Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


NEOLIBERALISMO E SEUS IMPACTOS NO MUNDO DO TRABALHO: transformações e desafios frente a informalidade
NEOLIBERALISM AND ITS IMPACTS ON THE WORLD OF WORK: changes and challenges facing the informality
Revista de Políticas Públicas, vol. Esp, pp. 227-235, 2016
Universidade Federal do Maranhão

Mesas temáticas coordenadas


Recepção: 26/02/16

Aprovação: 06/06/16

Resumo: O presente trabalho situa-se no âmbito deuma pesquisa cujo objetivo principal é analisar as condições de trabalho dos catadores de lixo, levando-se em consideração as práticas de reaproveitamento desenvolvidas nesse trabalho específico. Entendendo o catador de lixo como integrante da classe trabalhadora, a reflexão propõe ser imprescindível discutir acerca da categoria trabalho, bem como sobre as mudanças sucedidas no decorrer da história, dando ênfase ao capitalismo e o seu modelo de acumulação, o Toyotismo. Destaca que no contexto propiciado pela emersão de várias formas de trabalho, encontra-se o trabalho informal e, de modo particular, o catador de lixo.

Palavras-chave: Trabalho, catador de lixo, neodesenvolvimentismo.

Abstract: This work is located within deuma research whose main objective is to analyze the working conditions of waste pickers, taking into account the reuse practices developed in this particular job. Understanding the garbage collector as a member of the working class , reflection proposes to be essential to discuss about the work category , as well as on the changes achieved in the course of history , with an emphasis on capitalism and its accumulation model, Toyotism . It points out that in the context brought about by the emergence of various forms of work, is informal work and , in particular, the garbage collector .

Keywords: Work, garbage collector, neo-developmentism.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho consiste em uma pesquisa cujo objetivo principal é analisar e discutir o conceito da categoria trabalho como categoria ontológica fundante do ser social, as mudanças no mundo do trabalho e as novas formas de organização do mesmo no século XXI, a informalidade e as condições de trabalho dos catadores de lixo, levando em consideração as práticas de reaproveitamento por eles desenvolvidas, como seu trabalho específico. Entendendo o catador de lixo como classe trabalhadora, trabalhador informal, acredita- se imprescindível discutir a cerca da categoria trabalho bem como das mudanças que vem ocorrendo no decorrer da história, dando ênfase para o capitalismo e o seu modelo de acumulação, o Toyotismo.

Para tanto, traçou como objetivos específicos: compreender, mediante levantamento bibliográfico, como a categoria trabalho se apresenta na sociedade capitalista; Identificar como as condições de trabalho do catador de resíduos sólidos são percebidas por esses sujeitos e por outros sujeitos coletivos; Investigar como se dá o processo de reaproveitamento desenvolvido pelas famílias que o realizam através do trabalho informal - a catação de resíduos sólidos e a por contagem quantitativa irrisória desse trabalho frente a produção de lixo oriunda do nosso modo de produção contemporâneo que tem como uma das características principais a obsolescência programada. Tendo em vista que os catadores de lixo que exercem o trabalho informal são classe trabalhadora, isto é, indivíduos que se encontram em situação de vulnerabilidade e que necessitam de proteção social por estarem desprovidos de direitos sociais e trabalhistas é que se apresenta o interesse pela temática.

Além de acreditar na importância dessa análise, a temática foi tomada como uma oportunidade única de acrescentar novos conhecimentos. Tendo em vista que o estudo traz uma abordagem diferente e inovadora. Além disso, a temática a cerca das condições de trabalho do catador de lixo ainda é pouco problematizada no debate contemporâneo.

Observa-se, portanto, que o trabalho contribui no sentido de aumentar saberes e teorias já disponíveis. Constituindo assim, uma fonte de informação e pesquisa para aqueles que almejarem estudos sobre o tema.

Dividimos esta pesquisa em quatro partes: a primeira trata do trabalho como categoria ontológica fundante do ser social. A segunda aborda as transformações ocorridas no mundo do trabalho bem como suas implicações para a sociedade do trabalho contemporânea. A terceira explana sobre o novo-desenvolvimentismo da América Latina, especialmente no Brasil, evidenciando o que isso ocasionou para a questão ambiental e para o catador de lixo. Por fim, o quarto trata da discussão acerca das condições de trabalho dos trabalhadores informais, mais especificamente, em nossa pesquisa, os catadores de lixo da região.

Esse estudo é fruto de um grupo de pesquisa do Vale do Guaribas, o Grupo de Estudo em Políticas Publicas (GEPP). O grupo é composto de vários estudantes de pós-graduação de várias Instituições de Ensino Superior, os quais todos têm um vinculo, seja este institucional ou profissional com o Instituto de Educação Superior Raimundo Sá.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 O trabalho como categoria ontológica

Segundo Marx (2008, p. 28-29),

[...] na produção social de sua existência, a humanidade estabelece relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau das forças produtivas materiais.

O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual correspondem determinadas formas de consciência social. Portanto, o modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral.

Com o surgimento da sociedade capitalista, o trabalho passa a ser visto como reprodução social, ou seja,

[...] todo ato de trabalho resulta em consequência que não se limitam à sua finalidade imediata. Ele possibilita o desenvolvimento das capacidades humanas, das forças produtivas, das relações sociais, de modo que a sociedade se torne cada vez mais desenvolvida e complexa (LESSA, 2003, p. 25-26).

Para Marx o trabalho é visto como categoria fundante do ser social, conservando-se como pressuposto da existência humana, se colocando como condição necessária e natural do intercâmbio material entre os indivíduos e a natureza e daqueles que vivem em sociedade. Porém, a sociedade burguesa impôs como fenômeno a divisão social do trabalho, separando o trabalho intelectual, do qual o trabalhador coletivo é uma característica essencial do trabalho manual. Isto trouxe como consequência perversa os processos alienantes do capital a perda da distinção entre a produção e a reprodução da totalidade social.

Na sociedade capitalista “[...] a relação social adquire a forma de uma relação entre coisas.” (ANTUNES, 2008a, p. 147). Essa forma de produção descaracteriza a relação entre o homem e sua obra, caracterizando a alienação. A divisão social do trabalho e a proprie dade privada dos meios de produção tornam-se fundamentos de dominação da vida social. Diante desta realidade, Lukács (1992, p. 81-82) enfatiza a possibilidade e a necessidade que o proletariado tem do conhecimento para a transformação radical da sociedade e a total superação da exploração do homem pelo homem.

Somente com a entrada do proletariado em cena o conhecimento da realidade social encontra seu cumprimento: alcançar a visão mais clara da sua situação de classe. Com o ponto de vista de classe do proletariado emerge uma perspectiva a partir da qual a totalidade da sociedade torna-se visível (LUKÁCS, 1992). Esta classe, que produz a riqueza material e que é objeto de exploração do capital, necessita, para poder ter acesso à riqueza que ela mesma cria superar completamente toda exploração do homem pelo homem. “Para isso ela demanda uma explicação acerca da origem do ser social, da natureza do processo histórico e da desigualdade social.” (TONET, 2013, p. 67).

Portanto, para Marx, o trabalho é tido como principal ponto mediador entre o ser social e a natureza e o ser social e a própria sociedade. O ser social,

[...] não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante de seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho. (MARX, 2008, p. 212).

Pelo trabalho é que os homens e as mulheres produzem os bens necessários para a vida social e se constitui na mediação entre a capacidade teleológica e a objetivação das habilidades, potencialidades, necessidades, criatividade. A história do ser social é caracterizada pela concepção de novos complexos de organização social e da capacidade de viver em uma sociedade cada vez mais complexa e articulada.

Para Iamamoto (2006, p. 41),

[...] o homem afirma-se como ser criador, que age consciente e racionalmente, visto que o trabalho é atividade prática e espiritual. O processo de criação, do ponto de vista do sujeito, é processo de autocriação humana.

É pela atividade do trabalho que ocorre o despertar das forças da natureza humana. Na medida em que o ser social se apropria dessasforças, cria e satisfaz suas próprias necessidades sociais pela criação do trabalho.

Na concepção marxista é esta relação que estabelece o processo de humanização e hominização do ser social, portanto, o trabalho é condição constitutiva da essência humana. O trabalho, enquanto categoria ontológica fundante do ser social, é a manifestação da liberdade, da capacidade humana de criar a sua própria existência.

2.2 Modo de produção capitalista e desigualdade social: transformações nos processos de produção e reprodução social para afirmação da ordem do capital

O modo de produção capitalista a medida que se consolida provoca uma subsunção do trabalho ao capital constituindo-se na gênese da questão social. Araújo (2009) evidencia que desde a Primeira Revolução Industrial (que se estende até meados do século XIX) já se tornava evidente a pauperização da classe trabalhadora no berço da industrialização, na Inglaterra, e fora dela. Nestes temos é que se desnuda a questão social entendida como a relação de exploração de uma classe (capitalistas) sobre outra (trabalhadores), de onde Marx (2008, p. 724), ao analisar o movimento do capital, extrai a lei geral da acumulação capitalista e suas consequências, que se expressa tanto no aumento gradativo da riqueza quanto da pobreza,

[...] e tem de ser assim num modo de produção em que o trabalhador existe para as necessidades de expansão dos valores existentes, em vez de a riqueza material existir para as necessidades de desenvolvimento do trabalhador [...]

O trabalho entendido, como a práxis humana primeira, é o meio pelo qual o homem, no decorrer do processo histórico, vem promovendo o seu desenvolvimento individual e social, bem como proporcionando o desenvolvimento de novas habilidades intelectuais e manuais, que antes não dispunha frente as suas limitações primitivas. À medida que o homem amplia o domínio sobre a natureza através do trabalho possibilita também que ele crie alternativas que lhe liberam para escolhas, estas por sua vez, é realizada através do exercício da liberdade, entendida como a possibilidade de potencializar suas capacidades em busca do atendimento de suas necessidades.

No modo de produção capitalista o trabalho se desvincula do homem enquanto força potencializadora e criativa realizada para suprir suas necessidades, passando a responder a necessidade de produção de valor para a acumulação e enriquecimentos dos detentores dos meios de produção. As contradições são engendradas por um modo de organizar a produção que solapa a energia vital dos trabalhadores e os recursos naturais disponibilizados para todos, mas apropriados por poucos e que resulta em diversos fenômenos negadores da vida: violência urbana, tsunamis, aquecimento global e bombardeios, fome, pobreza, dentre outros. Assim, uma das questões mais evidentes das contradições da sociedade capitalista é a relativa ao trabalho e, por conseguinte, ao desemprego visto que não há nenhum país que, em alguma medida, não esteja vivenciando o desmoronamento do trabalho assalariado.

Assim na sociedade capitalista o trabalho enquanto atividade humana vital alimenta em si uma contradição: num primeiro momento foi capaz de modelar a própria sociabilidade humana, por meio da criação de bens materiais e simbólicos socialmente vitais e necessários; mas, de outro lado, trouxe também a marca do sofrimento, da servidão, alienação e da sujeição na ordem capitalista, que subordina o valor de uso ao valor de troca.

A partir de 1870 assiste-se a primeira crise mundial do capital que decorre da superprodução sem a conseqüente expansão de um mercado para absorção da riqueza produzida. As estratégias adotadas pelo capital para superação da crise vão conduzir a uma nova fase de expansão capitalista, agora sob novos moldes - o capitalismo monopolista. Essa nova fase expansiva vai se constituir nos trinta anos gloriosos do capitalismo em âmbito mundial, na sequência da segunda guerra mundial, e tem na sua base a possibilidade concreta de um consenso entre as classes sociais antagônicas, através da perspectiva de concessão de direitos de cidadania a classe trabalhadora, na Europa Nórdica e em alguns países da Europa Ocidental.

No Brasil o processo de industrialização se deu pelas mãos do Estado que difunde a ideologia desenvolvimentista com vistas a favorecer a formação e crescimento da classe trabalhadora urbana na perspectiva de acessar melhores condições de vida e, assim, atrair a população rural para os centros urbanos.

O processo de crescimento acelerado desde os anos 1950, numa ótica desenvolvimentista em que se busca a criação das estruturas necessárias ao desenvolvimento industrial, e dos anos 1970 gerou o fenômeno da urbanização desordenada pela falta de investimentos, em especial nas áreas periféricas das cidades, alvo de invasões desordenadas, de formação de favelas ou de bairros populares sem a necessária infraestrutura para abrigar essa população.

Os anos de 1980 vai se caracterizar por altas taxas de inflação, baixo crescimento da economia e crise do Estado desenvolvimentista. Essa realidade já sinalizava a crise mundial em evidência apresentando uma taxa de crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) de apenas 3%, em contraste com os anos de 1970, quando a economia brasileira apresentava um crescimento médio de 8,8% (POCHMANN, 2001).

No contexto mundial a crise capitalista e as saídas da crise apontavam para um cenário regressivo com avanço de reformas neoliberais, imposta aos países periféricos, com o ajuste estrutural a ordem globalizada, pelo Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI) nos empréstimos e renegociação das dívidas. O Brasil, em função da conjuntura de redemocratização não adere nessa fase, ao contrário, afirma na Constituição Federal (CF) de 1988 um Estado Democrático de Direitos e agente de desenvolvimento econômico e social. Todavia, nos anos 1990 avança a adesão a essa nova realidade mundial.

A década de 1990 evidencia o processo de diminuição da participação do Estado brasileiro na economia, inspirado pelos governos conservadores da Inglaterra, com Margaret Thatcher (1979), e dos Estados Unidos, com Ronald Reagan (1980), que com a chegada da crise do modelo econômico do pós-guerra viu avançar uma longa e profunda recessão, minando as conquistas alcançadas nos trinta anos gloriosos do capitalismo. A receita para tal crise era, no receituário neoliberal, manter um Estado forte para fazer frente ao poder dos sindicatos e, ao mesmo tempo, diminuir os gastos sociais e as intervenções econômicas, em busca da estabilização monetária.

Conforme aponta Pereira (2012, p. 742)

[...] foi o governo de FHC que apresentou a maior incompatibilidade entre a agenda governamental e os direitos sociais previstos na Constituição Federal/1988.

Privilegiando uma política monetária em acordo com os interesses neoliberais, descompatibilizou a política econômica dos compromissos socialmente subscritos no texto da CF/1988 em defesa dos direitos. Assim, a década de 1990 vê-se desfigurar as conquistas afirmadas na Constituição Cidadã e assiste-se ao desvirtuamento dessas conquistas quando da regulamentação desses direitos, especialmente os relativos as políticas componentes da seguridade social (previdência, saúde e assistência social).

As medidas adotadas resultaram em elevados índices de desemprego formal, precarização das condições de contratação, flexibilização das relações de trabalho, achatamento dos salários, aumento da carga tributária, precarização das condições de vida de milhões de famílias, retirada do Estado das funções econômicas, divisão de suas funções sociais com o mercado e sociedade civil e suas organizações, dentre outras. Esse quadro agrava a questão social na contemporaneidade porque promove e acentua as desigualdades e que reflete no valor e distribuição das pessoas nas áreas urbanas, nos recursos disponíveis para promover políticas urbanas efetivas e capazes de diminuir essas desigualdades. Os muitos limites nas condições de reprodução social na conjuntura dos anos de 1980-1990 imprimem novas formas nas configurações dos processos segregatórios, especialmente a partir das modificações propostas pela reestruturação produtiva com vistas a recuperar o ciclo expansivo do capital em favor das elites.

Assim, a perspectiva desenvolvimentista, que busca a integração entre industrialização e formação de uma economia nacional, assume características próprias no capitalismo na América Latina que se caracteriza por uma “[...] situação de dependência externa e a extrema desigualdade entre as classes sociais.” (SAMPAIO JR, 2012, p. 674). Neste sentido, o sonho desenvolvimentista burguês desmorona quando reduz o processo de desenvolvimento a mera industrialização e modernização da economia nacional sem enfrentar, no entanto, a questão da autonomia nacional e da integração social. Ou seja, sem discutir como se dá a inserção da economia nacional no mercado mundial frente aos limites impostos pelo capital.

Na América Latina, nos anos 2000, vê- se candidatos de setores progressistas, com posicionamentos anti-imperialistas, chegarem ao poder tendo como projeto político a defesa do desenvolvimento nacional, entendido como instrumento para viabilizar a autonomia dos Estados Nacionais, sendo nominado de novo desenvolvimentismo ou neodesenvolvimentismo, no plano econômico e social.

Para Sampaio Jr. (2012, p. 678) o

[...] chamado neodesenvolvimentismo é um fenômeno recente e localizado, indissociável das particularidades da economia e da política brasileiras na segunda metade dos anos 2000.

Se no primeiro governo Lula (2003-2006) havia poucas chances de fugir das consequências do estrangulamento cambial e da tutela econômica do FMI, herança da política dos governos anteriores, uma nova configuração se afirma a partir do segundo mandato. Após três décadas de estagnação o país assiste uma retomada do crescimento econômico e o aumento da capacidade de consumo das famílias decorrente da recuperação do poder aquisitivo do salário. Esse novo contexto é festejado pelo governo, expresso na visão otimista de considerar o país impune a crise que se configurava no contexto global. A questão evidente, no entanto, é que neodesenvolvimentismo como representação de governos pós-neoliberais, que tem compromisso com o crescimento econômico associado a redistribuição de renda, acabam por reforçar os pilares do Estado neoliberal no Brasil. Em que pese as conquistas dos governos Lulas é necessário que se reconheça que favoreceu a melhoria das condições de vida dos brasileiros; no entanto, favoreceu, paralelamente, “[...] a remuneração do capital financeiro, industrial e do agronegócio que operam no país.” (PEREIRA, 2012, p. 746).

No caso do Brasil, a pobreza diminuiu nos últimos anos, em razão principalmente de um aumento real do salário-mínimo e do programa Bolsa Família. Isso, porém, não significou mudança nas estruturas geradoras da desigualdade social. Ao contrário, a política econômica vem enriquecendo de modo exponencial os mais ricos - os 5% no topo da pirâmide social. Portanto, ocorre diminuição da pobreza, sim, mas, ao mesmo tempo, aumento da desigualdade social. A maior parte do resultado do trabalho, a maior parte dos recursos produzidos no país, vai para a camada mais rica, através do sistema tributário, do imposto sobre o consumo - que tem um peso maior que aquele sobre a renda - e do pagamento da dívida, dos juros da dívida, do superávit primário.

Qualquer tipo de desenvolvimento deve ser pautado numa dimensão que venha contemplar de maneira plena a vida do homem no planeta, não esquecendo nenhum aspecto que possa vir promover qualidade de vida a toda e qualquer tipo de vida existente para que desta forma possa ser implementado um projeto de desenvolvimento baseado no cuidado ecológico, sendo que qualquer projeto de economia ecológica, tem de ter como prioridade a redução da desigualdade social, não bastando a redução da pobreza.

2.3 Condições de trabalho dos catadores de lixo

Com base em todo o contexto delimitado acima, observa-se que os trabalhadores contemporâneos vivenciam os efeitos negativos provocados pelo sistema econômico de produção, gerando assim, uma categoria que desempenha trabalhos sob as condições mais adversas possíveis.

No tocante a isso, evidencia-se que uma parcela de trabalhadores desenvolve suas atividades laborativas de maneira bastante precária, pois estão inseridos diretamente na questão ambiental. Aqui destacamos o trabalho dos catadores de lixo, indivíduos que “[...] coletam, beneficiam e vendem os materiais recicláveis.” (MOTA, 2012, p. 9).

Os catadores de materiais recicláveis estão entre os trabalhadores que constituem essa nova informalidade. Desprovidos de quaisquer meios para a mera sobrevivência vão à busca de resíduos da produção capitalista, objetos que depois de passarem pelo lixo são novamente devolvidos a população em forma de mercadorias, assim esta atividade demonstra funcionalidade à produção capitalista. Contudo, o uso dessa força de trabalho tem sido tratado pelo conjunto mais amplo da sociedade como se fosse uma benesse do Estado e do capital. (MELO; SOUTO, 2000, p.61).

O catador de resíduos sólidos encontra-se na condição de excluídos, onde não foram absorvidos pelo mercado de trabalho formal, mas inseridos no trabalho informal e, além disso, necessita da venda de seus achados a preços irrisórios, devido o trabalho desgastante que os mesmos desenvolvem. Sendo assim, os mesmos estabelecem uma relação de compra e venda da força de trabalho com aqueles que compram a mercadoria descartada e agora será reciclada.

Considerados “excluídos sociais”, estes trabalhadores da rua cumprem papel decisivo no processo produtivo da indústria de reciclados, visto que são fornecedores de trabalho “materializado” - fornecem a matéria-prima daquelas indústrias – sendo a compra e venda de sua força de trabalho encobertas na forma de compra e venda de mercadorias. Assim sendo, o sucesso pessoal, a capacidade de satisfação de suas necessidades no mercado depende do quantum de mercadorias que remete cotidianamente às empresas - através de intermediários (deposeiros ou cooperativas) – as quais fixam o valor da remuneração da força de trabalho pelo número de unidades/peso (ou peças) e pelo tempo dispensado para obtê-lo. Este processo tem como resultado imediato o aumento dos lucros das empresas (TEXEIRA apud SILVA, 2010, p.131, grifo da autora).

Nesse sentido, percebe-se que os catadores de materiais recicláveis desenvolvem tal atividade pela necessidade de manutenção e reprodução da vida, mas em contrapartida os coloca na condição de indivíduos vulneráveis, a margem do trabalho e da sociedade.

Enfim,

[...] os catadores de lixo são pessoas que se encontram marginalizadas por desenvolver uma atividade inferior no conceito da sociedade. Isso resulta em indivíduos com a autoestima baixa, e com o conceito de cidadania distorcido. (OLIVEIRA, 2007, p.3).

No Brasil, evidencia-se um trabalhador condicionado a uma atividade de cunho precário devido à ligação direta com o próprio daqueles que a desenvolve, pois

[...] a suposta situação de exclusão dos catadores (desemprego, baixa escolaridade, faixa etária elevada) o qualifica para esse tipo de ocupação. (BOSI apud MELO; SOUTO, 2000, p. 57).

A realidade dos catadores de lixo se apresenta bastante precária, levando em consideração o olhar acerca das próprias condições de vida destes. Seiffert (2009, p. 29) corrobora ao dizer que as famílias:

Vivem na miséria, sujeitos à poluição gerada tanto pelo seu próprio estilo de vida, quanto por aquela que se origina do estilo de vida esbanjador das elites urbanas. Não têm acesso nem a infraestrutura e serviços adequados, nem a moradia decente e a maioria dos indivíduos são de baixa renda.

No que diz respeito, aos tipos de moradias, depara-se em sua grande maioria, com casas de tijolo/adobe, e mesmo que uma quantidade mínima ainda percebe a existência de domicílios de taipa revestida. Além disso, a presença também de barracos.

Nesse sentido, as residências dos catadores de resíduos sólidos encontram-se com uma estrutura bastante comprometida. Além disso, não são proprietários das mesmas, devido à falta de capital. Nesse caso, em sua grande maioria são moradias emprestadas e até mesmo alugadas.

No que concerne o saneamento básico, este não se faz presente na área na qual residem os catadores, onde não contam nem mesmo com um sistema de esgoto.

No que alude ao tipo de abastecimento de água, algumas famílias por não disporem da rede pública, consomem água de poço, nascente, ou até mesmo pedem emprestado recipiente de água na casa de vizinhos, dentre outros. Vale ressaltar ainda, que apenas uma parcela mínima de famílias conduz a água em seus domicílios ao tratamento adequado, como a filtração, fervura e cloração. Sendo assim, não há presença de hábitos higiênicos.

No que se refere as doenças mais frequentes, observou-se a gripe, crises de garganta e dores de cabeça, estas por sua vez, estão totalmente relacionadas ao próprio contexto em que vivem os sujeitos, uma vez que, o contato direto com o lixo bem como, com a fumaça causada pela queima do material hospitalar, faz emergi-las. Além disso, o lixão atrai urubus, inúmeros animais e insetos transmissores de doenças, onde os catadores convivem diariamente com estes, e por isso não estão imune aos problemas de saúde. E nos dizeres de Alberton e Virginio (2009, p. 17):

[...] Eles frequentemente vão ao posto por estarem diretamente em contato com objetos cortantes e produtos contaminados. Não há rede de esgoto. A verminose e escabiose são comuns e as crianças também sofrem com os problemas porque enfrentam a mesma jornada de trabalho de seus pais. Nos dias de chuva, o mau cheiro causa dor de cabeça. Em dias de sol, ocorre a queima dos gases armazenados no lixo, produzindo muita fumaça. Os catadores têm crises de tosse e os problemas de saúde agravam-se, principalmente em crianças e idosos.

A realidade dos catadores de materiais recicláveis se apresenta de maneira desfavorável e desumana para os mesmos. Além disso, devido as suas limitações intelectuais bem como a renda extraída a partir desta atividade, esta por sua vez, aparece de maneira ilusória para os sujeitos, tendo em vista que, o valor obtido não os deixa perceber o contexto total em que vivem e trabalham. Conforme Barroco (2008), isso se configura na alienação do trabalhador da sociedade capitalista. Pois:

Ao ser alienado, em todo processo, da atividade que lhe confere identidade humana, o trabalhador se aliena do objeto que ele mesmo criou; com isso se aliena da atividade, da relação – consigo mesmo e com os outros. Cria-se uma cisão entre sujeito e objeto, uma relação de “estranhamento” que permite a (re) produção de relações sociais a riqueza humana socialmente construída não é apropriada material e espiritualmente pelos indivíduos que a constituíram; o produto da atividade humano-genérica se converte em algo que “não diz respeito” aos indivíduos singulares, o próprio indivíduo se torna objeto e os objetos passam a valer como coisas. (BARROCO, 2008, p. 34).

Esse estranhamento por parte do catador de resíduos sólidos é bastante negativo, pois com isso, os indivíduos se acomodam com a situação existente, por isso não buscam mudanças nem tampouco acreditam na possiblidade de transformação de sua realidade.

Diante do contexto, ainda podemos destacar o antagonismo que existe na sociedade capitalista, isto é, a dicotomia entre as duas classes fundamentais, segundo Marx (2008), onde o capitalista é detentor dos meios de produção, enquanto que os trabalhadores (força de trabalho assalariada) são expropriados e desprovidos destes, dispondo apenas da força de trabalho, onde no intuio de assegurar sua sobrevivência, a vende para o capital, iniciando assim, um processo de compra e venda da força de trabalho. A obtenção de lucro é o objetivo primeiro e último do capital. Nesse sentido, aqui a burguesia, aqueles que têm muito, são os empresários, e os trabalhadores, que são aqueles que não dispõem de nada, apenas sua força de trabalho, são os catadores de materiais recicláveis.

Podemos perceber que numa sociedade dividida em classes e de forma tão desigual, conforme o contexto exposto, não é possível combinar acumulação com equidade, como já diziam Berhing e Boschetti (2011).

3 CONCLUSÃO

Portanto, o catador de resíduos sólidos enquanto classe trabalhadora desempenham suas atividades sob condições subumanas e precárias, haja vista, ser um problema que atinge a categoria trabalho, e por isso, os trabalhadores em geral. No entanto, os catadores de materiais recicláveis encontram-se mais vulneráveis, pois estão inseridos dentro de um fator ainda mais agravante, a questão ambiental.

Evidenciou-se também, a instabilidade e insegurança no trabalho em que vivem os catadores de resíduos sólidos, uma vez que os mesmos estão inseridos na informalidade. O contexto esta relacionado ao próprio perfil, pois são sujeitos de baixa escolaridade, e pela condição de excluídos, tendo em vista que não foram absorvidos pelo mercado de trabalho formal, ficando condicionados a viver em tais condições, estas precárias e invisíveis perante a sociedade e Poder público.

Além disso, a situação é de extrema pobreza, esta por sua vez, vista de forma naturalizada para alguns, incluindo para os próprios sujeitos vitimas do capitalismo devido às mudanças no mundo do trabalho. Um sistema econômico de produção que tem estabelecido lugar para os indivíduos mesmo este lugar sendo de pobreza e precariedade extrema. Percebe-se ainda, que os catadores de lixo vivem em um trabalho alienado, tendo como trabalho específico do catador, as práticas de reaproveitamento, uma delas é a reciclagem. Além disso, os catadores realizam a coleta dos materiais para o processo de reciclagem, bem como reutiliza-los no seu consumo. Nesse sentido, as características percebidas acerca dos catadores de resíduos sólidos foram: condições de trabalho e de vida subumanas e precárias, instabilidade e insegurança no trabalho e naturalização da pobreza.

Com base no que se pôde apreender das entrevistas e da realidade observada, o catador de lixo do lixão mencionado desenvolve práticas de reaproveitamento sob condições de vida e de trabalho subumanas. No entanto, sabendo que a objetivação desse trabalho só é possível mediante a existência dos atravessadores, assim denominados os empresários do setor.

A pesquisa evidenciou que o trabalho do catador de lixo além de ser condicionado, é uma atividade alienada, uma vez que produz uma renda que se apresenta para os mesmos de maneira ilusória, pois os mesmos desconsideram o contexto e as condições em que vivem em detrimento dessa renda.

A falta de escolaridade, a baixa renda, ausência de uma moradia decente, os qualifica nessa ocupação, fazendo com que os catadores de lixo naturalizem a sua realidade, e não acreditam que são merecedores de algo melhor, e que não é possível mudar aquilo que está posto.

As famílias que sobrevivem da catação de resíduos sólidos, a realiza sob condições subumanas e ademais, são sujeitos fragilizados por consequência do próprio contexto em que vivem. A busca por uma ruptura dessa realidade é algo necessário.

Referências

ALBERTON, C. R.; VIRGINIO, L. F. Os impactos negativos gerados pelos lixões. Mundo jovem, Porto Alegre, ano 47, n. 400, p. 17, set. 2009.

ANTUNES, R. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 13. ed. rev. ampl. São Paulo: Cortez, 2008.

ARAUJO, J. P. S. A influência do toyotismo na reestruturação do sistema capitalista: uma análise gramsciana. Universitas Relações Internacionais, Brasília, DF, v. 7, n. 2, p. 35-56, jul./dez.2009.

BARROCO, M. L. S. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. 7. ed. São Paulo: Editora Cortez, 2008.

BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo: Editora Cortez, 2006.

LESSA, S. A materialidade do trabalho e o trabalho imaterial. Outubro, São Paulo, n. 8, p. 27-46, jan./ jun. 2003.

LUKÁCS, G. História e consciência de classe: estudos de dialética marxista. Trad. Telma Costa; Revisão Manuel A. Resende e Carlos Cruz. 2. ed. Rio de Janeiro: Elfos Ed.; Porto, Portugal: Publicações Escorpião, 1992.

MARX, K. Prefácio à contribuição para a crítica da economia política. Trad. Edgard Malagodi. São Paulo: Nova Cultural, 2008. (Coleção: Os Pensadores).

MELO, J. A. de; SOUTO, J. V. Interfaces no Trabalho dos catadores de materiais recicláveis: relações complexas com o Estado e o Capital. Temporalis, Brasília, DF, ano 1, n. 1, p.49-70, jan./jun. 2000.

MOTA, A. E. (Org.). Desenvolvimentismo e construção de hegemonia: crescimento econômico e reprodução da desigualdade. São Paulo: Cortez, 2012.

OLIVEIRA, M. M. Lixo e trabalho sob o olhar de catadores de materiais recicláveis em ipatinga-mg. Oikos, Viçosa, v. 19, p. 33-52, 2007.

PEREIRA, P. A. P. Utopias desenvolvimentistas e política social no Brasil. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 112, p. 729-751, 2012.

POCHMANN, M. O emprego na globalização: a nova divisão internacional do trabalho e os caminhos que o Brasil escolheu. São Paulo: Boitempo, 2001. Disponível:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_nlinks&ref=000239&pid=S0104-4478200200020000600045&lng=en>. Acesso em: 26 fev. 2015.

SAMPAIO JR, P. de A. Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo: tragédia e farsa. In: Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 112, p. 672-688, 2012.

SEIFFERT, M. E. B. Gestão ambiental: instrumentos, esferas de ação e educação ambiental. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

SILVA, M. das G. Questão ambiental e Desenvolvimento Sustentável: um desafio ético- político ao Serviço social. São Paulo: Cortez, 2010.

TONET, I. Método científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács, 2013.



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visualizador XML-JATS4R. Desarrollado por