Resumo: Reflexão sobre o debate acerca da teoria e prática das políticas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Parcela significativa da literatura aponta que a teoria convencional (abordagem coaseana) não é aderente às experiências concretas de PSA. Partindo desta constatação, o presente trabalho pretende responder duas questões: por que esta incompatibilidade entre teoria e prática acontece?; de que maneira a fundamentação teórica sobre PSA poderia ser ampliada de modo a permitir seu uso na compreensão da dinâmica concreta? As respostas oferecidas são baseadas na análise detalhada das descrições disponíveis sobre três casos internacionais e cinco casos nacionais. Os resultados obtidos corroboram o argumento inicial e subsidiam a proposição de uma abordagem teórica mais ampla centrada nas perspectivas institucional e econômico-ecológica.
Palavras-chave:PSAPSA, abordagem coaseana abordagem coaseana, economia institucional economia institucional, economia ecológica economia ecológica.
Abstract: This paper is aimed at retrieving the debate about theory and practice of Payment for Environmental Services policies. A significant portion of the literature suggests that the conventional theory that underlies the PSA (Coasean approach) does not apply for the concrete experiences of PSA. Based upon this point, this study aims to answer two questions: i) why does this mismatch between theory and practice take place in PES analysis? ii) how could the theoretical framework of PSA be expanded to allow their use in understanding the specific dynamics of PES? The answers offered draw upon detailed analyses of the descriptions available on three international and five national concrete cases of PES application. The results corroborate the initial argument, and subsidise the proposition of a broader theoretical approach focused on institutional and ecological-economic perspectives.
Keywords: PSA, coasean approach, institutional economics, ecological economics.
Temas Livres
REVISITANDO A TEORIA E COMPREENDENDO A PRÁTICA: análise de casos de pagamento por serviços ambientais
REVISITING THE THEORY AND UNDERSTANDING THE PRACTICE: analysis of selected cases of payment for environmental services (PES)
Recepção: 08 Fevereiro 2016
Aprovação: 07 Novembro 2016
A ideia de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) nasce a partir do reconhecimento da necessidade de se preservar a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos (SEs)1. Isso porque estes últimos são considerados importantes para o bem-estar e a qualidade de vida das sociedades humanas. (ANDRADE; ROMEIRO, 2011).
A teoria de base dos esquemas de PSA é, tradicionalmente, proveniente da Economia Ambiental Neoclássica - baseada no Teorema de Coase (daí a expressão abordagem coaseana), o que contribuiu para que sua conceituação fosse feita com preocupação central na obtenção de eficiência econômica por meio da internalização de externalidades positivas via pagamentos monetários, dando valor econômico aos fluxos de SEs. A lógica, portanto, é promover comportamentos em prol de sua conservação. (WUNDER, 2005; PAGIOLA; PLATAIS, 2007; ENGEL; PAGIOLA; WUNDER, 2008; FERRARO, 2008).
É possível constatar, porém, que a formalização teórica de PSA na maioria das vezes não consegue se refletir em experiências reais, expressando apenas algumas características do conceito. (MURADIAN et al., 2010). O exame da literatura especializada aponta para uma excessiva consideração dos esquemas de PSA apenas como um instrumento mercadológico, negligenciando alguns aspectos essenciais, como as complexidades ecossistêmicas e a diversidade institucional encontrada em cada contexto social.
O desacordo entre as prescrições teóricas e as condições reais pode colocar em risco a factibilidade do PSA. Isso porque realidades complexas emergem a partir das peculiaridades de cada contexto e as mesmas não podem ser analisadas a partir do marco teórico convencional. É neste contexto que se insere o problema deste trabalho, como é possível avançar de modo a tornar o marco teórico das políticas de PSA mais aderente e coerente com a complexidade dos fenômenos reais, levando em conta os contextos ecossistêmicos, econômicos e institucionais?
Por hipótese, postula-se que a teoria fundante do PSA deve ser ampliada no sentido de incorporar explicitamente objetivos de eficiência econômico-ecológica e de justiça social, entendidos como intrinsecamente interdependentes, juntamente com a trajetória histórica das instituições e as idiossincrasias dos stakeholders envolvidos. Para tanto, considera-se que as perspectivas teóricas da Economia Ecológica e Institucional (EE e EI, respectivamente) são necessárias e úteis para viabilizar tal aplicação.
O objetivo principal deste trabalho é, pois, avançar na teorização sobre PSA, incorporando de maneira conjunta elementos das visões econômico-ecológica e institucionalista, com a intenção precípua de tornar o PSA mais robusto e aplicável à realidade social, ambiental e econômica. Para tanto, foi feita uma revisão teórico-conceitual de três experiências de PSA em âmbito internacional e de cinco em âmbito nacional2.
Este trabalho é dividido em quatro partes, além desta introdução e das notas conclusivas. Primeiramente, expor-se-ão as limitações da abordagem coaseana de PSA, a partir de uma revisão da bibliográfica teórica sobre o assunto. Em seguida, será realizada uma análise comparativa e normativa das experiências reais de PSA abordadas. A partir desta análise, reunir-se-ão as principais contribuições e complementações dos arcabouços teóricos institucionalista e econômico-ecológico para a conceituação de PSA. Por fim, são agrupadas algumas contribuições teóricas para o aperfeiçoamento do conceito de PSA).
Do ponto de vista teórico, o PSA coaseano é visto como um instrumento que visa alcançar objetivos ambientais, especificamente conservação, restauração ou geração de SEs por meio de pagamentos diretos e condicionais àqueles agentes econômicos em condição de facto de influenciar a dinâmica de oferta dos SEs. Busca-se a resolução do trade-off entre conservação e exploração do capital natural por meio da internalização das externalidades positivas representadas pelos serviços ambientais (SAs). Caso não haja esta internalização, não há incentivos espontâneos para os SAs, já que seus benefícios são apropriados por outros agentes além daquele que o ofertou originalmente.
O mecanismo de PSA tem atraído interesse crescente por traduzir valores ambientais não mercantis e externos em reais incentivos econômicos para que os atores locais prestem SAs (ENGEL; PAGIOLA; WUNDER, 2008). A definição mais consagrada na literatura de PSA o vê como um instrumento de mercado que englobe os seguintes critérios: i) voluntariedade da transação; ii) um SA bem definido ou um tipo de uso da terra que assegure sua oferta; iii) pelo menos um comprador; iv) pelo menos um vendedor que esteja efetivamente controlando a oferta do serviço; v) se e somente se o ofertante assegurar a contínua provisão do serviço (condicionalidade)3. (WUNDER 2005; 2008; PAGIOLA; PLATAIS, 2007).
Na perspectiva coaseana, cujos princípios básicos são sistematizados no Quadro 1, o que se objetiva com a implantação de PSA é criar um incentivo econômico privado que conduza os prestadores de SAs a adotarem práticas que sejam condizentes com as demandas por SEs. Isto ocorre por meio da transferência de recursos dos compradores aos ofertantes.
A aplicação do Teorema de Coase na análise de PSA propõe que, na presença de direitos de propriedade previamente definidos sobre a posse e controle do capital natural em questão e de custos de transação suficientemente baixos, haveria espaço para realização de barganhas mutuamente satisfatórias, em que contratos seriam estabelecidos redefinindo os direitos de propriedade na medida em que os beneficiários de SEs negociam com os ofertantes (de SAs), dando assim um preço ideal para a externalidade.
Sendo um conceito baseado no funcionamento do mercado, para que um mecanismo de PSA coaseano atinja os objetivos de eficiência na utilização dos recursos financeiros é necessário elevado grau de comoditização dos SEs, elevada condicionalidade dos pagamentos e deve ser voluntário tanto na prestação dos SAs, quanto na participação no esquema. (MURADIAN, 2013; MURADIAN et al., 2013).
São raros os casos em que as experiências de PSA se adéquam a este modelo teórico. Schomers e Matzdorf (2013) buscaram fazer uma varredura na literatura referente às experiências de PSA, analisando 457 análises publicadas. Nesta pesquisa, os autores constataram que, de 102 experiências analisadas, apenas uma pequena minoria se adequava à conceituação coaseana (casos de pequena escala). A grande maioria das experiências se adéqua à conceituação de PSA pigouviano, ou seja, em que o governo atua como um agente do terceiro setor em benefício dos usuários de SEs, prestando uma espécie de subsídio àqueles que prestam SAs à coletividade. Portanto, funcionam em especial para bens públicos, em que não é possível evitar a presença de free-riders e que há consumo não rival dos recursos naturais.
Além dos autores acima, Muradian e outros (2010) e Simões e Andrade (2013) também exploraram o argumento de que o marco teórico do PSA não é suficiente para ancorar uma análise completa das experiências concretas de aplicação deste tipo de política. Pode-se afirmar, então, que é preciso avançar no aprimoramento conceitual de PSA de modo a conciliar teoria e prática no âmbito de análise deste tipo de instrumento. No caso específico de Simões e Andrade (2013), esses autores afirmam que é preciso delinear contribuições de outras escolas de pensamento dentro da análise econômica e social das questões ambientais (abordagem econômico-ecológica e institucionalista, principalmente).
Com o intuito de dar concretude à proposta de Simões e Andrade (2013), a próxima seção deste artigo apresenta a análise de experiências internacionais e nacionais de PSA. A partir daí, pretendeu-se compreender de que forma a EE e EI podem ser úteis para a ampliação do escopo teórico das políticas de PSA.
Para proceder à escolha de experiências de PSA internacionais e nacionais analisadas, preferiu-se aquelas cujo principal foco de implantação fosse a promoção de serviços hidrológicos4. Tal método se justifica pela necessidade de comparação entre as estratégias e os resultados de cada arranjo, e pela premência e atualidade da discussão da crise hídrica em todo o mundo. Portanto, o foco do trabalho está nos arranjos de PSA hidrológico.
Em relação às experiências internacionais, foram analisados dois casos de experiências de PSA que, a posteriori, percebeu-se que se adéquam bastante ao conceito coaseano, quais sejam: o caso da marca de água mineral Vittel, na França, e do sistema da bacia hidrográfica de Catskill-Delaware, no estado de Nova York (EUA). Em ambos os casos, os serviços hidrológicos de purificação da água ofertados pelos ecossistemas locais são essenciais para a oferta de água de alta qualidade para consumo humano, sendo determinantes para a viabilidade dos negócios em questão. De acordo com esta constatação, foram desenvolvidos incentivos econômicos na forma de PSA aos produtores rurais das bacias hidrográficas de influência das regiões mencionadas.
Nos casos acima, os acordos foram estabelecidos por meio de processos de negociação visando vantagens mútuas, o que de certa forma as aproxima das negociações coaseanas. Contudo, a compatibilidade entre teoria e prática nestes casos deveu-se mais às especificidades dos locais estudados e singularidades dos contratos estabelecidos. Além disso, é forçoso reconhecer que estes casos de PSA têm escala diminuta, o que favorece a redução de custos de transação.
O distanciamento entre teoria e prática conforme descrito na literatura revista na seção anterior (Quadro 1) ficou mais evidente ao se analisar o programa do governo costarriquenho Pagos por Servicios Ambientales (PPSA), considerado como o pioneiro e mais bem-sucedido caso de PSA em nível nacional. Entre outras coisas, o alargamento da escala de atuação do programa, a intermediação realizada pelo governo e a existência de vários objetivos que além da eficiência alocativa são atributos próprios da dinâmica do mecanismo de PSA da Costa Rica que não permitem que o mesmo seja caracterizado como um caso puro de PSA coaseano. Os Apêndices A e B trazem as principais características dos casos internacionais analisados5. (Apêndice A e B).
No que se refere às iniciativas nacionais de aplicação do instrumento foram analisados, de iniciativa pública, o Projeto Conservador das Águas de Extrema-MG, que está inserido dentro do Programa Produtor de Águas, da Agência Nacional de Águas (ANA), e de iniciativa privada, o Programa Oásis, em São Paulo-SP e Apucarana-PR. Partindo para análise de políticas ambientais estaduais, analisou-se o programa ProdutorES de Águas, que posteriormente se transformou no Programa Reflorestar (ES), iniciativa inovadora em termos de política estadual, e que tem demonstrado avanços no sentido de ter uma abordagem integrada, com objetivos ambientais, sociais e econômicos. Os Apêndices C e D sintetizam as principais características de cada uma dessas experiências. (Apêndices C e D).
Todos os casos aqui analisados são recentes, instituídos já na segunda metade da década de 2000. O Projeto Conservador das Águas, de Extrema-MG, é a experiência mais conhecida em âmbito nacional, sendo de iniciativa do poder público municipal e englobando amplo espectro de stakeholders. Pode-se dizer que é o mecanismo mais maduro e estudado dentre os demais analisados em âmbito nacional, sendo, pois, utilizado como benchmark pelas outras experiências.
Por sua vez, o Projeto Oásis da Fundação Grupo Boticário é uma iniciativa de uma instituição filantrópica ligada a um grupo privado de capital nacional, que desenvolveu metodologia inovadora e flexível, capaz de ser adaptada às idiossincrasias das diversas regionalidades brasileiras. Iniciou suas operações na Região Metropolitana de São Paulo e posteriormente foi replicada em um mecanismo de iniciativa municipal em Apucarana-PR.
O ProdutorES de Água iniciou a implantação da política estadual de PSA, remunerando o serviço hidrológico prestado pelos produtores rurais que mantêm áreas de suas propriedades com cobertura florestal nativa em áreas de mananciais priorizadas. O Programa Reflorestar demonstra a maturidade da proposta de PSA capixaba, pois é um avanço da política no sentido de aliar estratégias de políticas agrícola e ambiental, aliando sustentabilidade ambiental, com geração de oportunidades para melhorar as condições socioeconômicas dos produtores rurais.
Os casos internacionais abordados neste trabalho são os mais antigos dentre os aqui estudados, tendo início nos anos 1990. Por isso, e pelas inovações que trouxeram, estão entre os mais estudados e discutidos na literatura especializada. Já os casos brasileiros, por serem mais recentes, ainda são carentes de estudos, demonstrando os resultados ambientais, sociais e econômicos produzidos. Há predominância da iniciativa pública para implantação dos esquemas de PSA, sendo um dos principais motivos, para tanto, o fato de que os problemas ambientais, em geral, impactam um conjunto variado de agentes. Estes consideram tais impactos como externalidades negativas que influem na prestação de serviços públicos (como abastecimento urbano de água). Portanto, há uma natural dificuldade de comoditizar os serviços hidrológicos, o que diminui a proximidade do PSA em relação a uma visão mais mercadológica de instrumento de política ambiental, base sobre a qual é construído o conceito de PSA coaseano.
A escala espacial se dá em bacias hidrográficas prioritárias (com exceção do PPSA, que se dá em âmbito nacional), na busca de obter maior eficiência na remuneração dos SAs prestados e, portanto, gerar maior adicionalidade ambiental. É importante salientar, também, que os esquemas financiados pelos usuários são mais focalizados comparativamente aos governamentais. As experiências brasileiras apresentam constante crescimento em sua escala, sendo em geral ainda pouco abrangentes (devido, entre outros fatores, ao pouco tempo de implantação e à escassez de recursos). No caso do Oásis São Paulo, não tem havido crescimento a partir de 2010 pela falta de recursos financeiros para contratação de novas áreas. Já o Reflorestar foi criado em substituição ao ProdutorES de Água com o objetivo de alcançar maior escala em menor período de tempo.
Nos casos governamentais, destaca-se o importante papel dos intermediários na diminuição dos custos de transação dos programas. No caso do Conservador das Águas, por exemplo, uma ampla gama de atores parceiros opera como intermediários, desde o mapeamento, instalação de cercas, apoio técnico, etc., aumentando a eficácia e a eficiência no gasto dos recursos públicos (focalizados nas atividades que produzem maiores resultados em termos de SEs). Tais características distanciam as experiências do conceito coaseano de PSA, visto que este defende que tais mecanismos sejam implantados onde os custos de transação sejam os menores possíveis. Com o apoio de parceiros e constituição de arranjo institucional sofisticado, a partir de uma visão alternativa de PSA, demonstra-se que é possível a existência de oportunidades de criação deste tipo de política, mesmo na presença de elevados custos de transação.
Como esforço de síntese da discussão apresentada neste item e tomando como base os argumentos de Simões e Andrade (2013), o Apêndice E busca relacionar as experiências de PSA analisadas neste trabalho com o grau de aderência à conceituação coaseana. Neste quadro, cuja construção foi feita a partir das informações dos estudos revisados e sua comparação com o Quadro 1 (seção 1), pode-se encontrar um grau de aderência, que varia entre baixo e elevado, além dos motivos que levam ao maior ou menor distanciamento das experiências desta modelagem mainstream. (Apêndice E).
Percebe-se que existem diferentes motivos pelos quais as experiências de aplicação de PSA apresentadas se distanciam da conceituação tradicional de PSA. Este exercício empírico suporta a premissa básica deste trabalho e demonstra que há um distanciamento entre a teoria do PSA e sua aplicação prática. Isso sugere, pois, que esforços de pesquisa sejam direcionados para a redução deste gap. A próxima seção objetiva avançar nesta direção ao apresentar uma abordagem ampla que incorpore, de maneira conjunta, as contribuições das abordagens da EE e EI.
Muradian e outros (2013) afirmam que há um risco crescente de se considerar os mecanismos de PSA como panaceias e soluções duplamente ganhadoras (win-win solutions). Isso porque é cada vez mais comum a interpretação simplista de que o PSA é uma política eficaz para a resolução do trade-off existente entre conservação ambiental e produção econômica. Contudo, a incorporação de aspectos oriundos das abordagens institucional e econômico-ecológica tornaria a análise menos simplificada, contribuindo para que o arcabouço teórico seja mais aderente à realidade.
As críticas institucionalistas e as contribuições da EE mostram complementaridades em várias questões. Exemplos estão na ênfase dos efeitos de PSA sobre a equidade, as interdependências que surgem, dadas as características de bem público dos SEs, as incertezas derivadas da escassa compreensão sobre as relações entre os diferentes usos de terra e a oferta de serviços (derivando, daí, a necessidade de uma abordagem precaucional), a importância de considerar os diferentes contextos sociais e ecológicos para adequação de um mecanismo, etc.
Baseado em toda a argumentação até então desenvolvida, o Quadro 2, abaixo, sintetiza as principais contribuições das abordagens institucionalista e econômico-ecológica para o debate sobre o desenho, implementação e monitoramento dos instrumentos de PSA. A partir de uma visão aditiva, a junção de tais contribuições aos aspectos já praticados no âmbito da abordagem coaseana faz surgir uma concepção mais ampla que pode ser chamada de abordagem econômico-ecológica e institucional de PSA, cuja principal característica é a interpretação de que o instrumento de PSA faz parte de um contexto político-institucional específico (Figura 1).
Além disso, essa visão de PSA privilegia a interpretação de que este instrumento faz parte de um arranjo dinâmico de políticas econômicas, sociais e ambientais (policymix). Tais arranjos, por sua vez, podem apresentar coevolução, uma vez que os objetivos, metas e meios para o alcance do desenvolvimento rural sustentável devem ser socialmente acordados.
Essa nova visão mais ampla e integradora de PSA é compatível com a análise de Muradian e outros (2010). Estes autores propõem que o mecanismo de PSA, pelo menos nos países em desenvolvimento, seja considerado explicitamente como parte de um portfólio de programas e projetos de desenvolvimento rural ao invés de serem caracterizados como ferramenta econômica usada apenas para garantir proteção ambiental da forma mais eficiente possível. Nesse sentido, é necessário atenção especial ao potencial de inclusão social nestes programas, constituindo-o como um instrumento de política multiobjetivado, que busque resolver, simultaneamente, problemas de ordem ambiental, social e econômica.
Essa ideia vai ao encontro da constituição de um mix de instrumentos de política ambiental, em que o PSA interage com outros mecanismos, como transferências fiscais verdes, constituição de uma rede de unidades de conservação (formando corredores ecológicos), sistemas de certificação de produtos de sistemas agroambientais, etc. Portanto, o PSA, sozinho, não pode ser considerado como panaceia para resolução dos problemas ambientais, mas sim como uma ferramenta que quando complementada por outras, pode induzir a um estilo de produção agropecuária dentro de uma estratégia de desenvolvimento rural sustentável. (RING; SCHRÖTER-SCHLAACK, 2011; BARTON; BLUMENTRATH; RUSCH, 2013). Essa complementaridade é especialmente importante porque vai além da dicotomia usual entre instrumentos de mercado e instrumentos de comando e controle.
O ponto de partida é o reconhecimento de que os SEs são a interface básica entre capital natural e bem-estar humano (ANDRADE, 2015). Nesse caso, segundo Shiki e Shiki (2011, p.115), os pagamentos seriam considerados “[...] investimentos em infraestrutura ecológica.” O objetivo principal de um esquema de PSA deve ser a criação de incentivos para a oferta de SAs, promovendo, deste modo, comportamentos individuais e coletivos que de outra forma levariam à deterioração excessiva de ecossistemas e recursos naturais. (VATN, 2010; MURADIAN, 2013).
Esta abordagem mais ampla de PSA é compatível também com uma gama maior de experiências, cuja classificação pode se dar em função de três critérios principais: a importância do incentivo econômico (o papel do pagamento na condução aos usos determinados da terra em relação a outros incentivos, como motivações éticas e culturais), a frequência de pagamentos diretos (a medida em que os ofertantes recebem pagamentos diretos dos beneficiários finais dos SAs) e o grau de comoditização dos SAs e SEs (a medida e clareza com a qual os pagamentos recebidos pelos ofertantes foram definidos como mercadoria comercializável). (MURADIAN et al., 2010).
Sob esta nova perspectiva, todos os programas deverão assegurar: (i) que os intermediários ajam com total prudência; (ii) que os contratos definam os direitos e responsabilidades dos atores; e (iii) que as relações de poder sejam equilibradas. A inclusão de um organismo multisetorial que reúna atores de PSA para análise e intermediação de conflitos de interesse na negociação e no desenvolvimento do esquema é desejável, pois, somado às avaliações de entidades independentes, promove o fortalecimento dos processos de adaptação e de aprendizagem contínua, o aperfeiçoamento institucional e das rotinas de governança. (OSTROM, 1990; CORBERA; SOBERANIS; BROWN, 2009).
Para o sucesso desta estratégia de política, é fundamental que seja desenvolvida uma estrutura de financiamento perene, na qual usuários de SAs compensem os ofertantes com flexibilidade por um longo período de tempo e no qual apoio contínuo para gestão sustentável de recursos é oferecida. (CORBERA; SOBERANIS; BROWN, 2009). Os atores envolvidos terão condições de tomar suas decisões com maior segurança, dado o satisfatório horizonte temporal para o planejamento de suas respectivas atividades. Aumenta-se, portanto, a credibilidade dos stakeholders quanto ao funcionamento bem sucedido destes mecanismos.
Por fim, é importante ressaltar que os argumentos desta seção são convergente com os de Van Hecken, Bastiaensen e Windey (2015, p. 5), para os quais “[...] PES research remains weakly theorized in social and political terms, resulting in only superficial understanding of the role of culture, agency, social diversity and power relations in the shaping of PES institutions and their outcomes.” Estes autores também se utilizam do argumento de que as críticas provenientes da EE e EI são necessárias para se ampliar o modo de se pensar sobre o PSA. Ainda segundo eles, estas duas abordagens enfatizam que o PSA não é necessariamente uma mudança de políticas públicas para políticas de alocação via mercado. Mais do que isso, uma abordagem econômico-ecológica e institucionalista de PSA lida com a reconfiguração de relacionamentos entre estado, comunidade e mercado. Para complementar, argumenta-se que esta visão mais ampla sobre PSA também contempla a natureza dentro deste conjunto de relações, já que o conceito de SEs explicita a dependência do bem-estar humano em relação aos ecossistemas. (COSTANZA, 2011).
Este trabalho partiu do argumento, já existente na literatura, de que o enfoque exclusivo da abordagem coaseana de PSA sobre eficiência alocativa reduz sobremaneira sua aderência à prática corrente deste tipo de política. A partir disso, procurou-se confirmar este argumento por meio de análise de casos selecionados de PSA. Foram estudados no total 8 casos de aplicação concreta de PSA, o que foi suficiente para corroborar a tese de que há um distanciamento entre teoria e prática no que tange ao PSA.
Os resultados da revisão mostrou que apenas um estudo de caso dentre os 8 analisados – apresenta aderência elevada à abordagem coaseana de PSA. A partir do levantamento das possíveis razões que explicam o gap existente entre o marco teórico e experiências reais, este trabalho buscou identificar as principais contribuições que a EE e EI podem prestar à reaproximação entre teoria e prática. De modo geral, foi possível concluir que estas duas perspectivas são úteis e devem ser utilizadas para a teorização das políticas de PSA. Isso porque o PSA não deve focar apenas na eficiência alocativa, mas também na sustentabilidade ambiental dos ecossistemas, entendida principalmente como respeito à resiliência ecossistêmica, e em critérios de justiça distributiva. Além disso, a implementação concreta de políticas de PSA não deve prescindir da visão de instituições como organizações evolutivas, adaptativas e reflexivas das peculiaridades e idiossincrasias locacionais.
O debate sobre a necessidade de uma nova definição de PSA é recente na literatura. (VAN HECKEN; BASTIAENSEN; WINDEY, 2015; WUNDER, 2015). O objetivo deste trabalho não foi o propor uma nova definição de PSA, mas oferecer um conjunto mais amplo de ideias e argumentos que devem ser levados em consideração neste debate. Esta abordagem mais ampla é especialmente necessária para experiências de PSA em países ainda em desenvolvimento, uma vez que o objetivo de sustentabilidade ambiental não deve estar dissociado do objetivo de sustentabilidade (ou equidade) social. Isto é, nestes locais específicos, a eficiência alocativa deve estar condicionada a objetivos maiores, como o da preservação do capital natural e a promoção da justiça intra e intergeracional.