Conferências
Recepção: 27/05/16
Aprovação: 06/06/16
Resumo: Neste texto, a passagem dialética da forma-capital à forma-Estado na escala mundial foi referenciada no quadro da configuração histórica situada para além do fordismo e na globalização. Ambas as formas nascem, vivem e morrem.
Palavras-chave: Dialética, forma-Capital, forma-Estado, fordismo, globalização.
Abstract: In this text, the dialectic passage of capital-form to State-form on a global scale was referenced within the historical setting located beyond Fordism and globalization. Both forms born, live and die.
Keywords: Dialectic, form Capital, form State, fordism, globalization.
1 INTRODUÇÃO
Desenvolvida nos séculos XIX e XX, a ontologia do ser social e histórico tornou-se uma herança incontornável na abordagem do Estado capitalista no século XXI, tanto nas determinações de sua gênese e de sua real existência atual, quanto de suas tendências de desenvolvimento futuro e de sua possível extinção. Uma vez apreendidas as múltiplas determinações formais do modo estatal global (em potência), no momento de sua funcionalidade (em ato), ele poderá servir de premissa e mediação ao capital em geral e aos capitais numerosos globalizados. Em razão do método próprio à abordagem dialética, as determinações formais estatais globais elaboradas aqui antecedem suas determinações funcionais, examinadas posteriormente. A partir de Farias (1988, 2000, 2001, 2004, 2013b), as categorias da elaboração da forma estatal em tela são as seguintes:
2 MODO ESTATAL GLOBAL
2.1 Silogismos do modo estatal global
Referenciadas diversamente na filosofia política kantiana (ARCHIBUGI; HELD, 1995), na sociologia política weberiana (OFFE, 1996; BECK, 2003) e na economia política keynesiana (AGLIETTA; BERREBI, 2007; STIGLITZ, 2006), as visões cosmopolitas da grande transformação atual do capitalismo mundial restam herdeiras de um mesmo estruturalismo que aborda o “[...] sistema dos Estados (a ONU), o sistema se definindo pela ausência de contradição.”, supondo a existência de um conjunto unido, articulado e coeso de Estados (embora estruturalmente heterogêneos), quando é sabido que “[...] as relações entre Estados dão lugar a múltiplas contradições.” e, portanto, a categoria da totalidade concreta, enquanto silogismo historicamente determinado, é bem mais adequada para exprimir essa “[...] superposição hierárquica e ao mesmo tempo conflitiva.”, o sistema antinômico naquela ficção Iógica nada mais sendo do que uma globalização abstrata (LEFEBVRE, 1978, p. 25, grifo do autor). A análise concreta da mundialização capitalista
[...] deve considerar o Estado e, evidentemente, as estratégias que se afrontam, como também a repartição das forças produtivas, a divisão do trabalho na escala do planeta. A mundialização do Estado ocorre com a extensão e o fortalecimento do mercado mundial [...] (LEFEBVRE, 1978, p. 25, grifo do autor).
Ambas as formas capitalistas e estatais participam da mesma totalização dialética, no contexto do imperialismo global (FARIAS, 2013a,2013b), reificado numa ampulheta fatal (Figura 1) (FARIAS, 2015).
Nas obras constitutivas da crítica da economia política, Marx (1974, 1975, 1976a, 1976b; 1977; 1980) utilizou a categoria dialética hegeliana do silogismo na elaboração das diversas totalidades concretas, complexas, contraditórias, mediadas e tendenciais da formação capitalista. Neste domínio, a primazia ontológica da abordagem do modo de produção como um silogismo histórico, antes de elaborar o silogismo do modo estatal correspondente, na sua interação recíproca, é consistente também com o compromisso segundo o qual “[...] o estudo teórico da base deve.”, depois, “[...] se colocar a serviço do estado maior da revolução, em vez de cair no economicismo dos fins imediatos.”; enfim,
[...] é sempre o estado de desenvolvimento das forças produtivas que determina uma sociedade dada e suas possibilidades de transformação revolucionária. (BLOCH, 1981, p. 117, grifo do autor).
Como categorias da base e da superestrutura, respectivamente, não é por determinismo econômico que o capital tem primazia ontológica sobre o Estado. Na realidade,
[...] uma teoria revolucionária só merece então esse título quando se consagra à essa mediação entre os fins imediatos e o fim último, e seu manual se chama O Capital – com todos os horizontes da humanização. (BLOCH, 1981, p. 118).
Nesta obra, “Marx indica a ilusão que levou muitos economistas a logicizar essas relações, a generalizá-las sob a forma de um silogismo.” reducionista, como no debate vulgar sobre a dominância entre as formas capital industrial (singularidade), capital comercial (particularidade) e capital financeiro (universalidade), num prisma de oposição entre capitalistas, que “[...] é exatamente um encadeamento, mas bem superficial.”, cuja
[...] superficialidade só pode ser ultrapassada pela apreensão do ser como processo irreversível, como história, pelo pensamento que se aproxima cada vez mais resolutamente do próprio ser processual. (LUKÁCS, 2009, p. 354).
O silogismo dos capitais industriais não é isolado do outro silogismo dos capitais numerosos (homogeneidade, diferenciação, hierarquização), em que se opõem todas as classes, nem tampouco do silogismo do capital em geral, no qual se opõem as duas classes fundamentais. Sem a totalização num silogismo histórico, a crítica superficial dos fenômenos de financeirização (STIGLITZ, 2006) e de desigualdade de renda (PIKETTY, 2013) inerentes à globalização pós-moderna leva à redução reformista, especialmente ao criticismo da mundialização financeira ou das finanças mundializadas. No exame da forma-Estado nacional capitalista atual (FARIAS, 1988, 2000), a categoria do silogismo histórico serviu para criticar as agregações regulacionistas, pois recusou o historicismo apologético da especificidade e deu centralidade à exterioridade de três formas de existência espaço-temporais:
Para além da redução à existência dada ou específica, no silogismo do domínio estatal capitalista nacional, o território, a fronteira, em suma, “[...] o espaço não é somente a exterioridade, mas, também, o esquema da exteriorização, da criação das formas.”, que como determinações espaciais são de dupla natureza: “[...] exterioridade, é o que adveio, o resultado acabado; exteriorização, abre sobre o possível sucesso de figuras criadas.”; ao mesmo tempo em que “[...] dá origem a figuras históricas qualitativas.” (BLOCH, 1981, p. 109). Por outro lado,
[...] a dialética temporal da evolução pode intervir no seio das figuras espaciais e continuar nelas; essa dupla natureza, repleta das contradições da exterioridade e da exteriorização, vai até mesmo ao seu encontro, marcante, na passagem de uma exterioridade à exteriorização, de uma quantidade à qualidade. A exteriorização enquanto tal, fenômeno segundo, aspecto histórico qualitativo do espaço, é oposto à exterioridade, hostil ao estatismo; também, como seu espaço emerge e se livra do espaço estático estereotipado, permite uma dialética evolutiva. (BLOCH, 1981, p. 109-110).
A lógica dialética hegeliana (HEGEL, 1976, 1981, 1993) – tornada marxiana através de novos aspectos materialistas e históricos, críticos e revolucionários (LÉNINE, 1973; BLOCH, 1977) – pode servir para apreender o movimento tendencial para a globalização da forma-Estado capitalista. O que se elabora no domínio estatal vem da simples aplicação do método usado na abordagem do movimento cíclico do capital social total, isto é, um grande silogismo que se decompõe em três pequenos silogismos, a saber: o ciclo do capital-dinheiro (generalidade), o ciclo do capital- mercadoria (particularidade) e o ciclo do capital produtivo (singularidade), que se opõem, em última instância, enquanto totalidade concreta de capitais numerosos, cujas contradições são classistas e inter-classistas (MARX, 1974,1975, 1976a, 1976b; LEFEBVRE, 1980), em que o silogismo histórico amplia a riqueza de suas determinações considerando, também, a totalização envolvendo homogeneidade, diferenciação e hierarquização.
Como o prisma do capital (Figura 2), o prisma do Estado (Figura 3) também representa “[...] um aqui tornado central [...]”, que “[...] constitui, então, a contrapartida espacial do instante repleto.” de uma categoria dimensional ou de contextualização, combinando, então, o tempo e o espaço (BLOCH, 1981, p. 80).
Portanto, sem fixar primazia de uma forma sobre a outra, o desdobramento de sua existência,
[...] em nenhum lugar, aparece mais claramente do que através das múltiplas relações nas quais as determinações do espaço e as do tempo se entrelaçam. Em todos esses casos, a diferença que se tem por hábito de fazer, desde logo, entre o contexto do tempo e o do espaço tende a se apagar, desde que o sinal mais da aritmética e da álgebra se torne fundamentalmente dinâmico e, sobretudo, que o espaço “geométrico” cesse de designar exclusivamente o espaço daquilo que está realizado e de sua reificação [Figura 3]. Porque, exatamente, o espaço não se esgota em tais exteriorizações; ao lado do realizado, sua extensão engloba também a criação possível de uma obra acabada, com uma extensão cujo “ex” não significa mais aquilo que está terminado e morto, mas pode também significar que tensões para este fim se exteriorizaram relativamente, foram relativamente e-laboradas. (BLOCH, 1981, p. 114, grifo do autor).
Para a passagem da crítica da economia política à crítica do Estado capitalista, definiu- se a figura do grande silogismo do modo estatal global (Quadro 2), como no quadro abaixo, com as três figuras das formas estatais capitalistas atuais (horizontalmente), que também envolvem homogeneidade, diferenciação e hierarquização (verticalmente).
Entretanto, a apresentação sincrônica de todos os elementos das formas estatais capitalistas globais não deve eliminar a sua diacronia. Na realidade, as formas estatais capitalistas são construções ou obras que nascem (genealogia), vivem (estrutura, fetichismo, subsistência, agir sistêmico) e morrem (agir anti-sistêmico, extinção). Também,
[...] nesse tipo de «figuras» ou de «obras», que, jamais estáveis, fixam e encerram, entretanto, relativamente àquilo que «expõem», a intensidade que conduz a figuras históricas qualitativas no espaço se reduz, mas fica sempre longe do desaparecimento ou da redução ao nada. (FARIAS, 2014a, p. 105).
Na análise do modo estatal global e, portanto, das formas de existência estatais nacionais (singulares) e transnacionais (particulares e universais), através das categorias como o universal e o específico, o tempo e o espaço, a essência e a aparência, a objetividade e a subjetividade, a quantidade e a qualidade, a parte e o todo, dentre outros pares, “[...] é possível expor as determinações mais gerais do ser como momentos das totalidades que são os complexos processuais.” (LUKÁCS, 2009, p. 197), sob a figura de um silogismo ou de uma estrutura. Como determinações de todas essas figuras, aquelas categorias
[...] jamais agem separadamente, mas sempre como relações recíprocas das determinações mais gerais desses processos processuais, que sem essas interrelações indissociáveis dos pares de categorias, jamais poderiam adquirir nenhuma determinação objetiva concreta. (LUKÁCS, 2009, p. 197).
Com efeito, uma concepção que fosse tão somente
[...] flutuante, dialética por assim dizer, num sentido inconsistente, que se contradiria ao infinito sem saber nem estabelecer fins, sem se fixar, não poderia nada enunciar e nada determinar. (LUKÁCS, 2009, p. 143).
Isso se tornará cada vez mais evidente na sequência da exposição, sobretudo na abordagem da figura processual da estrutura do modo estatal global, em contraste com o estruturalismo, marcado seja pelo empirismo (que percebe “[...] somente fatos e termina por apreender apenas uma poeira de constatações).”, seja pela “[...] inteligência analítica (que alcança elementos através de cortes no real, mas deixa escapar o movimento e a totalidade).” (LEFEBVRE, 1975a, p. 163). Na dialética da forma- modo estatal global, toma-se a totalidade como central e a contradição como fundamental. Segue- se, então, a análise concreta da estrutura estatal atual, constituída superficial e ideologicamente como governança global, no momento pseudo- concreto; mas que, no momento essencial, é determinada objetivamente pela luta de classes e subjetivamente pela divisão do trabalho, que restam fundamentalmente contraditórias, no capitalismo situado para além do fordismo e na era global.
2.2 Estrutura do modo estatal global
Uma vez admitida a hipótese de primazia da atividade produtiva (de dupla natureza objetiva e subjetiva) do ser social pesquisado (objeto), a nova categoria do modo de existência estatal, relativamente à atividade reflexiva da consciência do pesquisador (sujeito), no procedimento gnosiológico que elabora essa categoria através do movimento concreto envolvendo o imediato, as abstrações e o concreto pensado, trata-se de “[...] decompor inicialmente o novo complexo do ser por uma abstração analítica.”, para poder, depois de apreender a dialética na própria essência do fenômeno, a partir desse fundamento, retornar [...] ao complexo do ser social não mais somente dado, e, portanto, simplesmente representado, mas também compreendido na sua totalidade real. (LUKÁCS, 2011, p. 54).
Não se trata de praticar uma taxinomia estruturalista e uma interpretação estática e rígida de dicotomias como base-superestrutura, essência- aparência, sujeito-objeto, teoria-prática, sincronia- diacronia, mas de uma elaboração centrada na totalidade e fundada na tensão dialética desses elementos.
Enquanto expressão de um ser social e histórico, uma categoria inserida no contexto de uma formação socioeconômica (MARX, 1977), a forma-Estado capitalista (FARIAS, 1988, 2000) tem sua estrutura determinada pelo cruzamento formal de duas exigências metodológicas, a saber: a distinção entre essência e aparência, inerente a toda abordagem científica, e a distinção específica, por causa das características do ser examinado, entre o lado objetivo (natural) e o lado subjetivo (social). A combinação dessas exigências nos dois eixos cartesianos permite a construção de uma figura de quatro quadrantes, cujo eixo vertical separa o Estado propriamente dito de sua manifestação como governo, e o eixo horizontal divide essas duas formas entre sua objetividade e sua sociabilidade. A socialização e o surgimento do modo de existência estatal não implica uma clivagem ontológica do seu ser, porque a forma-Estado envolve e relaciona, simultaneamente, as suas quatro determinações estruturais, a saber:
Como figura da qualidade específica expressa nesses quadrantes, a forma-Estado capitalista é a mediação conceitual da contradição essencial entre a divisão do trabalho e a luta de classes e, portanto, da passagem dialética do Estado propriamente dito ao governo. Por outro lado, permanece válido que a tensão entre esses momentos da forma-Estado, essa tensão que suporta, no percurso de sua aparição, o modo de existência estatal e constitui a história dialética dessa esfera, não é ela própria de ordem lógica - porque
[...] emana do fator de intensidade, de impulsão, de insistência e de inquietude que é o fermento real de uma constante ultrapassagem das formas já advindas e, ainda, inadequadas do ser-ali. (BLOCH, 1981, p. 75).
Aliás, trata-se de uma figura processual e não de uma estrutura constante vindo de um pensamento imóvel, pois
[...] se apreende suficientemente o que pode ter na sequência de falacioso, apesar de seu interesse para o real e a aparência do conteúdo, que o caracterizou no começo, o ressurgimento da concepção enrijecida e fechada das categorias na noção de estrutura forjada por Lévi-Strauss. (BLOCH, 1981, p. 149-150).
Na prática, a ideologia estruturalista
[...] implica o projeto de estruturar a sociedade existente e de estabilizá- la (de imobilizá-la) nessas estruturas. Tanto o Estado, quanto as consciências individuais e sociais estariam definidas e fixadas «estruturalmente». (LEFEBVRE, 1975a, p. 190).
Ao invés da paralisação ou da negação da história,
[...] existem figuras processuais resultantes das figuras anteriores e nas quais as figurações do qualitativo se transformam em novas figuras, sob o efeito de uma contradição imanente. (BLOCH, 1981, p. 105).
Em primeiro lugar, trata-se de uma estrutura antitética, porque
[...] o espaço separa e reúne ao mesmo tempo, é o esquema da particularização e da reunião, da divisibilidade e da «qualidade figurada» indivisível. (BLOCH, 1981, p. 109, grifo do autor).
Em segundo lugar, com o ato de considerar “[...] uma figura do tempo aberta à dialética.” (BLOCH, 1981, p. 110) na própria essência da estrutura estatal, existe a contradição historicamente determinada entre a divisão do trabalho e a luta de classes. Ali reside, portanto “[...] a inquietude da exteriorização.”, que
[...] é capaz de talhar um lugar no meio dos relaxamentos da exterioridade, de encontrar lugar para um ponto de apoio que não seja um ponto morto, para uma resolução que a gente não torna absoluta. (BLOCH, 1981, p. 110).
Para uma estruturação das formas estatais capitalistas nacionais e transnacionais, nas suas fronteiras e territórios, isto é, “[...] figuras do espaço que sejam do mesmo modo figuras processuais em seu percurso.” (BLOCH, 1981, p. 110).
Essa construção dinâmica da forma estatal permite sublinhar as deficiências das concepções sociológicas correntes, tanto do marxismo estruturalista francês que se limita à distinção entre aparelhos estatais (aparência) e poder estatal (essência), quanto da definição weberiana acima referida, dentre outras marcadas pelo funcionalismo (FARIAS, 1988). Aliás, urge criticar a velha e tenaz ideologia territorial que concebe “[...] o espaço como contendedor universal, por sua vez, reificado e permanecendo semelhante a si próprio.”; aliás,
[...] as palavras de ordem que são sempre úteis à classe dominante – a paz e a ordem – têm naturalmente o seu lugar ao lado e no seio dessa concepção, encontrando até mesmo na ideia de um tempo imutável uma espécie de rótulo de garantia. (BLOCH, 1981, p. 103).
Sobre a estrutura do Estado, inicialmente, existe o erro de isolar de todo o resto somente dois de seus elementos estruturais, a saber: o monopólio de uma violência (essência social) cuja origem não é claramente determinada e a legitimidade (aparência social) própria à democracia burguesa formal. Em seguida, existe o erro de não considerar a violência como inerente à luta de classes, no seio da estrutura do Estado, que é também formada pela divisão do trabalho (essência objetiva) e pelos aparelhos burocráticos e administrativos (aparência objetiva). Os fenômenos de restruturação e globalização do capital, entre a grande crise dos anos 1970 e a grande crise atual, afetaram as bases econômicas que determinam objetivamente a essência do modo estatal global, servindo de eixo material para uma nova correlação de forças entre as classes sociais. Essas mudanças aparecem no domínio do pseudo- concreto tanto na governabilidade neoliberal do Estado nacional, quanto na governança global em níveis continental e planetário, em que as condições de integração, diversificação e hierarquização no processo de totalização não são as mesmas no centro e na periferia. Sem esquecer que, para além de sua sincronia estrutural, a forma-Estado é uma síntese de múltiplas determinações diacrônicas, como a genealogia, o fetichismo, a subsistência e a teleologia (FARIAS, 2000). Desse modo, a verdadeira dialética, atinente ao
[...] ser como processo irreversível (isto é, histórico) de complexos processuais, pode conquistar na teoria marxiana o lugar que lhe cabe de fato, tal que decorre da própria essência do fenômeno. (LUKÁCS, 2009, p. 201).
Uma vez apreendida a estrutura contraditória do modo estatal global, falta mostrar como a história e o devir a criaram (LEFEBVRE, 1975a). Mas, “[...] é no contexto dos equilíbrios, no coração das estruturas, que agem desde o começo as forças que os dissolverão [...]” (LEFEBVRE, 1975a, p. 162), através de uma democracia proletária, que supere as condições objetivas da permanência da luta de classes, como será visto abaixo.
2.3 Genealogia do modo estatal global
As determinações da gênese do Estado nacional foram percebidas por Engels (1975), quando explicitou as condições históricas prévias da origem da forma estatal capitalista, como categoria com uma existência própria na sua esfera específica (particularização), relativamente autônoma em relação ao capital e soberana num espaço dado, assim como em interação e conexão complexa com as outras formas do ser social. Como premissa da Europa civilizada, existia no espaço do Estado absolutista a possibilidade dialética de uma passagem para uma particularização e uma autonomização relativa, que revela num outro sentido territorialidade e soberania, uma passagem para uma forma estatal nacional criada, realmente existente, uma figura da especificação histórica capitalista (KORSCH, 1971, 1976, 1979). Portanto, sobre a categoria estrutura, no sentido utilizado aqui, o categorial
[...] não é de modo algum o oposto do fluxo genético. É, ao contrário, sinal de que esse fluxo desemboca em algo: em alguma coisa progressivamente determinada. (BLOCH, 1981, p. 144, grifo do autor).
Também, é precisamente porque o exame da verdadeira gênese do Estado capitalista não fica no começo da exposição dessa categoria, mas, é dada como aparecimento prévio, ao fim da elaboração de sua estrutura – exatamente onde o esclarecimento da contradição na própria essência dessa forma não cessaria de colocá-la em movimento e de fazê-la progredir, pois essa forma teria enfim adquirido a propriedade de jamais deixar de advir (BLOCH, 1981). Surgem novos modos de ser estatais, relacionados dialeticamente com uma grande transformação social e histórica, marcada pela restruturação e pela mundialização do capital. Antes que as estruturas estatais capitalistas se desenvolvessem enquanto tais de modo mais amplo e dinâmico, existiram as premissas de sua criação formal, isto é, de início, a genealogia como gestação de formas particulares; depois, como nascimento de formas autônomas relativamente ao capital na escala mundial, “[...] e permitindo ao mesmo tempo homogeneizar o tempo criador com a plenitude das formas de um espaço criador.” (BLOCH, 1981, p. 105). Nesse processo constitutivo,
[...] enquanto valem algo, não permanecem tais que neles mesmos nem as figuras, nem seu conceito. Continuam a se modificar em formas sempre novas pela simples razão de que ainda são muito pouco determinados. Sua determinação não se bloqueia de maneira alguma, mas as revela justamente na superação, abrindo-lhes na direção do futuro para elas próprias. (BLOCH, 1981, p. 144).
A mundialização do capital sendo tomada como causa, à sua expansão corresponde o advento de formas estatais capitalistas globais, sem poder indicar, no entanto, seguramente de qual maneira precisa (através da guerra, por exemplo) a ação originária da base pode provocar essas mutações ulteriores, que configuram uma qualidade nova para o todo, situado na superestrutura. Nessa genealogia, é preciso considerar que cada Estado nacional,
[...] que aqui está no espaço, assim como seus alhures cujo campo é mais amplo, se apresenta sob múltiplas formas. Ela não é exterior, isto é, indiferente à vida e aos conteúdos a tal ponto que não possa se modificar, se estruturar, se escalonar em sintonia com eles. (BLOCH, 1981, p. 105).
O Estado nacional não desaparece, mas ocorre um desmonte do nacional concernente ao conjunto das determinações estatais e não apenas às dimensões território, autoridade e direitos, como pensa Sassen (2009). Porém, é certo que, imediatamente, essa “[...] variedade dos diferentes tipos de espaço.” estatal “[...] parece menos rica do que as diferenciações do tempo.”; nessa formulação superficial, “[...] por assim dizer, o espaço teria mais dificuldade de variar em função daquilo que advém nele de um lugar para outro.” (BLOCH, 1981, p. 105). No tempo e no espaço criadores do capitalismo tardio, na era global e pós-moderna (desde os anos 1980), torna-se patente que “[...] o espaço também varia profundamente e de maneira visível.”, especialmente nos domínios geopolíticos, que agem sobre as fronteiras e os territórios, assim como sobre o caráter radial dos centros de decisão, segundo potências e conteúdos socioeconômicos, técnicos, militares, etc. cujos efeitos e, sobretudo, as formas estatais capitalistas globais se reestruturam segundo seu novo esquematismo (BLOCH, 1981, p. 105-106). Entretanto, “[...] as categorias com conteúdo não são justamente essencialidades panorâmicas imutáveis, mas figuras processuais dialéticas.”, que “[...] se evadem delas próprias, pertencem ao processo como figuras de tensão, figuras de tendências.” (BLOCH, 1981, p. 157- 158). A primazia ontológica das formas econômicas sobre as formas estatais não significa que estas se reduzam a um reflexo daquelas, especialmente quando a categoria estatal que emerge no curso da segunda metade do século XX não se impõe a partir da categoria capital abstratamente isolada (ainda que determinante, em última instância), mas da totalidade concreta, complexa e contraditória envolvendo ambas as categorias, como abstrações concretas (KOSIK, 1978). Trata-se da genealogia de uma formação capitalista particular, no quadro imperialista global. Na Guerra Fria, o Estado moderno, como disse Lefebvre (1978, p. 23), “[...] se generaliza: se mundializa [...]”, pois
[...] cada Estado traz no seu bojo sua história, mas cada Estado é (não passa de) uma unidade no conjunto planetário, um elo da corrente dos Estados [...] A mundialização do Estado chamou nossa atenção tanto quanto a gestão estatal no interior de cada unidade [...] O dois vão juntos e definem o modo de produção estatal, gênero cujas duas espécies são o socialismo de Estado e o capitalismo de Estado. O que não lhes separa mas não os identifica. Dessa mundialização, buscou-se as condições de possibilidade. Não pode se tartar nem de uma causalidade linear, nem de um determinismo mecanicista.
A genealogia do modo de existência estatal global, isto é, das formas estatais que correspondem e se colocam no mesmo diapasão da globalização capitalista, é um momento decisivo numa autêntica concepção histórica da superestrutura política e ideológica capitalista atual, através da aplicação do método marxiano, em que
[...] o estádio mais primitivo poderá então ser reconstruído pelo pensamento a partir do estádio mais evoluído, de suas orientações, de suas tendências de desenvolvimento. (LUKÁCS, 2011, p. 55).
Quando a tendência dominante é a busca imediata do Estado global funcional ou adequado à nossa época, o que acarreta ideologias, como a da governança global, que, naturalizando a política de globalização do american way of life, tenta eternizar uma estatização global autoritária. Primordialmente,
[...] anunciado pelo New Deal e pelo fascismo, plenamente realizado por Stalin, o modo de produção estatal se generaliza em torno dos anos 1960, desigualmente mas mundialmente. A partir dessa época, impossível manter as teses dos economistas sobre (a favor ou contra) as “intervenções” do Estado. As definições despencam do Estado seja pelo monopólio da violência, seja pelo direito e pela realização do direito – ou ainda como instância superior ao econômico e ao social. (LEFEBVRE, 1978, p. 22, grifo do autor).
A recusa do estatismo que motiva a concepção da estrutura do Estado como categoria aberta se fundamenta, aliás, tanto sobre a natureza histórica própria à gênese de todas as suas determinações até os nossos dias, quanto sobre o seu vínculo de dependência com o espaço onde surgiram e com suas relações sociais situadas no tempo. É nas genealogias estatais que se manifesta a existência “[...] de um espaço elástico na história, na geografia.” e que
[...] esses diferentes espaços são preenchidos, de um lado ao outro, de efeitos para os quais constituem o quadro nem sempre restritivo, mas, incontestavelmente, favorável a seu desdobramento. (BLOCH, 1981, p. 104)
Com efeito, a gestação e o nascimento da estrutura estatal se realizam “[...] através das múltiplas relações nas quais as determinações do espaço e do tempo se entrelaçam.” (BLOCH, 1981, p. 104). Então,
[...] a propósito disso, é preciso constantemente guardar no espírito que se trata de uma transição abrupta, ontologicamente necessária, de um nível do ser para outro qualitativamente diferente. (LUKÁCS, 2011, p. 56).
Em vez de se constituir um Estado mundial, inversamente, como disse Lefebvre (1978, p. 352),
[...] a mundialização do Estado toma sentido inverso ao Estado mundial, que só conseguiria se estabelecer atualmente nas ruínas do planeta. Em compensação, o movimento que ultrapassa o capitalismo e o socialismo de Estado pode superar o Estado mundializado, cuja unidade fragmentada não tem nenhuma garantia de eternidade.
Portanto, a genealogia em tela não levou a um Império cristalizado, em que “[...] os Estados Unidos da América fizeram o mundo à sua imagem.” (ANDERSON, 2015, p.1). Mas, antes de abordar a subsistência e a superação deste Estado mundializado, convém sublinhar o seu caráter fetichista, como fenômeno ideológico que lhe é inerente.
2.4 Fetichismo do modo estatal global
Para não cair no fetichismo do Estado, uma atenção toda especial é requerida para que a reflexão que dá acesso à exterioridade estrutural estatal não se confunda com seus aparelhos administrativos e burocráticos, que se tornaram estranhos para a gente e são mantidos na alienação, enquanto que seguramente a burocracia não é mais importante, nem mais potente, nem mais natural do que o burocrata – que a personifica, enquanto representante universal do povo –, nem, tampouco, do que a genericidade proletária que sofre os efeitos da burocratização... bem ao contrário! Por isso, a ideologia burguesa só leva em conta a técnica neutra de prestação de serviços públicos, naturalmente decorrentes da divisão capitalista do trabalho, e não quer de maneira alguma evidenciar as estruturas estatais no seu conjunto; sobretudo, fazendo abstração do vínculo dialético entre luta de classes e legitimação estatal. No sentido mais amplo, a reificação das formas estatais capitalistas globais assume a forma rígida de um Estado global tendo como prospectiva a eternidade (ZOLO, 1995). Uma categoria que parece irresistível, cuja sociabilidade que lhe é inerente se oculta atrás do eixo natural das instituições administrativas e burocráticas vinculadas à divisão capitalista do trabalho, para além do fordismo e na globalização. Entretanto,
[...] mesmo nos estádios mais elevados que tenham porventura atingido, os processos irreversíveis não passam de tendências; possibilidades de evolução determinadas podem favorecê-los ou brecá-los, às vezes até mesmo exclui-los, mas jamais produzi-los obrigatoriamente de maneira mecânica. (LUKÁCS, 2009, p. 152).
No início da fase pós-moderna e global do capitalismo tardio, a mais violenta e explícita manifestação de sua ideologia dominante foi, sem dúvida, a reificação do mercado livre e eterno sob a divisa de que não há alternativa à globalização neoliberal. Hoje, permanecer na reificação do Estado na escala global, como no caso de Jacques Bidet, é crer na ideologia estruturalista e a-histórica segundo a qual o Estado-mundo não é uma utopia; quanto ao resto, “[...] também, não tem nada de idílico.”; está inserido numa
[...] forte tendência, objetiva, da sociedade moderna, que não pode efetivamente funcionar sem se dotar de instituições de caráter estatal, na escala global. (COLLECTIF D’ATTAC, 2010, p. 33).
A dimensão objetiva da estrutura das formas estatais globais não é, simplesmente, matéria para a expressão da coisificação das relações estatais nacionais e transnacionais; mas, simultaneamente, e às vezes até mesmo no próprio seio dessa coisificação (à qual se prende o tecnocrata nacional e transnacional), quadro objetivo para a possível resolução que caracteriza a figura inclinada para a forma animada da personificação da categoria estatal (representada pelo burocrata nacional e transnacional).
No fetichismo do Estado-mundo em gestação na longa duração, em termos de personificação dessa categoria planetária, “[...] a ONU, tal como é, testemunha, então, no sentido de que a gente não pode pretender governar a humanidade sem seu assentimento.” (COLLECTIF D’ATTAC, 2010, p. 32). Como “[...] a emergência do Estado-mundo [...]” não é imediata, os altermundialistas reformistas terminam por sentir arrepios idílicos quando “[...] os representantes das nações no Conselho de Segurança.” (COLLECTIF D’ATTAC, 2010, p. 33) recusam apoiar as guerras de agressão dos Estados Unidos durante a chamada revolução neoliberal. Mas este país, com a colaboração de muitos outros Estados, sob uma construção coletiva ideal, continua a disfarçar “[...] normalmente a opressão e assume a aparência de ser, acima dos partidos, a «universalidade» de uma equidade abstrata.” (BLOCH, 1981, p. 186, grifo do autor). Porém,
[...] a coletividade no seu sentido autêntico, não a da qual se abusa em favor de projetos guerreiros, somente se manifestou em raras ocasiões na história, mas esses mesmos dias foram verdadeiramente revolucionários. [Como em outubro de 1917]. (BLOCH, 1981, p. 186).
2.5 Subsistência do modo estatal global
Tanto na sua existência para si (em potência), quanto na sua existência em si (em ato), as formas estatais capitalistas globais retiram suas subsistências especialmente das dívidas públicas e dos tributos que incidem nas sociedades capitalistas na escala mundial. Na pós-modernidade, “[...] a consolidação do capital financeiro.” foi realizada “[...] através de três principais canais [...]”, a saber:
No nível macroeconômico, a armadilha da dívida que, inicialmente, atormentou os países em desenvolvimento e, desde 2007, os países centrais, refletiu a vitória dos prestamistas sobre os devedores e criou um fluxo de rendas massivo e permanente para os credores. Em termos da firma, “o valor para o acionista” tornou-se a principal operação para as corporações [...] No nível da providência social individual, políticas governamentais nacionais e internacionais contribuíram para a “mercantilização” das relações sociais, minando os sistemas de seguridade social existentes e, progressivamente, substituindo-os por esquemas que tornam os indivíduos cada vez mais dependentes dos mercados financeiros (SERFATI, The New Configuration of Capitalist Class apud PANITCH; ALBO; CHIBBER, 2013, p. 138).
Porém, no domínio fiscal e financeiro, a subsistência das formas estatais capitalistas nacionais e transnacionais varia no quadro da roleta global, na medida em que se tratem sejam das potências dominantes sejam das dominadas (GOWAN, 2003). Com efeito, no quadro da liberalização, da desregulamentação e da privatização,
[...] a potência do Estado hegemônico é desdobrada de maneira característica para garantir e promover os dispositivos institucionais externos e internacionais graças aos quais as relações assimétricas de troca podem funcionar, desse modo, em proveito dessa potência hegemônica. (HARVEY, 2010, p. 210).
Em geral, todas as determinações da globalização financeira articuladas às formas estatais capitalistas globais, num processo que provoca a privatização acelerada dos bens comuns e dos serviços públicos, foram classificadas pelo geógrafo regulacionista como acumulação primitiva ou “[...] acumulação por despossessão.” (HARVEY, 2010, p. 165). Com efeito, a categoria da acumulação primitiva elaborada pela crítica da economia política é de
[...] grande importância caso se pretenda examinar a noção marxiana do Estado, sobretudo em seus vínculos com a economia, porque oferece ideias fecundas também para o desenvolvimento de análises das organizações estatais contemporâneas. (MORO, 2009, p. 205).
Mas, isso não significa que a acumulação primitiva na escala mundial se tornou, simultaneamente, genética e estrutural, o que representaria uma contradição nos termos da teoria do novo “[...] imperialismo enquanto acumulação por despossessão.” (HARVEY, 2010, p. 209). A confusão desta com a acumulação primitiva poderia ser superada através da distinção entre gênese e auto-desdobramento:
[...] portanto, a gênese de um modo de ser, nesse sentido, jamais deve ser compreendida como um ato único de uma transformação por intermédio da qual um novo ser, mantendo-se desde então permanentemente, se torna realidade, e se reproduziria em seguida de maneira isolada e homogênea. Gênese e auto-desdobramento são dois momentos finalmente iguais, ainda que não homogêneos, agindo concretamente de maneira bem diferente [...], independentemente do fato de que se busque compreender esse ser na sua unidade ou na sua diversidade. (LUKÁCS, 2009, p. 74).
O papel da violência na história do capitalismo concerne tanto às condições de sua gênese e desenvolvimento, quanto de sua superação. O uso dessa violência não tem uma forma dada para sempre, em todas as circunstâncias. Em cada caso, não há violência pré-definida em termos abstratos, mas articulada com o quadro social e histórico (ENGELS, 1977).
2.6 Teleologia do modo estatal global
As formas estatais capitalistas globais restam de natureza teleologicamente determinada, inicialmente, porque agem com vistas a um fim sistêmico, enquanto meio da manutenção das relações contraditórias do capitalismo na escala global. A partir dos fins sistêmicos2, a herança e a reificação do Estado do bem-estar social na escala planetária, naturalmente, pretende se eternizar como categoria que sintetiza a única alternativa às crises globais. Mas é preciso fazer uma crítica dessa ideologia, porque
[...] quanto mais uma categoria veicula significado utópico, e, portanto, quanto mais seu objeto encerra utopia, tanto mais pode se tornar o objeto de uma herança. (BLOCH, 1981, p. 25).
No sentido sistêmico da ideologia da regulação do capitalismo global, existe uma unidade utópica abstrata das contradições; quando, na realidade, é a relação dialética da forma estatal que se coloca em correlação com a forma capital do mercado mundial, de um lado; e, do outro, por dialética não se entende, então, a unidade das contradições, mas a unidade da unidade e das contradições (BLOCH, 1981). Existe uma interação, de fato, pois
[...] o que é causado se repercute sobre a causa, a modifica, e não apenas a posteriori, o mais frequentemente, pela razão importante segundo a qual aquilo que está em vias de ser causado, ele próprio, age imediatamente como causa particular. (BLOCH, 1981, p. 112-113).
Na realidade, são relações orgânicas entre formas relativamente autônomas. No domínio problemático da teleologia, é preciso fazer uma crítica para superar a ideologia da regulação do capitalismo global como a melhor via de ultrapassagem socialista do neoliberalismo, sem cair no impasse da escolha entre a socialdemocracia e o socialismo real (MANDEL, 1992). Em vez de trilhar a via apontada pelo autêntico socialismo do século XXI, a hipótese de que o comunismo é inteiramente inaceitável, especialmente por causa dos meios socialistas que lhe servem de condições prévias,
[...] em nenhum caso, porém, deve ser exagerada a tal ponto que conduza a rejeitar toda violência dirigida contra o mal e a serviço de uma causa justa [...], diante da qual nenhuma paz é sagrada; quando não conduzisse a preservar de toda expectativa, de toda revolução, levaria à violência estática, em tempo normal incontestável, exercida pela autoridade dominante. (BLOCH, 1981, p. 115).
A teleologia elaborada contra esta autoridade, em toda a sua riqueza de determinações, não é um socialismo utópico nem uma repetição da história ou como
[...] o simples wishful thinking, nem uma descrição puramente abstrata, mas a disposição de se tornar uma utopia concreta, que se nos impõe buscar até na utopia abstrata, na medida em que a imaturidade do possível real permitiu e colocou à disposição dessa utopia abstrata somente representações abstratas de sua essência. (BLOCH, 1981, p. 25).
Por outro lado, a natureza teleológica da forma-Estado na escala mundial muda de finalidade quando se torna uma forma em extinção, diante do processo de superação do modo de produção capitalista. Nesse caso, “[...] a gente não se contenta [...]”, como no caso dos regulacionistas,
[...] de assumir o papel dos médicos de cabeceira do capitalismo, quando seria conveniente mobilizar, graças ao fator causal da revolução, aquilo que só é ainda a simples condição de maturidade da passagem ao socialismo. Esse fator causal, que é de natureza social e histórica, de resto, especialmente não deve ser confundido com um fator mecânico, porque se têm em comum sua eficácia real o primeiro se distingue do segundo pelo antropomorfismo de sua atividade e de sua finalidade. (BLOCH, 1981, p. 122-123).
Em termos de herança, também, esse fim sistêmico utópico concreto (BLOCH, 1991) não tem nada a ver com a construção do socialismo real num só país, quando o Estado não se extinguiu, conforme foi
[...] prometido pelo fim revolucionário; testemunhou-se o nascimento do seu contrário, no lugar do reino da liberdade que se visava, surgiu uma burocracia seguramente perfeita. (BLOCH, 1981,p. 114)
Que se manteve como personifiação do Estado autoritário, atravessando os longos anos estalinistas, até o fim da guerra fria, “[...] em nome da fase de transição que se tinha reclamado.” (BLOCH, 1981, p. 114). Não está implicado na transição dita socialista real, principalmente, o desaparecimento da opressão de classe, cujo pressuposto é “[...] que o lucro individual não se justifica mais, que até mesmo se tornou sem objeto.”; pois, ao superar a ética do valor e, portanto, da mais-valia, “[...] uma ética sem propriedade, repousando sobre a solidariedade de todos.”, afinal de contas, “[...] somente é possível com o desaparecimento das classes.” (BLOCH, 1981, p. 185). Em suma,
[...] a força persistente do fator revolucionário subjetivo deve, então, ser instruída e guiada, não somente por um estudo prévio das causas no seio da ordem a ser mudada, mas, mais particularmente, pela busca de condições novas preparando a realização da ordem utópica concreta que exige – um ser finalmente semelhante à utopia. No nível político – mas não unicamente nesse nível – isso significa uma mobilização crescente das causas existentes e a criação de causas novas; porém, essa criação não se fará através de uma revolução política permanente colocada sob o signo infinito ruim, mas pela efetivação simultaneamente causal e final de um resultado revolucionário. (BLOCH, 1981, p. 125).
Isso só ocorrerá num novo Topos internacional, que “[...] não encerra nem a unidade da pessoa, nem a natureza fechada do grupo [...]”; nesse contexto,
[...] a pessoa está especialmente aberta e o grupo, ainda mais, inacabado e aberto para a frente – multiversum do conteúdo final, que será descoberto em comum. (BLOCH, 1981, p. 187).
Assim,
[...] contra a lógica mercantil e a privatização do mundo, emerge a ideia de outra lógica para a sociedade, fundada sobre uma pedagogia do bem comum, do serviço público, de um desenvolvimento durável respeitoso das condições de reprodução ecológica da espécie humana. Essas visões são incompatíveis com a gestão de vista curta através unicamente de arbitragens mercantis. (BENSAÏD, 2010, p.1).
A lógica mercantil e a privatização do mundo se articulam com a corrupção inerente à personificação e à reificação burocráticas globais. Porém, a luta contra a corrupção tem pouca relação com a extinção do Estado, exceto quando possibilita que uma prática democrática seja instaurada para impedir a restauração do poder da burocracia. Assim,
[...] a hegemonia da classe operária tem três características, a saber: acréscimo da pressão sobre a classe adversa, ampliação e aprofundamento da democracia, desaparecimento dos privilégios estatais. A corrupção, a degradação, podem ao contrário servir à crítica de direita, aquela que desemboca seja no fascismo, seja na ditadura militar. (LEFEBVRE, 1975b, p. 137).
Fez-se a crítica da filosofia política do modo estatal global, em outra ocasião, contra a dominação imperialista global (FARIAS, 2013a, 2013b), porque tanto “[...] a adaptação ativa a seu próprio ambiente.” sob uma nova constelação espaço-temporal, quanto
[...] a práxis como categoria fundadora da nova forma de ser, adquirem somente nessa crítica o conteúdo que caracteriza de maneira adequada a universalidade totalmente nova e, se não assim, inexplicável dessa nova forma de ser. (LUKÁCS, 2009, p. 75).
Essa práxis é oposta ao ser estático, adequado ao “[...] espírito de uma sociedade satisfeita dela mesma.”, como tipo ideal insuperável, cuja reificação encontra refúgio atrás das trincheiras de formas fenomênicas paralisadas, “[...] para proibir ao sujeito toda inscrição no devir.” (BLOCH, 1981, p. 39). Há uma escolha partidária e engajada na causa dos oprimidos no sentido de que a utopia concreta comunista internacionalista se torne a ideologia revolucionária do futuro, de modo que
[...] isso se alie com o conhecimento penetrante de todo aquilo que há de ruim na ordem estabelecida, com as qualidades do real portadoras de futuro, com a concepção de tendências e de latências que envolvem não somente possibilidades negativas mas, também, positivas. (BLOCH, 1981, p. 51).
3 CONCLUSÃO
Deixa-se o exame das funções do modo estatal global para outra ocasião. Com referência nas obras constitutivas da crítica da economia política (MARX, 1974, 1975, 1976a, 1976b, 1977, 1980), a forma-capital é uma totalidade configurada dialeticamente como um grande silogismo histórico (nasce, vive e morre), determinado por dois pequenos silogismos, a saber: universal-particular-singular e homogêneo-diferenciado-hierarquizado. O conceito de totalidade concreta é central no processo de produção do capital (livro I), no processo de circulação do capital (livro II) e no processo total de produção e circulação do capital (livro III). A forma- Estado, que fora abstraída em cada um desses processos, uma vez determinada, pode ser inserida, em termos funcionais como premissa e mediação de contradições fundamentais, nos contextos do capital em geral e dos capitais numerosos, os quais lhe servem de pressupostos teóricos e metodológicos. Pelo que foi visto acima, as formas de existência do ser social e histórico como categorias restam
[...] todas ainda inacabadas e, enquanto tais, saem delas mesmas, são transformáveis; o seu interesse, aquilo que lhes pertence, e que está implicado na marcha do mundo, está ainda em suspensão. (BLOCH, 1981, p. 60).
Em vez de que o verdadeiro
[...] se reduza a uma função reflexiva do pensamento, supostamente capaz de se garantir sozinho, esse é muito mais a ponte na direção do objeto encontrado no mundo, que se impõe e se revela decisivo. (BLOCH, 1981, p. 61).
Também, “[...] a causalidade que se estabelece no sentido inverso entre o objeto e o sujeito.”, em suma, a interação entre eles “[...] é, então, de uma importância decisiva.” (BLOCH, 1981, p. 61); ao inverso,
[...] uma teoria sem vínculos de ação recíprocos com o real permanece uma utopia abstrata, tendo por único efeito justificar uma realidade ruim. (BLOCH, 1981, p. 63).
A categoria central do enfoque do modo estatal global é, portanto, a do silogismo liberado do logicismo hegeliano (LÉNINE, 1973; BLOCH, 1977), para uma identificação processuaI, num todo aberto, dialeticamente estruturado sem a falsificação da reificação, do voluntarismo, do pseudo-concreto, etc., envolvendo portanto, desde a sua gênese, “[...] o conteúdo implicado no movimento e no fim do processo.” (BLOCH, 1981, p. 237).
Caso a utilização desse silogismo histórico sublinhe a relação teoria-prática, passa a ser
[...] exame crítico e conhecimento realista do futuro, das tendências do futuro, de sua latência no seio do presente, isto é, sobretudo conhecimento da possibilidade. (BLOCH, 1981, p. 25).
Não é uma idolatria da eterna ordem das coisas, pois
[...] a verdadeira divisa que preside à construção de nosso mundo e de nosso tempo, em que fervilha a experimentação do novo, é, ao contrário, marcada pelo carimbo da coerência e ela é, a esse título, a abertura para o que ainda não adveio. (BLOCH, 1981, p. 26-27).
Como elaboração de um ser social e histórico, trata-se, enfim, de uma totalização concreta, contraditória, com mediações e tendências e, portanto, aberta. Como o Estado é de natureza capitalista, ao mesmo tempo em que serve de premissa e mediação ao capital, a transição socialista exige a extinção simultânea de ambas as formas nos diversos momentos de sua totalização na sociedade capitalista (LÉNINE, 1975). A dificuldade vem da complexidade do processo de universalização das diferentes funções de condição prévia e mediação assumidas pelo modo estatal global, como forma que corresponde e se coloca no mesmo diapasão da mundialização do capital. Assim, configura-se Quadro 4.
O pseudo-concreto funcional do modo estatal global se exprime por meio da ideologia da governança global inerente a um império informal (PANITCH; GINDIN, 2013). Substancialmente, as funções do Estado se desenvolvem sem cessar, pois
[...] o fundamento de uma genericidade unitária da humanidade, o mercado mundial, aparece seguramente até o presente sob formas extremamente contraditórias, pois, por enquanto, ele exacerba em vez de atenuar, e ainda menos suprimir os contrastes entre os grupos individuais, mas é precisamente aí, em razão das interações reais que intervêm até na vida dos indivíduos, que ele é um momento importante no ser social atual. (LUKÁCS, 2009, p. 410).
Embora sejam determinações ontológicas capitalistas, o modo de produção e o modo estatal na escala mundial, com sua dialética realmente existente, provocam o desenvolvimento da socialização do ser social global. Enfim,
[...] o conhecimento humano pode – post festum – constatar a realidade dessas tendências da evolução e delas tirar conclusões sobre o caráter dinâmico desse modo de ser; pode e mesmo deve – ainda post festum – constatar que as novas formas ontológicas puramente sociais da sociedade, que nascem assim, são elas também produtos de suas próprias atividades, humanas, sociais. (LUKÁCS, 2009, p. 410).
É nesse quadro de totalização concreta do ser social na escala global que as duas categorias principais, uma da base (o capital) e a outra da superestrutura (o Estado) da formação socioeconômica capitalista, se afirmam como modos de existência cada vez mais sociais, cujo desenvolvimento envolve unidade e luta, buscando obter juntos a preeminência real em todos os movimentos espaço-temporais decisivos. Em compensação, existe
[...] a questão da concepção marxiana da gênese e do papel sociais da consciência humana, de seu vínculo indispensável com a práxis social enquanto momento essencial dos processos objetivos sobre a ação conjugada dos quais se constrói o ser social. Essa correlação indispensável na sua gênese e na sua ação é uma das determinações ontológicas objetivas mais importantes e centrais do ser social. Os complexos que constituem a realidade objetiva e a imagem do mundo no pensamento, que são frequentemente concebidos na filosofia como separados, são momentos ontologicamente inseparáveis de um processo finalmente unitário, histórico na sua essência. (LUKÁCS, 2009, p. 410-411).
No processo de compreensão e transformação da formação socioeconômica como uma totalidade dialética, não há capital globalizado sem Estado globalizado (FARIAS, 2014b). A parcialidade da filosofia política, da sociologia política e da economia política, foi explicitada numa trilogia sobre o desenvolvimento desigual do capitalismo global, saber: o modo estatal, o imperialismo e a sua crise (FARIAS, 2013a, 2013b, 2015). Embora a humilhação, a exploração e a dominação se globalizem, na luta de classe contra a opressão, o calcanhar de Aquiles reside no Estado nacional, não como forma isolada, mas como elemento do modo estatal global, cuja dialética se exprime através das categorias de sua elaboração como ser social que nasce, vive e morre. Na dialética do todo, a forma estatal universal só se realiza através das específicas, razão pela qual não se perpetua como figura de um sistema imperial pós-moderno, sem luta de classes e, portanto, sem subjetividade capaz de se engajar na utopia concreta de sua extinção. Configura-se na dinâmica de um grande silogismo histórico, de um processo de totalização concreto, complexo, contraditório, tendencial e aberto, cuja superação em favor dos oprimidos torna-se possível e urgente, em meio à crise global. Neste caso, a inquietude torna-se dialética a ponto de “[...] não cessar de revirar as figuras nas quais ela se exprime.”, mas “[...] o núcleo que provoca a evolução é a subjetividade.”, cuja dinâmica específica supera a reificação e impede que “[...] se ignore a história humana, colocando-a em movimento e orientando este movimento para uma tentativa de ser-para-si.” (BLOCH, 1981, p. 209), em que prevalece a luta contra a exploração, a dominação e a humilhação do homem pelo homem.
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Notas