligação com a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo de Max Weber em que a diversidade de configurações de redes deve-se a diversas expressões culturais existentes dentro de um paradigma desenvolvimentista.
Apresenta a manutenção da ordem burguesa como o fim último, considerando o processo de garantia de direitos como uma consequência dessa manutenção da ordem de forma saudável e do trabalho articulado através das parcerias estabelecidas (CASTELLS, 1999a). Nesse sentido, foge a qualquer perspectiva dialética de compreensão da realidade, analisando a política social de forma unilateral, como única e exclusivamente para a manutenção da ordem social.
A perspectiva de Castells (1999a) vincula a rede à revolução informacional, ligada ao processo de desenvolvimento do capitalismo. Seu foco é a dimensão técnica, que mascara a responsabilização dos profissionais pelo funcionamento fragmentado das políticas sociais. As dimensões política, ideológica, econômica e cultural são desconsideradas por esse autor. A rede aparece como lócus da negociação, da informação, da participação, da corresponsabilização, das relações horizontais e democráticas como se não houvesse conflito, correlação de forças e disputa por projetos antagônicos de sociedade. Desconsideram-se os processos de lutas entre classes sociais no interior do sistema capitalista.
Nessa linha de raciocínio, Neves (2010), Hechler (2009) e Pires (2013) pensam a rede como a interconexão que ocorre entre agentes, serviços, mercadorias, organizações, movimentos sociais e comunidades que compartilham um mesmo objetivo e mantêm vínculos horizontais, perspectiva baseada em Castells 2010, Bourguignon 2007, Guimarães 2007, e Kern 2006.
Castro (2007), Oliveira (2009) e Solva (2008), a partir da perspectiva traçada por Whitaker 1993 e 2001, Borzel 1998, Amaral 2002 e Martinho 2006 sobre redes, destacam sua estrutura organizada de forma horizontal em oposição às estruturas hierárquicas de concentração de poder, em que os princípios de colaboração e solidariedade ganham ênfase ao lado do princípio de corresponsabilidade entre os participantes que também compartilham o poder de decisão. Tal perspectiva não contradiz o caminho que até aqui foi traçado nas pesquisas realizadas, muito pelo contrário, os reafirma através de uma perspectiva que realça a importância individual, desconsiderando a complexidade que envolve as políticas sociais no processo contraditório de produção e reprodução do capitalismo.
Muito articulada com essa lógica de desenvolvimento do capitalismo é a concepção de rede de Laville 1994 e Frey 2003, apresentada por Castro (2007) e Njaine e outros (2006), como uma configuração de organização suscetível de formar um espaço de poder que permitiria às forças vivas das comunidades locais, aos assalariados e consumidores serem partes presentes nas decisões relativas não somente ao planejamento da cidade, mas também em tudo que afete a vida. Tal concepção desconsidera a conjuntura política e econômica e responsabiliza o indivíduo no que se refere à transformação social.
Castel 1994 ressalta que a rede social tem como eixos estruturantes o trabalho, suas relações e o vínculo social (BRAGA, 2011). Concepção que não diverge, mas complementa os conceitos apresentados até aqui.
O caráter de ação espontânea de organização informal articulada em oposição a uma dimensão formal e instituída da rede (Junqueira 2004, Inojosa 1998, Pakman 1995 e Mesquita e outros 2008) foi destacado por Bendinelli (2012), Castro (2007) e Ribeiro (2006).
Ao mesmo tempo, Bendinelli (2012), baseando-se em Pakman 1995, afirma que as redes podem ser formais (com o propósito de organizar articulação com o intuito de gerar uma nova entidade com papéis e limites bem esclarecidos), ou seja, trouxe outra dimensão da rede. Apenas neste trabalho é apresentada a rede como articulação com intuito de estabelecer uma nova estrutura formalizada.
Vale frisar que todas as pesquisas analisadas estavam relacionadas à execução de alguma política social ou até mesmo mais de uma, no entanto, poucos desses trabalhos destacaram algum tipo de articulação desses serviços públicos de forma clara ou problematizaram a rede de política social.
O que aparece são as redes setoriais públicas (Baptista 2003), redes sócio-institucionais (Fontes e Martins 2004 e Delzari, Penna e Kauchkaje 2005) e redes sócio-técnicas (Fontes e Martins 2004) que têm conceitos que se complementam, pois trabalham na questão dos direitos, tanto em organizações governamentais, como não governamentais com ações intersetoriais complexas como alternativa para se tratar a questão social. (CASTRO, 2007; NJAINE et. al., 2006; OLIVEIRA, 2009; HECHLER, 2009; RIBEIRO, 2006).
Outras classificações surgem como as redes de serviços sócio-comunitários de caráter mutualista (Baptista 2003); Redes de movimentos sociais (Loiola e Moura 1997, Baptista 2003 e Delzari, Penna e Kauchkaje 2005) e redes de solidariedade (Scherer-Warren 2002 e Faleiros 2001), que são no geral redes articuladas a movimentos reivindicatórios por direitos, projetos, recursos, como forma de resistência. (HECHLER, 2009; RIBEIRO, 2006; CASTRO, 2007; PIRES, 2013).
A rede como alternativa à questão social na busca pela democracia participativa e inclusiva com equidade e justiça social, surge nos trabalhos de Castro (2007), Njaine e outros (2006) e Oliveira (2009) que compartilham das concepções Delzari, Penna e Kauchkaje 2005 e Inojosa 1999. Tais concepções aparecem sem serem problematizadas nas suas mais profundas dimensões. Outra concepção não aprofundada foi levantada por Castro (2007) a partir de Faleiros 1999 no qual a rede é a articulação de atores e, em torno de uma questão disputada, ao mesmo tempo política, social, complexa e dialética.
Giongo 2003, em oposição a todas as outras concepções apresentadas, destaca a rede na administração pública como uma cadeia de serviços cujos vínculos são hierárquicos concebidos a partir de uma relação de dependência (PIRES, 2013), ou seja, segue direção diferente às anteriores que a concebem como estruturas horizontalizadas em que a partilha do poder e do saber se destacam no interior das organizações.
Vale ressaltar que Azevedo (2010) e Vega (2011) utilizam o termo rede no decorrer de suas pesquisas, mas sequer o conceituam ou o questionam, o que impede a compreensão de quais linhas de entendimento que seguem.
No que se refere às redes e à política de educação, temos a dissertação de Bendinelli (2012) Redes de apoio e a política de inclusão escolar no município de São Paulo no âmbito da educação especial e a dissertação Processos de Acesso, Permanência e Inclusão de Crianças e Adolescentes em Situação de Vulnerabilidade na Rede Municipal de Ensino de São Carlos de Solva (2008), relacionada a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
Para Solva (2008), rede está ligada a estruturas abertas interconectadas com fluxos de informação e comunicação (Castells 1999), horizontalizadas, em que a solidariedade e a ajuda mútua (Whitaker 1993) ganham destaque.
Solva (2008)
Nessa linha de raciocínio, as dissertações sobre política de educação destacam as redes, principalmente seu caráter espontâneo com a participação dos sujeitos sociais e outras organizações do poder público. Apresentam as redes como estruturas disponíveis no processo de inclusão escolar, tanto na educação especial quanto na inclusão de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, mas não conseguem superar o imediato para a compreensão de sua interlocução como a totalidade, para apreender as redes na educação como partes estruturais da realidade e não como um agregado de serviços e indivíduos com o fim último a inclusão, como fato em si, desconectado das suas múltiplas determinações.
Em nossa pesquisa identificamos uma diversidade dos termos adotados, termos que convergem para o mesmo sentido, na direção de uma rede entre indivíduos e organizações que têm um propósito comum e estão vinculados por meio de sentimentos de pertença.
Tal rede aponta a família, vizinhos e amigos como importantes atores nas mais diversas políticas sociais, como na educação para a inclusão, na saúde para o tratamento, na assistência social e na área da criança e do adolescente para a proteção e garantia de direitos. As redes como forma de articulação, interlocução, comunicação, informação, serviços, movimentos sociais, comunidades também apareceram no corpo dos trabalhos. Assim como surgiram trabalhos sem conceitos definidos de rede.
Apesar da diversidade de conceituação do termo rede utilizada, esta se apresenta como insuficiente se nos apropriamos da perspectiva crítica, por ser uma análise centrada na aparência do fenômeno, com ênfase na responsabilização individual no provimento do cuidado e no acesso aos direitos, desconectada de uma perspectiva de totalidade. Deixa-se de fora o essencial: a análise do processo de produção e reprodução social no capitalismo em sua fase atual. Pensa-se a rede como via de garantia a direitos para a manutenção da ordem burguesa. Assim, a não garantia de direitos fica aqui subsumida, o acirramento das contradições das relações capital x trabalho no processo de produção e reprodução do capitalismo.
A discussão do termo rede na perspectiva positivista, que tem Castells (1999a, 1999b) como importante difusor, não é capaz de explicar um fenômeno que é multideterminado e que não pode ser entendido como fato em si, como tem ocorrido. A discussão do termo não perpassa sua vinculação política, ideológica, econômica e cultural.
Em relação à educação, o raciocínio é o mesmo apresentado no decorrer dos trabalhos, não sendo possível identificar uma análise mais aprofundada e crítica sobre os sentidos das redes dentro das políticas sociais.
As duas pesquisas da área de educação encontradas em nosso levantamento demonstram a relevância do aprofundamento do tema na área da educação de modo a se ampliar a perspectiva para além da educação especial, de modo a aprofundar o saber da política de educação articulada a outras políticas sociais setoriais no intuito de se trabalhar dentro do ponto de vista da totalidade, numa análise crítico dialética para que possamos entender os processos que envolvem a perspectiva da rede na educação não de forma unilateral, equívoca ou simplista, mas buscando a apreensão da essência do fenômeno redes de políticas sociais.
Enfatizamos que a questão das redes não é apenas instrumental, como aparece. Além de não haver uma perspectiva crítica de análise das redes nas políticas sociais, a própria forma em que são estruturadas as políticas sociais influencia na adoção de uma perspectiva de rede sem um aprofundamento dos desdobramentos que acarreta. Isto porque as políticas sociais têm sido implementadas por meio de um processo de restrição do Estado e do provimento de políticas sociais focalizadas e seletivas limitando o processo reflexivo.
Por fim, a concepção de rede adotada reflete a falta de uma perspectiva crítica na definição do conceito. Nota-se que parte da definição dos conceitos foi baseada na apropriação dos discursos advindos de outros espaços sócio-ocupacionais e advém predominantemente da perspectiva de Castells (1999a, 1999b) e são apropriados sem aprofundamento. Mas, além disso, a compreensão da rede, pensada na perspectiva de que o sujeito é histórico social, deve ser debatida junto à crítica da perspectiva de Castells que vem para legitimar a ordem, e esconder a perspectiva de luta social. As redes abarcam a questão instrumental e perpassam a dimensão política, ideológica e econômica.