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MIGRANTES DA TERRA: a migração em áreas de reforma agrária no Maranhão
LAND MIGRANTS: migration in areas of land reform in Maranhão
Revista de Políticas Públicas, vol. Esp, pp. 253-259, 2016
Universidade Federal do Maranhão

Mesas temáticas coordenadas


Recepção: 22/02/16

Aprovação: 06/06/16

Resumo: O presente trabalho analisa o processo migratório em áreas de reforma agrária na Amazôniamaranhense, uma das regiões mais pobres do Brasil. Analisa especificamente Alto Bonito (assentamento Cigra), uma comunidade resultante da luta pela reforma agrária no estado do Maranhão. Discute o processo migratório na formação histórica brasileira, tendo como referência a migração dos trabalhadores do campo, aqui denominados migrantes da terra, destacando-a como uma das consequências do avanço do capital no campo, articulada à fragilidade das políticas públicas para o campo. Aborda também, o papel dos movimentos sociais e a relação destes com o processo migratório, tendo por referência as lutas camponesas desenvolvidas a partir da década de 1950, demarcando o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), enquanto organização política camponesa da comunidade pesquisada.

Palavras-chave: Migração, questão agrária, assentamento.

Abstract: This paper analyzes the migration process in agrarian reform areas in the Amazon state of Maranhão, one of the poorest regions of Brazil. Specifically analyzes the Alto Bonito community (Cigra settlement) a community resulting from the struggle for agrarian reform in the state of Maranhão. Discusses the migration process in Brazil's historical formation, with reference to the migration carried out by workers of the field, here called migrant land, highlighting the phenomenon as a consequence of the capital improvement process in the field, linked to the fragility of public policies for the field. Also discusses the role of social movements and their relation with the migration process, with reference to the peasant struggles carried out from the 1950s, marking the Movement of Landless Rural Workers (MST), while peasant political organization of the community searched.

Keywords: Migration, land issues, settlement.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo trata de duas questões bastante relevantes para entender o debate da formação social e política do Brasil. São elas: a questão agrária e a migração com seus desdobramentos, a partir da dinâmica política e social do campo, tendo como referência a primeira metade do século XX. A migração constitui a formação da sociedade brasileira, estando presente mesmo antes da colonização ibérica, fazendo parte da dinâmica da sobrevivência dos povos que aqui já viviam a milhares de anos. Porém, com a colonização este processo vai se intensificar na dinâmica dos povos que aqui viviam, assim como dos que para cá vieram. Com o processo migratório geral, os sujeitos sociais do campo, assim como das cidades vão encontrar na migração uma forma de manter a sua própria sobrevivência e sua reprodução social, perpassando todo o período da formação brasileira até os dias atuais.

Com relação à questão agrária, especificamente, esta se coloca como de grande importância para a apreensão da formação do Brasil, destacando-se aqui, a relação intrínseca desta com o processo migratório, entendendo-a, no entanto, como uma expressão da luta de classes no campo. Neste sentido, este trabalho tenta analisar a relação entre estas duas questões que são bastante pertinentes para se entender o atual contexto sócio politico brasileiro.

Metodologicamente, este artigo resulta de pesquisa realizada sobre o processo migratório nas áreas de reforma agrária no Maranhão, tendo como realidade empírica o Assentamento Cigra, no município Lagoa Grande do Maranhão. Tal pesquisa foi desenvolvida junto ao Curso de graduação de Geografia, na Universidade Estadual Paulista (UNESP). Neste sentido, apresento aqui o resultado de parte do trabalho de revisão bibliográfica e da pesquisa de campo, entendendo como dever de todo pesquisador democratizar toda e qualquer produção de conhecimento que seja feita em nome dos sujeitos pesquisados e pelo aval de instituições públicas como é neste caso.

2 A QUESTÃO AGRÁRIA E A MIGRAÇÃO: duas questões pertinentes

A questão agrária brasileira constitui questão irresoluta em nosso país (OLIVEIRA, 1993) desde o início da sua formação, tendo como consequência os constantes conflitos entre os que detêm a posse e posteriormente a propriedade da terra e aqueles que não a detêm. A luta pelo direito ao trabalho encontra-se associado à luta pelo direito à terra, o que desencadeou momentos de intensos conflitos entre as classes grupos cujos interesses apresentam-se completamente antagônicos.

Nesse sentido, podemos destacar a resistência indígena em todas as regiões do país, assim como a massa de trabalhadores escravizados, arrancados de seus territórios na África que por mais de trezentos anos foram colocados na condição de escravos, e mesmo os trabalhadores camponeses considerados livres, mas sem o direito de ter à terra, que viviam em condições de subordinação em que os senhores da terra determinavam sua permanência de explorados no campo.

No Brasil, essa dinâmica de exploração dos trabalhadores no campo vem desde a colonização portuguesa, que utilizava a força e as armas para manter a dominação e garantir as condições para exploração e a espoliação das riquezas. Esse mecanismo foi determinante para a consolidação de uma burguesia agrária, que conseguia manter o domínio pela força e articulava instrumentos políticos e jurídico sem cada período histórico para manutenção do sistema, criando mecanismos que pudessem garantir a exploração e a reprodução dos interesses da colônia e posteriormente dos interesses da classe dominante no Brasil.

Dentre as diversas formas utilizadas para garantir esses interesses destacamos as legislações de controle social e político como, por exemplo, a Lei de Terras, em 1850, que liberta a terra e mantém os camponeses cativos (MARTINS, 2010). Outro exemplo são as leis que flexibilizavam a condição de exploração da força de trabalho escrava, como a Lei sexagenária e a Lei do ventre livre, que embora apareçam como conquista, na essência são uma forma de garantir que o processo de exploração permaneça sem que fosse necessário abrir mão do sistema escravocrata.

Compondo o instrumento jurídico a ser destacado, leis vão ser criadas para dar condições para a entrada de imigrantes no país, como forma de assegurara força de trabalho necessária para o trabalho agrícola em um contexto de pressão social pelo fim da escravidão. Dessa forma, criaram-se as condições para libertar a força de trabalho escrava, dando garantias ao controle político e legal da terra com a lei de terras citada, assim condicionando as formas de exploração da força de trabalho que garantiriam a reprodução de sistema do capital sem perder a hegemonia política da burguesia agrária e o controle absoluto da propriedade privada da terra. No final do século XIX e início do século XX, o país vivia um tímido surto da industrialização (KONDER, 2010) e foi neste momento a constituição de uma burguesia industrial que avançava principalmente na região Centro Sul do país, com o detalhe de que esta produção demandava força de trabalho livre para alavancar a indústria que começava a se instalar no Brasil, o que confrontava com os interesses da burguesia agrária que queria permanecer com o sistema econômico e produtivo baseado na força de trabalho escrava.

Essa disputa de interesses intra-classevai até a década de trinta do século passado, quando então a burguesia industrial passa a deter a hegemonia política nacional e determina a fase da industrialização no país. Porém, cabe destacar os acordos desta burguesia nascente: a garantia dos interesses da burguesia agrária, ou seja, a não alteração na estrutura e na propriedade da terra, assim como a manutenção da classe camponesa em condição subalterna aos interesses da classe burguesa agrária.

A manutenção do controle agrária pela burguesia nos leva a perceber como o processo de manutenção da questão agrária tem suas origens no processo de formação brasileira. Esta questão apresenta, historicamente, como característica central a exploração e a expropriação das famílias camponesas, o que implica em grandes e intensos conflitos, o que condiciona-as à condição de migrantes da terras1, o que se justifica pela necessidade imperiosa que estas famílias vivenciam de busca por outros espaços para sua reprodução social. Esses migrantes compõem a formação da classe camponesa do Brasil, a exemplo das famílias sem terra, consideradas uma expressão dessa classe, afinal,

[...] a maioria absoluta dos trabalhadores, ex-escravos e imigrantes começaram a formação da categoria, que na segunda metade do século XX, seria conhecida como Sem-Terra. Lutaram pela terra, pelo desentranhamento da terra, numa luta que vem sendo realizada até hoje. Essas pessoas formaram o campesinato brasileiro, desenraizadas, obrigadas a migrar constantemente. Do Sul para o Nordeste e para o Norte. Do Nordeste para o Sudeste, Sul e Norte. Do Norte para o Sudeste. Do Sudeste para o Nordeste, esta é uma história de perambulação e de resistência camponesa. A ocupação pelos camponeses sem-terra era e é a principal forma de ter acesso a terra. A ocupação tornara-se uma ação histórica da resistência. (FERNANDES, 1999. p. 18).

A dinâmica migratória dos camponeses era feita, em primeiro lugar, para garantir os interesses da classe dominante de cada período e, em segundo lugar, a migração era levada por necessidades de buscar a terra e trabalho. Dessa forma, seja pelo mecanismo de controle político, seja pela necessidade, a migração, como interesse do capital, aparece em todo o processo de formação brasileira, desde a colônia aos dias atuais.

Esse movimento dos trabalhadores do campo em busca de terra perpassa todo o século XX, a exemplo das lutas camponesas na segunda metade do século XX, onde camponeses organizados nas Ligas Camponesas, sindicatos, organizações de base ligadas à Igreja desencadearam a luta contra o capital no campo. Essas lutas possibilitaram a organização política e luta coletiva dos migrantes da terra, que lutavam para sua reprodução social e contra o capital muitas vezes de formas isoladas e agora se reconhecem como sujeitos coletivos e políticos organizados em movimentos sociais. As famílias sem terras, indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, camponeses, enfim todos os grupos sociais que representam a classe camponesa no campo que se expressam e se mobilizam de forma diferente, contrariando a determinação da hegemonia ideológica do sistema.

Para Martins (1983), os camponeses são insubmissos na sua condição de classe, e para isso vão contra a ordem estabelecida, seja esta instituída pelo latifúndio ou pelo Estado. Fazendo, então, o enfrentamento à deu, se deu o processo de territorialização das organizações políticas do campo contra a consolidação do capital na década de 1950 e nos primeiros anos da década de 1960. Essas organizações foram importantes na luta pela reforma agrária e na luta contra o Estado autoritário brasileiro que, há tempos, encontrava-se articulado com os interesses do capital internacional.

Reiterando a dimensão histórica da questão agrária e da migração na formação brasileira, podemos perceber que os migrantes da terra de ontem são os migrantes da terra de hoje, com particularidades distintas, no entanto com elementos comuns que precisam ser destacados, dentre eles, a luta, a resistência e a organização desses migrantes, o que acontece de forma articulada através de sujeitos coletivos representados em organizações políticas.

3 A ATUALIDADE DA QUESTÃO AGRÁRIA E OS NOVOS VELHOS MIGRANTES DA TERRA

A partir da década de 1940 as organizações políticas, religiosas e de trabalhadores, passaram a pautar efetivamente o tema da questão agrária, superando os limites do debate realizado até então. Neste período, a reivindicação da terra passa também pela reivindicação de políticas públicas, em especial as de reforma agrária, como as de políticas agrícolas, de educação e de saúde para o campo. Assim, o debate da reforma agrária adentra o cenário político nacional, sendo incluído na agenda do Estado. A partir desse período a luta pela terra assume forma mais articulada, buscando desenvolver ações menos isoladas e envolvendo vários sujeitos políticos e sociais, uma vez que naquele momento as organizações do campo conseguiram pautar, com mais consistência, a questão agrária em espaços sociais e políticos importantes como os partidos políticos, as organizações dos trabalhadores e a própria academia.

Este fato representou um avanço na luta política no campo, o que significou algo positivo para as organizações camponesas que fazem a luta pela terra. Esta, por sua vez, foi assumindo outras dimensões políticas que marcaram a segunda metade do século XX. Daí em diante o país passou a conhecer outra forma de resistência e luta pela terra, a partir de processo mais articulado, incluindo de vez no vocabulário da política brasileira a bandeira da reforma agrária. Isso ocorreu como resultado da organização dos camponeses em vários espaços políticos, tais como sindicatos, associações, cooperativas, Igrejas ou partidos. Articulados, os camponeses passaram a enfrentar de frente o latifúndio. Neste sentido,

Particularmente a partir dos anos 50, camponeses de várias regiões do país começaram a manifestar uma vontade política própria, rebelando-se de vários modos contra seus opressores, quebrando velhas cadeias, levando proprietários de terras aos tribunais para exigir o reparo de uma injustiça ou o pagamento de uma indenização; organizando-se em ligas e sindicatos; exigindo do Estado uma política de reforma agrária; resistindo de vários modos a expulsões e despejos; erguendo barreiras e fechando estradas para obter melhores preços para seus produtos (MARTINS, 1983, p. 10).

A citação acima dá a dimensão do que estava acontecendo no campo brasileiro em meados do século XX, demonstrando a insatisfação dos camponeses com as questões relacionadas à terra, explicitando o que já foi apresentado anteriormente, o debate da questão agrária e o processo migratório como duas faces da mesma moeda, já que são duas questões inerentes á organização social no campo, e que contraditoriamente interessam ao desenvolvimento do capitalismo, obviamente, desde que esteja nos marcos de controle produtivo do capital.

A luta contra o capital no campo, até recentemente era expressa na relação direta entre o latifúndio e o camponês. Hoje o avanço das relações capitalistas no campo é hegemonizado por esse mesmo latifúndio, porém, agora utilizando novas facetas, expressas nas atividades do agronegócio. No Maranhão, o agronegócio ganha força a partir da produção de soja no sul do estado, na década de 1980, mas também da produção da soja, eucalipto, bambu, dentre outros monocultivos. Todos, tendo como principal interesse o mercado externo.

O debate acerca desse tema toma forma principalmente a partir da segunda década de 1990 quando se consolida a partir da bandeira do desenvolvimento do capitalismo na agricultura no Maranhão, através da produção de commoditties, articulada à implementação de políticas públicas, cujo destaque são os apoios de instituições financeiras, com incentivos e isenções fiscais, assim como iniciativas de infraestrutura que beneficiam, essencialmente, os grandes projetos econômicos. Por outro lado, registra-se as dificuldades para os grupos de camponeses no tocante ao acesso às políticas.

Compondo o debate, ideologicamente os camponeses enfrentam as investidas e ataques constantes aos propósitos da luta pela reforma agrária. Neste sentido, acontece tanto pelo Estado, através dos três poderes, manifestações contrárias à organização política camponesa. Por exemplo, no legislativo das três esferas de poderes é notória a ação articulada da bancada ruralista que promove intenso e constante debate contra projetos que fortaleçam a reforma agrária e beneficiem as práticas produtivas de natureza destrutiva do capital no campo, como é o caso da aprovação do Código Florestal e a proposta do Código da Mineração, atualmente em debate no Congresso Nacional. Os dois casos apresentam-se como emblemáticos na disputa dos modelos de produção no campo.

Particular destaque neste processo assume a mídia conservadora, que cumpre papel de endemonizar a luta e as organizações do campo, promovendo informações descontextualizadas, estigmatizadoras e preconceituosa sobre os processos e situações que envolvem as famílias do campo, sejam elas quilombolas, assentadas, indígenas, ribeirinhas ou extrativistas.

No Maranhão, as históricas relações entre fazendeiros e camponeses, agora mediadas pelas determinações do capital, apresentam elementos de violência e perseguição, cuja base está na expropriação dos meios de reprodução social deste segmento. Dentre as consequências sofridas pelas famílias camponesas é a migração. Porém, observa-se no estado, que mesmo famílias que lutaram e conquistaram áreas de assentamentos de reforma agrária vivenciam a migração, tendo como determinante a complexidade das políticas de reforma agrária que, de maneira geral, não criam condições de trabalho e manutenção das famílias na terra.

No caso da comunidade Alto Bonito, no assentamento Cigra, a caracterização das políticas acessadas pelas 57 famílias ali assentadas mostra, de forma contundente a precariedade e fragilidade das ações que deveriam constituir os pilares da reprodução camponesa nos assentamentos. A pesquisa ali realizada mostra que 77% das famílias recebem algum tipo de programa assistencial, todos do governo federal, nenhum de responsabilidade estadual ou municipal. Os programas acessados são, basicamente, o Programa Bolsa Família, Aposentadoria ou o Auxílio-maternidade e Auxílio- doença.

Os desdobramentos destas políticas apresentam questões ou situações complexas e delicadas, a exemplo do Programa Bolsa Família, que apesar de constituir-se programa da gestão pública federal é implementado por ações da gestão municipal, o que implica em relações políticas bastante complexas entre o público beneficiado e poderes políticos locais, tanto públicos quanto privados. Tal contexto possibilita a fragilidade política das famílias pobres, principalmente do campo e, isto porque, muitas vezes, as famílias precisam submeter-se a relações determinadas por gestores municipais, constituindo sua inserção no Programa moeda de troca política. A fragilidade e dependência política das famílias perante esses gestores possibilitam que estes, muitas vezes, se utilizem do programa para fazer controle social.

Em termos dos poderes privados, as famílias, por exemplo, são comuns as denúncias de situações de pressão a que comerciantes locais tentam o controle de compra, chegando ao extremo de apreensão dos cartões magnéticos dos beneficiados, na tentativa da submissão política e econômica das famílias.

Importante destacar que apesar dos programas públicos comporem renda complementar para as famílias, não estão impedindo fluxos migratórios da comunidade e do assentamento, nem mesmo têm dado conta das demandas existentes. Em termos das políticas, a juventude é o grupo que mais é afetado pela fragilidade destas, vendo na migração, alternativas para o trabalho e a geração de renda. Para isso, pagam o preço da distância da família, da falta de convivência com a comunidade e o choque de cultura e de valores de outros estados e regiões para onde se deslocam.

No que se refere ao tipo de produção, a comunidade tem como matriz tecnológica da produção agrícola a roça no toco, que é o sistema de corte, queima e limpeza da área, prática bastante rudimentar, pois todo o processo é feito com o uso de foice e facão. A pesquisa mostra que 100% das famílias desenvolvem práticas agrícolas, com o plantio de arroz, feijão, milho, mandioca e legumes típicos da região, como quiabo e abóbora. Em termos da produção pecuária, existe a criação de gado bovino para corte, assim como animais de médio porte como suíno e caprino, e ainda animais de pequeno porte como aves.

Porém, apesar de todas as famílias envolvidas no processo produtivo, a produção agrícola é basicamente para o auto sustento, sendo comercializados os produtos excedentes. A comercialização deste excedente agrícola, assim como do gado de corte, geralmente é feita através de atravessadores, sujeitos que comprometem todo o sistema produtivo, por manter controle comercial da produção, determinando preço e condições de compra da produção. Tal situação advém das dificuldades das famílias assentadas terem condições de comercialização, posto não existir a efetivação de políticas públicas que viabilizem, de forma consistente, esta fase da produção.

Sobre as justificativas para a migração apresentadas para a pesquisa, consta a insuficiência do trabalho agropecuário na geração de renda para a manutenção das famílias, não sendo suficiente a renda, em geral, nem para o autoconsumo, muitas vezes. Outro elemento importante é a contribuição da renda adquirida na migração para a estruturação mais adequada dos lotes produtivos, ou seja, os recursos ganhos são investidos diretamente na produção, assim como na própria moradia do migrante.

De forma bastante expressiva foi dada ênfase à necessidade dos jovens migrarem, estando entre os maiores motivos a necessidade de ajuda financeira que as famílias têm e o não acesso destes às políticas produtivas de reforma agrária. A dificuldade de acesso a estas políticas pelos jovens deve-se à sua condição de não assentado.

É explícita a diversidade da migração, onde os migrantes tomam os rumos mais diferenciados possíveis, viajando para o vizinho estado do Pará, circulando por boa parte do país e, inclusive, saindo deste. No entanto, fica muito bem demarcado que o destino principal seguido pelos migrantes do Alto Bonito se concentra na região Sudeste e, observando mais atentamente, se percebe que este destino é um dos territórios da cana-de-açúcar no estado de São Paulo. A mobilidade dos camponeses migrantes pode ser observada no Mapa 1.

As atividades produtivas levantadas em que se empregam durante o período migratório mostram a diversidade de ramos em que esses migrantes se envolvem. Foram identificadas atividades como açougueiro, operário da construção civil, operário fabril, doméstica, babá, balconista, garçonete, carvoeiros, plantio e colheita de tomate, batata e cenoura, crediarista, juquireiro2, garimpeiro, e atividades gerais na produção de cana-de- açúcar e soja. Uma das curiosidades acerca de tal informação é a capacidade laborativa do grupo, que vai se adequando às diversas realidades e tipos de trabalho, dentre os quais se percebe que muitos não são agrícolas. Em outras palavras, enquanto assentados da reforma agrária, estes migrantes encontram-se submetidos às condições complexas, pois precisam, para garantir a renda buscada, exercer papéis bastante distintos do seu trabalho no campo, de sua lida nas roças, num contexto completamente diverso do seu.

Das muitas informações obtidas na pesquisa, fica demarcado o alto índice de famílias com migrantes nesta comunidade, chegando a 66,60% do total das famílias. Tal índice merece uma reflexão, pois como justificar que famílias assentadas em áreas de reforma agrária, que em tese dispõem de um conjunto de políticas públicas que lhe assegurem sua reprodução social camponesa, necessitem migrar para os mais diversos lugares e regiões do país, e até para outros países, em busca de trabalho, como complementação de renda.

A pesquisa aqui apresentada, ainda que de forma sintética, mostra a complexidade das condições de vida e trabalho no campo, especialmente nos assentamentos rurais.


Mapa 1
Destino dos migrantes do Alto Bonito - Cigra (2010)
Organização de Dados: José Jonas Borges da Silva; Sistematização cartográfica: Tiago E. A. Cubas; Software de Cartomática: Phicarto; Base Cartográfica: Philippe Wainez; Fonte de DAdos: IBGE; Apoio: CEGEO. Guajarema, julho de 2011.

4 CONCLUSÃO

As famílias atendidas pela reforma agrária hoje são as famílias que viviam na condição de sem terra antes de serem assentadas, sujeitos históricos submetidos às condições de expropriação e de exploração por parte do latifúndio, mas que através da ocupação, a partir de um trabalho político organizativo, assumiram a identidade de famílias Sem Terra. São, pois, pessoas que vivem como sujeitos críticos de sua própria história, que se organizam e se reproduzem socialmente como camponeses Sem Terra.

É importante ressaltar que questões como a organização produtiva das famílias no Assentamento Cigra, o enfrentamento da questão agrária, a luta por políticas públicas, constituem situações que sempre foram mediadas pelo Estado, principalmente por três instituições: o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o governo do Estado do Maranhão e a prefeitura municipal. Estas, enquanto instituições públicas, representações e instâncias do Estado, sempre estabeleceram relações complexas com a comunidade em questão, já que desde o momento da ocupação até o acesso aos programas sociais, a aplicabilidade de qualquer conquista passou - e continua passando - diretamente por estas instituições públicas, o que interfere nas condições materiais de vida dessas famílias. Tal fato, porém, não desestimulou a busca pela autonomia e emancipação política das pessoas e da comunidade.

O modelo de reforma agrária estabelecido como política de Estado, articulado ao interesse do lucro capitalista, tem como objetivo o grau de inserção das famílias no mercado e a melhoria de sua qualidade de vida. Contraditoriamente, esses organismos não investem em questões estruturais (social e econômica) do assentamento. E, diante da inconsistência de uma política pública agrária e agrícola voltada às populações pobres do campo, a ação do Estado tem se dado através de políticas compensatórias, como os programas sociais, a exemplo do Programa Bolsa Família e Bolsa Jovem, e com projetos pontuais pensados em curto prazo, a exemplo dos projetos financiados pelo governo federal.

As observações apontam para o fato de que a migração em assentamento de reforma agrária tem constituído alternativa à precariedade das políticas de reforma agrária, na busca da garantia mínima de condições de sobrevivência para as famílias dos assentados e assentadas, ao mesmo tempo em que constitui, desde sempre, uma das formas de resistência do campesinato às dificuldades enfrentadas para sua reprodução e recriação.

Referências

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FERNANDES, B. M. Contribuição ao estudo do campesinato brasileiro: formação e territorialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST (1979-1999). 1999. 316 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.

KONDER, L. História das idéias socialistas no Brasil. 2. ed. São Paulo: Expressão popular, 2010.

MARTINS, J. de S. Expropriação e Violência: a questão política no campo. São Paulo: Editora Hucitec, 1980.

MARTINS, J. de S. O cativeiro da terra. São Paulo: Editora Contexto, 2010.

MARTINS, J. de S. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1983.

OLIVEIRA, F. de. A questão regional: a hegemonia inacabada. Revista Estudos Avançados, São Paulo, v. 7, n. 18, maio/ago. 1993. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/ea/v7n18/v7n18a03.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2015.

PRADO JR, C. História econômica do Brasil. 1. ed. 45. reimp. São Paulo: Editora Brasiliense, 1998.

RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Notas

1 A construção do conceito migrante da terra é como resultado das reflexões feitas a partir de leituras de autores como Fernandes (1999), Martins (1980), Ribeiro (1995), Prado Jr. (1998) e Andrade (1998). Apesar dos autores citados não fazerem qualquer referência ao termo, seus estudos mostram claramente a existência da particularidade deste tipo de migração, o qual permeia todo o processo histórico da sociedade brasileira. O conceito é usado para fazer referência às populações de trabalhadores do campo que, historicamente, migram na condição de vítimas da questão agrária. Neste sentido, como exemplo de migrantes da terra podemos pensar as comunidades originárias que aqui se encontravam quando da chegada dos portugueses, as quais, pressionadas pelo avanço da colonização, precisaram se deslocar continuamente para o interior do país em busca de novos territórios. Também os negros africanos viveram a condição de migrantes da terra, arrancados de suas terras e transformados em força de trabalho escrava, longe de seus lugares de origem (RIBEIRO, 1995). Atualmente, estes migrantes podem ser encontrados em todas as regiões do país, constituindo a classe camponesa expropriada de suas condições de trabalho e da própria terra pela dinâmica capitalista contemporânea, cujas expressões podem ser percebidas nas questões apresentadas pelos quilombolas, sem terra, indígenas, seringueiros, caiçaras, extrativistas.
2 Juquireiro: trabalhador de fazenda na atividade especifica do corte de Juquira, que é a designação regional para definir roçado, pastagem, mata que deve ser trabalhada.


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